Saga Sillentya: Espelho do Destino escrita por Sunshine girl


Capítulo 15
XIV - Uma Proposta para o Traidor


Notas iniciais do capítulo

14º capítulo...

Boa leitura!



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Capítulo XIII – Uma Proposta para o Traidor

“Este é o último adeus,

Estes sonhos quebrados foram resignados

Estamos aqui para o nosso último boa noite,

Estes sonhos quebrados foram resignados”.

(Lacuna Coil – The Last Goodbye)

- Há quanto tempo, meu filho! – exclamou Ducian, levantando-se de seu trono, abrindo caminho por entre os Mediadores que se interpunham entre mim e Aidan, os braços estendidos, prontos para envolver o filho.

A situação não poderia piorar.

Aidan estava tão imóvel quanto eu, ele nem mesmo respirava, e ficava apenas ali, parado, olhando-me, desacreditando que eu estivesse realmente nas mãos do inimigo.

Nem mesmo quando Ducian o abraçou, ele esboçou alguma reação. Aidan naquele momento era uma estátua de mármore, sem expressão, sem movimento, sem vida.

Quando o pai adotivo afastou-se, ele cambaleou um pouco, chocado demais para assimilar os fatos, temeroso demais para entender que nós dois havíamos caído em uma armadilha, e muito bem orquestrada pelo visto.

Ducian virou-se tranqüilamente para mim, os olhos cheios de um cinismo e falsidade inquietantes. Então eu entendi, ele planejara tudo desde o principio. Desde que descobrira o nosso amor leviano.

Ele gesticulou para mim, apontando com seus dedos esquálidos e enrugados, enquanto Aidan ainda lutava para absorver a verdade.

- Aidan, creio que apresentações não sejam necessárias nesse caso. Estou certo?

Então, ele finalmente compreendeu. Cerrou os punhos até que seus ossos estalassem e reclamassem do esforço, baixou a face, entendendo tudo, e chegando à mesma conclusão que eu: não havia escapatória para nós dois desta vez.

- Não. – sua voz ecoou dura e fria pelo salão, mas ao fundo eu reconheci, eu notei: o som da derrota, o som da perdição. Porque no fim era isso o que havia acontecido conosco, nós havíamos sido derrotados, vencidos.

Os Mediadores ainda formavam uma barreira entre nós dois, separando-nos, preparados para o caso de Aidan tentar alguma loucura. O restante deles, apenas observava o desenrolar da cena sem nada esboçar, sem nada dizer, sem nem mesmo se manifestar.

Ducian estalou a língua e meneou a cabeça, desaprovando a atitude do filho adotivo. Seu ultraje não me surpreendia, porque eu sabia que no fundo ele estava apenas encenando, como se ele estivesse em uma peça de tragédia grega e nós fossemos os seus espectadores.

- Se soubesse como foi duro para mim, meu filho, saber que você voltou as suas costas para mim. Justo eu! Que sempre cuidei de você, criei você como se fosse meu próprio filho! Aidan, você desapontou meu coração.

Quanta bobagem. Tudo o que Ducian sempre viu em Aidan foi um sucessor que continuasse disseminando a discórdia e o ódio pelo meu povo. Apenas isso, nada mais.

- Aidan, o pior é que você nem mesmo pensou nas conseqüências de seus atos. E nem mesmo eu posso salvá-lo da punição agora, meu filho.

- Então não faça nada. – rebateu ele, elevando seus olhos castanhos para mim, enquanto eu me desesperava. Ele não faria absolutamente nada para tentar se defender?

Então, percebi com amargura, que ele só se importava comigo. Ele levaria toda a culpa, e não permitiria que as Tristezas tivessem um motivo para querer me tirar do caminho.

Alguém na fileira de tronos respondeu a Aidan, tombei a face até encontrar um homem de meia idade com pele alva, cabelos negros e lisos, pendendo retos como uma régua até seus ombros, e os olhos eram pequenos e monótonos, quase entediados. Um rosto de feições orientais.

- Ducian, as normas são claras. Se Aidan as quebrou, então a punição máxima deve ser aplicada, não há nem mesmo necessidade de julgamento.

Ducian tombou sua face para ele, os olhos azuis sendo dominados por uma fúria tangível, por ele estar claramente interferindo em seu jogo:

- Hui Ling, devo lembrá-lo de que somos criaturas muito justas em nossas punições? O que acha que somos? Um bando de carrascos? Não, Aidan será levado a julgamento, mas antes eu quero oferecer a ele a chance de se redimir. – e tornando o seu rosto para Aidan, ele propôs com uma voz extremamente sarcástica – Quero lhe oferecer um acordo, meu filho. Uma proposta.

