As Loucas Confissões de Jessica Summer escrita por Miss D


Capítulo 2
Paranóia


Notas iniciais do capítulo

*Jessica falando*: Rá, rá, rá! Você acha que já viu o suficiente? Pois não viu mesmo, não viu NADA. Mas, se foi corajoso(a) o suficiente para continuar a ler... Às vezes eu acho que tem gente que é mais louco do que eu... Porém, é só ÀS VEZES.



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  Neste momento estou sentada aqui, bem na cadeira da cozinha, pensando no que fazer. Isso é bem difícil. Não que eu não tenha nada para fazer... Eu deveria estar lavando a louça, mas não estou fazendo isso. Estou aqui sentada, pensando.

  Normalmente eu não faço isso, claro. Tenho que fazer o meu serviço, a não ser que queira ficar surda com os berros da minha mãe. Tenho que ser rápida, mas não sou. Pensando bem, quando eu estava sendo construída houve um sério erro de cálculo. Fizeram tudo errado. Baixa demais, cabelos demais, cintura de menos, seios de menos, boca demais, impulsiva demais... Distraída demais! Não existe meio termo.

  Minha mãe me chama:

  – Jessica?

  Sou bruscamente tirada dos meus pensamentos. O que eu deveria estar fazendo mesmo? Ah, é. Lavando a louça.

  – Sim? – respondo, ou pergunto, não sei.

  – Onde você está? O que você está fazendo?

  Boa pergunta. Eu estou... estou... sei lá. Nem eu mesma sei. Sei que estou parada, e sei o que deveria estar fazendo, e não estou. E continuo pensando. O que eu respondo? Não faz nem dez segundos que ela me fez a pergunta. Eu posso dizer... não. Não posso dizer que estou fazendo o que me mandou, ela não está ouvindo nem a água caindo, nem o barulho dos pratos, nem o tilintar dos talheres. Também não posso dizer que estou indo fazer. Já estou na cozinha, como posso estar indo? E minha mãe detesta esses verbos no gerúndio. Ainda não sei o que digo. Por que pensar tanto se isso só me deixa mais embaraçada?

  – Estou pensando em começar a lavar a louça, mãe.

  Droga. Tudo errado. Por que usei o verbo no gerúndio, por quê?

  – Pensando? – repete.

  Eu sabia, eu sabia. Não quero nem ver. É melhor eu ir lavar a louça logo.

  Sobre a minha penúltima pergunta: “por que pensar tanto se isso só me deixa mais embaraçada?”, talvez possa responder. Eu tenho algumas filosofias com as quais sigo minha vida. Vamos dizer que são mais como lemas. Isso, lemas.

  Um deles é: não pense, isso vai te deixar louco. Você deve estar pensando “Que tipo de garota maluca é essa?”, é um pouco difícil de entender de primeira, mas depois você pega a linha do raciocínio. Está bem, vamos começar do princípio (do fim é meio difícil de começar, não é?), não que não se deva pensar nunca, isso seria impossível, até para um mínimo movimento é necessário pensar. A questão é “não pense insistentemente sobre um assunto que você sabe que não tem resposta”, isso enlouquece.

  Pense em Santos Dumont, ele fez o avião, certo? Depois ele disponibilizou sua criação para outros poderem usar também, certo? Então ele a viu sendo usada na guerra, para destruir cidades inteiras e matar pessoas. Em algum momento desse último período, começou a refletir demais sobre o assunto, o que não deveria ter feito. Poderia muito bem ter pensado “Não, eu inventei algo que é útil para a humanidade. Minha intenção foi das melhores. O que eles fazem ou deixam de fazer com isso é problema deles, não meu”. Pronto. Seria tão mais fácil se tivesse feito assim. Mas ao invés disso, o que foi que ele fez? Suicidou-se. Está vendo? Tanto pensamento jogado fora assim, à toa.

  Começo a lavar a louça. Antes, olho totalmente desanimada para os pratos e copos sujos e penso: “Minha vida é realmente assim? Eu tenho que lavar louça, limpar o chão da casa, lavar roupa? Será que não me trocaram com alguma outra criança na maternidade? Será que eu não sou filha de um empresário rico e nesse exato momento há uma usurpadora ocupando meu quarto real?”.

  Porém os sonhos desmoronam rápido demais até para eu poder me dar conta de ter pensado nisso. E nem havia probabilidade mesmo, eu sou a cara da minha mãe. Suspiro. Eu ainda não comecei a lavar a louça.

  Abro a torneira e começo a esfregar a bucha em um prato engordurado, fazendo um monte de espuma escorrer pelo ralo.

