Saga Sillentya: Espelho do Destino escrita por Sunshine girl


Capítulo 16
XV - Espelho Negro


Notas iniciais do capítulo

Demorei mas voltei...


Capítulo dedicado a shirayuuki-chan que indicou a música da Amy Lee...


E agora entramos na reta final!


Boa leitura!



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Capítulo XV – Espelho Negro

“De repente, eu sei que não estou adormecida,

Olá, eu ainda estou aqui,

E sou tudo o que restou de outrora”.

(Evanescence – Hello)

Há mais de oitenta anos, alguém precisou tomar uma decisão como a que eu mesma estava prestes a tomar.

Há mais de oitenta anos, uma garota apaixonada, desesperada por salvar a vida daquele que amava, lançou-se em um abismo negro e frio, deixando que ele lhe consumisse a carne, deixando que ele lhe consumisse a alma, para em troca de seu sacrifício, salvá-lo.

Caroline Monroe passou por essa mesma situação, sofreu com as mesmas dúvidas, e chorou, seu coração sangrou por saber que não havia outra opção.

Talvez como o meu naquele momento.

Mas que sentido teria a minha vida se Aidan perecesse?

O que me restaria?

A resposta estava bem diante de mim, um novo caminho, repleto de espinhos, dor, sofrimento e lágrimas.

Se eu decidiria segui-lo?

Não havia dúvida a respeito disso.

Sim; eu seguiria aquele caminho, eu não me importaria com o que aconteceria a mim mesma, ao meu corpo ou a minha alma quando o fizesse.

Mas tinha uma certeza, e esta era o meu único alento: Aidan sobreviveria.

“Ao nascer do sol, eu tornarei para saber sua resposta”, prometera-me Ducian. Mas nem mesmo um prazo precisaria ser estipulado. Eu estava certa, estava convicta. Estava ciente do sacrifício que deveria ser feito. E estava pronta para fazê-lo.

Já era madrugada. Aidan ainda continuava preso em algum lugar frio e escuro. E eu sentia a minha necessidade de vê-lo crescer mais e mais, até o ponto de quase me consumir.

No momento em que Ducian retirou-se, meus olhos perceberam, minha mente registrou esse fato: a porta não fora trancada.

Mas... Se eu deixasse o único lugar seguro para mim ali dentro, o que poderia acontecer?

Ao mesmo tempo em que meus receios me corroíam, meu desejo de vê-lo, de tocá-lo, de saber se ele estava bem me impulsionavam como uma catapulta. O desejo em meu coração era maior que meus temores?

Levantei-me de repente, a respiração pesada. Eu sabia o que queria. Eu sabia do que precisava. Precisava dele, precisava respirar o mesmo ar que ele, sentir seu calor outra vez, seu cheiro.

Levei uma de minhas mãos – trêmula e gelada – até a maçaneta e a forcei com suavidade, prendendo a respiração quando o fecho estalou, mas era um som que eu não ouvia há dias. O som de minha liberdade.

Puxei a porta lentamente, ciente de recuar se ouvisse passos ou vozes próximos a mim. Espiei pela pequena fresta, mas o corredor estava vazio. Nem sinal de algum Mediador transitando por ali.

Vagarosamente coloquei o primeiro pé para fora daquele cômodo que fora o meu clausulo nas últimas horas.

Fechei a porta atrás de mim, tomando cuidado para não produzir som algum. As velas iluminavam todo o corredor, mas o silêncio ainda me perturbava.

Devagar, caminhei, dando um passo, depois outro, e logo já me habituava a caminhar por aquele extenso e estreito corredor. Eu me lembrava perfeitamente das ordens de Ducian há algumas horas: Aidan devia ser levado para o calabouço, e pelo pouco que sabia, calabouços eram frios e escuros, isto significava que eu devia procurar por uma porta de ferro batido ou alguma coisa parecida.

Meus olhos percorriam as portas de madeira entalhadas e descartavam-nas, atrás delas não poderia haver uma prisão horrenda, apenas cômodos luxuosos como o que eu estivera há pouco.

Quando estava chegando ao final do corredor, avistei uma porta de ferro e corri até ela: tinha que ser aquela!

Tentei abri-la, mas era tão pesada e guinchava, arranhando o piso. Forcei-a um pouco mais até conseguir abrir uma fresta larga o suficiente para que eu pudesse me esgueirar e passar.

E o que encontrei lá dentro fez um calafrio subir através da minha espinha e os pêlos de meus braços eriçarem-se.

O ambiente era tenebroso, havia uma escada em caracol, que ao meu ver parecia interminável e que acabaria por me levar até o inferno quem sabe.

Ainda havia alguns candelabros iluminando meu caminho, a cera das velas derretendo sobre o suporte, enquanto o fogo lutava para se manter aceso. Uma iluminação opaca, mas era melhor do que caminhar às cegas.

Devagar desci as escadas, temendo tropeçar nos degraus íngremes, usando as palmas de minhas mãos para me escorar pelas paredes úmidas e frias de blocos de pedra.

Quando o último degrau se foi, encontrei-me em alguma espécie de masmorra medieval. Havia tantas celas ali, todas com grossas portas de ferro, com apenas uma pequena fresta com grades por onde a tosca iluminação poderia penetrar cela adentro.

O ar era parado, bolorento, difícil de respirar, pesava em meus pulmões.

Aproximei-me da primeira cela, erguendo-me na ponta dos pés a fim de olhar lá dentro. Havia alguém preso ali, e o mau cheiro de carne apodrecida era terrível.

A cela era tão estreita quanto uma caixa de fósforo. E o homem prisioneiro ali, tinha nos pulsos pesados grilhões, ligados a correntes grossas de ferro, que suspendiam seus pulsos e os prendiam em cada extremidade da parede.

Sua fronte estava pendida para baixo e não me permitia ver o seu rosto, mas pela cor arruivada de seus cabelos, sabia que não era quem eu procurava.

Recuei da primeira cela, passando para a próxima, mas esta se encontrava vazia, então repassei para a seguinte.

Olhei em cada cela, esperançando em cada uma delas encontrar o meu amado. Mas era sempre em vão, a cela ou estava vazia ou era habitada por uma pobre alma sentenciada a permanecer abandonada naquele buraco.

