The Chosen One escrita por Ducta


Capítulo 30
I'm gonna give all my secrets away


Notas iniciais do capítulo

Reta final.



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Então nós achamos uma saída na floresta, uma estradinha de terra que levava a uma área mais iluminada, sem árvores.  Não conseguimos achar a nascente do rio negro, mas melhor que isso, achamos uma cidade.

Ela era bem rústica, toda baseada em arquitetura greco-romana. Havia pessoas passando para lá e para cá, algumas fazendo compras na feira livre, outras sentadas nas postas das casas conversando... Seria uma cidade normal de pelo menos uns 700 anos atrás se não fosse o fato de haviam monstros circulando entre as pessoas. Criaturas que era metade cobra metade urso desfilavam de armadura com uma lança na mão, uma espécie de touro com a cara toda deformada e escamas em algumas partes do corpo falava com um senhor já de idade com muita naturalidade. Fora os outros vários tipos que eu nem sei dizer que misturas eram que estavam aqui e ali agindo normalmente.

- Isso não é normal. – Lucas disse ao meu lado boquiaberto.

- Isso tudo é a névoa? – Perguntou Jean.

- Nós não podemos entrar aí. – Gállates disse.

- É, vamos embora. – Justin disse rapidamente. Por alguma razão ele ficou nervoso.

 - Gente, vamos embora pra onde? Voltar pro meio da floresta, sem comida e sem água? – Sarah disse.

- Nós contornamos o vale, deve haver outras cidades para frente. – Justin disse.

- Eu acho que nós devemos arriscar entrar ali. – Sarah continuou.

- Menina você viu o tanto de monstros que tem lá dentro? – Lucas perguntou.

- Se as pessoas não os vêem, deve ser a névoa mesmo, mas eles com certeza nos veriam, então fim da linha pra nós! – Jean disse.

Então nós decidimos dar as costas à cidade, mas não demos sequer um passo. Um daqueles ursos-cobras estava parado bem atrás de nós com aqueles olhos ofídicos no rosto de urso, com a língua bifurcada fazendo aquele barulhinho peçonhento e a lança apontada para o peito de Justin.

- Indo a algum lugar? – Ele perguntou.

Eu sentia que ia vomitar se aquele bicho ficasse por perto.

- Embora daqui, não queremos nada da sua cidade. – Gállates disse.

- Mais o que é isso, não posso deixá-los ir embora. – Ele continuou com uma falsa hospitalidade na voz.

Justin fechou os olhos e suspirou:

- Droga. – Ele murmurou.

- O meu Rei os aguarda. – Disse o monstro.

- Como o seu rei está nos aguardando se nós não sabíamos que chegaríamos a essa cidade? – Perguntei.

E então eu olhei por cima do ombro e finalmente notei um castelo bem ao fundo do cenário da cidade. Mas eu posso jurar que ele não estava lá antes. O castelo não era majestoso, era uma construção como as outras, de pedra branca, mas tinha uns seis andares no mínimo.

- A partir do momento em que alguém cai na Floresta das Almas, é de interesse do meu rei.

- Por quê? – Perguntei

- Porque a floresta pertence ao meu rei, quando ele sente que há estranhos, todos os caminhos da floresta te trazem até o rei.

- Porque tudo por aqui tem algo com “Almas”? – Lucas perguntou.

- Você não ia gostar da resposta. – Leon disse.

Todos olhamos para ele, mas ele apenas desviou o olhar.

- De qualquer maneira – Justin disse – Diga a seu rei que vamos sair das propriedades dele.

- Eu faço questão. – O monstro disse outra vez naquele tom de falsa hospitalidade.

- Nós vamos embora, obrigado mesmo assim.  – Justin insistiu.

Em um movimento rápido e traiçoeiro o monstro pegou Justin entre suas patas escamosas e encaixou a lança em sua garganta.

- Eu ainda inssssissssto. – Disse o monstro.

- Tudo bem! – Eu disse então – Nós ficamos.

- Não! – Justin disse, me olhando como se eu fosse doida. – Nós vamos embora!