  Nossa, como seria bom poder ouvir música no meu celular agora! Mas eu tinha que ter quebrado o fone de ouvido.

  É que eu gosto muito de ouvir musica, então quando o meu fone estava funcionando, minha vida era estar com ele no ouvido para tudo quanto é lado. Daí ele quebrou, normal, não é? O problema é que eu não consigo viver sem música. Impossível.

  Essa é a parte em que eu enlouqueço. Não, não literalmente. Bom...

  Continuo limpando. Acho que já lavei dois pratos nesse intervalo de, vamos dizer... cinco minutos. Não, dez. Talvez vinte minutos. É um avanço, admitam.

  Ah! O que eu não daria para estar ouvindo Taylor Swift agora... Não que eu goste, afinal, quem é que gosta de Taylor Swift? Eu. Isso é apenas uma paranóia minha, coisa idiota, culpa do meu pai. Ele diz que isso é música de patricinha, nada a ver. Na verdade, ele só pega no meu pé.

  Três pratos, e contando. Eu sou muito rápida, fala sério?

  Que coisa estúpida. Sabe, falando em Taylor Swift, eu estava pensando como o violão dela é bonito, aquele do clipe ‘Fifteen’. Acho que eu quero um violão igual ao dela. Não sei tocar, mas isso não interessa. Se eu quiser aprender preciso de um violão (vamos desconsiderar o fato de que esse violão custa, vejamos, R$ 20.000, 00).

  Eu escutei pela primeira vez uma música dela quando estava na casa da minha tia. ‘You belong with me’, depois comprei todos os CDs dela, e baixei da internet algumas músicas que não tinha nos CDs. Mas ainda não tenho todas. Trágico.

  Agora percebo que não estou mais lavando nada, devo ter parado faz muito, muito tempo. Meus braços estão apoiados na pia, imóveis. Isso nem é normal.

  Olho um pouco de relance para a geladeira. Houve um tempo em que fomos grandes amigas, mas de uns tempos para cá vi que ela talvez só estivesse tentando é me levar para o buraco.

  Mas, pensando melhor, eu poderia ser um pouco mais sociável com ela, um pouco. A culpa é toda minha, eu me deixei influenciar.

  Continuo a encará-la pelo canto dos olhos. E se ela sabe que eu estou olhando para ela? Volto rapidamente meus olhos para a louça, para o quarto prato. Preciso comer alguma coisa, alguma coisa gostosa, doce.

  Saio da frente da pia e olho para o relógio quadrado pendurado na parede. São 1: 37 h, faz exatamente 52 minutos que eu terminei de comer. Para mim parece uma eternidade, jurava que fazia pelo menos três horas que eu não comia.

  Sinto-a me encarando, a geladeira. Ela está tentando me manipular, eu sei que está. “Não vou cair nessa, pode ir tirando o cavalinho da chuva”, penso. Mas ela continua, isso me irrita.

  Não consigo continuar a lavar a louça, estou com fome. Eu sei que fazem só 52 minutos, mas se a gente for contar direitinho são cinco vezes dez minutos mais dois, quase uma hora. E nesse tempo em que eu estou pensando se devo ou não comer já deve ter passado os outros oito minutos inteiros que faltavam para completar. Olho o relógio novamente, só por precaução. 1: 38 h. Este relógio está brincando comigo, não pode ter passado apenas um minuto, não pode. Tem que ter passado, pelo menos, uns dez minutos.

 

  Meu sangue passeia devagar por minhas veias, está ralo. Ele também quer doce, ele precisa de algo doce. Sei que está tentando me dizer isso, porque está circulando tão devagar que começo a sentir fraqueza. Tem que ter algo doce nessa geladeira.

  Vou em direção a ela e ignoro seu sorriso de triunfo (claramente delirando). Abro a geladeira e de repente meu sangue gela, feito uma geleira ártica, nas veias. Nada, absolutamente nada de doce. Nem um chocolate, nem uma paçoca, nem uma bala. Dá para acreditar? Nem uma mísera balinha de cinco centavos.

  Tento manter a calma, não posso ter um ataque agora, não nesse momento. Minha mãe é capaz de me ressuscitar só para poder me matar ela mesma, se eu não arrumar a cozinha.

  BAM! A porta da geladeira bate com tudo. Ela está rindo de mim, idiota. Viro para o outro lado, furiosa, não quero ficar olhando para ela.

  Eu tenho uma doença muito séria (doença mental, ela quer dizer), P.G.S. , Perda de Glicose Sanguínea (ou Problema Gerador de Seqüela, e faltou o C, de ‘Cerebral’), preciso desesperadamente de doce às vezes (quase sempre, quis dizer).

