Saga Sillentya: Lágrimas da Alma escrita por Sunshine girl


Capítulo 2
I - Voltando à realidade


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, postando na sexta, e ao final um pequeno aviso, peço a sua opinião!

Boa leitura!



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Capítulo I – Voltando à realidade

As crianças divertiam-se no parque. Meninas pulavam corda, riam, segredavam mil e uma coisas. Os garotos por sua vez, chutavam a bola de borracha de um lado para o outro. E eu os acompanhava, os observava de relance. Eu não costumava juntar-me a eles. Não, eu sempre permanecia distante.

Minhas mãos apertavam a corrente do balanço, e eu os olhava sem ao menos piscar.

Aquele era o recreio, o sol estava a pino, mas ninguém parecia importar-se muito com esse fato. Meus pés chutavam os cascalhos próximos a mim, e uma brisa suave trazia uma sensação refrescante em minha pele.

Eu semicerrava meus olhos, eles ardiam, mas eu não me importava. Eu continuava observando-os furtivamente, incessantemente. Talvez porque no fundo eu quisesse juntar-me a eles.

Na verdade, eu queria que isso acontecesse. Eu queria poder rir junto a eles, pular, girar, brincar... Eu queria ser como as outras crianças da minha idade, mas eu não era como eles.

Não. Eu era a estranha, a que sempre se isolava naquele balanço idiota.

E nenhum deles sequer percebia a minha presença ali. Nenhum deles lembrava-se que eu existia. E isso me arrasava.

Não que eu fosse chorar, derramar-me em lágrimas na primeira oportunidade que tivesse. Não. Eu suportaria tudo. Eu levaria tudo aquilo adiante. Eu seria forte. Pelo menos, era isso o que eu dizia a mim mesma.

Eu também não reclamava daquilo. Não confessava isso para ninguém. Eu era um poço de segredos e remorso. Eu era apenas uma garotinha, ainda que solitária e completamente ignorada, mas eu o era; apenas uma criança, que já descobriu que contos de fadas e fábulas não existem.

Eu não era daquelas crianças que em todo natal, acreditava que um velho barbudo e gordo entraria pela chaminé de casa, deixando um presente que ia alegrar meu dia. Não.

Eu também jamais acreditei que colocando um dente sob meu travesseiro, no dia seguinte ele viraria uma moeda. Não. Eu jamais acreditei em todas essas babaquices.

Minha mãe sempre costumava dizer que eu lembrava mais a uma idosa, do que a uma menina de sete anos. A sua “menininha idosa”, ela costumava chamar-me.

Claro que ela já achara esse meu comportamento estranho. Afinal, que tipo de criança não gostava de bolo de chocolate? Eu jamais liguei para isso.

Ou então que menina recusaria uma boneca de presente de aniversário? Talvez eu, eu odiava meus aniversários, e simplesmente preferia esquecê-los.

Que tipo de garota odiava vestidos, rosa, babados e fitas de cetim como eu? Acho que poucas.

Despertei apenas quando a bola que os garotos chutavam, quicou até mim, estacando bem diante de meus pés. Os garotos entreolharam-se, sem nada dizer.

Eu levantei-me do balanço, abaixei para pegá-la, minhas mãos envolveram a bola vermelha. Eu a estendi ao garoto que estava mais próximo a mim. Ele arqueou uma sobrancelha, depois, completamente mudo, caminhou até mim, pegou a bola de minhas mãos com tanta repugnância e cautela que parecia estar mexendo em um vespeiro.

Eu não mordia, ele não precisava ter medo de mim. Os outros garotos piscaram várias vezes, até que a bola estivesse nas mãos do menino outra vez. E ele deu-me as costas, sem nem ao menos me agradecer, ou olhar-me nos olhos.

Tornei a sentar-me no balanço, observando os meninos recomeçarem o jogo, depois é claro de olharem para mim de uma forma estranha e cair em risadinhas.

Ignorei o resto do recreio. Logo eu estaria livre de todos, sozinha em casa. Minha mãe não gostava que eu ficasse sozinha em casa, afinal eu era apenas uma criança. Mas ela não podia vir me pegar na escola e odiaria se eu cruzasse o centro da cidade sozinha para chegar até a sua loja.

Quando o sinal tocou, a professora logo pediu que todos colocassem o dever de casa do dia anterior em cima das carteiras. E então, ela fazia um por um levantar-se, dirigir-se até a lousa e então ler o que havia escrito naquele papel branco: o que cada um ansiava para o seu futuro, quais eram os seus sonhos.