- Você não parece ter muita escolha, meu amigo. – Lucas disse.

- Anda, solta o Justin. – Leon disse ao monstro.

- Ou o quê? – O bicho retrucou.

- Eu já falei que vamos com você, solta ele! – Eu disse.

- Ah parem já com isso! – Justin disse – Eu vou com ele, vocês podem ir embora.

- Não vamos a lugar nenhum sem você. – Jean disse.

- Estou realmente lisonjeado, mas eu não estou dando escolha, Jean. – Justin disse. – Saiam daqui!

- Não! – Jean insistiu.

- Você vai bater boca comigo quando eu estou com uma lança no pescoço? – Justin perguntou.

- Pare de ser estúpido, você não precisa fazer nada sozinho. – Jean disse – Nós estamos com você, nós todos aqui estamos juntos.

- Não estaríamos se vocês não tivessem sido teimosas para vir atrás de nós. – Justin murmurou.

- Cale a boca! – Jean gritou. – Pra que direção é o castelo?

- Ah, eu estou falando alemão com você, é?! – Justin gritou. – Ninguém vai entrar nesse lugar!

- Porque não? – Lucas perguntou. – Nós não vamos deixá-lo ir sozinho, ainda mais com esse cara.

- Eu sei me cuidar, tá bom? – Justin disse – Agora vão embora, pelo amor que vocês têm a suas vidas.

- Sabe, ele está certo em apelar para o amor a vida. – Disse o monstro baixinho – Seja lá qual de vocês for o Escolhido, o destino vai ser difícil. E doloroso.

- Chega! – Justin disse antes que alguém pudesse abrir a boca. – Nenhum de nós tem o que vocês querem.

- É? – o monstro perguntou sarcástico – Então porque você os trouxe direto pra cá?

- Eu não trouxe ninguém, nós caímos aqui por curiosidade. – Justin disse quase sem alterações na expressão. Mas eu vi a escorregada que ele deu e por um único momento ele me pareceu um pouco desconfortável.

- Isso é o que nós vamos ver. – retrucou o monstro – se alguém quiser ir embora, essa é a chance.

Ninguém se mexeu.

- Oras! Parem de estupidez! – Justin disse inquieto – Saiam daqui!

- Não. – Eu disse simplesmente.

- O que é agora? – Ele perguntou.

- Desde o começo eu estou no escuro, não sei de nada. E andar tateando as paredes não está me ajudando a encontrar a saída. – Eu disse o olhando – Você sabe de coisas que não quer contar pra ninguém, você fez coisas que ninguém sabe. – E nesse momento ele semicerrou os olhos como se avaliasse a tanto que eu poderia saber. – Aqui parece ter alguma resposta. E ele – eu disse apontando o monstro com a cabeça – parece que vai me dar mais informações sobre isso. Eu vou com você.

- Acredita em mim, você não vai querer saber nada sobre isso! Me deixa cuidar disso, me deixa fazer isso por nós dois.

- Não. – Eu disse. – Não tem mais “nós dois”. Você fez questão de esfregar isso na minha cara nas últimas semanas, milhares de vezes. Eu não vou deixar você tomar decisões por mim, não vou deixar você a frente de tudo.

- Por mais que você não queira, ainda tem “nós” sim! –Ele disse – E é por isso que eu não queria você metida nisso, desde o começo!

- Seus métodos não funcionaram, já percebeu? – Eu disse – Eu estou aqui agora e vou com isso até o fim!

- Não vai não! – Ele disse mais alto – Eu estou tentando proteger você!

- Lá vem você com isso de novo! – Eu disse alcançando seu tom – Me proteger do quê? Se tiver algo tão perigoso esperando por mim, você deveria me dizer pra que eu pudesse ficar com medo por alguma razão e deixar você tomar a frente como você tanto quer! Mas você falhou Justin! Eu mudei, eu percebi o que você está fazendo. Você não vai mais manipular ninguém!

- Eu não estava manipulando ninguém!