  Tudo bem, eu vou ficar bem. “Não entre em pânico, Jessica. Você não vai entrar em pânico”, penso com firmeza. Ai, minha nossa, eu vou entrar em pânico!

  Começo a abrir as portas dos armários desesperadamente. Eu preciso comer um doce, eu preciso (isso é normal, ela NÃO está na T.P.M). Minha nossa, eu vou morrer! (exagerada...)

  “Jessica, foco. Não perca o foco”.

   No meio daquele desespero fatal, meus olhos que estavam vasculhando freneticamente a cozinha à procura de algo, param de repente em um objeto no chão, ao lado da geladeira.

  Um refrigerante. Refrigerante tem açúcar (sério?!), que ótimo. Ponho na geladeira antes de beber, está quente. É isso, problema resolvido, eu sou simplesmente genial.

  Coloco o refrigerante para gelar e volto a lavar a louça. Quarto prato (não tinha terminado de lavar esse). Estou feliz, na verdade. Até vou um pouco mais rápido. 2: 12 h. Começo a cantar enquanto enxáguo o sexto prato, os copos ainda estão todos enfileirados esperando sua vez de serem lavados.

  Não estou ouvindo o tique-taque do relógio. Acho que já está bom. Vou até ele. 2:21 h, diz. Ele está mentindo, óbvio. 2:21 h, ele diz novamente, já ficando de mau humor. Tudo bem, já entendi. Como todos hoje em dia são estressados, até o relógio.

  Volto a lavar a louça, de novo. Eu consigo fazer isso, esperar. Consigo mesmo, sério (ela está tentando se convencer disso neste momento, só para esclarecer).

  Acho que vou contar, isso ajuda. 1, 2, 3, 4... Será que já gelou? E estou novamente na frente do relógio. 2: 26 h, ele diz, impaciente. Com isso são, deixe-me ver... eram 9, não é? 10, 11, 12, 13, 14 minutos. Já posso tomar, tenho certeza, 14 minutos são mais que suficientes. Abro a porta da geladeira, ela está bem calma enquanto me observa. Safada! Tenho certeza de que está amando esse meu estado deplorável.

  Ok, não está tão gelado assim, mas serve.

  Em um segundo aquele líquido transparente (o refrigerante é de limão) está descendo pelo interior do copo. Minha nossa, o desespero é tanto que já sinto o gosto doce antes mesmo de beber.

  Mas...

  Paro o copo a menos de um centímetro da boca. Espere um pouco, eu não posso beber isso, é veneno. Bom, não literalmente. É que eu não quero ficar gorda e com aquelas erosões nas pernas, que eles chamam de “celulite”. Mas eu queria tanto...

  Não, eu não vou tomar. Refrigerante também deixa a gente barriguda, e eu não preciso de mais isso na minha coleção de defeitos. Só tenho que respirar e esquecer essa tolice de que preciso de açúcar, eu não preciso. EU-NÃO-PRE-CI-SO-DE-A-ÇÚ-CAR!

  Solto o ar bem devagar, acho que está funcionando. O copo está parado em cima da mesa, ao lado da garrafa de refrigerante. Estou novamente lavando a louça.

  Não sei o que acontece comigo, talvez eu esteja enlouquecendo, mas tenho certeza de que ouvi alguém me chamar. Viro instintivamente minha cabeça em direção ao copo, ele continua parado. Está suando, pobrezinho, pequenas gotículas de água escorrendo pelos lados, isso me deixa louca.

  “Você tem que tomar, Jessica, já colocou em mim”, ele diz.

  “Não tenho nada”, respondo (tudo bem, isso é realmente sinistro. Conversando com um copo de refrigerante? Onde a loucura não leva o ser humano). Será que dá para parar de interromper ô dos parênteses?!

  “Isso é desperdício, sabia? Tantas pessoas que morreriam por um copo gelado de refrigerante, e você aqui, me ignorando”.

  Sabe, ele tem razão. Eu deveria tomar, somente para não desperdiçar. Afinal, tem gente que nem tem nada, e eu não vou jogar fora, não é? Eu só tomo um copo, nem vai fazer diferença, não vai ser por causa de um copo de refrigerante que eu vou morrer. Só vou tomar um copo. É isso, um copo.

  “Está tão gostoso...” diz o copo.

  Ah! Agora entendi tudo. Esse copo está tentando me fazer cair nessa armadilha, ele quer que eu beba e depois fique me martirizando por ter bebido. Ele quer que eu tenha celulite.

  “Isso não vai adiantar, eu não vou beber”, digo decidida, aparentemente. Ele apenas ri. Aposto que está compactuado com a geladeira, aquela danada. Por que será que todos parecem querer me destruir? Até o refrigerante está suplicando para que eu o beba, mas eu não vou beber.