Estava olhando em uma das últimas celas, quando o encontrei. Ele estava exatamente como os outros, abatido, os pulsos presos à parede, ajoelhado no chão e quando sentiu minha presença ali, seus olhos arregalaram-se, apavorados:

- Agatha, o que está fazendo aqui?

Ignorei seu sermão, enquanto ele lutava contra as algemas para poder se aproximar de mim. Impossível.

Meus dedos envolveram as barras de ferro da pequena janela, eu desejava tanto tocá-lo, saber se seus ferimentos já haviam se curado.

Desviei os olhos de Aidan, procurando pelas chaves daquela grossa tranca, e lá estava, pendurada na parede por um suporte, um grande molho de chaves.

Apanhei-a e depois corri até sua cela novamente, tentando chave por chave, até encontrar aquela que destrancara o cadeado. Ele caiu com um pesado baque aos meus pés, seguido da grossa corrente, e em seguida eu já puxava a porta, adentrando a escuridão e ao silêncio ainda mais perturbador que prevalecia naquela cela.

Ainda ignorei os protestos de Aidan sobre eu estar ali, sobre ter deixado a segurança de meu clausulo somente para vê-lo, antes de cair diante dele e passar meus braços ao redor de seu corpo, apertando minha face contra seu peito, ouvindo o som descompassado de seus batimentos e sorrir.

- Você não devia estar aqui... – sussurrou ele, no fundo, eu sabia, tão aliviado quanto eu por ver sua outra metade bem.

- Eu queria te ver. – murmurei, sorvendo seu cheiro, tentando prolongar nosso momento a qualquer preço, a qualquer custo.

Aidan suspirou, seus braços nem mesmo poderiam me envolver naquele momento, isso me fez desejar ainda mais jamais ter me separado dele, jamais tê-lo deixado só.

Porque tudo seria diferente se eu tivesse tomado outro caminho, se tivesse escolhido outro rumo que não fosse a estrada da vingança e do ódio.

Tudo era culpa minha. Eu o afastei de mim. Eu era a culpada por tudo de ruim que estava acontecendo agora.

O que eu não daria para voltar naquela noite em que descobri tudo? O que eu não daria tudo para pegar na mão dele e dizer que não tinha importância, que estava tudo no passado. Mas meu ódio havia me cegado, meu rancor havia falado mais alto, e ali estavam as conseqüências.

Apertei os olhos e trinquei os dentes, a dor era culpa era mais do que eu podia suportar.

- Por quê, Aidan? Por que você voltou? Você não devia estar aqui...

De inicio, ele não me respondeu, deixou que nosso momento doloroso fosse regado pelo silêncio e por minha amargura.

Mas depois, ele curvou sua face, repousando seu queixo no alto de minha cabeça, eu me afastei, queria tanto olhá-lo nos olhos, queria tanto lhe pedir perdão por tudo, queria voltar no tempo e mudar tudo o que havia acontecido entre nós dois.

Ele crispou os lábios, pensativo, os olhos compadeciam-se de meu sofrimento, observavam as lágrimas em meu rosto e mais nada...

- Eu voltei porque não tinha a intenção de continuar vivendo depois que te deixei. Não me resta mais nada sem você, Agatha. – confessou-me ele, aumentando a minha dor, esfregando sal em minhas feridas, porque a culpa de tudo isso ainda era minha, se apenas eu o tivesse mantido ao meu lado.

Meus dedos agarraram o tecido de sua camisa, e eu baixei minha face, envergonhada, desolada, sentindo-me enganada, abandonada.

- Você me prometeu que não voltaria aqui... – era a verdade, por que ele quebrou sua promessa? Mesmo que na época eu o odiasse, não queria vê-lo morto, não queria vê-lo aqui, preso, cativo, sofrendo.

Então, eu percebi. Aidan quebrou sua promessa porque eu havia sido a primeira a romper meu juramento. Em um passado longínquo e feliz, eu prometi a ele que permaneceria ao seu lado, independentemente do que acontecesse, independentemente do que ele pudesse ter feito em seu passado sombrio.

E agora essa promessa, esse elo que nos unia estava rompido, quebrado, partido. E apenas eu poderia uni-lo outra vez, apenas eu, com a minha decisão, poderia restabelecê-lo.

Sustentei meu olhar mais uma vez e vagarosamente toquei a sua face. Seu rosto, embora severo, suavizou-se com meu toque e eu entendi. Eu vi o quanto o havia ferido, o quanto o havia magoado.

Minhas palavras foram como pontas de lanças para ele. Meu ódio foi como o veneno, bebida mortal que embebedou nosso amor.

Entreabri meus lábios, respirando lentamente, e minha face aproximava-se da dele, até que minha testa encostou-se a dele, ternamente. Fechei meus olhos. Naquele momento, a vela da chama de meu amor queimava novamente, e impulsionava-me a abrir meu coração para ele, mais uma vez, uma última vez.

E ainda com os olhos selados pela vergonha, eu finalmente me abri para ele:

- Sinto muito, Aidan... – não era o suficiente, não era o bastante, então me esforcei para dizer as palavras certas – Eu sinto tanto... por tudo... – e finalmente, aquela palavra despontou na ponta de minha língua, pronta para ser proferida, o pedido pronto para ser feito – Perdoe-me, meu amor? Perdoe-me? Eu não devia ter dito todas aquelas coisas horríveis a você, todas aquelas palavras horrorosas... Por favor – supliquei, em meio à minha dor – diga que me perdoa...

- Agatha... – ele sussurrou em resposta, a voz intensa e carregada de um sentimento tão profundo, tão belo, que definitivamente eu não o merecia.

Pela primeira vez, ousei abrir os olhos, e o fitei, aqueles olhos que por tantas vezes foram o meu porto-seguro, o meu refúgio, o meu lugar de descanso, eles estavam ali. E eles me perdoavam.

Não pude mais me controlar, e desabei em lágrimas ali mesmo, eu fora perdoada. Tudo era esquecido, tudo era apagado. E de repente, nosso elo havia sido refeito, meu amor por ele ardia novamente, como a chama que jamais deveria ter sido extinguida, jamais deveria ter sido apagada.

Se ainda houvesse alguma dúvida, se ainda restasse alguma hesitação dentro de mim, naquele momento ela se esvaecia, desintegrava-se ao vento, como a areia é carregada para longe no deserto, como ela é soprada, minhas dúvidas eram levadas para longe de mim.