- É mesmo? Tire um minuto para pensar em tudo o que você fez comigo. Não foi apenas uma vez que você se aproveitou dos meus sentimentos por você para conseguir algo de mim! Você se aproximou e se afastou de mim conforme você precisava ou queria. Você me mandou pra morte e depois disse que sabia que eu conseguiria sobreviver. Mentiroso! Você esperava que eu morresse. Você me beijou e gritou comigo, você me abraçou e depois me fez chorar. Você me manipulou sim! Você tentou me tirar da jogada, mas aqui vai um aviso pra você: se esforce mais.

Seguido a minhas palavras veio um silêncio tenso entre todos e um alivio em meu peito. Obviamente eu não queria estar em jogo algum, mas eu ainda o conheço melhor que ninguém, eu sei ler suas entrelinhas. Eu percebi que ele estava ferrado por estar ali e que em talvez seu último ato de decência ele teria tentado nos salvar. Eu deveria deixar ele ir sozinho, fazer tudo sozinho como ele queria e se ferrar. Mas quando você ama alguém tanto quanto eu amo ele é impossível você não fazer alguma burrada. Aqui vou eu.  Se ele tinha que fazer alguma coisa, eu o ajudaria, eu até farei em seu lugar se eu conseguir. E aqui estou eu de novo, passando por cima da minha própria vida por ele. Aquele lugar não era bom, não parecia que alguma coisa ia dar certo a partir do momento em que passássemos pela fronteira da cidade, mas eu não podia sequer imaginar algo de ruim acontecendo a Justin sem que meu coração palpitasse em pânico.  Eu preciso aprender a ficar do lado de Justin sem cair aos seus pés.

Eu olhei para Justin outra vez e ele ainda me olhava. Era um daqueles estranhos momentos em que pareceu que ele lia os meus pensamentos. Eu desviei o olhar e precisei fechar meus olhos por um momento para conter minhas lágrimas. Mas Justin quebrou sua casca e falhou em manter-se firme outra vez: Ele começou a chorar. O monstro o soltou e ele sentou-se no chão escondendo o rosto nas mãos. Eu caminhei uns passos para longe para evitar que eu fosse me ajoelhar ao seu lado e pedir-lhe para ser forte.

Eu olhei para a cidade por um longo momento enquanto todos ainda estavam estáticos e o único som era o choro de Justin, então eu disse:

- Todos vocês podem ir embora. Ninguém mais vai morrer por nós. Isso é entre eu e ele.

- Está maluca? – Jean disse.

- É, a partir do momento em que todos nós nos dispusermos a vir, também nos envolve. – Thalia disse.

- Nós estamos juntos. – Lucas disse.

- Nós vamos todos então. – Gállates disse.

Eu ainda conseguia ouvir Justin chorando e isso estava reduzindo meu coração a pó. Então eu fui até ele e sussurrei:

- Amar es ir contigo hasta morir. Angie costumava cantar essa música para você.

Ele me olhou.

- Você ainda me ama? – Ele sussurrou de volta me olhando com os olhos lacrimosos.

Eu não respondi, apenas me levantei e comecei a andar em direção a cidade. 

Nenhum de nós hesitou em cruzar a fronteira da cidade, Justin ficara para trás de propósito. Eu me obriguei a não procurá-lo às minhas costas.

Eu tentei me prender aos detalhes da cidade, mas era igual tanto ao longe quanto de perto. A única coisa que deu para perceber é que algumas pessoas andavam maltrapilhas enquanto outras usavam vestes muito bem cortadas e passadas, mas ninguém tratava o outro com diferença. Apesar de que eu achava difícil ágüem tratar alguém com diferença nesse lugar, uma vez que havia todos os tipos de monstros por ali, misturados a população. Confirme andávamos pela rua principal, outros guardas como o urso-cobra se juntou a nossa caminhada, como uma escolta para o caso de sairmos correndo, todas as lanças apontadas para nós. Com exceção dos guardas, todos os monstros na rua viraram-se para nos ver passar e, ao contrário das pessoas que apenas nos encaravam com curiosidade, os monstros nos olhavam de uma forma sanguinária, como se pudessem pular em cima de nós a qualquer momento para lanchar.