Claro que para eu, aquelas letrinhas miúdas e garranchosas não expressavam absolutamente nada do que eu estava sentindo. Mesmo porque os meus sonhos não tinham vida, não tinham esperança. Eram apenas sonhos mortos.

Enquanto muitos podiam dizer que queriam ser médicos, astronautas, ou até mesmo presidentes, eu simsplesmente não o podia. Quando chegou a minha vez, eu não deveria esperar por algo diferente desse desfecho. O papel vacilou em minhas mãos trêmulas, minha voz ameaçou não sair, e todos me encararam, permanecendo na expectativa.

A folha tombou de minhas mãos, o choque atravessou todo o meu rosto. Eu não podia ler, eu não podia repetir o que estava naquele papel. Porque eu não possuía sonhos. Eu tinha metas a cumprir, objetivos que eu mesma desconhecia, mas sonhar, eu jamais sonhei.

A professora logo me perguntou se eu estava bem. Os alunos cochichavam. Mas um milhão de dúvidas martelavam sem parar na minha cabeça. Quem eu realmente era? Onde era o lugar ao qual eu pertenço?

Indubitavelmente, não era aquele.

O desespero apanhou-me, e eu nem mesmo percebi quando meus pés moveram-se por conta própria, e eu saía em disparada, fugindo da sala de aula. Eu cruzei o corredor, eu corri, mas eu não chorei.

O alvoroço causado por minha fuga repentina logo foi acalmado. E depois de uma longa conversa com a professora e o diretor, eles gentilmente sugeriram que minha mãe deveria levar-me a algum psicanalista. Até mesmo um bilhete contando de meu comportamento estranho foi escrito. Bilhete esse que parou na lata de lixo assim que eu vi-me sozinha e deixava a escola.

Eu observava os outros alunos correrem ansiosos até seus pais. Agarrarem suas pernas com os braçinhos esquálidos. E então sorrir. Enquanto eu seguia sozinha por aquelas solitárias vielas.

Tomei meu caminho, seguindo por aquelas estranhas veredas que eu chamo de solidão. Estaquei diante de uma cena inusitada. Bem a minha frente, um cão fuçava a lata de lixo, buscando por algo que pudesse comer. Devia ser um cão de rua.

E ele farejava, o focinho longo fungava, buscando por alimento. Senti-me comovida. Ajoelhei-me diante do cãozinho, abri minha mochila e retirei de lá o lanche que eu não quisera nem ao menos tocar.

O animal logo farejou o aroma do que teria sido meu almoço, seus olhos negros pairaram em meu rosto, e ele hesitou.

Seu pêlo caramelo estava tão encardido e embaraçado, suas orelhas pontudas baixaram, e ele deu o primeiro passo em minha direção com suas patas finas e compridas.

- Ei, está com fome? – perguntei, oferecendo-lhe o conteúdo em minhas mãos.

Conjeturei que ele devia estar com medo. Então parti um pedaço do pão com os dedos e joguei diante dele. O cão cheirou, e alguns milésimos de segundos depois tragou o pedaço, ingerindo-o com tanta vontade e desespero. Ele terminou de mastigar, lambendo o beiço, desejoso por mais.

Inclinei-me em sua direção, fitando seus olhos suplicantes.

- Pode vir, eu não vou machucá-lo.

E ele pareceu entender perfeitamente o que eu disse. Lançou-se em minha direção, procurando imediatamente o lanche que eu tinha em minhas mãos. E ele deliciava-se, saciando-se, matando a sua fome. Senti-me feliz por ele, ninguém devia ficar sozinho dessa forma.

Um pouco hesitante, estendi minha mão livre até os pêlos macios de sua cabeça e afaguei. Ele pareceu não se importar com meu carinho, então passei minha mão em seu pescoço, e ele reagiu, sentou-se no chão, abanando seu rabinho. Sorri para ele.

E minhas mãos procuraram por alguma identificação, mas não havia nada, nem mesmo uma coleira.

- Você também está sozinho, não é?

Ele ganiu algumas vezes, abaixando sua cabeça e orelhas. Afaguei-o novamente, e ele reagiu novamente, sobressaltando-me, lançou-se sobre mim, lambendo a lateral de meu rosto. Passei as mãos, limpando sua baba no mesmo instante, mas ele estava feliz. E isso me deixou feliz também.

