Perfect Creature escrita por Wyvern, abandonedpole


Capítulo 2
Overdose




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/89010/chapter/2

            Uma pequena floresta não era exatamente o melhor lugar para se colocar um laboratório secreto, ainda mais quando tem um acampamento abandonado não muito longe. Quando vira o local há alguns anos, durante um teste em campo aberto, Lúcifer chegou a desejar que houvesse alguém ali, que talvez ele pudesse tentar pedir ajuda e poder finalmente fugir. É claro que o garoto já não pensava mais nisso; tinha aprendido do modo mais doloroso a não se rebelar. Esse era o pensamento que dominava sua mente durante o estranho devaneio semi acordado que era seu sono desde que os experimentos começaram. Desistindo de tentar sonhar, como fazia todas as noites, abriu devagar os grandes olhos totalmente negros.

            Foi então que percebeu que havia algo diferente. Ele não estava tonto, sua vista não estava embaçada, seu corpo não tremia. Hesitante, tocou um dos tubos que se projetava de seu pescoço. Nada de sedativos. Tentou imaginar o que tinha acontecido, mas antes que pudesse pensar o bastante, seus ouvidos aguçados captaram o som de passos se aproximando. Seus ombros caíram de desânimo. Ótimo, estava na hora de ser testado. Apenas esperou pacientemente, até que o grupo de conhecidas pessoas parasse a frente de sua cena envidraçada. Seus cientistas não passavam de homem magros com óculos grandes demais para a face cansada e jalecos longos que estavam sempre amassados. Lúcifer não se mexeu, apenas encarou seus rostos tensos com calma. Eles pareciam esperar por algum ataque, agora que o rapaz estava livre do controle dos sedativos, mas ele nada fez.

 

            - Acho que não tem perigo. – disse um deles em tom baixo. Lúcifer podia ouvi-los muito bem, então não entendia o porquê de falar assim. – Vamos levá-lo.

 

            Lúcifer não respondeu, tampouco tentou impedir quando a pesada parede transparente foi levantada e os homens entraram em sua pequena cela branca. Levantou-se e, obediente como fora ensinado a ser, seguiu-os para fora, seguindo pelos polidos corredores. Ficava no meio do grupo, por medida de segurança. Se ele tentasse fugir, qualquer um podia vê-lo e logo teriam injetado-lhe tantos sedativos que não acordaria por dois dias. E quando despertasse, seria severamente punido. Ele já havia tentado isso quando tinha pouco mais de nove anos, e a memória ainda era dolorosa suficiente para esmagar qualquer outra idéia de fuga. Por vezes conseguia ver as janelas que decoravam os corredores, mostrando a vastidão de plantas e pequenos animais lá fora. Lúcifer desejava ser um deles toda vez que via aquele mundo estranho pelo vidro.

            Quando uma grande porta metálica se abriu deslizando, o jovem voltou para a realidade. Alguém lhe deu um empurrão nas costas, fazendo-o quase cair enquanto adentrava na imensa sala. Olhou a sua volta, sem reconhecer o lugar onde de encontrava. A sala era imensa e retangular, tendo o teto, o piso e as paredes feitas de metal imaculado. Muito acima, uma janela comprida se projetava, permitindo que várias pessoas o observassem de cima. Espalhados no chão, havia quatro blocos de metais variados, quase da sua altura. Confuso, Lúcifer olhou para a janela, a espera de ordens.

 

            - Lúcifer. – uma voz conhecida ecoou pela sala. Era um de seus donos, mas ele não sabia dizer qual era. – Quero que você se concentre e tente alterar a forma destes blocos.