Não. Não havia dúvida alguma. Eu entraria por essa porta. Eu tomaria essa decisão. Eu daria a minha vida por ele. Porque agora que havíamos reatado nosso amor, nada seria mais doloroso para mim do que perdê-lo, do que deixá-lo perecer naquele inferno.

E se fosse da minha vida, do meu sangue, da minha alma que ele precisasse, como poderia lhe negar? Como poderia abandoná-lo?

Não, eu não o deixaria mais, nunca mais. E ainda se o fizesse, seria apenas para deixar este plano, deixar este mundo atribulado, deixar esta vida de dissabores e desilusões, vida que só me trouxe uma coisa de bom: o amor dele.

O mesmo amor que por tantas me salvou, que por tantas vezes retirou-me do precipício da loucura, resgatou-me dos braços da morte e libertou-me de meus medos, de minha solidão, de meu vazio. Libertou-me de mim mesma.

Apenas ele era merecedor de tamanho sacrifício, porque nenhuma outra pessoa me entendia como ele, nenhuma outra pessoa me conhecia como ele, e me amava como ele.

Seus olhos ainda me roubavam todo o ar, somente por me olhar daquela maneira, somente por transmitir tanto amor e tanto afeto, sentimentos estes que eu jamais mereci. Aidan sempre disse que não era merecedor de alguém como eu, mas era justamente o contrário.

Eu não o merecia.

- Agatha, eu nunca guardei ressentimentos de você... – sussurrou ele, tentando me consolar, mas eu não poderia descansar, não poderia perdoar a mim mesma, não enquanto ele não disse que me perdoava primeiro, dissesse que estava tudo no passado.

Envolvi seu rosto cansado e abatido com minhas mãos, tentando mais uma vez, tentando fazê-lo entender que era uma necessidade para mim, que ele precisava me perdoar.

- Por favor, apenas me diga... Diga que me perdoa...

Ele fechou os olhos e lentamente meneou a cabeça, quando os abriu novamente, estes estavam cheios de uma alegria incontida:

- O erro foi meu, Agatha, não seu. Portanto se tem alguém que precisa ser perdoado aqui, esse alguém sou eu. Pare de se culpar por tudo, eu já lhe disse que jamais guardei ressentimentos de você.

Minha única reação, meu único instinto foi envolvê-lo com meus braços e abraçá-lo, enterrando minha face em seu ombro.

Aidan relaxou, sua respiração tornou-se suave e lenta, enquanto eu mesma tentava agarrar-me a aquele nosso momento, o último que podíamos partilhar, pois amanhã era muito provável que tudo mudasse, que nada voltasse a ser como era antes.

Ele inspirou em meus cabelos devagar e então sussurrou:

- Estava preparado para perdê-la para sempre quando deixei a mansão, mas parece que não é isso que o destino deseja, Agatha, diga-me, como você parar aqui?

Decidi abrir o jogo com ele de uma vez só, não tinha nada a perder de qualquer maneira:

- Há um traidor em Ephemera, essa pessoa, seja quem for, usou Damien para me atrair para fora da mansão, por sorte eu consegui evitar que ele também fosse capturado, mas Daisuke...

Trinquei os dentes e obriguei-me a continuar:

- Daisuke fez tudo o que pôde para salvar tanto a mim quanto a ele, e deu a vida por isso.

- Desculpe. – murmurou, sua voz tornando-se amarga e melancólica de repente. Sustentei meu olhar até o dele, vendo a culpa estampada em seus olhos, endurecendo seu rosto e afastando-o de mim – Se não tivesse te deixado na mansão, nada disso teria acontecido...

- Não se culpe, era para ter sido assim. O destino quis assim.

- E agora o quê? – ele perguntou, zangando-se – O que o destino fará conosco, agora?

Tornei a pousar meu rosto em seu peito, ouvindo a palpitação acelerada por cima do tecido de sua camisa, eu poderia morrer ouvindo aquele som doce e apaixonante.

Era o som que simbolizava a vida dele, a vida de meu amor. E eu faria tudo, faria qualquer coisa para que ele jamais se extinguisse.

- Eu não sei, mas não tenho medo, não se estiver com você.

- Agatha, prometa-me que não cairá em nenhuma das artimanhas de meu mentor. Ducian é esperto e ele dará algum jeito de lhe fazer mal, por favor, prometa-me que não interferirá em meu julgamento amanhã.

- Como pode me pedir isso? – indaguei, apertando-me mais contra ele, desejando fundir-me a ele naquele momento.

- Por favor, não faça nada que te prejudique diante das Sete Tristezas, se você ficar bem, então eu posso enfrentar qualquer coisa, mas se não tiver essa certeza, eu enlouquecerei.

Não o respondi. Como poderia dizer a ele que já havia tomado minha decisão? Que amanhã, em seu julgamento, o meu destino seria selado, para sempre.

- Nenhum deles te machucou, machucou?

Fiquei feliz que ele tivesse mudado de assunto, queria explicar a ele sobre Crystal, mas achei melhor guardar isso para mim mesma.

- Não se preocupe comigo, eu estou bem, Benjamin está cuidando de mim...

Abruptamente, Aidan enrijeceu, prendeu a respiração, e eu não entendi sua reação. Afastei-me dele, olhando em seus olhos alarmados.

- Aidan, o que foi? Eu disse algo?

Então, ele soltou o ar que havia prendido, mas ainda estava tão distante e pensativo.

- Aidan, o que houve? – tornei a perguntar.

Ele sacudiu a cabeça e finalmente se explicou, ou pelo menos, tentou:

- Agatha... Tem certeza? Benjamin está cuidando de você?

Assenti com a cabeça e isso só agravou seu estado de confusão e incredulidade.

- O que foi? Por que você está assim? O que há de errado com Benjamin?

- Agatha, Benjamin, ele...

De repente, passos foram ouvidos por mim e Aidan, descendo as escadas de pedra. Seus olhos castanhos, estreitados, já me disseram o que fazer:

- Depressa, você precisa ir... Alguém está vindo!

Despedi-me dele, relutantemente, dando-me ao luxo de envolver seu rosto e depositar um beijo em seus lábios.

- Eu te amo. – sussurrei, antes de me levantar dali em posse das chaves, trancar a cela de Aidan com todo o cuidado, pendurá-las na parede novamente e então, corri até os fundos do corredor, ocultando-me nas sombras.

