As Loucas Confissões de Jessica Summer escrita por Miss D


Capítulo 4
A Dieta


Notas iniciais do capítulo

*Jessica Falando*: Minha (in)capacidade mental às vezes me surpreende...



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  Eu continuo com minha resolução de não tomar refrigerante. Estou indo bem, faz uns treze minutos que não tomo nem um gole. Eu não vou mais tomar, é sério. Exceto socialmente, e nos finais de semana, e quando não tiver mais nada para beber, só água.

  Sabe, agora que eu estive pensando sobre isso... Eu era bem mais magra quando eu era criança (porque agora já é bem adulta...). Não enche.

  Quando criança eu era bem mais magra mesmo. Os outros até me chamavam de Jess-palito-de-dente. Agora não chamam mais, acho que devo ter inchado um pouquinho. Deixe-me ver... Minha nossa! Eu engordei mais ou menos vinte quilos em apenas dois anos, como consegui fazer essa ofensa a comunidade das mulheres magras?

  Tudo bem, eu vou ficar bem. São apenas uns poucos quilinhos, eu NÃO ESTOU ENORME DE GORDA.

  E outra, a balança pode estar errada. Uma vez eu assisti na televisão que tinha um pessoal que estava adulterando balanças para elas mostrarem o peso das coisas maiores do que realmente eram e fazendo os outros pagarem mais. Vou denunciar os donos daquela farmácia, não, melhor ainda, vou processá-los, talvez eu até ganhe uma indenização de R$ 50 000, 00 e fique rica. Tudo bem que o jornal só falava de balanças de supermercados e mercearias, mas a que eu fui também foi fraudada com certeza, e ainda tive que colocar uma moeda de cinqüenta centavos apenas para ver meu peso adulterado. Dá para acreditar no roubo?!

  Caminho um pouco mais, há outra farmácia na esquina. Subo na balança, desta vez, pelo menos, não tenho que por moeda nenhuma. Observo enquanto os números sobem depressa. Partindo de zero grama e se movimentando assustadoramente rápido. Sinto um friozinho na barriga, mas que se torna bem grande apesar do “inho”. Tento pensar em outra coisa, antes de ver o peso, na maioria das vezes me preocupo demais com coisas que no fim das contas eram completamente irrelevantes. Os números vão parando devagar até que finalmente apenas uma combinação se torna fixa, 58,500 kg, ela mostra. Eu sabia, eu sabia! Aquela balança adulterada tentando me passar a perna, mas ainda bem que eu sou esperta e não dei ouvidos a ela. Como se eu realmente pesasse 58 quilos e 700 gramas, aqui diz claramente 500...

  Espere, não pode ser. Não pode haver apenas 200 g de diferença. Esta balança também está adulterada. Não sei o que estas pessoas querem fazendo a gente parecer mais gorda do que realmente é. Vou prestar mais atenção nisso quando estiver fazendo compras, aposto que a dona vaca não gosta que a gente pague R$ 9,95 por um quilo de carne quando ela só pesa 600 gramas. Deviam dar indenizações para as vacas também.

  Viro a esquina e desço uns três quarteirões à procura de outra farmácia. Lá está ela, bem no final da rua, consigo vê-la. Consigo ver a balança também, ela me atormenta.

  Balanças normalmente são bem rabugentas, se quer minha opinião. Se bem que não é tão boa essa vida de os outros ficarem subindo em cima de você, e às vezes esses “outros” são bem pesados mesmo. Mas elas estão sempre de mau-humor, credo! Nem sorriem para mim quando passo por elas, mesmo se eu não tiver a intenção de subir em cima. Estão sempre com aquelas caras feias e cheias de números perseguidores de gente. Acho que elas são é mal-amadas!

  Quando chego e subo na balança, vejo a cara feia que ela faz para mim, puro veneno escorrendo por seus olhos assustadores. Hoje ela está ainda mais mal-humorada. Ótimo, era só o que me faltava, uma balança rabugenta que não foi com a minha cara!

  Enquanto isso, os números se ajeitam, traiçoeiros. Conheço essas pestes, adoram pregar peças na gente. E depois riem da nossa cara. 58,600 kg. Balança mentirosa! Mentirosa! O que é que ela quer, afinal?

  – Com licença – pergunto nervosa, e um pouco grosseira também –, esta balança está certa? Quero dizer... regulada corretamente? (diz que é intelectual)

  Você certamente entendeu o sentido das palavras.