- Não quero acordos – contra-atacou Aidan, decidido, furioso, ansiando pelo fim de tudo aquilo, de uma vez por todas. – Apenas faça o que tem ser feito, eu aceito a justiça das Sete Tristezas.

Ducian, parecendo-me complacente demais, repousou suas mãos nos ombros de Aidan, a voz era afetiva demais, carinhosa demais. Como ele podia dominar o jogo?

- Aidan, meu filho, apenas ouça o que eu tenho a lhe propor.

Os olhos castanhos dele endureceram, frios, até encontrarem os meus e amolecerem, tomados pelo mesmo desespero que o meu: o de perder a sua outra metade.

- O que você tem a me dizer? – perguntou ele, tornando a fitar o semblante de Ducian, que se iluminou pela vitória iminente.

Ducian estalou os dedos e no segundo seguinte, um dos Mediadores deixou sua posição, portando nas mãos uma caixa retangular de madeira escura e entalhada, algumas pedras brilhantes estavam incrustadas nela, mas foi o objeto que a caixa continha que verdadeiramente chamou a minha atenção.

Os dedos magros de Ducian abriram a tampa a fim de apanhar a bela peça valiosíssima que estava ali dentro: uma adaga de prata com uma longa e fina lâmina, em seu cabo de marfim mais pedras preciosas.

Ducian empunhou a adaga e eu engoli em seco, imaginando que tipo de plano maquiavélico sua mente insana havia arquitetado e tecido.

A ponta de um de seus dedos encontrou a lâmina pontiaguda, pressionando-a de leve, mas nenhum rasgo foi aberto.

- O que tenho a lhe propor é bem simples, meu filho. E se concordar fazê-lo, você obterá o perdão por todos os seus erros.

- E o que eu tenho que fazer? – perguntou ele, cada vez mais impaciente e ansioso. Como eu.

Ducian o contornou, ainda brincando com a arma letal. Ele estacou apenas quando se encontrava atrás da figura de Aidan, por cima de seus ombros, seus olhos encontraram meu semblante, como o de um pássaro assustado, e sorriu malignamente.

- Foi difícil convencer as Tristezas a lhe concederem essa última chance, meu filho, mas só depende de você, não se esqueça disso.

Aidan olhou para mim uma última vez, nossos olhares relutavam em se separar, quase como se pressentíssemos o fim de tudo, de tudo o que vivemos e partilhamos um com o outro.

Ducian contornou-o novamente, ficando frente a frente com ele mais uma vez, ele tombou a face irônica para mim uma última vez e por fim murmurou, suas palavras girando em minha mente até se encaixarem todas de uma vez e fazerem algum sentido.

E como resposta, meu coração acelerou:

- Tudo o que você tem a fazer, meu filho, é matar a filha de Stefano! E então, o perdão lhe será concedido!

Eu arfei, incapaz de acreditar em suas palavras. Aidan também, pois seus olhos arregalaram-se, os lábios entreabriram e ele olhou para mim, sem saber o que fazer, o que dizer.

O preço de sua salvação era a minha morte. Para Aidan ser poupado da fúria das Sete Tristezas ele devia me matar. Devia matar a mulher que ama.

Como Ducian podia ser tão cruel? Como podia submetê-lo a aquele tormento?

Engoli em seco. Por outro lado, se ele o fizesse estaria livre do jugo de traidor. Seria perdoado e sua vida poupada.

Como seus olhos ainda eram fisicamente incapazes de deixarem os meus, eu lhe lancei um olhar cheio de significados, um que dizia para que ele aceitasse a barganha.

Se eu tivesse que morrer, se eu tivesse que deixar esse mundo, então que fosse pelas mãos dele e para o bem dele.

Sim, eu estava disposta a fazer esse sacrifício. Talvez desta forma fosse capaz de compensar todo o mal que lhe fiz, toda a tristeza que lhe impus.

- Pense, meu filho, matando essa pobre coitada, você a estará poupando do sofrimento do ritual de trancamento, pois é inevitável que algum dia ela seja submetida a ele. Aceitando minha proposta, não apenas você estará se beneficiando, como estará salvando a alma dela. Então, Aidan, o que me diz? Prefere salvar a alma dela, destruindo sua casca em detrimento, ou prefere que ambos se percam para sempre? O quanto você a ama, meu filho?