- Posso te chamar de Tobi? – perguntei a ele, e houve um latido em resposta.

Eu ri novamente, não acreditava que havia encontrado um amigo.

Peguei em sua patinha e o cumprimentei.

- Meu nome é Agatha. E de hoje em diante você é meu melhor amigo.

Tobi abanou seu rabo de novo, aprovando minha decisão.

- Mamãe com certeza não vai deixar-me ficar com você. Mas eu tenho uma idéia. – segredei a ele. – Eu conheço um lugar onde você possa ficar. Não se preocupe, Tobi, de hoje em diante eu cuido de você. – prometi a ele, e houve outro latido em resposta.

Agora eu só precisava levá-lo até aquele local que ficava situado um pouco distante do centro da cidade. E aquele local seria perfeito para eu ir visitá-lo sem que minha mãe descobrisse.

Tudo ao meu redor era negro. Tudo estava distorcido, borrado. Tudo girava.

Eu estava completamente petrificada, meus pés pareciam ter sido soldados no chão daquela floresta.

Ruídos estranhos e assustadores ecoavam ao meu redor. Havia algo fora do normal no modo como os galhos das árvores dançavam.

Bem a minha frente estava Aidan. Era incrível como depois de tanto tempo sem poder vislumbrar a beleza e a perfeição de seu rosto, eu ainda pudesse lembrar-me de cada traço, cada detalhe que o compunha.

Como os olhos belos e insondáveis, o cenho franzido, os lábios apertados em uma linha reta e rígida. Os cabelos da cor da meia-noite, lisos e macios. A pele sedosa, levemente bronzeada. Os ombros largos, os braços fortes, os músculos de seu peitoral, comprimindo a camisa preta.

E ele não me dizia nada. Absolutamente nada. A minha própria voz perdia-se em um turbilhão de dor e confusão.

Enquanto aquele sonho repetia-se novamente, enquanto ele assombrava-me mais uma vez, com minhas memórias remotas e nebulosas de meus dias de felicidade. Lembranças tão distantes que pareciam até mesmo terem sido vividas em outra vida. Por outra pessoa.

E embora o meu desejo fosse atirar-me em seus braços e matar uma a uma todas as saudades que eu sentia dele, eu não podia. Algo me impedia de aproximar-me dele. Parecia haver entre nós algum tipo de barreira invisível.

Uma força maior do que eu, agindo sobre mim, impedindo-me de encontrá-lo, impedindo-me de senti-lo próximo a mim novamente. E enquanto seus lábios sussurravam as palavras que poriam fim a aquele meu sonho, eu desesperei-me, não queria perdê-lo de vista, não ainda.

Tudo ao meu redor girou com uma intensidade maior, eu sentia-me presa no olho de uma tempestade. Eu tentei gritar, mas não havia voz, não havia ar em meus pulmões e eu fracassei miseravelmente, tentando impedi-lo de deixar-me mais uma vez.

- Adeus, Agatha... – disse-me ele, a voz aveludada e abafada.

E eu não fiz absolutamente nada, permaneci completamente inerte, enquanto ele afastava-se de mim, sua figura desaparecia de minha vista, e eu era deixada para trás, mais uma vez...

- Aidan! – gritei seu nome, na esperança de fazê-lo voltar.

O susto foi tamanho que eu acabara por despertar de meu sonho.

Só um sonho. Novamente. Tudo não passava de um simples sonho.

Ofegante, deixei que meus olhos percorressem cada centímetro do meu quarto. As cortinas de renda, brancas, o velho roupeiro de madeira enegrecida. Minha penteadeira, abarrotada de bugigangas e quinquilharias. Meu criado-mudo, à cabeceira de minha cama, o relógio-despertador tocaria em cinco minutos, alertando-me de que logo eu deveria levantar.

Desabei, completamente desolada no colchão novamente. Minha cabeça afundou no travesseiro macio, e eu fechei meus olhos, esquecendo-me da realidade por longos segundos.

Instintivamente, meus dedos começaram a brincar com a corrente fina e delicada, enroscada em minhas mãos. Eles deslizaram da corrente para a grande gema, pendurada nela.

Abri meus olhos, deparando-me com o pingente oval de rubi escarlate, e a pedra preciosa estava tão morta e opaca como eu naquele momento. Sem qualquer sinal de vida; sem Mediadores ao meu redor. Sem Aidan.