  – Perfeitamente – diz o rapaz pálido. É incrível como ele combina com o lugar, com os remédios, quer dizer. Vai ver foi por isso que ele foi trabalhar ali. Eu só não colocaria um doente para vender remédios que a gente espera que façam efeito.

  – Não parece, não – eu insisto. Em geral sou muito teimosa, principalmente nessas questões de importância social. Todos estamos sendo vítimas desses adulteradores de balanças. E se uma mulher vier aqui, pesar e, como o peso está errado, achar que está realmente gorda e comprar um remédio para emagrecer à toa? Custa dinheiro, e não é pouco. Ou pior ainda, ficar anorexa? Este problema é de toda a comunidade e é meu dever não deixar que outras mulheres passem por ele.

  Ele me olha irritado. Estou atrapalhando suas preciosas horas de Não-Estou-Fazendo-Nada. Parece ainda mais pálido do que antes, se é que isso é humanamente possível, quase posso enxergar através dele, e ainda tosse. Péssima propaganda, péssima mesmo.

  – Vai comprar alguma coisa? – pergunta ele, já ficando irritado comigo (o quê? Está louco?! Ele acha mesmo que vamos comprar qualquer coisa aqui quando ele, o vendedor dos remédios, parece ainda mais doente do que os que entram para comprar? Só pode ser louco!). Está pensando, obviamente, em me chutar para fora. Mas ele que pense que vou deixá-lo sair impune dessa!

  – Não – respondo simplesmente. Saio respeitosamente do estabelecimento.

  Não foi só por que eu vi um “suma daqui senão eu te expulso a vassouradas” em seu olhar doente, se é o que quer sabem (aham...). Eu saí por livre e espontânea vontade (é, antes que ele te puxasse pelos cabelos).

  Ok.  Mesmo que a balança não esteja tão errada assim, eu ainda teria, para me pesar certo, que tirar os brincos, as pulseiras, os dois anéis que fazem um monte de peso, têm também os sapatos, o peso das roupas (sim, ela se veste com concreto por isso elas pesam tanto), e o celular no meu bolso. Dá pelo menos uns oito quilos de diferença, pode apostar. Tenho que comprar uma balança só para mim se quiser me pesar direito, e eu também teria certeza de que ela não foi adulterada.

  Estou ótima, na verdade. Não posso estar tão gorda, isso é impossível. E também, uns poucos quilinhos a mais não fazem a mínima diferença. Se eu estivesse acima do peso, sentiria, não é mesmo?

  Céus! Eu estou gorda! Não, não... não posso estar gorda. Não posso. Não posso ter engordado vinte quilos em dois anos.

  Estou com medo de olhar no espelho. E se ele também tentar em enganar? Nunca pensei sobre isso. O que eu preciso é de uma segunda opinião não-balançônica, e que também não seja do espelho. É isso.

  – Mãe – pergunto fingindo desinteresse –, você... eh... acha que eu engordei?

  – Não filha, você está ótima – ela responde automaticamente, sem nem mesmo olhar para mim.

  Viu só? Eu tinha razão, eu sabia que tinha. A mãe da gente nunca mente. Não é só porque uma vez ela disse que eu estava bonita com aquela roupa não tão na moda assim e todos riram da minha cara, ou aquela outra uma vez em que fui naquela cabeleireira e ela destruiu o meu cabelo e minha mãe disse que “até que ficou bom”.  Mães não mentem, elas querem o bem dos filhos.

  Nem estou mais com tanto medo de olhar no espelho. Foi tudo infantilidade, coisa sem importância. Por que teria eu que ficar com medo de olhar no espelho, afinal? Ele não pode me assombrar, não mais.

  Vou confiante me olhar de frente, sem medo nenhum. Isso não vai me assustar, penso.

  Deus, não gosto deste espelho! Ele deforma as pessoas. Deve ter sido defeito de fabricação e... Nossa, olha só, eu nunca tinha reparado nisso, mas um dos meus olhos é ainda maior do que o outro. E como eles são desproporcionais! Que horror! Nada a ver com nada. São tão grandes e destacados perto do resto do rosto. E o nariz é tão pequeno comparado com esta boca gigantesca. Realmente, um seríssimo erro de cálculo. Lastimável (paranóia total, pode crer). Acho que vou chorar. Nunca tinha reparado como eu sou tão... tão... esquisita. Droga.