Ele ainda me encarava. Imóvel. Perplexo. Chocado.

Uma lágrima brotou em meus olhos e eu os apertei a fim de derramá-la de uma vez por todas, fitei-o com um olhar cheio de doçura e amor, incentivando-o a aceitar, incentivando-o a se salvar, e a salvar também a minha alma aflita.

- Faça... – sussurrei para ele, apenas para ele – Faça, por favor...

Seus olhos encheram-se de tristeza, de desolação, por saber que não havia outro meio. Que teria que ser assim. O destino o quis. Então, cabia a nós, suas marionetes, aceitá-lo sem qualquer relutância.

Ele fechou os olhos, sua fronte curvada, pensativa, refletindo os prós e os contras. Mas eu rezava fervorosamente para que ele aceitasse e me desse uma morte rápida e indolor.

Morrer pelas mãos daquele se ama, parecia-me um destino justo.

Quando abriu os olhos novamente, estes estavam cheios de uma determinação e coragem que eu jamais havia visto antes. Aqueles olhos queimavam como as labaredas intensas do mais indomável fogaréu, e soprava como o mais impetuoso dos ventos.

- Eu aceito. – murmurou ele, causando o meu alívio e despertando a presunção nos olhos de Ducian.

- Muito bem, meu filho! Você tomou a decisão certa!

Ducian limpou a adaga cintilante em uma flanela e tornou a depositá-la na caixa de madeira, gesticulando para que o garoto que a carregava a entregasse para Aidan.

O rosto dele parecia-me tão intenso naquele momento, tão sério e frio. Um dos Mediadores a minha frente, agarrou meu braço e forçou-me a descer os degraus, até encontrá-lo...

Entreabri os lábios, ciente de sua proximidade, ciente do calor de seu corpo banhando-me tão ternamente, de seu cheiro enchendo meus pulmões, envolvendo meus pensamentos como uma névoa, e mesmo assim, eu não podia tocá-lo, não podia abraçá-lo, não podia dizer que o amava.

A adaga tinia entre seus dedos, os punhos colados à lateral de seu corpo, apenas esperando pelo momento certo, quando nós dois pudéssemos, em palavras silenciosas e não ditas, dizer adeus um ao outro.

No momento em que nossos olhos encontraram-se, eu soube que era a decisão certa a se tomar. Eu podia morrer feliz, se minha morte o salvasse, se com a minha partida, ele ficasse bem.

Uma segunda lágrima escorreu de meus olhos, molhando meu rosto. Minhas mãos coçavam para tocá-lo, meus lábios queimavam para beijá-lo. E meu coração ainda tentava dizer adeus a ele.

Surpreendi-me quando ele levantou sua mão livre e tocou meu rosto com as costas, deslizando-o suavemente, não se importando com o que todos iriam pensar ou dizer.

Fechei os olhos, ciente do formigamento causado pelo seu simples toque. Eu jamais tivera a chance de verdadeiramente pertencer a ele. O destino nos pregou uma peça antes que o pudesse na realidade.

Eu jamais conheceria a intensidade de seu amor por mim, ou saberia o quanto ele verdadeiramente me desejava.

Mas eu era dele. Pertencia a ele. A prova estava ali, correndo por minhas veias, retumbando em meu coração, encravada na minha alma.

Talvez, nosso destino jamais tenha sido o de ficarmos juntos. Talvez nós jamais devêssemos conhecer um ao outro verdadeiramente. Era uma espécie de maldição. Amava-nos fervorosamente, ms estávamos impedidos de viver esse amor em toda a sua plenitude.

Então, mesmo que nós jamais tenhamos nos conhecido íntima e profundamente, nos conhecíamos o suficiente para saber que nosso amor jamais seria apagado, esquecido. Nem mesmo as forças implacáveis do tempo poderia fazê-lo.

Partiria feliz por saber que ele jamais me esqueceria. Por saber que eu seria a única a ocupar seus pensamentos, a única a preencher seu coração.

Aqueles olhos castanhos ainda estavam sobre o meu rosto, lamentando como eu o fato de não termos vivido mais desse amor, não como queríamos, não como deveríamos.

Tombei a face, de modo a deixar que meu rosto se moldasse à palma de sua mão. E abri os olhos, inspirando o máximo de seu cheiro que podia, guardando-o em minha mente, lembrando-me de cada momento nosso, fosse bom ou ruim, fosse regado a amor ou ódio.