Deixei que a jóia tombasse de minhas mãos, eu adquirira o hábito de dormir enroscada a ela desde que ele partira...

Três meses. Já fazia três malditos e infernais meses que eu estava sem ele. Virei-me para o lado, observando os feixes luminosos que penetravam pelo tecido das cortinas e iluminavam meu quarto, ardendo em meus olhos sensíveis.

Como eu podia ter permitido que ele partisse? Como eu podia ter deixado que ele escapasse de meus dedos, e voasse para longe de mim, levando consigo todos os meus dias iluminados e os meus sonhos de felicidade?

Porque com ele, fora também metade minha; a metade que eu havia encontrado, a metade que me completava, que me tornava plena.

Levantei-me num pulo, meus olhos já acumulavam umidade e não demoraria muito para que eu chorasse. Corri até a porta, cruzando o corredor em passos firmes. Tranquei-me lá, e logo me despi, adentrando ao chuveiro.

A água quente ardia em minha pele, mas eu não estava importando-me muito com isso. Enrolei-me na toalha, limpei o vapor que havia impregnado no espelho acima da pequena pia, e encontrei meu rosto. As diferenças entre o meu “eu” de agora e o meu “eu” de três meses atrás estavam muito mais do que evidentes.

Meus olhos negros como o ébano, não portavam brilho algum. Meu rosto geralmente era muito descorado, mas nesses últimos meses, eu estava tão pálida quanto cera. Somente meus lábios destacavam-se ao fundo lívido de minha pele, continuavam rosados, como sempre foram, eles só não encontravam os lábios de meu amado mais.

Meus cabelos negros como o ébano que combinavam perfeitamente com a cor de meus olhos fora herança de minha mãe. Eu era exatamente a sua réplica, apenas não demonstrava tanta felicidade e entusiasmo quanto ela. Não, sempre quando eu olhava em seus olhos, era como olhar para uma noite estrelada, brilhante, e assim como os olhos dela, os meus eram janela para a minha alma. Expressavam tudo o que eu estava sentindo no exato momento. E isso na maioria das vezes não era algo bom. As pessoas em geral deduziam facilmente o meu estado de espírito.

Suspirei diante do reflexo daquela estranha, e saí dirigindo-me até meu quarto novamente. Vasculhei meu guarda-roupa, encontrando um jeans surrado e uma blusa azul-claro de mangas compridas, uma das minhas favoritas.

Sequei meus cabelos, apanhei minha bolsa e enfiei a jóia dentro dela, sem nem ao menos olhá-la novamente, eu jamais me separava dela, e tentar ficar sem ela era como tentar matar o resto que sobrara de mim.

Desci as escadas, com minha mochila em posse. O ano letivo já tinha começado novamente. O último ano para mim. Nesse meio tempo muita coisa havia mudado. O relacionamento de minha mãe e John deslanchou de uma vez, e eles estavam preste a evoluir para a fase do matrimônio.

Ainda que ela negasse esse fato até a morte, eu sabia, eu podia sentir o som da promessa a caminho, sinos soando, e eu tendo que usar um vestido brega.

O jantar de noivado seria a algumas noites dali, e isso contaria com uma visita de minha avó que ainda residia em San Diego, Anette Morgan. Claro que devido a isso, um clima tenso e pesado era criado. Minha mãe não gostava das visitas de minha avó materna, parecia estranho, mas as coisas sempre foram assim com minha mãe. Lembro-me de uma vez quando uma das visitas dela quase resultou em uma tragédia para mim, mas essa era uma época remota e eu era apenas uma garotinha, nada mais.

Minha mãe já estava desperta, encontrou-me assim que adentrei a cozinha, vestindo seu roupão e tendo em mãos a sua xícara de café. Ela abriu-me um sorriso, um que eu não pude corresponder.

- Bom dia, querida!

Deixei que a mochila tombasse de meus ombros, produzindo um baque no assoalho da cozinha.

Aproximei-me da geladeira e retirei de lá a primeira coisa que minhas mãos agarraram. Era leite. Tanto fazia. Eu não estava com fome, de qualquer maneira.

Apanhei um copo no armário e despejei o líquido branco nele. Beberiquei um pouco, enquanto percebi que os olhos de minha mãe analisavam-me. Senti-me um certo desconforto por isso. Tomei o resto do leite em um só gole e depositei o copo no fundo da pia.

