As Loucas Confissões de Jessica Summer escrita por Miss D


Capítulo 10
Meus problemas mentais – parte 1


Notas iniciais do capítulo

*Jessica Falando*: Não tenho nenhuma comentário a fazer sobre essa confissão. Tire suas próprias conclusões.



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  Uma vez eu fui a uma palestra com um psicólogo – coisa da minha mãe –, e ele falou coisas realmente muito alarmantes sobre a mente das pessoas. Alarmantes para mim, pelo menos. E não era um psicólogo qualquer, com ficha criminal por assédio e diploma comprado, como têm alguns no SUS. Era um de verdade, com escritório particular, Ph. D e tudo.

  Eu já disse que tenho medo de psicólogos? Não só deles, mas também de psicanalistas, psiquiatras e terapeutas cerebrais, toda essa gente que cuida da loucura das pessoas. Morro de medo.

  Você não tem a MENOR noção de como esses caras podem ser perigosos. Podem te expor e às suas mutações e debilidades mentais. Ou seja, podem ME expor. E eu nem sou tão louca assim (“tão louca assim” seria um eufemismo dos grandes).

  É que como eles são os profissionais, querem exercer a “profissão”, como todos os outros. Tipo os cabeleireiros, que a gente chega e pede para eles cortarem o mínimo possível do nosso cabelo, só as pontas, e eles vão lá tosam um palmo. Ou os cirurgiões que não perdem a oportunidade de sair cortando todo mundo, abrindo para mexer dentro. E as telefonistas que realmente ADORAM ficar ao telefone – mesmo que os fins não sejam assim tão profissionais –. Eu soube de um casal que estava passando por algumas dificuldades de casais – que com certeza envolviam muitos berros e copos quebrados – e o marido propôs que fizessem terapia de casal. A mulher pegou um passe exclusivo só de ida para o sanatório. E ficou babando, assim como todos os loucos de lá.

  Entendeu? É isso que esses caras fazem: internam as pessoas no manicômio e depois enfiam um monte de remédios tarja preta neles, como se fossem animais raivosos. Então fica todo mundo babando. E, se você por acaso está pensando que o hospício é algum tipo de SPA de férias, vou te falar uma coisa: não tem nada de limpeza de pele nem sauna por lá. Só um bando de gente psicótica, cada uma com umas esquisitices mais bizarras do que a outra. Acredite, tenho muitos parentes que já foram parar nesse lugar.

  E com um histórico familiar deste, que é que você acha que um psei-lá-o-quê vai falar para mim? Que eu tenho um transtorno não-sei-qual hereditário. E me mandar diretinho para uma Unidade de Internação Mental Juvenil.

  Só que, vou te contar, quando imagino o fim da minha vida, não é bem com enfermeiros me aplicando injeções e me colocando para tomar um solzinho, ou com um colega de prisão psicopata, ou esquizofrênico.

  De tudo na minha vida, eu poderia pelo menos ter uma morte mais digna!

  Não sei por que minha mãe insiste em ir para esses lugares – e ainda por cima me arrastar junto. Ou assistir filmes tipo Uma Mente Brilhante – que, tenho que admitir, Russel Crowe atuou muito bem, tanto que quando assisti pela primeira vez até acreditei mesmo naquela história toda de agente especial; se quer saber, se eu fosse um psicanalista, internaria o homem somente pela maneira suspeita como interpretou fielmente seu personagem –; O Amigo Oculto – aquele em que Robert de Niro tem síndrome de múltiplas personalidades –; e, mais recentemente, A Ilha do Medo, com o Leonardo Di Caprio. Só que ele está decepcionantemente pouco atraente nesse filme.

  Algumas vezes eu chego mesmo a suspeitar que ela goste tanto assim desses filmes porque se identifica com os protagonistas. Mas aí caio na real: minha mãe é maternalmente pior do que eles. Talvez se pareça mais com aquela mãe adotiva de A Casa de Vidro 2. É, talvez.

  E, nesse dia especificamente – e suspeito que isso aconteceu apenas porque eu estava presente –, ele disse uma coisa que penetrou bem lá dentro, nas minhas entranhas. Ou apenas no meu cérebro geneticamente debilitado.