- Obrigada... – sussurrei, recebendo seu olhar cheio de ternura como resposta. Ele estava me salvando de uma maldição, estava me resgatando do próprio inferno.

- Eu sinto muito. – sussurrou ele de volta – Não devia tê-la deixado desprotegida, mas falhei contigo mais uma vez.

- Não se culpe. – tentei consolá-lo, abafando minha voz o máximo possível, tornando nossa conversa particular, quase como se estivéssemos dentro de uma bolha, isolados dos demais presentes ali – Era para ser assim.

- Eu te amo – murmurou, e sua respiração quente soprou em meu rosto, fazendo-me cerrar os olhos mais uma vez e esperar pelo fim, esperar que Aidan tirasse minha vida.

E em um momento de fraqueza, de vulnerabilidade extrema, eu o respondi. Tornando a acender aquela chama forte e inextinguível que era o meu amor por ele. A chama que jamais se apagaria, não importa o quanto eu tentasse matá-la. Ela sempre estaria lá.

- Eu sei. – sussurrei e tudo o que pude registrar foram os dedos dele deixando de afagar meu rosto, os Mediadores nos cercavam, esperando que Aidan cumprisse o acordo.

Respirei fundo. Estava com medo? Não. Porque morreria por ele. Quando se tratava de Aidan, nem mesmo a morte conseguia me intimidar. Então, deixei-me levar e esperei.

Aidan afastou-se alguns centímetros de mim. Que fosse algo rápido. Que eu deixasse o mundo sem nem mesmo ter consciência de tê-lo feito. Que fosse Aidan a me matar.

Diante de mim, ele preparou-se, seus dedos fecharam-se com força ao redor do cabo de marfim da adaga e meu corpo oscilou, pronto para receber a estocada mortal.

Antes de avançar na minha direção, seus olhos encontraram os meus uma última vez e presente neles, um silencioso pedido de perdão. Um que eu fiz questão de aceitar, com uma gratidão irreverente, com um amor muito maior do que eu sequer poderia imaginar, e com a lamúria de não ter tido mais tempo ao lado dele.

- Perdoe-me pelo que vou fazer, Agatha.

Eu o perdoava...

E movendo-se silenciosamente, selando nosso destino de uma vez por todas, disposto a por um fim em tudo aquilo, com a lança do destino em mãos, Aidan partiu para mim.

E algo inesperado aconteceu.

Ao invés de direcionar a sua fúria e a sua arma para mim, Aidan focou-se nos dois Mediadores em meus flancos. Ao meu lado, a menos de cinco centímetros de mim, ele cravou sua arma no primeiro deles.

Um gemido de dor escapou de seus lábios, seu torso recurvando pela dor, antes de Aidan remover sua arma sem piedade alguma e mover-se rapidamente mais uma vez, postando-se atrás do outro Mediador, segurando em seu pescoço e deslizando a adaga através de sua garganta.

Antes que os dois corpos desabassem no chão sem vida, Aidan agarrava minha mão, puxava-me para o seu corpo, virando-me juntamente com ele. Tudo acontecia com uma lentidão demasiadamente exagerada ao meu ver, mas isso devia apenas à velocidade que Aidan naquele momento utilizava.

Então, ele recurvou-se até o chão comigo, protegendo-me com seu corpo, do que eu pude assimilar depois, era o golpe de um Mediador.

Deixando-me ali, abaixada no chão, e com a adaga ensangüentada em posse, ele levantou-se em um rompante, acertando um golpe em uma das figuras de vermelho que atentavam contra nossas vidas.

Olhei para o lado, acuada, protegida apenas por ele, enquanto várias figuras deixavam suas posições nos cantos do salão e investiam contra Aidan.

Olhei para trás, para as sete figuras tranqüilamente assentadas sobre os tronos, sem nada esboçar, e vi a chama da vitória cintilar nos olhos safíricos de Ducian.

Mas antes que pudesse assimilar qualquer outro pensamento diante da impassibilidade de Ducian, Aidan tornou a me puxar, seus dedos fechando-se ao redor de meu pulso, levantando-me dali, e depois nós dois corríamos em direção à saída.

As figuras, envoltas em mantos vermelho escarlate, ainda nos perseguiam, e não pareciam dispostas a nos deixar escapar.

Muitas delas bloquearam nosso caminho, postando-se como estátuas diante das portas duplas. Senti o que Aidan estava prestes a fazer, e meu único instinto foi o de fechar os olhos, antes de ouvir a explosão de energia.