  Abro a traíra da geladeira e coloco a garrafa lá dentro com violência (se quebrar a geladeira a mãe mata nós duas). Estou com raiva, muita raiva deles, muita mesmo. Vou até o copo, pronta para jogar o maldito refrigerante fora, pia abaixo. Mas, por algum motivo, não consigo. Ele está fazendo aquela cara tão triste, tão suplicante, ele não quer que eu o jogue lá. Será que é pecado? Tudo bem, eu bebo. Mas é só para depois ninguém poder falar que estou desperdiçando.

  Volto a lavar a louça, os pratos acabaram, é a vez dos copos, finalmente. Até que vou rápido, já lavei dois. Bebi o refrigerante (fraca!), já repus o açúcar que faltava, agora posso ficar em paz.

  Três copos lavados, quatro copos lavados, cinco copos lavados... Será que celulite tem cura? Às vezes tem e eu estou toda preocupada sem motivo. E todos têm celulite hoje em dia também, isso já é normal. Se tiver cura é só eu tirar ela depois. Acho que vou beber só mais um pouquinho... é o último copo...

 

  Eu sei, eu sei. Sou uma fraca, não deveria mesmo ter bebido. Estou perdida se não tiver cura. Olho desconsolada para a ex-cheia garrafa de refrigerante. Restou só mais um pouquinho. Ainda lavo o quinto copo, e se passaram quinze minutos. Estou pensando, não consigo parar de pensar nisso, está me atormentando. Preciso ver, preciso ter certeza de que não bebi refrigerante demais... (Ela bebeu quase uma garrafa inteira e ainda acha que não bebeu demais? Coitada!) Será que dá para parar de se intrometer querida? (Tudo bem).

  Entro no banheiro. Não vou dizer o que fiz depois disso. Estou prestes a olhar minhas pernas.

  AHHHHHHH!!! O que é isso?! É um buraco, tenho certeza que é! Aquele refrigerante traiçoeiro me enganou, como pude ser tão burra? Ceder ao apelo maldoso daquele infeliz? Oh, que tristeza! Deixar-me levar tão facilmente...

  Já estou chorando (ou forçando o choro, é para dar ênfase ao desespero). “Estou perdida!”, soluço.

  – MÃÃÃÃÃÃÃÃÃEEEEEEEE! – grito histericamente – Que catástrofe! – choro – Acho que vou morrer!

  Será celulite vai para o cérebro? Que horror! Nem quero pensar nisso.

  – O que foi, menina?! – disse minha mãe sem fôlego, acho que ela correu rápido demais para chegar ao banheiro (também, com essa garota gritando feito uma louca fugida do hospício, queria o quê?!).

  – Mãe, você não imagina o desastre... – as lágrimas jorravam de meus olhos – Eu... eu... vi um buraco na minha perna... olha só... é enorme!!! – disse apontando – É celulite, não é? Tenho certeza que é!

  Será que celulite mata, ou só deixa a gente feia e ciente de que está muito gorda e que bebe muito refrigerante?(Essa coisa de ela ficar gritando como uma maluca pela mãe não vai dar certo, principalmente por ser esse o motivo...)

  – NÃO ACREDITO QUE VOCÊ ME CHAMA ASSIM, BERRANDO, SÓ POR QUE ACHOU UM FURINHO NA PERNA! EU ACHEI QUE, NO MÍNIMO, VOCÊ ESTAVA MORRENDO! – rugiu minha mãe – VOCÊ ESTÁ QUERENDO ME MATAR, É? QUER FICAR SEM MÃE? POIS PARECE QUE SIM! MENINA HISTÉRICA, QUERIA VER SE EU TIVESSE MORRIDO! – (Bem, eu avisei...)

  Ai! Como minha mãe é exagerada (a mãe é que é exagerada...). Quer dizer, eu não gritei à toa, foi um caso de vida ou morte, ou enlouquecimento (se é que dá para ficar mais louca que isso). Ela falando assim acaba com toda a urgência do problema, não foi só um furinho, foi um furo enorme, terrivelmente grande, e que pode se tornar uma cratera gigantesca no futuro.

  Acho melhor eu voltar a lavar a louça, e tentar esquecer isso. Vou tomar só mais um pouquinho de refrigerante, afinal, um pouquinho mais outro pouquinho não vai piorar tanto a situação, agora é mesmo o último copo... (nessa meia hora ela tomou, tipo, uns oito últimos copos de refrigerante, sabe...). Cala a boca.  

 


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Notas finais do capítulo

N/A : Nada a declarar



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