  Não sei, mas tenho a impressão de que no instante em que falava todo descontraído com o resto de seu público ele viu exatamente o que eu tento esconder dessas pessoas. Pessoas como ele. Principalmente porque ele olhou diretamente para mim (Na verdade, claro, só porque a pessoa está olhando para TODO MUNDO, a paranóica aqui pensa que tem que ser para ela.). Mas foi para mim, sim. Não faço idéia de como deve ser ver a loucura em pessoa na alma de alguém, porém tenho certeza de que ele viu a mutante anormal que eu sou.

  O psicólogo até tentou parecer estar apenas divertido os outros (Porque ele NÃO ESTAVA. É sério), mas eu sei (?) que ele falou tudinho para mim.

  Pensando bem, ver a cara da loucura estampada desse jeito nos olhos das pessoas não deve ser nada agradável. De fato, deve ser assustador. Ele com certeza deve ter achado a minha loucura assustadora. Sem dúvida.

  Então falou – interpretando muito bem o papel de psicólogo profissional completamente desinteressado. No entanto, lembre-se: apenas interpretando:

  – Sabe, é normal falar consigo mesmo às vezes. Todo mundo faz isso. Só que quando começamos a DISCUTIR conosco, por exemplo: ”Vou usar aquele shampoo” e depois pensar “Não mesmo, sua esposa vai te matar” e ficar nessa briga; bem, aí podemos dizer que a coisa está realmente feia – e deu um risinho que, pelo menos para mim, pareceu extremamente frio e cínico. Acredita? Ele riu depois de dizer que “se a gente entra numa espécie de conflito interno, com nós mesmos, estamos mesmo mal”. Ele RIU!

  Porém, na minha opinião, isso parece besteira. Afinal, por que eu deveria me sentir afetada com sua afirmação? Não tem nada a ver comigo.  Vê se eu faço o tipo de louca que fala sozinha? Humpf! Claro que não! Eu não sou a louca que esse homem imagina (Com certeza. É monstruosamente pior!). Valeu por me pôr para cima.

  E eu definitivamente não soltei um risinho nervoso enquanto todos caíam na gargalhada (Ah, é! Eu lembro. Foi naquele dia que ela parecia estar engasgada com um pedaço de cebola, fazendo um som imbecil que parecia de uma gralha).

  Preciso falar um negócio: sabe essa coisa que fica quase todo o tempo me interrompendo? Sabe, enchendo o meu saco totalmente? Então... (Hey, espere aí! Eu só estou fazendo meu dever como cumpridora assídua da lei, que é expor a verdade sempre que possível. Você não se envergonha do monte de baboseiras que conta a todo mundo?). Expor a verdade uma ova! Você quer é me irritar. E, se era isso, pode crer que está conseguindo. Cumpridora assídua da lei, sei, e eu sou Jeniffer Lopez. (Está bem, está bem. Talvez os meus motivos não sejam assim tão nobres. Mas que eles têm alguma coisa de nobre, isso têm, sim).

  Ah, por que eu tenho que agüentar isso, por quê, POR QUÊ?!

  Ignore todas essas interrupções. Estou te dizendo: essa coisa não tem nada de bom para dizer. Você pode simplesmente fazer isso, ignorá-la, não pode? (Não, não pode. E vou te dizer por que, Jessica, você não pode se livrar de mim. Eu sou totalmente conseqüência da sua cabeça mentalmente debilitada. Não vê? Estamos intimamente ligadas. Internamente, para ser mais clara).

  Tudo bem, antes que alguém aqui se apavore, eu posso explicar. Bem, na verdade não posso, não. Como se explica isso? Não faço a mínima idéia. Sei que você vai compreender. TEM que compreender.

  É só que, com o grande – enorme MESMO – histórico de distúrbios mentais, não se poderia esperar que eu fosse totalmente normal. Qual é?! Ninguém é normal! Pelo menos, não no meu círculo de convivência.

  É apenas uma espécie de transtorno de várias personalidades, sabe. Como se houvesse uma porção de jessicas vivendo dentro de um só corpo e com idéias completamente opostas uma da outra. Acredite em mim, você não tem noção de como é horrível. E bizarro também, eu sei. (Eu não sou bizarra, você é que é. As coisas que já tive que presenciar... Nem gosto de pensar nisso). Legal, essa NÃO sou eu.  Definitivamente, não. Ela é só essa coisa... Como vou chamar?... Petulante e atrevida que pretende me deixar louca (Ainda mais?). Oh, céus! Por que eu não poderia ter uma outra personalidade meiga e encorajadora? Não, não me diga. Já sei a resposta. Porque eu com certeza matei alguém muito legal e bonzinho na outra vida, e agora estou pagando nesta aqui, com minha segunda voz interior chata, mau-humorada e desencorajadora; meu corpo deformado e horroroso, minha irmã lunática, meus pais loucos e pobres e toda essa má sorte infeliz. Eu mereço – não que eu realmente acredite nessas coisas de re-encarnação. No entanto, à luz dos acontecimentos – ou à escuridão deles –, só pode ser essa a explicação.