  Bem, talvez eu esteja mesmo um pouco gorda (só agora, depois de um monte de tempo olhando o rosto é que ela foi ver o que realmente importava). Tudo bem, eu estou mesmo gorda.

  O que é isso, afinal? Eu não posso ter passado a comer tanto assim para ter engordado tudo isso. Eu quase nem como. Vai ver são os hormônios, minha professora disse que na puberdade hormônios também fazem a gente engordar

  Vejamos, o que eu comi hoje? Duas fatias de pão com manteiga (quatro); um pacote de bolacha (um pacote inteiro de bolacha); dois copos de leite com chocolate (três, e foram três copos de chocolate com leite porque nunca vi alguém pôr tanto chocolate numa xícara quanto você pôs); uma pêra, uma maçã (duas e meia); um copo de iogurte, uma cenoura... É, acho que foi só isso (ainda faltam duas horas para o almoço). Eu nem comi tanto assim.

  Está bem, eu posso ter comido além da conta. Mas nem sempre é assim, sério (ah, é sim!). Que é?! Eu estava agitada! Tinha que comer senão ficaria louca!

  Calma, deixe-me explicar. É que quando eu fico muito agitada, preciso comer. Como por impulso, senão enlouqueço. É algum tipo de doença, eu acho (mais uma desculpa fiada...). Vou pesquisar para ver se eu acho um tratamento para esse distúrbio, é grave.

  Então, subitamente a iluminação aparece em meu cérebro obscuro. Por que não pensei nisso antes? É tão óbvio! Vou fazer uma dieta.

  Minha mãe me disse que uma amiga dela tomava algum tipo de chá emagreceu dois quilos em um mês. Já é um bom começo. Vou pedir a receita aprestada. Não posso crer em como será fácil fazer isso.

 

  Nunca imaginei como pode ser difícil fazer dieta. Peguei a receita do tal chá e tenho que ser sincera: é a coisa mais terrivelmente ruim que já provei em minha vida. Até aquela vitamina venenosa com ovo da minha mãe deve ser melhor do que isso. A amiga da minha mãe provavelmente não sobreviveu, ou o objetivo do chá é fazer-nos querer passar fome a bebê-lo, aí sim daria certo.

  Eu deveria saber, isso tinha que ser coisa da louca da Marta.

  Esse gosto terrível não sai da minha boca. Nunca mais reclamo de dipirona, nunca. E eu ainda tenho que tomar isso no café-da-manhã e na janta. A sorte é que não preciso nem olhar para a cara desse troço no lanche depois do cafá-da-manhã, nem no lanche da manhã, nem no lanche depois do lanche da manhã, nem no almoço, nem no lanche depois do almoço, nem no lanche da tarde, nem no lanche depois do lanche da tarde, nem no...

  Eu sei o que você está pensando. Mas eu vou te contar uma coisa, os nutricionistas recomendam que não deixemos um grande espaço de tempo entre as refeições mais importantes, porque se fizermos assim, acabamos comendo mais do que um necessário em uma ou outra por termos ficado muito tempo sem comer (isso justifica ter 12 refeições ao dia? Acho que não).

  É, tem razão dessa vez. Tenho que parar realmente de comer frenética e compulsivamente se quiser mesmo emagrecer. Mas é que... eu não consigo. Não consigo mesmo, não posso fazer isso. Sabe quando sua mãe faz aquele bolo estupendo de cenoura com cobertura de chocolate, aquela cobertura bem cremosa e deliciosa, e ainda coloca cerejas? Eu simplesmente não consigo resistir. Ele me chama, clama por mim. Como resistir a um chamado tão meigo, tão doce?  Impossível.

  Não me pergunte o quanto eu comi, não vou responder. Nem foi tanto assim. Devem ter sido apenas uns dois pedaços (oito). Pare de ficar me corrigindo! (Se você dissesse sempre a quantidade certa das coisas talvez eu não precisasse te corrigir).

  Mais uma coisa: já percebeu como todos colaboram com você quando está fazendo dieta? Como eles não compram bolacha recheada ou requeijão para comer no café-da-manhã; como eles não fazem lasanha ou panqueca para comer no almoço; e como nunca ninguém dá idéia de ir comer pizza, cachorro-quente ou sorvete à noite. Sempre optam, em consideração a você, por alimentos mais saudáveis, naturais e o menos calórico possíveis. Legal, não é? Esse espírito de fraternidade da qual a sociedade moderna é principalmente caracterizada, o apoio que é revelado uns pelos outros. Incrível.