- Mais deles? – Alguém gritou.

- Bom! – Outro gritou – Os outros já estão prontos para descer o rio.

Então uma risada dupla me alcançou, eu não consegui reconhecer quem falara no meio da multidão, mas isso me deixou intrigada.

- Vamos contar as moedas e aumentar as apostas! – outro fragmento de conversa chegou até meus ouvidos enquanto avançávamos até o fim da estrada.

Vários outros fragmentos de conversas me alcançaram. Todos envolviam apostas e o quanto nós parecíamos saudáveis. Alguém até disse que seria uma boa noite para se faturar quando fossemos postos na arena.

- Eles são muitos, não vai ser apenas uma noite. – Outra pessoa continuou com uma voz empolgada.

Eu estava começando a ficar seriamente perturbada com isso, mas então nós chegamos a dois grandes portões feitos de toras grossas de madeira escura, presas uma a outra com corda, extremamente rústico. Rústico e grande. Dava até medo imaginar o que poderia haver atrás daqueles portões. Então os portões foram abertos revelando um grande pátio de chão de terra, como o resto da cidade e vigas de mármore. Subindo olhar eu percebi que a fachada do castelo era totalmente errada. Do lado de dentro ele era basicamente feito de mármore branco e ouro com pedras preciosas por todos os o lados.

- Uau. – Lucas disse ao meu lado.

Nós fomos levados pelo pátio até a escada de mármore no portal de ouro da entrada, agora quem nos olhava eram apenas belas moças com vestidos longos e sandálias de couro e longos cabelos presos em tranças das mais variadas formas. Eu vi Gállates e Lucas trocarem uma erguida de sobrancelha e um meio sorriso.

Foi só passar pelo portal de ouro e um arrepio subiu minhas espinha me obrigando a conter o impulso de correr para longe dali. O interior do castelo era escuro apesar de grandes janelas com parapeitos de ouro estar abertas ao longo de todo o hall e dos corredores que eu conseguia ver. Uma segunda luz, essa azulada, vinha de pequenos vidros decorados pendurados por ganchos de metal nos cantos. Eu estava perto de um. A luz azul parecia dançar agitada dentro do vidro, como se lutasse para sair. Ela parecia até palpável com sua meia calda prateada formando uma linha dentro da luz. Eu tive uma louca vontade de puxar o frasco do gancho e despejar seu conteúdo em minha mão.

Nós fomos empurrados por um corredor lateral, sem janelas ou aqueles frasquinho. Tivemos que apalpar as paredes para saber aonde íamos. Jean tropeçou em meu pé algumas vezes quando o corredor se transformou em uma escada estreita. Subimos, subimos e continuamos a subir. Pelo menos uns seis ou sete longos lances de escada até que chegamos a uma porta que foi aberta no exato momento em que Lucas se escorou nela. Lucas caiu e levou Leon que estava próximo. Thalia, Sarah e Jean riram. Eu congelei quando olhei para frente.

A sala era grande, escura e com uma pira acesa com uma chama azul no centro da sala. Como se não fosse bastante assustador ter uma pira funerária dentro de uma sala escura, ainda havia um caixão aberto próximo ao fogo e uma figura esguia em um manto preito e encapuzada atrás da pira. O fogo que chegava ao seu rosto não revelada nada além de uma boca sorridente. Um sorriso formado apenas por dentes caninos, longos e podres sujos de sangue. Eu comecei a tremer incontrolavelmente, o ar me faltou e eu sentia que ia cair morta a qualquer segundo.

- Eu quero minha mãe. – Lucas disse se levantando.

- Isso não é hora pra fazer piada. – Thalia disse.

Um empurrão no meu ombro me indicou que alguém havia passado por mim. Era Justin. Ele entrou na sala sem hesitar e parou bem na frente da pira.

- Olá. – Disse a figura encapuzada com uma voz tão sombria que eu senti até falta de ar, era como se até o oxigênio não quisesse ficar perto dele. E com razão.