  Eu não sou louca, não sou mesmo. É ela quem começa. Ela sempre começa. É culpa dela, não minha. Eu NÃO SOU perturbada. Nem esquizofrênica,

  Tudo bem, talvez eu seja um pouco perturbada. Mas é só isso.

  E, hey, espere um pouco, o psicólogo não falou que era normal conversar consigo mesmo? É exatamente isso que eu faço. Só. Para mim não parece tão ruim.

  É claro que ela e eu não nos damos tão bem assim, mas não é como se ficássemos discutindo todo o tempo. Ela só me interrompe – e quer assumir o controle da minha vida. Fora isso...

Então, minha vida é sempre conturbada, considerando essa vozinha constate na minha cabeça. E não é legal.

  Cynthia – minha amiga tímida e não-popular, assim como eu –, me considera uma exagerada por ter esses pensamente tão melancólicos, e diz que eu não tenho nada de louca, etc. Ela é tão ridiculamente gentil e bobinha que não consigo sentir outra coisa senão pena. E eu acho que seria quase impossível que Cynthia mentisse para mim. Ela é incapaz disso.

  E, já que estou falando dela, não sei realmente por que anda comigo. Sabe, todo esse negócio de espírito delicado e tal. Eu não sou assim. Não tenho espírito delicado. O meu é completamente maligno e mesquinho. Sem contar minha dupla personalidade.

  Acho que a única coisa que nos une, de fato, é que não vamos tão bem assim na escola. Não me orgulho disso. Só que nós também passamos bem longe de ser como aqueles trombadinhas drogados. Estamos em cima do muro, entende?

  Falo por mim mesma. Nunca tirei uma nota diferente de 6 – que é a média. Assim, não é uma nota muito boa, mas também não é nota vermelha. Nunca mesmo. Mamãe até já tentou entender qual é o meu problema com notas como 7 e 8, mas não há diagnóstico ainda para este meu distúrbio mental. Ela chegou mesmo a me pagar aulas de reforço – apesar de eu me opor veemente a esse ato ridículo de esbanjamento desnecessário de dinheiro. Porém não adiantou – as aulas, quero dizer. O máximo que eu consegui foi 6,2 – que eles arredondam para 6, ou seja, dá no mesmo. 6 em literatura, em gramática, 6 em geografia, em história, 6 em matemática. Eu não passo disso.

  O negócio é que Cynthia, apesar de não ter esse meu problema com notas seis, não é muito boa. Mas já tirou um 7, pelo menos. Só que, ultimamente, as médias dela estão decaindo. Ela tem realmente um grau alarmante de dificuldade no aprendizado, pobrezinha.

  No entanto, ela é minha melhor (e única – cof-cof) amiga, e a mais incrível que qualquer um possa ter. Cynthia não é uma dessas amigas possessivas ou egocêntricas (como algumas pessoas aqui), ela é totalmente educada, encorajadora e, mesmo se você disser as coisas mais incoerentes e dramáticas da galáxia (De quem estamos falando?), sempre vai te escutar pacientemente, sorrir, e então falar a coisa mais meiga que conseguir para você – o que é muito mais do que posso dizer sobre mim mesma. Sei disso, eu sou uma peste. Não mereço uma amiga assim.

  Hoje arrastei comigo todas as “eu” habitantes da minha cabeça para a escola, e, mais uma vez, estamos compartilhando nossas dificuldades escolares juntas. Em um trabalho em dupla, e como nenhuma pessoa em seu juízo perfeito jamais se senta comigo para nada, a não ser ela, é assim. Trabalho de interpretação de texto é o nome da praga. Você acha que eu mereço isso? Eu realmente mereço isso? Além de ser totalmente louca, com uma outra “eu” morando na parte esquerda do meu cérebro – esquerda, EU sou a parte direita, EU sou a parte mais importante, EU COMANDO! (Entendeu o que eu quero dizer? Uma louca total...) –, ainda tenho essas professoras maravilhosas que vivem tentando me deixar ainda mais louca com essas coisas. Puxa, interpretação de texto? E ainda um texto sobre as civilizações pré-colombianas? Agora me responda, por que, exatamente, eu preciso interpretar isso? Para o caso de algum dia eu encontrar um maia e saber o que dizer ao invés de “E aí, cara, você viu o novo Xbox que saiu”? Não, sem chance. Esses maias – toda essa gente, aliás – são, tipo, civilizações perdidas. Não existem mais. Espécie extinta. Ponto.