Virei-me para ela, confirmando minhas suspeitas; ela mordia o lábio inferior, certamente procurando um modo de iniciar aquele assunto comigo mais uma vez.

- Querida, eu... – ela suspirou, fazendo uma curta pausa – Eu tenho observado você ultimamente. Agatha, você tem me preocupado muito. Eu sei que você nunca foi uma menina de sair muito com amigos, mas ultimamente nem mesmo a loja você tem comparecido. Tem certeza de que está tudo bem?

Eu fitava o chão enquanto suas palavras chegavam até meus ouvidos, fazendo-me recordar de como eu costumava agir, como eu costumava ser, quando estava... Quando estava com Aidan. Mas eu tinha que aceitar a verdade; ele tinha ido embora. Ele havia partido. Meu sonho acabou-se, quebrou-se em um milhão de pedacinhos, e eu sei que jamais o terei de volta.

Esse foi o preço que eu aceitei pagar. Eu concordei com as condições, e agora estou sofrendo as conseqüências.

Eu odiava quando ela iniciava aquele assunto. Eu já era legalmente uma adulta. Meu aniversário em agosto não foi motivo para comemoração, ainda que John tivesse insistido com seu “presente”. Mas eu podia cuidar de mim mesma. Ela não tinha porque ficar remoendo isso toda vez que olhasse para mim. Eu não queria que ninguém sentisse... pena de mim. Não queria que alguém me dissesse como eu devia agir. Eu sabia o que estava fazendo, perfeitamente.

Sustentei meu olhar novamente, encontrando a face de minha mãe vincada pela preocupação.

- A senhora não tem porque se preocupar comigo. Eu sei o que estou fazendo, mãe. Eu posso suportar isso, e não se preocupe, a senhora não me encontrará no banheiro com os pulsos cortados.

Ela levantou-se da cadeira, os olhos esbugalhados.

- Agatha! Exijo mais respeito! Eu sou sua mãe, você está sob a minha guarda, lembre-se disso, mocinha.

- Então, por favor, mãe, não inicie esse assunto de novo. Eu não quero falar sobre isso.

- Só estou dizendo o que eu vejo... Desde que... Desde que aquele rapaz entrou na sua vida ele só trouxe tristeza para você!

Ela ter tocado em Aidan, reviveu algo dentro de mim. Minha ferida. A que eu adquirira quando ele deixou-me, eu tentava sufocá-la ao máximo, como sempre fiz com todas as outras, mas minha mãe parecia fazer questão de trazê-la à tona.

- Você está errada! – rebati, completamente certa do que estava dizendo – Aidan não é o responsável por isso. Ele nunca foi.

Ela teimou comigo, erguendo o seu tom de voz.

- Não tente me dizer o que é melhor para você, ou o que foi. Eu sou sua mãe, só desejo o seu bem, e você está melhor sem ele, acredite em mim. – ela encerrou seu discurso, sussurrando, os olhos lacrimejavam.

Eu odiava feri-la daquela maneira. Mas eu não conseguia controlar a mim mesma quando ela tocava naquele assunto tão desagradável para mim. Meus olhos demoraram-se nos dela, completamente tomados pela dor e pela descrença.

- Então, poderia a senhora, por favor, parar de fingir esse joguinho? Estou farta de todos esconderem os fatos ao meu redor.

Os lábios de minha mãe escancaram-se de incredulidade. Ela levou as mãos até sua face, tapando-os. Depois, lançou-me um olhar de acusação.

- Eu não sei do que você está falando.

- Ótimo. – eu murmurei, já me retirando da cozinha e dirigindo-me até a sala. - Então somos duas! - Ainda pude ouvi-la chamando meu nome, mas eu simplesmente ignorei. Sabia que provavelmente ela terminaria com o sermão assim que eu chegasse da escola.

Eu não pretendia trabalhar na loja outra vez. O motivo, as flores repeliam-me novamente. Eu não suportava olhá-las. Não mais. Não quando eu não... Não quando eu não podia transmitir o mesmo estado de espírito que elas. Na verdade, se eu pudesse ser uma delas, estaria agora completamente murcha e sem qualquer vestígio de vida aparente.

E talvez minhas pétalas fossem negras, o que claramente evidenciava o caco que eu estava por dentro.

Não! Eu não pensaria nisso agora. Eu não devia. Sacudi minha cabeça, dispersando aqueles meus pensamentos sombrios.