 

            O garoto desconfiava que tivesse que fazer algo do tipo em breve. Recentemente havia sido descoberto que o pensamento humano possuía uma pequena – quase nula – massa. Se aumentado exponencialmente, o pensamento poderia ser capaz de interagir com a matéria física e até de mudá-la. Quem melhor para testar aquela teoria do que o rapaz com supercondutores sendo injetados no corpo o tempo todo? Respirando fundo, Lúcifer olhou fixamente para o primeiro bloco, um retângulo de chumbo com pouco mais de um metro e meio e um de grossura. Tentou imaginá-lo se moldando, como se mãos invisíveis o modelassem como argila, mas o bloco não se moveu. Engoliu em seco, piscando um pouco ante ao fracasso, e tentou outra vez, sem resultado.

            Antes que tentasse uma terceira vez, sentiu o tubo em sua garganta se encher daquele pó áspero e descer por ela. Menos de um segundo depois, sentiu-se como se uma descarga de adrenalina tivesse dominado seu corpo, aguçando seus sentidos e causando certa ardência no peito. Empolgado com a nova injeção de Ormus, mirou o bloco e o imaginou com a forma de uma pirâmide. Fechou os olhos e visualizou sua base sendo mantida, mas as quatro pontas se unindo em três e logo depois em um cume pontudo, perfeitamente simétrico. Quando voltou a abrir os olhos, nada havia acontecido.

            Seu tubo voltou a injetar-lhe mais Ormus, que desceu por sua garganta com ainda mais incômodo do que o normal. Um leve tremor acompanhou o pó metálico. Lúcifer não estava acostumado a ser exposto a essa substância seguidamente. Concentrando-se, olhou para outro bloco, feito de aço, desejando que mudasse de forma. Novamente, nada aconteceu. O garoto mordeu o lábio para não gemer quando uma nova onda de choque invadiu seu corpo, causada por mais Ormus. Refreou-se para não olhar assustado para a janela às suas costas. Se seu senhor aprovava esse exagero, era porque daria certo.

            Quando a quarta injeção o atingiu, Lúcifer começou a entrar em pânico. Isso não vai se mexer só com o meu pensamento, gritava em sua mente, é matéria sólida, só pode ser quebrada por outra matéria! Seu peito ardia e sua garganta estava seca, ao passo que um zumbido cada vez mais alto invadia seus ouvidos e seus olhos lacrimejavam. Se mexa, bloco, se mexa! Mesmo que seja uma pontinha, mas se mexa!!, pensou assustado ao sentir Ormus descer por seu corpo de novo, que começou a tremer. Ele sabia que os cientistas não se importavam em lhe causar dor para conseguir o que queriam, e também sabia que estavam ficando impacientes com seus contastes fracassos, mas não achava que eles tentariam melhorar seu desempenho injetando Ormus sem parar. Isso não estava ajudando, estava deixando-o cada vez pior.

 

            - Lúcifer! – berrou a voz vinda da sala. – Mova esses blocos agora, aberração inútil!!

            - Não consigo... – sussurrou o garoto, apavorado. Estava fracassando de modo tão vergonhoso na frente de um dos seus senhores!

 

            Ele não deveria ter feito isso, porque o fluxo de Ormus deixou de ser controlado. Sentindo-se cada vez pior, Lúcifer caiu de joelhos no chão, agarrando a garganta, que queimava com tanto pó sendo forçado por ela sem parar. Seu coração – duas vezes maior do que um normal – batia acelerado, seu corpo inteiro tremia sem parar e sua cabeça parecia prestes a rachar ao meio. Tentou implorar para que parassem com aquilo, mas no momento em que abriu a boca, abaixou a cabeça e vomitou no chão polido. Uma poça de sangue escuro e pó branco manchou o metal, pois isso era tudo o que o mantinha há muitos anos. Os gritos furiosos pararam de imediato ao ver o que tinha acontecido, mas era tarde demais. O garoto tivera uma overdose, e tudo o que conseguia fazer era vomitar cada vez sangue e Ormus a medida que seu corpo ia perdendo a força. Em poucos segundos, caiu no chão sujo e duro, de onde não se levantou.

            Seu coração parara de bater.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!