  E, respondendo à minha pergunta: “Por que eu tenho que interpretar isso”, minha professora sempre diz:

  – É necessário estudar todas as civilizações e culturas, para entender as raízes do território, saber um pouco sobre de onde vieram os costumes dos atuais moradores da região e por que a sociedade de lá, hoje, é organizada da maneira que é, blábláblá...

  Tudo bem então, professora. Porque, óbvio, estão tããão interessada na “organização social” do Peru. O único peru que me interessa é o assado lá em casa. Então, por que eu quereria saber das raízes de um povo que não tem nada a ver comigo, e que eu nunca vou conhecer pessoalmente? Não faço idéia.

  Só que eu tenho outras hipóteses para responder a essa minha pergunta que, pessoalmente, eu acho bem mais plausíveis.

1.A professora PRECISA de alguma coisa para ensinar à gente, para que nós não percebamos a sua inutilidade e dessa disciplina.

2.Ela – a professora – está dando o troco por causa daquela vez em que ela teve que ficar berrando com a gente, e aí teve dor de garganta. Ficou rouca uma semana.

3.Para dizer que tem conteúdo para a prova.

4.Para que continue no emprego e o governo não a mande ir passear e aumentar a nossa já grande comunidade de desempregados.

  E então, não parece bem mais esclarecido assim?

  O mais interessante de tudo nessas interpretações de texto é: ok, eles perguntam a sua opinião. Mas NUNCA deixam você dar a sua verdadeira opinião sobre o assunto. É sério. Detesto isso.

Questões:

1)Diversos fatores são apontados na tentativa de explicar o sucesso dos espanhóis na rápida dominação dos indígenas americanos. Em sua opinião, há um fator principal? Explique.*

A minha opinião: Não faço a mínima idéia. Cara, eles estão mortos, mortinhos da Silva! Eu realmente preciso me importar? Isso vai fazer alguma diferença na minha vida, ou na deles? Não? É, não. Eles vão continuar mortos.

Opinião aceitável: Os povos pré-colombianos associaram a vinda dos estrangeiros com suas crenças, considerando-os os ‘deuses brancos’ que há tanto esperavam Aproveitando-se deste fato, os espanhóis se infiltraram no meio deles mais facilmente, por certo com a desculpa de serem os tais “enviados”. Então se tornou relativamente simples dominá-los, uma vez que a parte mais complicada, penetrar no meio deles, já havia passado.

2)Em sua opinião, entre os povos da América e os espanhóis houve encontro de culturas, aculturação ou genocídio? Explique.*

Minha opinião: Oh, sim! Certamente que houve encontro de culturas! E de outras coisas também: encontros de espanhóis tarados e mulheres indígenas; encontros de microorganismos nocivos com corpos despreparados imunologicamente para isso; encontros de espadas, facas, balas de fuzis e todas essas coisas com barrigas, cabeças, estômagos... Foram muitos encontros mesmo!

Opinião aceitável: Houve aculturação e genocídio. Os espanhóis impuseram seus costumes, sua língua e sua religião aos povos pré-colombianos. Além disso, muitas mortes foram ocasionadas com a ida dos espanhóis ao continente, devido à fome e às doenças trazidas com estes, somando-se isso aos massacres feitos, que reduziram significativamente a população indígena local.

*Retirado do livro “História Geral e do Brasil”, Luís César Amad Costa e Leonel Itaussu A. Mello, pg. 222.

  Entende o que eu quero dizer? Como se eles realmente quisessem a nossa opinião...

  Acho que, quando eu crescer – não que eu tenha alguma pretensão de continuar a crescer fisicamente – vou ser uma daquelas mulheres que fizeram história por suas reformas e essas coisas. A primeira coisa que vou fazer é um protesto contra as avaliações escolares. Sabe, se eles querem saber, eu não acredito nada, nada que dê para avaliar ninguém usando uma folha cheia de questões escritas nela. É por isso que existe tanta gente despreparada para o mundo real. A (máquina de tortura chamada) escola está usando o método errado. Você acha mesmo que o Felipe – aquele brutamonte com tantos músculos que faltou lugar para pôr o cérebro – passou de ano pelo seu bom desempenho durante o ano letivo? Claro que não. Foi porque ele passou no exame final. E ele colou, pode ter certeza. Então eu pergunto: avaliou alguma coisa? É, não.