Abri os olhos novamente, sentindo-os arder pela nuvem de poeira feita. A porta fora arrancada e a parede destruída.

Mesmo assim, ele continuava a me puxar, continuava a me rebocar consigo. Independentemente do que acontecesse, ele continuaria a lutar por nossas vidas.

Subimos as escadarias aos pulos, eu devo ter tropeçado e caído algumas vezes, não conseguia me habituar ao seu ritmo, mas mesmo assim, ele não me deixou para trás, ele continuou a me puxar.

E quando enfim alcançamos a outra porta, com um chute ele a abriu. Juntos, nós irrompemos o grande salão do prédio. Apenas uma porta nos separava da saída. Se a alcançássemos, estaríamos livres!

Aidan sabia disso, pois me puxou com mais força, enquanto eu ainda tentava me adaptar a sua corrida.

Mas nos deixar escapar não estava nos planos de nossos inimigos. E em questão de segundos, eles bloqueavam a nossa única saída daquele inferno.

Aidan cessou sua corrida subitamente, puxando-me para perto de si, disposto a usar seu corpo como escudo para me proteger. Passos ouviram-se, subindo as escadas a toda velocidade, mais Mediadores surgiram, cercando-nos de ambos os lados.

O que faríamos agora?

Meu coração disparado e minha respiração ofegante pela corrida frenética não me permitiam pensar em alguma solução. E Aidan só tinha uma coisa em mente naquele momento: lutar até a morte.

Mais uma vez, ele assumiu sua posição ofensiva. Seus olhos não encontraram os meus uma vez sequer, mas eu sabia, no fundo eu sabia, ele estava lutando pela minha segurança, pela minha salvação.

Seus dedos apertaram os meus, como se ele tentasse me consolar. Tentasse me dizer silenciosamente que tudo daria certo.

Mas não daria.

Porque estávamos encurralados. Sem saída. Sem chance de salvação.

Aidan recuou um pouco, levando-me consigo, ciente da hostilidade de nossos oponentes naquele momento. Ciente de nossas reais chances de escapar com vida daquela batalha. E mesmo assim, isso não o impediu de tentar nos tirar dali.

A primeira fileira de Mediadores, atrás de nós, moveu-se, todos com seus movimentos perfeitamente sincronizados e executados.

Mas Aidan era Aidan. Treinado desde garoto por Lorde Ducian. E sua determinação vencia-os naquele momento. Sua coragem e bravura eram inigualáveis naquele campo de batalha. Um guerreiro destemido.

O mais próximo deles, a ponta de lança a nos atingir, foi apenas a primeira vítima da fúria tangível de Aidan. Que ainda portando a adaga ensangüentada, resolveu livrar-se dela, arremessando-a direto para o corpo do rapaz.

O objeto cintilou, girando no ar, até se cravar em seu peito, fazendo-o desabar, ferido, mas não morto, no chão.

Aidan empurrou-me até o chão novamente, claramente dizendo que eu devia ficar abaixada.

E os outros guerreiros chocaram-se contra nós, todos de uma vez.

Aidan mantinha-se acima de mim, não desgrudando sua atenção de mim por nenhum momento, certificando-se de que nenhum deles chegaria perto de mim.

E o embate finalmente ganhava um novo tom.

Aidan agarrou um deles, seus braços fechando-se como pilastras ao redor de seu corpo e apertando-o até o ponto de sufocá-lo e arrancar todo o seu fôlego. Sua força esmagadora e sua fúria devastadora intimidavam-me naquele momento.

Eu jamais o vi tão cruel em uma batalha assim, principalmente quando Aidan puxou os braços do sujeito, até que eu pudesse ouvir os estalos de ossos sendo quebrados. Franzi o rosto e engoli em seco quando ele atirou o sujeito para o outro lado do salão.

Ainda lutando com a ferocidade de um leão, ele partiu para outro, o embate foi de igual para igual, pelo menos até o momento em que Aidan encontrou uma brecha na defesa do homem, e não deixou essa oportunidade escapar, seu golpe foi tão poderoso e tão impactante, que o crânio dele afundou sobre suas mãos.

No instante seguinte, Aidan foi imobilizado por alguém que eu pude reconhecer, Benjamin. Ele olhou-me, complacente, e estava óbvio: mais uma vez, ele não tinha escolha.

Passando uma chave ao redor do pescoço de Aidan, ele deixou que outro Mediador surgisse e o golpeasse nas costelas, enquanto o próprio Aidan debatia-se violentamente contra a imobilização de Benjamin.