A mão de Justin tremeu na pouca luz que a pira fazia sobre ele. Os guardas nos empurraram para dentro da sala com suas lanças a base de cutucões, mas nenhum deles ousou passar da porta.

- Quanto tempo Justin. – Continuou a figura, ainda imóvel. – Confesso que não esperava vê-lo em meus domínios com tanta companhia. Achei que você faria como todos os outros e chegaria aqui com apenas um e quase morto.

Eu percebi que pelos cantos da sala várias outras figuras começaram a se mover, todas encapuzadas também, mas pareciam apenas pessoas com mantos e capuz, não cadáveres como o que estava do outro lado do fogo. A figura cadavérica começou a se mover lentamente até chegar a nós que estávamos encolhidos uns aos outros atrás de Justin.

- Qual delas é sua herdeira, hm? – Ele perguntou encarando Jean, Thalia, Sarah e eu. Nenhuma de nós encarou de volta. Ele estava perto demais, eu podia sentir o cheiro de podridão emanado dele, me revirando o estomago. - Não a pequena. – Ele continuou, então estendeu sua mão podre para fora do manto negro. Eu olhei a tempo de ver Sarah ser arremessada para um canto da sala onde foi agarrada por uma das outras figuras e rapidamente amordaçada. O movimento foi repetido o mesmo aconteceu com Gállates, Lucas e Leon. Eu ergui os olhos a temo de ver ele fazendo outro movimento com a mão. No momento seguinte eu senti meu rosto ser violentamente erguido por uma força invisível e eu me vi encarando um rosto em decomposição bem em cima de mim. Eu contive o grito de pânico e asco e evitei respirar. Eu tentei fechar os olhos, mas alguma coisa em seus olhos negros (e quando eu digo “olhos negros”  não estou me referindo a sua Iris, todo o seu globo ocular era ocupado por uma espécie de piche muito denso) que não me deixava desviar o olhar. Ele podia me contar tudo o que queria saber, eu sabia que sim. Mas meu pulmão estava queimando implorando por ar, então eu fiquei calada. – Talvez você. Ou você? –Ele perguntou passando para Jean que estava ao meu lado. Ele a analisou por um momento como fez comigo e então riu. Jean ficou instantaneamente pálida. – Você não é a herdeira dele não é, menina de Ártemis? – E com aquele primeiro movimento de sua mão Thalia foi arremessada para longe. – Qual das duas Justin?

- Nenhuma delas. – Justin disse. – Minha herdeira morreu semanas atrás no cassino Lótus.

- Mentiroso! – Acusou a figura se virando para ele. – Nenhum de vocês sobrevive sem sua herdeira.

- Danniele era minha herdeira, ela sabia de tudo e ela foi morta por um dos seus! – Justin disse firme.

- Você não escolhe sua herdeira, garoto. Eu escolho.

- Você perdeu o controle de suas escolhas eras atrás. – Justin retrucou – Você sabe.

- Ter o segredo não te faz merecedor! Você não fez por merecer.

- Errado. – Justin disse. – Eu percebi tarde demais que eu não preciso matar ninguém para merecer o segredo. Eu sou o possuidor agora, a marca queimou em mim quando eu desisti. Você sentiu.

- Você está blefando! Se sabes tanto, sabes também que a desistência nunca fez ninguém merecedor. Não foi a tua escolha que fez a marca queimar em você!

- Não interessa mais! –Justin gritou arrancando sua camiseta – A marca queimou, o segredo está comigo e de mim você nunca vai conseguir tirar!

A figura se voltou para Jean e eu e nos pegou pelo topo dos braços com força.

- Qual delas é sua herdeira? – Ele perguntou gritando – Qual delas se sacrificou por você?

- Minha herdeira está morta! – Justin gritou sem olhar para nenhuma de nós. – A sua morte foi seu sacrifício.

- Se sua herdeira está morta como dizes, como só chegastes hoje, mentiroso?

- Você não exerce controle algum sobre mim desde que a marca queimou, por isso evitei cair em teus caminhos.