Ouvi vozes masculinas, e depois os passos refaziam seu trajeto, desaparecendo no silêncio perturbador que ali predominava.

Respirei aliviada, mas não podia relaxar, não ainda. Corri de volta às escadas, subindo-as com cuidado, produzindo o mínimo de ruído possível, e então alcancei a pesada porta de ferro.

Empurrei-a um pouco, espiando pela pequena fresta, e recuando quando vi duas figuras envoltas em mantos vermelhos conversando no extenso corredor enquanto caminhavam.

Quando elas desapareceram de minha vista, empurrei a porta novamente, deslizando pela brecha cuidadosamente, e fechando a porta, sem olhá-la, empurrando-a com as palmas das mãos.

Minhas costas encostaram-se a sua superfície gelada e rígida e então, eu me permiti respirar novamente. Ainda precisava retornar ao meu esconderijo.

E estava prestes a fazer isso. Realmente o teria feito. Teria. Se uma brisa gélida não tivesse soprado em minha nuca, fazendo-me gelar dos pés à cabeça.

Imaginei quem poderia ter me pegado ali, e conjeturando que eu estava tentando fugir, castigar-me-ia cruelmente.

Lentamente, girei o tronco a fim de ver o rosto de meu carrasco, e era muito pior do que havia imaginado.

Porque me fitando com olhos tão cruéis e traiçoeiros quanto os olhos de uma cobra peçonhenta, estava Crystal.

Ela suspirou novamente, e seu hálito gélido alcançou minha face, fazendo-me tremer como uma presa diante de seu predador.

Seus braços estavam cruzados e sua postura sugeria-me serenidade, mas eu sabia que era apenas uma fachada, e muito elaborada, como uma máscara de impassibilidade cuidadosamente composta para ocultar a face de um demônio.

Entreabri os lábios para que pudesse respirar, meus pulmões comprimiam-se, e meus pés, instintivamente, recuavam, um passo de cada vez.

E então, a fera sorriu...

- Não precisa tentar bancar a inocente, eu vi você entrando na masmorra, e sei que era para vê-lo. – murmurou, friamente, os olhos estreitando-se de indiferença.

- Não... – mesmo que fosse inútil tentar negar, eu tinha que defender minha vida, não tinha? Pelo menos até o momento em que tivesse de sacrificá-la.

Engoli em seco e recuei um pouco mais, Crystal não se moveu, mas seus olhos não deixavam escapar um movimento sequer de meu corpo, nem mesmo o mínimo arfar de meus pulmões.

Ela riu de minha tentativa fracassada e avançou em minha direção, descruzando seus braços, seus olhos, de repente, não estavam apenas venenosos, estavam irônicos.

- Quer que eu divida com você os meus melhores momentos com Aidan? Foram tantos! Aposto que você nem sabe do que estou falando, não é mesmo? – ela riu novamente, mas sem humor algum.

Aproveitei a deixa e em um momento de puro desespero, girei o tronco e tentei correr, fugir dali, inútil.

Crystal cercou-me no mesmo instante, bloqueando meu caminho, os braços estendidos, as palmas das mãos prontas para me deter se eu tentasse passar por ela.

Acuada e sem saber o que fazer, tornei a recuar, enquanto ela acompanhava meus movimentos, aproximando-se cada vez mais de mim.

Um sorriso de deboche emoldurou seus lábios, e naquele momento, suas palavras eram como setas de gelo ferindo minha carne:

- Sabe, Aidan nunca se contentou com apenas uma mulher, ele sempre tinhas várias ao dispor dele, e todas terminavam da mesma maneira também, abandonadas depois que ele se cansava e enjoava. A não ser é claro, quando estava comigo.

Eu sabia que ela estava mentindo. Aidan não a amava, nunca a amou. Ele apenas procurava por prazer e satisfação momentânea naquela época. Nada mais do que isso.

- A questão, Agatha, é por que acredita que será diferente com você. Que algum dia ele não se cansará da sua tediosa e chata companhia. Nenhuma mulher antes conseguiu prender a atenção de Aidan por tanto tempo. Então, por que você não faz um favor a si mesma?

Ela estava tentando me ferir, tentando expor o meu lado mais frágil e vulnerável, mas eu só precisava de uma certeza, e esta se provava tão ou até mais verdadeira: Aidan me amava, era apenas disso que eu precisava ter consciência, o resto poderia ser deixado para segundo plano naquele momento.

Respirei fundo, decidindo confrontá-la, não permitir que suas palavras me abatessem. Crystal estava apenas jogando comigo.

- E convenhamos, Aidan pode ter a mulher que quiser, se é que me entende. – ela arriou os ombros, destilando seu veneno – Ou você realmente acha que ele passará o resto de seus longos séculos preso a você? Chegará o dia em que você experimentará o que todas nós já experimentamos.

Cerrei os punhos, eu permitiria que ela brincasse daquela maneira comigo? Meus instintos imploravam para que eu retrucasse suas palavras venenosas. Meu orgulho, por outro lado, dizia-me para ser superior, para não demonstrar que ela estava obtendo sucesso com suas investidas.

Sustentei o olhar, encarando-a olho no olho, eu não queria parecer frágil ou derrotada diante dela, eu não permitiria que ela visse esse meu lado volátil e instável.

- Eu sei o que está tentando fazer, Crystal, mas suas palavras não me afetam, muito pelo contrário. – murmurei, segura do que estava fazendo, embora uma voz gritasse em minha cabeça que provocá-la não era a coisa mais sensata e inteligente a se fazer.

Mas minhas palavras somente a fizeram sorrir ainda mais, alargando o sorriso debochado em seu rosto de feições tão finas e elegantes, se somente de olhar para ela eu não sofresse um golpe em minha auto-estima, saber que um dia ela esteve nos braços de Aidan, fazia meu coração apertar-se e o oxigênio fugir de meus pulmões.

- Tem certeza de que quer ser tão... confiante? Afinal, você é apenas uma menina. O que sabe sobre ser sensual ou desejável? O que quero dizer é: o que uma fedelha como você sabe sobre como seduzir um homem?

Ela riu de leve, interrompendo-se em seu discurso venenoso. As palavras dela finalmente conseguiam ferir meu orgulho.

- Aposto que nada. Não, espere, aposto que ele nem mesmo a tornou mulher ainda, diga-me se estou errada, Agatha.

Eu não responderia a ela. Não responderia. Eu seria superior, não cairia em sua armadilha. De maneira nenhuma.