Apanhei as chaves do carro, o novo carro, o meu carro. Sim, John dera-me um de presente de aniversário, alegando que estava na hora “d’eu ter mais responsabilidades”. Claro que minha mãe quase teve uma síncope, mas no fim, ela aceitara.

Deparei com meu carro, John realmente havia exagerado, eu jamais sonhara algum dia dirigir um Dodge Grand Caravan 2003, de um vinho escuro, muito mais moderno e caro do que o Jeep Grand Cherokee de minha mãe.

Abri a porta e deslizei para dentro. Meti a chave na ignição e não me atrevi a olhar para a frente de minha casa outra vez. Eu queria evitar um certo olhar furioso por parte de minha mãe.

Prendi o cinto de segurança e ajeitei o retrovisor. Dei a partida, manobrando o carro e logo já seguia para o colégio.

Era inicio de novembro, o outono já havia chegado, portanto os dias eram um pouco mais frios e as noites mais gélidas e inquietantes, com o vento assobiando.

Segui em velocidade mediana, não queria dar mais motivos para minha mãe discutir com mais freqüência comigo, embora nada mais tivesse importância para mim.

Mordi meus lábios e sufoquei aquela dor novamente. Eu sabia que o que estava fazendo era colocar um tapete sobre a poeira. Mas não me restava alternativa. E talvez fosse isso a meu apavorar ainda mais.

Por enquanto, era isso o que eu faria, pelo menos até o ano letivo terminar e eu formar-me. Eu já tinha planos para o futuro, na verdade era apenas um plano, e minha mãe discutira comigo muitas vezes devido a minha decisão. Mas ela não me demoveria dela, nada me faria desistir daquela idéia. Ainda que fosse insana, ainda que fosse algo completamente senil, eu já estava completamente certa do que faria assim que pegasse meu diploma: eu ia até a Itália a procuraria por Aidan. E que se dane o resto.

Eu podia suportar mais alguns meses sem ele. Mas passar o resto de minha vida convivendo com sua ausência, isso seria o mesmo que me matar. E eu não estava disposta a abrir mão dele completamente. Talvez por isso eu segurasse todas as nossas lembranças. Talvez por isso eu tivesse tanto prazer em revivê-las. Porque era isso o que eu teria até encontrá-lo novamente.

Embora nas últimas semanas algo estivesse corroendo-me. Talvez fosse o fato de que minha memória tola e fraca estivesse começando a se esquecer de alguns momentos nossos. Como eu podia permitir que isso acontecesse? Como eu podia começar a esquecer quem ele realmente foi para mim? Tudo o que ele trouxe para a minha vida. O sol que já aquecera o meu céu cinzento e morto. O amor que ele sentia por mim.

Senti o bolo formando-se em minha garganta, eu quase engasgava com ele. Sacudi minha cabeça e dispersei meus pensamentos sombrios novamente.

Eu já havia chegado na escola e não precisaria de uma crise de choro agora. Dirigi até o estacionamento. O bom de toda essa história, é que sem Aidan ao meu lado, todos passaram a ignorar-me novamente, exceto por meus amigos, Peter e Tamara.

Deslizei para fora do carro, pendurei a alça de minha bolsa e segui para o prédio da escola. Eu podia reconhecer cada um dos rostos que passava por mim, eu sabia o nome de cada um deles, mas assim como todos eles, eu preferia ignorá-los. Era como se estivéssemos em mundos totalmente distintos. Eu sabia muito bem que jamais pertenceria a aquele lugar. Meu lugar era ao lado dele. Nos braços dele, e em nenhum outro lugar.

Apressei-me quando o sinal ressoou, todos ainda conversavam animadamente no corredor quando cheguei. Entrei na sala, pronta para aturar uma aula tediosa de história européia.

Havia um alvoroço fora do comum naquela semana, tudo devido ao novo professor que havia sido contratado. Eu não tinha a mínima curiosidade de saber quem ele era. Tanto fazia para mim, de qualquer forma.

Sentei-me em qualquer lugar no fundo, retirei a mochila de meus ombros e deixei que tombasse no chão. Vi quando a menina de cabelos ruivos e cacheados cruzou a porta. Os olhos verdes imediatamente procuraram por mim, e assim que me encontraram, ela abriu um largo sorriso e praticamente quicou na minha direção. Essa era a Tamara.