  Eu queria saber por que eu sempre perco o assunto. Sério, isso é lá coisa de gente normal? Não, não é. Em um minuto estou pensando em uma (besteira) coisa, e no outro, já passei por outros milhões de assuntos. (esquisitices idiotas).

  Qual é o meu problema, afinal?

  Nós finalmente terminamos a interpretação. Vou te contar: ninguém quer a minha verdadeira interpretação do assunto. Sobre nenhum assunto, na verdade. É por isso que eu odeio essa sociedade democrata manipuladora de mentes. Mas se eles acham que vão implantar aquele chip no meu cérebro, igual fazem com os funcionários públicos, estão muito enganados. Muito. Como seu eu fosse me deixar influenciar por esse governo opressor de idéias. Ah, é!

  Já percebeu como os professores adoram rabiscar os cadernos dos alunos? É uma coisa que eles chamam de ‘visto’. E é horrível para a estética do negócio. Principalmente quando a gente termina a lição no começo da página e eles rabiscam lá no meio. Alôo! Sabia que caderno custa dinheiro? Sabia que uma árvore morreu para essa folha aqui existir, e vocês, professores, ainda ficam desperdiçando o espaço que têm nelas? Isso é o que eu chamo de consciência ambiental. Não que eu me importe realmente com isso, mas fica feio esse garrancho bem no meio da página do meu caderno.

  Como é difícil manter um caderno caprichado!

  Cynthia está muito distraída, mais do que o normal. Mais até do que eu – e eu sou uma pessoa diagnosticada com DANA. (Dispersão Aguda Natural de Atenção), ou, se quiser chamar assim, Pessoa Viajada no Chocolate (Por que você pensou maionese, ou batatinha? Isso tudo é lotado de gorduras engordativas saturadas. Maionese, sério mesmo? Você sabia que ela é puro óleo e ovo? Ovo! Já o chocolate é um antidepressivo natural feminino). Falou e disse, minha chapa.

  Eu não tenho certeza do que pode haver de errado com ela. Sabe, toda sensível e suspirando por aí. Vai ver é TPM (Terrível Perturbação Mental). Não sei, ela não é muito de externar suas emoções. Cynthia deveria aceitar o meu conselho e procurar um terapeuta. Sabe, eles são pagos para escutar a gente e não contar para ninguém. É o trabalho deles. Só que, é claro, ela iria sozinha, eu é que não vou junto. De jeito nenhum.

  Sabe aquela vozinha que eu falei? Então, ela não está me deixando em paz. Fica toda hora falando e falando sem parar. E, sabe qual é a pior parte? Ela está falando sério desta vez, e eu acho que tem razão.

  (Meu bem, eu sempre tenho razão). Ah, mas não tem mesmo! (É óbvio que tenho. É por isso que quase todas às vezes você se dá mal. Porque não me escuta). Sei, eu sou a rainha do baile.

  (A Cynthia está muito entranha hoje. Mais estranha do que já é, claro). Eu sei. (O que você acha que é?). Não tenho a mínima idéia. (Vá perguntar o que ela tem). Ela não vai dizer.

  Olho fixamente para Cynthia. Sei que tem algo de diferente, no entanto não consigo dizer o que é. Talvez seja o olhar. Está bem distante.

  (Ainda acho que você devia perguntar logo o que ela tem). Você sabe perfeitamente como ela é. Não vai me dizer nada se achar que está sendo pressionada. (Terapeuta, querida, terapeuta). É, tem razão.

  – Cynthia – tento perguntar, de forma indiferente –, por que você está, sabe, desse jeito?

  – Desse jeito como? – ela pergunta.

  – Você sabe, olhando para o nada. Suspirando. Murmurando para si mesma.

  – Ahhh... Não é nada, não.

  Eu avisei, não avisei? (Tudo bem, dessa vez eu admito). Conheço a Cynthia, se conheço.

  Aliás, já falei sobre ela? Não?