Fechei os olhos, decidida a ignorá-la, decidida a não permitir que ela expusesse aquele meu lado repleto de inseguranças e incertezas. Se toda vez que olhasse nos olhos dele, não soubesse o quanto seus sentimentos por mim eram fortes, até poderia morder aquela isca, mas a situação era exatamente a oposta. E eu sabia o quanto Aidan me amava, essa era a minha única certeza, a única da qual precisava.

Como a postura de Crystal estava um pouco mais relaxada, julguei ser seguro tentar passar por ela naquele momento, mas me enganei, porque no exato momento em que o tentei, sua mão fechou-se em meu pulso, suas unhas eram como adagas, tentavam perfurar minha pele, e sua força esmagadora procurava moer meus ossos.

Gemi de dor, enquanto ela forçava-me para baixo, aumentando a pressão de seus dedos, o sorriso morrera em seu rosto, a hostilidade agora remodelava suas feições, e aqueles olhos eram somente fúria e rancor.

- Você se julga melhor do que eu, não é mesmo? Só porque foi capaz de segurá-lo por tanto tempo. Diga-me, pirralha, você se acha melhor do que eu ou qualquer outra mulher que já provou do amor de Aidan?

Fechei os olhos e lutei para não exprimir nenhum som que denunciasse o quanto seu aperto estava me machucando.

- Não... – sussurrei, mordendo a língua pela dor, meus ossos protestavam sob a força dos dedos de Crystal – Eu não acho.

- Mentirosa! – ela sibilou, mas no instante seguinte, seus dedos deixaram meu pulso – para o meu alívio –, porém, a tortura ainda não havia terminado.

Mal tive chance de me recompor, e Crystal já esbofeteava meu rosto com força. Tanta força na realidade, que eu perdi o equilíbrio, meu corpo pendeu para o lado da parede, e eu bati minha testa com força, uma dor lancinante apoderava-se de mim, enquanto eu caía, estatelada, no chão gelado, incapaz de me mover, e tonta pela pancada na cabeça.

Levantei os olhos para ela, que não esboçava nada, voltando a ser aquela boneca de cera perfeita sem feição alguma, sem qualquer emoção.

- Eu a avisei, Agatha, que tornaria sua vida um verdadeiro inferno! Mas pelo visto, você é ainda mais tola do que pensei.

Um sorriso cruel vincou seus lábios, enquanto ela aproximava seu sapato de meus dedos, pisando neles sem piedade alguma, fazendo com que a dor subisse por todo o meu corpo, até que se tornassem gemidos em meus lábios.

Certamente ela teria prosseguido com sua tortura, se uma voz não ressoasse atrás de mim, pondo fim à sessão, dispersando o inferno no qual me encontrava.

- Crystal, basta!

Não precisava olhar para trás para saber quem era. Atrás de mim, Benjamin moveu-se, despertando a fúria da garota.

- Dê o fora, Benjamin, não se meta nisso! – ela o advertiu, mas ele não me parecia muito disposto a obedecê-la.

Olhei para cima, vendo seu olhar acusatório e ultrajado. Seus braços estavam cruzados e sua postura era rígida.

- E eu já lhe disse para parar de levar isso para o lado pessoal. Lorde Ducian avisou que ninguém devia tocar na garota. Quer ser castigada, é isso o que você quer?

Mesmo que Benjamin estivesse com a razão, ela sorriu, claramente demonstrando que pouco se importava com as conseqüências de seus atos.

- Por que você anda bancando o virtuoso, Benjamin? Eu não te entendo mais, pensei que você...

- Já chega, Crystal – ele a cortou, impedindo-a de concluir sua frase –, saia daqui, agora, ou serei obrigado a avisar Mileena sobre a sua desobediência.

Ela meneou a cabeça, sorrindo malignamente, mas decidiu acatá-lo. Girou o corpo e deu meia-volta, mas não antes de sibilar uma frase, frase esta que me deixou confusa:

- O que esse idiota está planejando?

E tão logo ela desapareceu, Benjamin ajudou-me a me levantar do chão, apoiando o peso de meu corpo e guiando-me até meu clausulo, mais uma vez.

- Venha, eu a levarei de volta.

Assim que alcancei a porta, respirei aliviada, estava salva da fúria de Crystal. Mas as dores em minha cabeça e em meus dedos demorariam a passar.

Sentei-me no divã, tocando cuidadosamente o local da pancada, os dedos em minha outra mão encontravam-se avermelhados e logo arroxeariam. Benjamin fechou a porta e sentou-se ao meu lado, respirando profundamente:

- Você não devia ter se arriscado dessa maneira, Agatha, se eu não tivesse chegado, sabe-se lá o que Crystal teria feito com você.

- Eu não tenho medo dela. – murmurei, ainda com suas palavras reverberando em meus pensamentos. Ela estava enganada. Muitíssimo enganada.

Benjamin passou sua mão pelos meus cabelos, abafando sua voz ao máximo, não me ocorreu juntar a surpresa de Aidan e o comentário despretensioso de Crystal, não naquele momento.

- Eu sei que não, mas você precisa tomar mais cuidado. Crystal é uma pessoa muito impulsiva e rancorosa, ela não consegue aceitar o fato de que Aidan ame você.

Ele suspirou, parecendo-me desanimado, e talvez eu me encontrasse muito entorpecida, muito distraída para registrar o real sentido de suas palavras naquele exato momento, mas quando o fiz, percebi o erro que havia cometido.

- Talvez isso seja algo que partilhemos.

Fitei-o, alarmada, vendo a serenidade em seu rosto esvaecer, dando lugar à ironia e à hostilidade. Naquele instante, eu percebi, eu entendi a reação de Aidan, sua surpresa quando lhe contei que Benjamin estava cuidando de mim.

Porque agora tudo fazia sentido, tudo se encaixava com uma perfeição assombrosa.

Seus olhos castanhos e endurecidos pousaram em meu rosto, e deu-se inicio o jogo de presa e predador.  A máscara dele finalmente caía e se espatifava bem diante de mim.

Eu petrifiquei, e estremeci quando a ponta de seus dedos deslizou pela lateral de meu rosto.

- Eu também jamais entendi e jamais aceitei o amor que ela nutria por Aidan.