- Mas você se voltou contra os seus mesmo sem meu controle então. – Disse a figura exibindo seu sorriso sanguinário outra vez. Justin não disse nada. – Mentiroso.

- Porque a pira? – Justin perguntou.

- Achei que nunca fosse perguntar. – Disse a figura e então seu olhar caiu sobre Gállates e a criatura que o segurava o puxou até que ele ficasse de pé e o empurrou para perto do caixão. – Cansei de demoras. O laço vai ser desfeito hoje. Queimem-no até que sua marca apareça!

Por uma fração de segundo eu fiquei sem reação alguma enquanto meu cérebro trabalhava lento demais absorvendo o que eu ouvira. E nesse meio tempo Gállates foi sendo empurrado por três das criaturas encapuzadas até cair dentro do caixão. Vão matá-lo eu finalmente conclui.

- NÃO! – Eu gritei me precipitando até o caixão. – DEIXEM ELE EM PAZ! NÃO!

Alguém tentou me segurar pela cintura, mas eu desviei tentando puxar Gállates para fora do caixão. Ele estava desacordado e duas das figuras estavam tentando tampar o caixão. Eu não vi quando ele perdeu a consciência e nem quando tantas daquelas figuras encapuzadas apareceram ali, mas eu continuei a socar e chutar e tentar me manter próxima do caixão para que não o fechassem. Então, involuntariamente, meu cérebro chegou a uma conclusão. E eu a disse em alto e bom som:

- Sou eu! Eu sou a herdeira dele! Eu escolhi fazer a tarefa dele se pudesse, por isso sua marca queimou!

- Não! – Justin disse surpreso. Mais surpreso por eu ter falado do que com o que eu falei. Ele já sabia disso, com certeza já.

Um riso estridente percorreu a sala, então um vento forte me atingiu e me jogou para trás, longe do caixão. Eu me sentei no chão e vi Gállates sendo tirado do caixão, ele foi largado ao meu lado e eu o puxei para meu colo e verifiquei seu coração: batendo. Ele parecia bem, apenas dormindo em um sono pesado.

- Levem-nos para baixo. – Ordenou a figura cadavérica – Quero a ruiva e Mabel na próxima semana e Calleb com o semi-morto. Saiam!

Não demorou nem meio segundo para termos sido jogados nos degraus e a porta foi fechada atrás de nós. Mais uma vez sobre a vigilância dos guardas ursos-cobras nós descemos todos os lances das escadas e voltamos ao hall onde fomos separados. Dois guardas puxaram Justin e eu por um corredor enquanto os outros foram levados para fora e sumiram por um portão de barras.

O corredor que percorremos era longo e foi belamente decorado. No final havia apenas uma porta de madeira com batente de ouro. Nós fomos jogados para dentro do cômodo e a porta foi trancada pelo lado de fora.

O quarto era lindo, bem iluminado, paredes claras, cama de dossel grande com as roupas de cama de seda branca, havia uma cesta de frutas ao canto e um banheiro com tinha uma banheira que mais parecia uma piscina.

Justin jogou-se na cama de barriga para baixo e eu notei aquele desenho no canto inferior de suas costas, em letras pequenas: ο εκλεκτός

- O escolhido.  Porque está escrito isso na suas costas? – Perguntei.

- Acontecerá com você também, não se preocupe. – Ele disse com o rosto escondido no travesseiro.

- O que foi aquilo lá em cima? – Perguntei – Onde estamos? O que está acontecendo?

- Eu disse pra você que ainda havia “nós”, não disse? Eu pedi a você, eu gritei a você, eu implorei a você que ficasse longe, que me deixasse resolver isso, não foi? E o que você fez? Você se meteu e ainda por cima gritou o que ele não podia saber.

- Não fale comigo com esse tom grosso! Você começou isso, se você tivesse aberto o jogo desde o início tudo teria dado certo! – Eu disse – E além do mais, eu não podia deixar ele matar o Gállates.

- Gállates nasceu pra morrer por você quando fosse preciso. – Justin disse – Por que você acha que ele caiu inconsciente? Para não lutar contra os instintos de sobrevivência dele. O sinal que ele guarda teria te protegido até o fim da sua vida.