Mas os golpes o fizeram perder um pouco de seu fôlego, e ele vacilou, ainda recebendo socos no peito, no abdome, no rosto.

Até que sua fúria acendeu novamente, e ele livrou-se da imobilização, dando uma forte cotovelada nas costelas de Benjamin, fazendo-o arfar, depois o puxando pelo manto para sua frente, erguendo-o no ar como se não fosse nada, e então, atirando-o longe.

Pelo menos ele não o havia matado.

Aidan àquela altura já liquidava outro Mediador – o mesmo que conseguira lhe aplicar os golpes que quase tiraram sua vitória.

Ele deu uma forte joelhada nas costelas dele, seguida de uma cotovelada em sua nuca quando ele se abaixou devido à dor, e finalizou com um golpe em sua cabeça.

Ele sangrava. Aidan estava ferido. Mas mesmo assim continuava com aquela sandice, com aquela loucura.

Mais uma vez, eu assistia uma pessoa que eu amava, lutar pela minha vida, enquanto eu assistia, inerte, sem nada poder fazer a não ser olhar.

Desesperei-me quando vi que ele não agüentava mais, que suas forças esgotavam-se em uma velocidade maior do que ele podia acompanhar, que seu corpo, agora marcado pelos golpes, não podia mais agüentar.

Porém, ele não deteve, revidava os golpes que recebia, mesmo que àquela altura eles fossem tantos, que Aidan mal conseguisse sustentar o peso do próprio corpo.

Vi Benjamin limpar o filete de sangue que escorria pelo canto de seus lábios, fixar seus olhos em Aidan e então, como uma velocidade impressionante avançar mais uma vez.

Benjamin envolveu a cintura de Aidan com os braços, carregando-o consigo pelo salão até que ambos se chocaram contra a parede. Aidan usou o cotovelo para se livrar do elo formado pelos braços de Benjamin, mas ele revidou a tempo, socando-o na face, já ensangüentada.

Aidan e Benjamin esgueiraram-se através das paredes e das colunas, lutando de igual para igual, com a mesma determinação nos olhos, com o mesmo desejo de vencer.

A batalha prosseguiu-se com ambos disputando igualmente, pelo menos até que Aidan, demonstrando sua experiência e habilidade maior, chutou Benjamin, que deslizou de bruços pelo piso, dessa vez inconsciente.

Aidan pousou a tempo apenas de olhar para o meu rosto assustado, antes de ser atingido por vários golpes. Os lutadores agiam em conjunto para derrubá-lo, e ele já não possuía mais forças para continuar.

Vi quando uma garota ruiva estranha de rabo de cavalo conseguiu acertá-lo no rosto, fazendo-o rolar no chão, de bruços, onde ele cuspiu uma grande quantidade de sangue, tentando se levantar e lutar novamente.

Mas Aidan falhava.

A mesma garota aproximou-se sorrateira dele, chutando suas costelas, fazendo-o gemer de dor. E mesmo assim, ele encontrou forças para um último golpe desesperado, agarrou o tornozelo dela de surpresa, puxando-a até o chão com força, fazendo-a bater a cabeça e perder a consciência.

Aidan levou uma das mãos até as costelas, deviam estar fraturadas, pois ele mal conseguia respirar.

Não consegui me conter mais, corri até ele, ignorando sua advertência de ficar longe da batalha, e justo quando Aidan curvou-se até o chão novamente, totalmente drenado e exausto, um segundo grupo de lutadores subia as escadas.

Eles o matariam se eu não fizesse algo, então acelerei meus passos, quase tropeçando quando me joguei sobre seu corpo imóvel, cobrindo-o com o meu próprio, meus cabelos escorrendo por seu rosto pressionado ao piso gelado, passando meus braços ao redor do corpo dele, e trincando os dentes com força.

Ele estava tão fraco e abatido. A batalha o havia esgotado, ele não tinha mais forças para nada. E mesmo assim, forçou-se a me dizer:

- Agatha, fuja, saia... daqui enquanto... pode!

Passei a mão em seus cabelos, apertando-me mais contra o corpo dele, quase como se isso pudesse evitar que fôssemos separados.

- Não vou a lugar algum sem você...

Ele tentou se desvencilhar de mim e tentou se levantar, mas era demais para seu corpo naquele momento.

- Não seja teimosa! Eu... Eu estou mandando, vá embora! Saia daqui!