Eu devia me levantar, eu devia sair dali. Mas meu medo impedia-me. Meu temor soldava-me ali, ao lado de uma perigoso predador, e impossibilitava-me de lutar por minha miserável vida.

- Sabe, Agatha, isso é tão revoltante. – ele enroscou seus dedos em meu cabelo, brincando com eles – Eu sempre fiz tudo para ter o amor de Crystal, amo-a desde que me entendo por gente – ele riu sem humor, seus olhos faiscando para mim – ou melhor, não me entendo.

Ele soltou meus cabelos, e um jorro de pânico preencheu minhas veias; tinha que ser agora. Afastei-me dele, primeiramente, quase que imperceptivelmente, esgueirando-me pelo divã, porque, pela primeira vez, a razão iluminava-me: Benjamin não estivera tentando me proteger, estivera tentando conquistar a minha confiança, e brincou comigo durante todo esse tempo.

A adrenalina ainda fluía livremente por minhas veias e impulsionava-me a tentar sair dali o mais depressa possível. Mas para onde eu correria?

Não importava qual fosse o meu destino, minha vida estaria em perigo, minha alma estaria em jogo.

Benjamin baixou os olhos e sacudiu a cabeça, e eu julguei ser a oportunidade perfeita. Mas julguei mal.

Porque no instante em que tentei me levantar, em que tentei correr e choquei-me contra a porta, tentando abri-la a todo custo, Benjamin já me capturara novamente, seu corpo prensando o meu contra a estrutura da porta, seus dedos enroscando-se na raiz de meus cabelos de forma possessiva e violenta, fazendo-me arfar de dor.

Então, ele puxou minha cabeça para trás e aproximou seus lábios de minha orelha esquerda a fim de sussurrar suas palavras carregadas de ódio e rancor:

- Mas ela sempre teve olhos para Aidan. Aidan, Aidan, Aidan, o tempo todo era Aidan! – ele cantarolou – É frustrante, não acha, Agatha?

- Deixe-me em paz... – supliquei-lhe, despertando seu riso. Mas Benjamin não parecia disposto a abrir mão de seu joguinho, porque agora que me tinha indefesa, desprotegida e ao seu alcance, nada tiraria seu prazer de me fazer sofrer.

Suas mãos agiram rápidas e ágeis, agarraram-me pela cintura, virando-me para ele e tornando a pressionar meu corpo com o seu. No momento em que olhei dentro de seus olhos, soube que estava perdida, que havia caído nas mãos do próprio demônio.

E a tortura havia apenas começado.

- Tantas e tantas vezes ela veio buscar consolo nos meus braços, depois de ter sido rejeitada pelo seu amado Aidan, é claro, e eu sempre fazia de tudo para mantê-la comigo, jurava que a amaria para sempre, que jamais a magoaria como ele sempre a magoava, mas nunca era o suficiente para ela, porque bastava ele estalar os dedos e Crystal voltava correndo para ele, como uma cadela!

Benjamin envolveu meus braços, apertando-me contra si com mais força ainda.

- Você... disse que não concordava com essa guerra... – murmurei, tentando em vão dissuadi-lo daquela ideia, demovê-lo daquela loucura, mas era inútil, eu estava gastando saliva à toa com ele.

Seus olhos castanhos arregalaram-se, e foram dominados pelo sarcasmo mais uma vez.

- E eu não estava mentindo. Ou você realmente acha que eu quero perder a minha preciosa vida por esses palhaços? Não, Agatha. Eu tenho outros objetivos, outros planos. Mas eu odeio o homem que você ama, e que para o seu azar, também te ama. Então, nada mais do que justo eu te roubar dele, assim como ele fez comigo!

- Do que você está falando? – indaguei, crispando os olhos a fim de evitar as lágrimas que já se encontravam a caminho.

Abruptamente, Benjamin moveu-se. Levando-me consigo, ele atirou a nós dois no carpete, caindo por cima de mim, esmagando-me com seu peso, quase me sufocando.

- Eu roubarei a mulher que Aidan ama, e assim o pagarei na mesma moeda. – murmurou ele, procurando encaixar seu rosto na base de meu pescoço, mesmo diante de minha relutância.

Suas palavras giraram em meus pensamentos antes de se encaixarem e fazerem algum sentido. Algo que acabou por me desesperar ainda mais, porque eu sabia exatamente como Benjamin se vingaria de Aidan. E seria através de mim.

- Não! – berrei, esperneando, tentando a qualquer custo me libertar de seu abraço mortal.

Senti a boca de meu estômago se retorcer quando os lábios dele roçaram a pele de meu pescoço e então, suas mãos moveram-se, não me permitindo reagir antes que o som do tecido sendo rasgado preenchesse meus ouvidos.

A frente de minha blusa encontrava-se destruída e agora aquelas mesmas mãos repugnantes migravam para a segunda, infiltrando-se por debaixo do tecido e tocando diretamente em mim.

Tentei chutá-lo, mas ele prendeu meus quadris com seus joelhos, o gosto salgado de minhas lágrimas de repente parecia-me amargo demais, simbolizando talvez a provação a que estava sendo submetida naquele momento.

- Pare, por favor!

Benjamin interrompeu seus beijos em meu pescoço, elevando sua face para que pudesse me fitar e visse o estrago que estava fazendo. Sua gargalhada parecia-me muito mais maligna, suas palavras muito mais afiadas.

- Sabe, Agatha, Crystal é apenas um dos motivos pelo qual o odeio tanto. O outro motivo é que Aidan sempre foi o queridinho de Lorde Ducian, o seu orgulho, a sua obra-prima! E eu sempre tive inveja dele por causa disso, porque eu sou quem deveria estar no lugar dele! Eu deveria mandar nessa pocilga futuramente, não ele! Não aquele verme ingrato!

- Você não precisa fazer isso... – sussurrei, minha última tentativa desesperada de escapar dali incólume. Minha última esperança.

- Não preciso? – Benjamin sorriu, mesmo que esse sorriso não alcançasse seus olhos – Que espécie de homem eu seria se não desse o troco a ele? Eu tenho o meu orgulho, embora ele tenha sido ferido e pisoteado tantas e tantas vezes que até mesmo eu perdi a conta... Você não faz ideia do que eu tive que suportar, tendo que olhar para aquele miserável todos os dias, tendo que aturá-lo e pior, tendo que testemunhar ele tocar a mulher que eu amo e não poder fazer nada!