- Porque? – Perguntei meio surpresa.

- O mentiroso aqui não sou eu. Ele nasceu pra morrer por você assim como você nasceu para me proteger.

- Nasci pra te proteger?

- Você é minha herdeira. Você vai herdar minha dor e meu segredo se for preciso, mas é seu instinto me manter vivo. Por isso você sempre voltou.

- Eu não voltei por instinto. – Eu disse.

- Esse sentimento não é nada que você reconheça, porque você não sabe o que é. Por isso você acha que me ama.

- Pare de fazer suposições sobre meus sentimentos. Quero explicações.

- Pois bem. – Ele disse finalmente me encarando.

Eu confesso que fiquei surpresa de ver que ele parecia disposto a me contar tudo. Eu me sentei na cama a sua frente e dei toda minha atenção para ele.

- Você lembra alguns anos atrás quando os deuses se envolveram de maneira estranha na nossa vida? Pois bem, eles estavam nos vigiando, nos protegendo o mais de perto de que eles podiam porque tinha alguma coisa de diferente em nós. Uma magia que não era dos deuses, um buraco muito propenso a ser preenchido com segredos malignos. Quando nós começamos a namorar eles acharam que estávamos seguros, fechando nossos buracos com amor. Por isso nós nunca gostávamos de ficar muito tempo separados. Mas eles se enganaram. Aquele cadáver lá em cima nos puxou pelo elo mais fraco: você. Quando você teve aquele pesadelo estranho pouco antes de morrer, se lembra? Então, ele fez você ir atrás dele. Nosso filho... Você foi e eu fui com você. E os deuses perceberam tarde demais o que tinha acontecido e em uma última tentativa de segurar ele, nossas vidas foram bruscamente arrancadas. Não sei se posso te explicar exatamente o que aconteceu, não tenho palavras para descrever o que lembro... Bem, foi como se tivesse tentado lavar nossa alma. Não preciso dizer que eles não obtiveram sucesso. Nós fomos acorrentados e separados apenas o tempo necessário para que os deuses pudessem reavivar um antigo segredo que manteria esse ser maligno fora da área de perigo.

- Porque os próprios deuses não lidaram com ele? Porque nós? – Perguntei.

- Porque humanos, por mais insignificantes que sejam tem uma coisa que é frágil e muito preciosa. A vida. As lembranças, os sentimentos, os desejos podem ser levados por um espírito até o mundo inferior, mas seu corpo não. Seu corpo é uma coisa que fica por conta das bactérias. E esse segredo antigo marca na carne de quem o possui, por isso se esse Escolhido morrer o segredo se perde para sempre, então ele sempre foi escondido de todos. Eras atrás de eras, para que cada escolhido nascido lutasse por sua vida até o fim. Então você se pergunta por que o segredo não morreu com o primeiro escolhido não é? Aí entra sua figura, O Herdeiro.  O Herdeiro foi criado para estar sempre com o escolhido, o protegendo e zelando pelo Segredo, porque esse Segredo não se deixaria ser derrotado facilmente. Caso eu consiga defender minha vida até o mal se for e morrer por morte natural, meu herdeiro, que obviamente vai viver mais do que eu, passa a ser o possuidor do segredo. Então veio a necessidade do herdeiro ter um herdeiro, aí vem o Guardador. Ele vai te proteger para que você possa me proteger sem ter que se preocupar com suas próprias costas.

- Gállates? – Perguntei.

Justin assentiu, então continuou:

- Mas reavivar o segredo não significa trazer apenas o Segredo de volta, vem também o seu maior cobiçador: Apenantías. Ele vem cobiçando o Segredo desde a primeira geração de escolhidos e herdeiros.

- E o que tem nesse segredo?

- A destruição dos deuses. Imagina o quanto deve ser irritante para eles ter de confiar o segredo de sua destruição a meros mortais? – Justin disse rindo. – Enfim, nos mostraram uma das passagens para sair do mundo inferior e foi assim que nós acabamos naquela praia aquele dia. O motivo de todo mundo ter achado que morremos foi porque nós ficamos semanas no mundo inferior. Nós temos uma chance que só é concedida a cada milésima geração de Escolhidos.