Fechei os olhos, deixando que as lágrimas corressem pelo meu rosto, obrigando-me a dizer aquelas palavras, palavras que pareciam tão distantes agora, quase se como eu as tivesse proferido em outra vida:

- Não posso te deixar para trás... Não vou suportar... Aidan, eu... Eu te... Amo...

Abri os olhos, ciente dos efeitos de minhas palavras sobre ele. Talvez essas palavras tivessem feito mais falta a ele do que a mim. Porque a minha necessidade de abrir meu coração para ele era quase desesperadora naquele momento.

- Por que não entende? – ele tentou me demover dali uma última vez – Se ficar, eles te matarão...

Apertei meu rosto contra suas costas, sorvendo seu cheiro, sentindo seu calor.

- Porque não me importo com mais nada, a não ser com você. – confessei, e no instante seguinte, os lutadores já chegavam ao campo de batalha.

Seus olhos percorreram os corpos jazidos ali, alguns sem vida, outros extremamente feridos, e outros apenas inconscientes.

Não demorou para que eles me afastassem de Aidan, agarrando minha cintura e puxando-me para longe dele. Mas eu não me dei por vencida, debati-me com todas as minhas forças, e por conseqüência, desabei de joelhos no chão.

Meus olhos fixaram-se em uma das mãos de Aidan, tombada completamente imóvel no piso e eu não hesitei. Envolvi sua mão com a minha, testemunhando quando os Mediadores tornaram a me envolver e me puxar para longe dele, ao mesmo tempo em que ele próprio era rebocado por dois sujeitos mal encarados dali.

Meus dedos relutaram em deixar os dele. E eu lutei e lutei para me manter conectada, presa a ele até o último momento, quando enfim fomos separados verdadeiramente, arrastados de volta até o subsolo, até a presença das Sete Tristezas, que pareciam alheias à batalha que acabara de sacudir o prédio todo.

Ducian gesticulou para que levassem Aidan para os calabouços, como se eu soubesse onde ficava isso. E depois, eu era trancafiada e enclausurada novamente, como um animal enjaulado em um circo.

Lutei contra a maçaneta até esgotar todas as minhas forças. Eu tinha medo, medo do que fariam com meu amado, medo do que fariam comigo. Medo do que o destino havia reservado para mim e para ele agora.

E quando o desespero cessou, fui acometida pela tristeza, pelo arrependimento. Se tivesse perdoado Aidan desde o principio tudo seria diferente.

Porque agora, eu estava provando um amargo fruto, o fruto que simbolizava as conseqüências de todos os meus atos.

Eu me enganei, eu não poderia permanecer incólume às minhas decisões, porque cada ato resultava em uma conseqüência, e as minhas estavam bem ali.

Meu rancor e minha amargura tinham me levado a esse caminho tortuoso e sombrio, e pior, arrastado pessoas que eu amava comigo para essa maldição.

Cansada de tudo, cansada de remoer meus erros, sentei no divã e tombei o corpo de lado, pressionando o rosto, tentando evitar as lágrimas.

Devo ter adormecido em meio a elas, pois algum tempo depois, Benjamin me despertava, trazendo um pouco de água e comida para mim.

Seus olhos não me enganavam, estavam cheios de compaixão e compreensão pela minha dor, pelo meu tormento.

- Shhhh... Não fique assim... – sussurrou ele, tentando me confortar, mas nada parecia capaz de aliviar minha desolação e minha angústia naquele momento.

- O que farão com ele? – perguntei, tomada pelo medo, pelo receio.

Benjamin, que tinha um corte no lábio inferior devido à luta, desviou os olhos e suspirou.

- Ele será levado a julgamento, amanhã pela manhã.

- Acusado de quê?

- Traição, conspiração com o inimigo, entre outras baboseiras.

Limpei os olhos com a manga da blusa, bebendo um pouco mais da água que ele me trouxera, eu estava tão nervosa que o copo tremia nas minhas mãos.

- Qual será a punição? – perguntei, mesmo que no fundo já soubesse a resposta.

Benjamin não fez rodeios, respondeu de forma direta, talvez isso tenha evitado que eu caísse em desespero novamente.

- Só existe um tipo de punição para quem viola as leis de Sillentya, e é a morte, Agatha.

- Não há nada que possa ser feito? – eu tinha que perguntar.

- Eu duvido muito, as Tristezas são irredutíveis quando se trata do cumprimento de suas leis. A não ser...

De repente, uma centelha de esperança nasceu no meu coração, mas Benjamin sacudiu a cabeça, matando-a no mesmo momento.