  Você vai se surpreender com o que vou dizer agora, sério mesmo. Eu sei dessas coisas, as que vão passar pela sua mente. Não faça nenhum tipo de discriminação, ok? Então... A Cynthia é loira. Sim, eu me lembro do que eu disse. Sim, é um desastre completo, mas acredite, eu pedi – sugeri bem sutilmente – que ela tingisse o cabelo – embora eu não ache que isso vá realmente resolver o problema. Ela ainda será uma loira por dentro –, mas Cynthia sempre diz que prefere o cabelo assim. E, sim, ela é uma exceção ao meu trauma.

  Porém, a Cynthia é uma das pessoas mais meigas que eu conheço – e não estou só puxando o saco por ela ser minha melhor (única) amiga –, e sempre me escuta. E eu nem acho que seja loira de verdade mesmo. Quer dizer, o cabelo dela é tipo um loiro-escuro. E loiro-escuro nem é loiro direito. É quase castanho, se quer saber. (Jessica, eu já cansei de dizer isto para você: pare de se enganar, querida. Isso não vai adiantar nada. Loiro é e sempre será loiro).

  E ela é bem bonita, também. Sabe, aquela beleza simples e doce. O seu problema é ser tímida demais. Sério, sem sei como somos amigas.

  O problema é que, normalmente, ela não é assim. Ela presta atenção nas coisas. Estou mesmo preocupada com ela (Tradução não-mentirada da frase: Ela normalmente presta atenção EM MIM. Por que não está fazendo isso hoje? O que há de errado com ela? Eu quero que ela me escute, droga!). Algum dia, escreva o que eu estou te falando, vou te matar. Pode crer. Vou contratar um exorcista e me livrar dessa sua voz irritante (Vamos ver, então).

  Ah, não. Não, não pode ser. Devo estar errada, só posso estar!

  Eu descobri por que a Cynthia está toda esquisita hoje. Você não adivinha o que é, adivinha? Pois é, ela está apaixonada.

  Quer dizer, apaixonada? De todas as catástrofes existentes na face da terra, tinha que ser logo essa? Eu achei que podia confiar na Cynthia. Achei que ela era imune a isso. Mas, pelo jeito, me enganei.

  Céus, isso não pode estar acontecendo. Tem a mínima noção do que significa? A mínima? Minha vida acabou. Não, pior do que isso, a vida dela, a independência dela e a SANIDADE MENTAL dela, acabaram. Isso sem falar na minha (quase inexistente) vida social.

  Eu sei que você deve estar achando que eu sou egoísta. Mas eu não sou, acredite. Só quero o bem da minha amiga.

  Além do fato comprovado de que pessoas apaixonadas são umas chatas – para nós, seres não-infectados por esse vírus mortal –, ainda tem o não-tão-pequeno assim problema de elas virarem umas otárias. Totalmente.

  Por que eu sou uma pessoa tão amarga? Não sou amarga. Espere aí, tudo bem? Você gosta de conversar com uma pessoa que o pensamento está 24 horas localizado no Sr. Pretendente? E que só sabe falar exagerada e idiotamente bem da pessoa? – não que eu pense realmente que ela vá fazer isso – Eu não gosto, não gosto nenhum pouco.

  E mais, e se o garoto descobrir? Vou te contar, essa é a pior coisa que pode acontecer. Ele pode ficar usando isso para atingi-la, se ele não gostar dela. Humilhar, sabe. Ou chantagear, e tal. Não, pior ainda! Eles podem acabar ficando.

  Você tem alguma idéia do que é ficar? É nojento, totalmente. E se você pensa que ficar é tipo sentar do lado da pessoa, está MUITO enganado. Eles ficam COLADOS um no outro, se ESFREGANDO e quase se ENGOLINDO. Não é a coisa mais linda de se presenciar.

  O que eles acham de legal em ficar trocando a baba da boca de um para o outro, eu sinceramente não sei. Mas prefiro que a Cynthia faça isso à outra coisa que pode fazer.

  Não sei o que ela estava pensando (Ela NÃO estava. Acho que nem a Cynthia seria burra o suficiente para isso). Tem razão. Ela está perdida, só posso desejar sorte para que isso passe logo.

  Não, pensando bem, eu NÃO ESTOU conformada. Nem um pouco. Como isso foi acontecer com ela, como?

  Quer saber como foi que eu descobri? Pois vou contar.