Ela sentou-se ao meu lado, o rosto vibrante de felicidade e satisfação.

- Oi, senhorita “não me provoque estou de mau humor!”

Dei um meio sorriso.

- Bom dia para você também.

- E então como estão as coisas? Você parece péssima! – observou ela.

- Só não estou com muita paciência para aturar essa escola e esse bando de gente medíocre e hipócrita.

Tamara sorriu novamente, enrolando seu cabelo em um de seus dedos.

- Que bom que sou a exceção desse grupo. – murmurou ela.

- Você e Peter na verdade. - acrescentei.

Ela fez-me uma careta na mesma hora, mas eu deixei essa passar. Nos últimos meses, Tamara vinha andando muito mais animada e serelepe. O motivo, ela e Bryan estavam namorando. Ele era um cara legal, sentava-se junto à mesa conosco na hora do almoço. Embora eu e Peter fôssemos as “velas”, e tivéssemos que aturar toda aquele melaço de casal novo e feliz.

Os olhos esmeraldinos de Tamara dispararam até a porta da sala, onde muitos alunos ainda entravam. Vi que um alvoroço fora do comum havia se formado.

Tamara notou minha curiosidade e aproximou-se de mim, obviamente sua intenção era contar-me um segredo.

- Soube da grande novidade que está agitando toda a escola?

Meneei minha cabeça para os lados.

- Não faço a mínima idéia.

Ela riu um pouco, mas então sua voz ganhou um tom de seriedade.

- Parece que alguém voltou.

Meus olhos esbugalharam no mesmo instante, vendo aquela figura irromper pela sala, caminhando de forma elegante. Reconheci-a imediatamente. Mas o que raios estava havendo?

O cabelo continuava louro, liso, caindo naturalmente em suas costas. Os olhos cautelosos como os de um felino não haviam mudado em nada. E atrás dela vinha uma multidão.

Então Becki Sunders havia retornado para sua antiga vida social. Só me pergunto como ela havia se recuperado. Cerrei meus punhos, eu não devia permitir que aquelas lembranças apanhassem-me agora.

Mas não havia dúvida, era realmente Becki Sunders! Vi quando seus olhos recaíram sobre a minha face e ela abriu um largo sorriso. Depois, virou-se e procurou por alguma carteira na frente.

Permaneci boquiaberta por um bom tempo até Tamara chamar-me para a terra novamente.

- O que foi isso? – perguntou ela, completamente chocada.

- Também estou me fazendo a mesma pergunta. – respondi de forma monótona.

Tamara deu de ombros, voltando-se para a frente, encarando a menina loura e esbelta, sentada com uma multidão ao seu redor.

- Seja o que for, parece que a leoa está de volta à ativa.

O sinal tocou, e logo todos se acomodavam em seus lugares, prontos para enfrentar mais um dia de aula. Mas para mim, era mais um dia em meu inferno particular, mais um dia sem Aidan em minha vida, e isso era pior do que qualquer outro tipo de tortura.


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Notas finais do capítulo

Primeiro cap., focado apenas em mostrar como a Agatha está nesses últimos meses sem o Aidan.

Já vou adiantando, a história com o Tobi (cute-cute) não vai acabar bem... *Ohh laiá, eu vou chorar de novo!*

hahahahaha... e a Becki voltou! Pois é, lembram-se dela? Eu já havia decidido adiar a morte dela para a 2ª fase, mas não se preocupem, ela surpreenderá a todos em breve!

O suspense logo dará as caras por aqui, e acreditem, até mesmo eu estou tendo calafrios só de imaginar as cenas tensas e pavorosas!

Agora, eu queria que vocês opinassem sobre algo:

A Yris contou-me sobre um site na quarta-feira (sim, ela tem meu MSN... rsrsrsrsrsrs Quem quiser me adicionar, é só me pedir por MP) e nesse site são lançados livros de autores novos e desconhecidos. Eu fiquei um pouco receosa, afinal sou tão amadora ainda, imagine eu uma escritora! Mas enfim, eu prometi a ela que ia pensar, mas então decidi pedir a opinião de todos vocês... O que acham? A Saga Sillentya merece virar um livro? Estou aguardando a resposta de todos vocês! E obrigada mesmo Yris pela força e pela indicação! Beijos, fofa!

Eu acho que antes do feriadão terminar eu posto outro cap... Até o próximo!

Beijos, meus queridos!