Seus olhos aproximaram-se de meu rosto, tragando-me como as entranhas de uma fera monstruosa e sedenta pela carnificina, e aqueles mesmos olhos consumiam-me a alma, alimentavam os medos em meu coração.

- Agora eu encontrei a maneira perfeita de me vingar dele e será através de você, minha doce Agatha. Uma pena que Aidan não tenha sido inteligente o suficiente, deixando você pura e casta a minha espera, a minha mercê. Ah, eu vou adorar contar cada detalhe do nosso joguinho para ele depois, nada será deixado de fora!

- Não, Benjamin! Por favor, deixe-me ir... Deixe-me em paz!

Em vão. Benjamin tornou a encaixar sua face na base de meu pescoço, sussurrando ao pé de meu ouvido:

- Isso, implore para que eu pare! Quanto mais você gritar, maior será o meu prazer, Agatha! Diga-me, Agatha, sente-se frustrada por ter caído em minha armadilha? Foi tão fácil conquistar sua confiança e fazê-la acreditar em mim... Você devia ter mais cuidado em quem deposita sua confiança, afinal, pode acabar sendo golpeada pelas costas a qualquer momento!

Não importava o quanto eu lutasse, o quanto eu relutasse, eu jamais venceria aquele jogo. Eu apenas sairia ferida e manchada dele, manchada pela vergonha, pela imundice.

Senti-me completamente perdida naquele momento. Senti-me sem nada ao qual pudesse me agarrar e me salvar. Sentia-me afogando em um oceano vasto e traiçoeiro e ninguém poderia me tirar dali.

Ninguém.

Eu estava sozinha, e podia sentir na pele a desolação que essa constatação me trazia. A constatação de estar perdida, de não ter mais salvação. Agora eu sabia verdadeiramente como era essa sensação.

Morreria suja.

Os toques de Benjamin tornavam-se quase dolorosos, apalpando minha cintura de forma possessiva, agarrando meus cabelos e mordiscando a pele de meu pescoço.

E quando eu achei que tudo estava perdido, quando eu achei que nada mais fosse aparecer e me resgatar dali, retirar-me dali, a maçaneta foi forçada e a porta aberta, interrompendo Benjamin.

Permaneci ali, estarrecida, petrificada, embaixo do corpo pesado de Benjamin, mil e uma possibilidades passavam pela minha cabeça, e se a pessoa por detrás daquela porta não tivesse vindo para me resgatar e sim para colaborar com meu sofrimento?

A porta foi escancarada, e surgindo em meu campo de visão uma figura que eu não reconhecia apareceu:

- Benjamin, seu mentor o está chamando.

O garoto acima de mim sustentou os olhos, fuzilando aquela estranha figura: um homem calvo, de olhos negros e sobrancelhas grossas e escuras, com sua careca reluzente e expressão serena.

- O que foi agora? Mas que droga, Ellian!

Estaquei depois de ouvir aquele nome. Ellian...?

Então ele era...

Encostada na porta, Ellian deu de ombros como se não tivesse culpa por estar interrompendo Benjamin em seu jogo – para o meu alívio e salvação.

- O que aquele velho quer agora?

E levantou-se de cima de mim, deixando-me ali, deitada, sem saber o que fazer, o que dizer. Eu nem mesmo respirava.

Antes de me dar as costas e retirar-se marchando dali, Benjamin olhou-me de forma maliciosa, deixando bem claro suas pretensões assim que seu mentor o liberasse:

- Não pense você que nossos assuntos pendentes terminaram aqui...

Engoli em seco e sentei-me no carpete, unindo as duas partes de minha blusa que ele havia rasgado e encolhendo-me perto das pernas do divã, disposta a chorar um poço de lágrimas, lágrimas que evidenciavam o meu tormento.

Assim que Benjamin partiu, Ellian fechou a porta atrás de si, seus olhos recaindo sobre meu semblante atormentado. Em passos leves e cautelosos, ele aproximou-se de mim, eu nada esbocei, não sabia quais eram as suas intenções.

Só despertei quando senti a palma de sua mão, quente e grande, repousar em meu ombro, tentando me trazer algum conforto.

- Não precisa ter medo de mim, eu não vou machucá-la.

Benjamin também havia me dito essa mesma frase. Mas, sendo ele o homem que meu pai perdoou, eu poderia confiar nele? Fitei-o, com um pé atrás ainda.

- Eu sou informante de Lucius, meu nome é Ellian Barker, e eu conheci seu pai há muitos anos. Você é a filha de Stefano, não é?

Assenti com um gesto e ele sorriu, parecia-me sincero.

- Seu pai mudou minha vida, Agatha. Ele abriu meus olhos para a realidade. Não se preocupe, tenho uma dívida com ele, e acredito que posso pagá-la cuidando de você. Por ora, manterei Benjamin e Crystal longe de você, e já enviei uma carta contatando Lucius, dizendo a ele que você está aqui, e onde eles poderiam encontrar o garoto Damien também.

- Você... – apenas comecei, mas ele interrompeu-me, assentindo com a cabeça, enquanto eu vagamente me recordava de sua figura silenciosa na noite em que fui capturada.

- Eu dirigia o carro naquela noite, não se preocupe, Stella já foi avisá-lo, em dois dias eles estarão de volta e virão resgatá-la.

Dois dias?

Não era o suficiente. O julgamento de Aidan seria em poucas horas, e possivelmente, o ritual de selamento teria seu inicio no dia seguinte. Mas não tinha importância. Se Lucius conseguisse resgatar Aidan daqui, eu poderia ter um pouco mais de esperança.

Meus olhos encheram-se de lágrimas, mas não de dor, e sim de esperança.

Ellian pegou em minhas mãos, apertando-as suavemente e partilhando de minha felicidade.

- Obrigada... Muito obrigada, Ellian.

Fixei meus olhos no grande objeto diante de mim novamente, tentando entender seu significado, tentar entender que tipo de mensagem ele queria me transmitir.

Mais uma vez, eu estava sozinha na escuridão, habitando o silêncio e as penumbras, permitindo que elas me envolvessem e me acompanhassem em mais uma estranha jornada na dimensão dos sonhos.

O cenário era desolador, sem vida, sem cor. Triste, morto. Havia apenas um grande espelho plano a minha frente, um que não me refletia. Um espelho negro.