  Então, é isso. Hoje é bem um daqueles dias em que todos não estão comendo lasanha e eu não olho tristemente para o meu prato só com salada. Ah, é, e não tem pudim de leite-condensado de sobremesa.

  A salada me encara, calada. Ela sabe perfeitamente que eu não gosto muito dela. Convenhamos, verde não é bem cor de comida. É cor de lodo, de vômito, de boldo (do chazinho milagroso de emagrecimento), mas não é cor de algo que a gente tenha que colocar na boca e dizer que gosta.

  Quando eu olho uma comida verde, penso com meus botões: “Mas que coisa, acho que vi uma lesma igualzinha a isto aqui lá fora”. Totalmente nojento.

  Claro que hoje é diferente, eu tenho um propósito, um objetivo em mente. Vou emagrecer. Tenho que emagrecer. Não estou gorda, mas é sempre melhor prevenir.

  Se eu olhar bem atentamente, até não é tão ruim assim. Eu posso imaginar que... que... eu estou comendo um... sorvete de limão, ou de pistache. É, pistache é bom, serve isso. (ela nunca comeu sorvete de pistache). Mas todo mundo diz que é bom. E também, esse verde nem é tão feio (nós duas detestamos verde), parece... é meio como... um verde-claro meio fluorescente... se apreciarmos a beleza da cor ela se torna linda (mentira!).

  Está bem, talvez haja uma opção melhor. Talvez se eu fechar os olhos e comer fingindo que estou comendo lasanha, lembrar do gosto da lasanha na minha boca e esquecer esse gosto verde eu consiga engolir.

  Aperto os olhos com força nas órbitas. Ok, eu consigo fazer isso. Com os olhos fechados, pego o garfo e levo devagar até a boca. Tenho certeza absoluta de que estão todos rindo de mim, principalmente a Julia. Irmã irritante. Pelo menos eu sei que ela vai se tornar uma orca e eu não. Até sorrio com essa idéia, e consigo mastigar normalmente. Julia vai virar uma orca enquanto eu serei a irmã linda e maravilhosa... e magra. Adorei isso.

  Porém eu ri cedo demais. Estou sempre rindo cedo demais das coisas, coisa que não devia fazer. O gosto verde-claro não tão feio assim (Que é horrível) começa a se alastrar pela minha boca inteira. Tenho que admitir, não é ruim, é mais ou menos bom. “Pensar na lasanha, pense no gosto incrivelmente maravilhoso da lasanha...” (E que todos estão comendo uma de verdade, enquanto você só está pensando...). Será que dá para você parar de falar?(Não). Eu estou tentando me concentrar aqui!(E...?). Humpf! Você só sabe encher o saco.

  Acho que não está ajudando. Pensando nisso, o gosto dessa coisa verde parece horroroso comparado com o da lasanha. Sinto como se fosse o Garfield agora. Ele também estaria reclamando, com certeza. Ao menos eu sei que existe alguém que me compreende.

 

  Esta dieta não está dando certo. Não foi só porque eu comi um pedaço de lasanha. Eu não estou conseguindo fazer isso. Agora à tarde me de o meu distúrbio, sabe, a doença que eu falei. Foi um impulso muito, muito forte, eu não resisti e... comi. Comi tudo que estava pela frente. Não tinha passado nem uma hora direito desde que eu havia terminado de almoçar.

  Contaram para a geladeira que eu estou fazendo dieta, não sei quem foi o fofoqueiro. Ela está furiosa, nem olha na minha cara. É despeito, só pode ser. Está magoada comigo. Quem sabe se eu conseguir controlar meus impulsos de comer, nós não voltamos a ser amigas?

  Mas, voltando ao assunto, acho que comi demais. Desregulei completamente o meu sistema de emagrecimento (e você tinha isso?). Eu tinha, acho. Ah, Senhor! E se eu tiver comido realmente demais? E se amanhã eu acordar e tiver virado um... hipopótamo? Não pense nisso, não pense nisso! Não vou pensar... E se a Julia for a irmã linda, maravilhosa e magra ao invés de mim?! Acho que me mato, me atiro da sacada.

  Sento desconsoladamente à mesa e abro meu grande caderno de (loucuras) anotações, pego uma caneta e fico observando ele. É um dos poucos que me entende, que escuta pacientemente meus lamentos. (Só porque ele é obrigado a isso. Ah, se ele pudesse falar!). Com licença, posso ficar com a minha infelicidade em paz? (Como pode ser em paz se é com a sua infelicidade? E, a propósito, não).