- Que é...? – Insisti.

- Apenantías se alimenta do sangue dos escolhidos. Mas uma nova geração de escolhidos só nasce a cada 100 anos. – Justin disse.

- Por isso ele parece um cadáver?

- Sim. Ele está fraco, mantendo uma subvida a partir da força dos guerreiros que ele mantém presos nas masmorras desse castelo.

Eu teria perguntado se isso tinha algo com as apostas que eu ouvira no caminho, mas eu só tinha foco para uma linha de raciocínio.

- Nosso trunfo, qual é?

- Somos jovens. – Justin disse simplesmente. – Ele vai nos manter aqui, lutando, até que estejamos maduros.

- Nós somos frutas verdes então? – Eu disse.

Justin riu.

- É. Ele vai esperar que amadureçamos para sugar nosso sangue e então arrancar o Segredo da minha carne e ir dominar o mundo.

- E no que ser jovem vai nos ajudar afinal?

- O trunfo é outro, na realidade. Nosso sangue.

- O que tem?

- É podre. – Justin disse sorrindo de canto.

- Oi?

- Nosso sangue vai matá-lo, acabar com a existência dele para todo sempre, mandar os restos do pó para o Tartáro.

- Oras, então vamos lá oferecer uma taça de sangue quente para ele. – Eu disse.

- Não é tão fácil assim.

- Explique.

- Via matá-lo só se ele consumir exatos 15 litros de sangue.

- O quê? Precisa do meu sangue, do seu e o do Gállates juntos!

- Eu sei. E o pior não é isso, sabe quantos séculos ele pode demorar para consumir 15 litros de sangue?

- Nem me diga. – Pedi. – Mas e toda essa história de sermos semideuses?

- Ter um código implantado na pele, não te faz merecedor de saber como decodificá-lo. Então fomos enviados ao Acampamento para provarmos nosso valor e provar para a magia do segredo que podemos protegê-lo. Nossas memórias foram, em uma tentativa tosca eu posso dizer, modificadas para que pudéssemos interagir com os outros e nos camuflar na multidão até estarmos prontos. Não preciso dizer que falhamos nisso, não é? Nós fugimos do Acampamento com duas semanas.

- Então o que foi que fizemos para sua marca queimar na sua pele?

- Eu desisti de matar vocês e eu não estou esperando que você pareça surpresa por ouvir isso, porque eu vi você seguindo Leon e eu aquela noite.

- Você disse que uma vez que você escolhe a morte como opção, não tem mais volta. Ou algo assim. – Eu disse.

- Pois é, eu não sei o que isso quer dizer, eu desisti. Você perdoou minha falha e nos fez dignos. Obrigado.

- Ah, tudo bem então. – Eu disse meio constrangida. – Mas e essa dor que você estava querendo me poupar?

- Não queria que você soubesse que eu traí sua confiança, mas você jogou tudo por água a baixo quando nos seguiu aquela noite.

- Você tentou manter a pose ainda. – Comentei.

- Queria você com raiva de mim.

- Se esforce mais.

- Não quero mais.

- Qual era o prêmio no fim do arco-íris se você tivesse chegado aqui primeiro ou sozinho?

- Meus pais.

- Nossos pais?

- Meus pais.

- Nico e Angie só?

- Sim. E tive que negociar minha irmã.

- E Percy e Annabeth?

- Apenantías e Hades disseram que era problema seu. Que você deveria correr atrás disso.

- Oh. – Eu disse estupefeita.

- Eu juro que tentei incluí-los na barganha, mas as portas apenas bateram na minha cara.

- Tudo bem.

- Não está nada bem. – Ele disse.

- Vai ficar. – Eu disse. – O que fazemos agora?

- Temos de dar um jeito de falar com Gállates, o sangue dele também é importante.

- Eu sabia que nada ia dar certo. – Eu murmurei para mim mesma. – Eu sabia.


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