Em passos lentos, aproximei-me do grande espelho, ele tinha o meu exato tamanho, e era emoldurado por ouro maciço e pedras preciosas de todas as cores e sortes estavam encravados nele.

Levei minha mão, um pouco receosa, até sua superfície lisa e plana, e assim que o toquei, algo aconteceu, fazendo-me recuar, sobressaltada, enquanto meus olhos viam as labaredas consumir algo dentro do próprio espelho.

E eis que surgiu diante de mim uma figura sombria. Uma figura melancólica, com os olhos tomados pelas lágrimas e o rosto de um condenado, atormentada.

E eu a reconheci, como sendo aquele o meu rosto, as minhas feições, um outro eu meu, preso dentro daquele espelho e sendo consumido pelo fogo de sua culpa.

Suas vestes eram brancas, mas encontravam-se tão sujas e maltrapilhas, quase irreconhecíveis, e seu cabelo negro pesava nas costas, enquanto mais e mais lágrimas eram vertidas de seus olhos.

Meu eu atormentado espalmou suas mãos do outro lado do espelho, entreabrindo os lábios trêmulos e direcionando toda a sua dor, toda a sua amargura para mim, a causadora, a responsável por seu sofrimento.

- Como pôde? – ela perguntou, ressentida – Como você pôde deixá-lo?

Ela tombou sua face, gemendo, e curvou-se, ainda com suas mãos espalmadas no espelho.

- Você prometeu... Você jurou que ficaria ao lado dele, independente do que tivesse acontecido em seu passado... E você quebrou sua promessa, você o deixou para morrer, você o condenou à morte...

Avancei em direção a ela, colocando minhas mãos sobre as dela, tentando consolá-la, tentando dizer a ela que eu encontrara uma maneira de consertar meus erros, todos eles.

- Eu o recompensarei por tudo o que fiz e disse... – murmurei, tentando tirá-la daquele tormento.

Mas ela apenas sacudiu sua cabeça, enquanto o fogo continuava a consumi-la.

- Nada poderá apagar o que foi feito, nada do que já aconteceu pode ser desfeito.

Crispando os olhos e trincando os dentes, ela fungou, buscando forças para prosseguir, buscando forças para suportar seu sofrimento.

- Eu sei que o que fiz foi errado, mas eu juro que consertarei tudo.

Aproximei meu rosto do espelho, exigindo que ela me olhasse nos olhos, que ela compreendesse o real e verdadeiro sentido de minhas palavras, de minha decisão.

- Eu darei minha vida por ele, para salvá-lo. – sussurrei e os olhos dela tornaram-se vagos, viam através de mim, enquanto mais uma vez, ela entreabria os lábios trêmulos e gemia.

- Sim, dê a sua vida por ele, é a única maneira de recompensá-lo, é a única forma de salvá-lo...

Quando seus olhos negros ganharam foco novamente, fitaram-me de forma intensa, estreitando-se suavemente, piscando para retirar a umidade que se acumulava em seus longos cílios.

- Faça o que precisa ser feito e salve-o...

Meu reflexo deslizou lentamente pelo espelho, deixando-se ser consumida pelo fogo, enquanto eu a observava desaparecer e em seu lugar restara apenas o silêncio, o vazio, a escuridão.

- Sim... – sussurrei para mim mesma – Eu darei minha vida por ele.

Despertei com o som da maçaneta sendo forçada, meu sonho terminara, mas a certeza de que eu estava tomando a decisão certa ficara comigo como último resquício de minha eterna vergonha.

Imaginei que pudesse ser Ellian, trazendo-me alguma boa notícia, ou pior, poderia ser Benjamin ou Crystal retornando para me torturar mais uma vez.

Sentei-me no divã, alarmada, mas relaxei quando vi que quem entrava pela porta era Ducian. De certa forma, eu queria que tudo terminasse o mais depressa possível. Eu já tinha uma mera noção do que meu sacrifício exigiria.

E estava disposta a aceitar as conseqüências de meus atos, porque sabia, que no sonho de agora pouco, aquele espelho negro simbolizava as conseqüências de meus atos nos últimos dias.

E aquele meu eu, era minha metade que sofria com tudo isso, que se deixava consumir pela culpa, pelo remorso, pela vergonha de saber que tudo havia sido culpa minha.

Então, estava na hora de eu começar a consertar meus erros, e começaria por Aidan.

Havia magoado tantas pessoas que amava, havia agido de forma inconseqüente e impulsiva, havia trilhado um caminho sombrio, que não poderia me levar a outro destino que não fosse este o qual enfrento nesse momento.

Levantei-me, ainda fitando o semblante sereno de Ducian, seus olhos azuis cautelosos e seus lábios crispados.

- Então, minha jovem, o que me diz? Já tem uma resposta?

Respirei profundamente, fazendo o oxigênio penetrar por minhas vias respiratórias e chegar até meus pulmões, sentia aquela estranha sensação de sufoco despontar no horizonte.

E mesmo assim, sentia em meu coração, em minha carne, em minha alma, que estava tomando a decisão correta em dias, talvez anos.

- Eu aceito sua proposta, Ducian.

A chama da vitória cintilou em seus olhos safíricos, bruxuleando naquele oceano claro e límpido, mas de águas tão traiçoeiras que carregaram inúmeras almas para a perdição eterna.

Um fraco sorriso vincou seus lábios, e eu finalmente entrei por aquela porta. Para nunca mais sair por ela outra vez, para me perder na escuridão vasta e infindável, para perder tudo de mim, tudo o que eu era, tudo o que sou.

Tombando sua face irônica para o lado, e direcionando seus olhos vitoriosos para o nada, ele respondeu-me, selando meu destino de uma vez por todas, selando minha alma e meu corpo a perdição, a morte, ao esquecimento...

- Ótimo, então lhe direi exatamente o que fazer no julgamento de Aidan.


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Notas finais do capítulo

E Agatha finalmente toma sua decisão!

Benjamin era um falso! Odeio gente falsa! E tenho tanta experiência ruim por causa disso... Xiii nem conto!

Ellian foi o herói do dia, salvou a Agatha das garras do Benjamin, e finalmente ela encontrou um aliado em Sillentya!

Mas e agora? Será que o Lucius chega a tempo de evitar o pior?

Próximo capítulo, o julgamento de Aidan, Agatha terá mesmo coragem de interferir a favor do amado? Que tipo de punição espera o nosso moreno?

Até lá!

Beijinhos!!!!