  Volto a pensar. Mas por que é que eu tenho que ser assim? POR QUE EU NÃO TENHO AUTO-CONTROLE? Que droga. Bem que eu poderia ser um pouquinho controlada, ou ter aquela doença em que a pessoa come o quanto quiser e não engorda. Já imaginou que sonho? Poder comer o quanto quiser... Isso me deixa com fome.

  Não. Não estou com fome, não estou. É apenas uma vontade frívola, só isso. Pare de pensar estas besteiras.(É você quem está pensando). Você também... Esquece. Depois eu conto isso.

  O caderno parece estar exatamente como antes, exceto por um pequeno detalhe: no meio dos meus delírios de comida escrevi alguma coisa. Nem percebi. (Vale lembrar que ela estava no mundo da lua, ou melhor, no mundo da Jessica, numa discussão interna). Que letra feia.

  Lembrar:

Não é só porque tem que você precisa comer. Comer apenas uma fruta, pão ou danone à tarde. Café-da-manhã, almoço e 1 – sublinhado, circulado e entre aspas – janta.

  Um pouco mais embaixo, escrito certamente enquanto eu pensava em como seria bom comer o quanto eu quisesse, e com uma letra mais feia ainda, uma flecha saindo da última parte – 1 janta – apontava para a pergunta:

 Não pode ser três?

  Não posso fazer nada sobre isso. Eu não sou louca. E sonhar não é pecado, ainda. Mas às vezes eu penso seriamente em como o mundo caminha para a decadência espiritual. Veja: como eles podem cobrar R$9,47 por uma bandeja com quatro copinhos de iogurte? Isso acaba com a felicidade das pessoas. Todo aquele clima maravilhoso e feliz que você sente quando vai comprar o seu precioso iogurte esvai-se no exato momento em que você olha o absurdo do preço. Esse governo está cada vez mais ladrão, como diz a minha avó. (Essa garota vai ter um colapso nervoso, ou alguma doença em que envolva morte por comida demais no cérebro, por que é só isso que tem lá).

  Sabe, eu realmente tenho razão. Minha avó – você ainda terá o prazer de conhecê-la – vive dizendo que não tem mais onde esse povo arranjar coisa para a gente pagar imposto. Imposto de renda, por exemplo. Existe algo mais absurdo? Pagar imposto do tanto que a gente recebe, a gente nem chega a receber nada direito. Daqui a pouco, se ninguém tiver uma idéia melhor na cabeça, vão começar a cobrar por metro cúbico que a gente respira.

  Eu não fiquei triste por não ter comprado o iogurte, só completamente revoltada com esse pensamento. E também, ele era light, zero por cento de gordura, eu podia comer. É que, como eu estou fazendo dieta, é bom ter essas coisas saudáveis e com pouca caloria em casa. Antes que alguém pergunte, eu não ia comer tudo de uma vez. Tenho jeito de pessoa que é descontrolada assim? Não responda.

  Sabe de uma coisa? Vou arranjar alguma coisa para fazer, algum exercício. Exercício físico também ajuda a emagrecer, e a gente ainda fica com o corpo bonito igual ao da Beyoncé. Ela tem um corpo bonito mesmo, não é? Acho que eu vou ser alguma pessoa famosa quando eu crescer, como Jennifer Lopez e Catharina Zeta Jones. Já percebeu como os famosos são quase todos lindos e perfeitos, com os cabelos sedosos, o corpo bem formado e magro e a voz incrível? – ou isso é só efeito da fama, enquanto se tem fama tudo é lindo, mesmo que não seja realmente. – Talvez eu conheça a Beyoncé, isso não é maravilhoso?

  Na verdade, pensando melhor sobre o assunto, acho que deveria ser excluída a carreira de artista famoso, isso faz mal para a saúde. E os psicólogos também deveriam aconselhar isso: afastar as pessoas comuns da televisão e revistas de famosos, essas coisas acabam com a auto-estima. Admita a esmagadora verdade: Quem é que vai se achar bom com essas pessoas inumanamente perfeitas andando por aí, no mesmo mundo que a gente? (experiência própria).

  Não é que eu não goste da Beyoncé, ela é simplesmente demais! Mas o problema é exatamente esse; ela é demais, e eu sou eu. Isso é muito injusto.