- Não, esqueça, não há nada que possa ser feito para salvá-lo. Aidan selou seu destino no momento em que decidiu confrontar Ducian.

Benjamin levantou-se, deixando-me ali, entorpecida e mortificada demais para dizer até mesmo um simples obrigado.

Então, voltei ao meu tormento, permitindo que minha mente me recriminasse pela atual situação em que me encontrava, por ter arrastado Aidan e Daisuke comigo e por não encontrar um meio de sair daquele inferno.

Estava quase adormecendo novamente, quando a fechadura foi destrancada e três figuras irromperam pela porta, entre elas, Ducian.

Levantei-me do divã no mesmo instante, enxugando os olhos e estremecendo diante da aura ameaçadora que aquele momento o revestia.

Ducian olhou apenas uma vez para os dois sujeitos que o acompanhavam, e logo eles se retiravam, deixando somente eu e ele naquela sala.

- O que você quer? – perguntei, não me importando com a hostilidade presente em minha voz.

Ducian baixou seus olhos, deu alguns pequenos passos pelo cômodo, e depois estacou, tornando a sustentar seu olhar no meu e por fim respondeu minha pergunta:

- Quero que me ajude a salvar Aidan, Agatha.

Eu perdi o chão. Como assim eu poderia ajudar Ducian a salvar Aidan? Mas, não havia hesitação, se fosse para salvá-lo eu faria qualquer coisa, eu colaboraria com Ducian em qualquer coisa que ele me pedisse.

- O que eu preciso fazer? – indaguei, desesperada por sua resposta, disposta a tudo por ele.

Os olhos azuis de Ducian endureceram, tão frios como as calotas polares de gelo, uma imensidão tão fria quanto assustadora.

Ele entrelaçou os dedos, e meu coração sentiu que seria algo muito, muito dificultoso. Mas não importava. Importava?

Franzi o cenho, na expectativa de sua resposta, até que por fim ela surgiu, confirmando todas as minhas suspeitas interiores, tudo o que eu estivera cogitando, virava realidade, bem ali, diante de mim:

- O quanto você estaria disposta a sacrificar para salvar Aidan da morte?

Ele interrompeu-se, procurando pelas palavras certas, procurando pelo jeito mais suave de me dizer aquilo, e então prosseguiu:

- O que quero verdadeiramente saber, Agatha, é se está disposta a assumir o jugo de traidor no lugar de Aidan e morrer por ele, ao invés dele. Você está disposta a dar a sua vida em troca da salvação de Aidan?

Entreabri os lábios, e minha respiração fluiu lentamente através deles. A resposta era simples e apenas uma: Se eu estava disposta?

Sim, eu estava. Sem dúvida alguma, eu faria tudo para salvá-lo. Até mesmo levar a culpa por tudo em seu lugar, e assim livrá-lo da morte, oferecendo a minha própria vida em troca, como o preço justo a ser pago pela sua salvação.

Então, não havia dúvida em meu coração, não havia qualquer hesitação ou arrependimento.

Eu me sacrificaria por Aidan...

Fitei os olhos frios e duros de Ducian, vendo-os ensombrecer vagarosamente enquanto eu tomava a mais difícil e dura decisão de toda a minha vida. A decisão que mudaria minha vida para sempre, sem direito a revogação, sem direito a arrependimentos.

A última decisão que faria, antes de selar meu próprio destino e entregar minha alma a morte.


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Notas finais do capítulo

Esse Ducian é cruel, não é mesmo?

Onde já se viu pedir pro Aidan matar a mulher que ama em troca do perdão e salvar a alma dela da destruição?

E a Agatha finalmente está se dando conta de todos os seus erros, e melhor, já está começando a perdoar o seu amor!

Mas e agora? Aidan tá preso, sendo acusado de traição e vai morrer se ela não fizer nada! Será que ela terá coragem de salvá-lo assumindo a culpa por tudo no lugar dele?

E vcs teriam coragem de sacrificar a vida por alguém que amam????

Bom, nessa fase teremos 19 capítulos + o epílogo, portanto, já estamos quase no fim!

Próximo capítulo, as máscaras caem, Agatha toma a sua decisão e se arrisca a transitar pelos calabouços para encontrar Aidan!

Até lá!

Beijinhos!!!!

PS: Para quem acompanha Nopti Furtunoasa, eu já voltei a postar, tem um capítulo novo já, e o clima de suspense e mistério já começa a engrossar...