  Tudo bem, a atividade física. Eu posso começar com uma caminhada de meia hora e uns trinta abdominais pelo menos, sabe como é, a barriga cresceu significativamente nestes últimos meses.

  Talvez eu emagreça bem mais do que eu quero, e possa ficar um tempo sossegada com isso, e comer bastante até chegar novamente no meu peso ideal.

  Ah! A propósito, não estou mais tomando aquele chazinho desgraçado que a amiga da minha mãe me deu. Ainda não sei como ela sobreviveu, aquela coisa horrível, bléh! Nem mesmo se eu quisesse aquilo passaria pela minha garganta. E aquela mulher, também, se lhe dissessem que excremento de rato é bom para qualquer coisa, ela tomava. A pessoa é completamente perturbada! Talvez eu até conte sobre ela.

 

  Céus, como estou cansada! Gotas de suor escorrem pelo meu rosto, ou estão prestes a fazer isso. Meus músculos doem. Será que a Beyoncé tem algum método menos difícil para deixá-la sempre magra e perfeita? Eu tenho que descobrir, pois este aqui não está dando muito certo, não. Ouvi dizer que algumas dessas artistas não comem para emagrecer, pessoalmente, eu acho isso loucura. É que as pessoas não querem é admitir que elas – as artistas – não precisam fazer nada para ser assim.  (Isso porque elas têm dinheiro).

  Eu fiz uma caminhada ontem, até que não foi tão ruim assim, se não tivesse me cansado tanto. Eu fiquei fedendo suor depois, foi horrível. Mas os abdominais... deveriam matar quem inventou uma coisa dessas. Nem sonhando que eu faço trinta abdominais por dia. Posso ter uma distensão muscular, sabia? E quer saber de outra coisa? Eu nem preciso tanto assim fazer exercício. Já faço o suficiente. Ando bastante todos os dias, mesmo.

  Na verdade, todos fazem bastantes exercícios. Eu faço muito. Agora pensado nisso, nem sei como meu corpo agüenta. Pense comigo: eu vou da cozinha até a sala, da sala até o banheiro, e ainda subo aquela imensa escada até o meu quarto no segundo andar, e tudo mais.  Tenho certeza de que nenhum endocrinologista me importunaria dizendo que sou sedentária. E seria totalmente mentira se dissesse, também.

  Fiz apenas três abdominais e já estou morrendo. É sério. Quem inventou isso deveria definitivamente estar ruim da cabeça, fazer isso é a morte. E ainda tem gente que faz uns cem... Deviam internar todos e sem demora.

  Ai... Agora todo o meu corpo está dolorido, está vendo? Péssima idéia, péssima idéia. Ai,ai... Droga.

  – O que foi filha? – pergunta minha mãe ao ouvir meus protestos. – Você está bem?

  – Estou. Ai...

  – Ah, é. Lembrei agora. Já fez os trinta abdominais que disse que faria?

  O quê? Eu disse isso realmente? Bem, ou você estava com uma péssima audição ou era eu quem estava ficando louca (Ficando?). Nem morta que eu faço nem mesmo quinze disso aí por dia. Ainda não estou tão louca. (Ela não disse isso, óbvio).

  Tudo bem, eu só preciso de uma explicação bem intelectual, com aquelas palavras BEM difíceis, para minha mãe se convencer de que eu não preciso fazer nada disso e ela não entender nadinha.

  – Então, mãe – até me imaginei vestida de advogada e com aqueles ray-bans fashion –, devido às circunstâncias – adorei esse começo, até pareci mais inteligente – eu me apercebi do fato de que tais estratagemas (alguém me diga de onde ela tirou essa palavra!) são escusados ao extravio de volume corpóreo – ajustei os óculos imaginários –, diversamente do que pensei que seriam.

  UAU! Nem eu acredito que disse isso. Acho que de agora em diante devem me chamar de Vossa Excelência Jéssica Summer. Vou esperar minha carta de Harvard, depois desta fala duvido que eles não tenham a decência de me convidar para lá.

  – O quê? Mas você já desistiu? – perguntou ela em tom de deboche.    

  É, não deu certo, ela entendeu. Ao menos eu tentei. 

 


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Notas finais do capítulo

N/A: Faz algum tempo que escrevo essa história, então os capítulos já estavam prontos. Eu é que não tive coragem suficiente pra postar. Mas, já que decidi fazer isso hoje, já postei 2 de uma vez. Espero que gostem.