 

  Narrativa totalmente verdadeira sobre a minha desastrófica (para quem é normal e não tem dessas loucuras, é a junção de desastre + catastrófica) descoberta da paixonite ridícula da minha amiga boba – vou narrar em 3ª pessoa. Sabe, para dar mais ênfase à parte desastrófica da coisa:

  “Jessica rumava pensativa para sua casa, intrigada com o motivo pelo qual sua melhor amiga estivera toda distraída durante o dia. Fora um dia longo e exaustivo de escola, e agora, em sua limusine, ela podia refletir com mais clareza sobre os acontecimentos”. Tudo bem, não tinha realmente limusine nenhuma, mas, hey, sou eu que estou contando a história, não sou? Deixe-me ser feliz!

  “Aquele comportamento distante e desinteressado não era normal em Cynthia. Ela jamais agira daquela forma antes. Jessica pensava em todas essas coisas com tremendo espanto.

  “O enorme carro negro fez uma curva fechada, em direção a uma estreita estrada de cascalho. Não se passaram nem mesmo cinco minutos até que surgiu o lindo portão branco, todo adornado com flores entalhadas cuidadosamente no metal” – isso é tudo culpa dos livros, está vendo? E das fanfics também!

  “Então, depois de falar rapidamente ao porteiro pelo interfone, o motorista passa pela entrada imponente, de onde surge, majestosamente, a pequena mansão com vinte quartos, três cozinhas e sete salas, além de outros cômodos.

  “O motorista abre a porta respeitosamente à sua dama, Vossa Excelência Srta. Summer. Depois de fazer uma breve reverência, ele fecha a porta enquanto ela caminha elegantemente até a porta, que se abre automaticamente a sua aproximação.

  “Ela permanece pensativa, apesar de tudo.

  “– Chegou cedo, minha querida irmã. Como foi a escola? – pergunta sua irmã, Srta. Julia.

  “– Muito bem, obrigada – ela sorri. O sorriso é um pouco forçado, devido à profunda preocupação com a amiga. No entanto, a mútua afeição sentida entre as irmãs não poderia ser mais verdadeira.

  “Em uma das salas, a mãe de Jessica toma chá amigavelmente com outro membro da nobreza, Lady Marta, uma mulher inteligente e sensata que é sempre oportuna em suas palavras.

  “– Como foi a escola, minha filha? Saiu-se bem em seu exame?

  “– Oh, sim, mamãe, é claro. Outro dez. Essas notas estão se tornando cada vez mais monótonas – reponde, humilde.

“Então, repentinamente, sua atenção se volta para o rapaz na sala. Edward. Ele a olha, profundamente, nos olhos, cheio de amor, de entrega. E diz:

  “– Não tenho mais forças para ficar longe de você.

  “Então ela entende tudo”.

  É, talvez não tenha sido a melhor maneira de contar a história. Eu fantasio DEMAIS. Às vezes até eu me surpreendo com a minha demência.

  A história REAL – em 1ª-3ª pessoa.

  Eu vou contar direito dessa vez.

  Estava esta Jessica aqui, euzinha, andando pela rua de volta da escola, pensando que raios de chip havia sido implantado no cérebro pouco-desenvolvido da Cynthia. Assim, à pé, e sem motorista educado. Não tinha bela estrada de cascalho ladeada por árvores coisíssima nenhuma. Só uma rua normal. Toda esburacada. E, a propósito, meus sapatos estavam me machucando.

  Ah, sim. Então eu cheguei ao portão – que talvez algum dia tenha sido branco, mas hoje é impossível saber – e vi que algum imbecil tinha trancado.

  Agora me responda, por que trancar o portão SE EU AINDA VOU PASSAR POR ELE? FAZ SENTIDO PARA VOCÊ?

  Então eu toquei a campainha e a minha irmã, amigavelmente, jogou a chave tudo de qualquer jeito de lá da porta, a uns seis metros de distância, para mim. Mas aí eu tive que dar uma de mulher elástica para pegar a maldita chave que tinha caído lá nos quintos dos infernos. Legal a Julia, não é? A mútua afeição que senti por ela naquele momento foi tão verdadeira que fiquei morrendo de vontade de estrangulá-la.

  Entrei em casa e me deparei com uma cena totalmente bizarra: minha mãe – que não é da nobreza e NÃO mora em nenhuma mansão com vinte quartos – tendo uma sessão de terapia espiritual com a Marta. Aquela louca, sabe, do chazinho milagroso de emagrecimento? Vou te contar, a última coisa que ela é com certeza é lady.

  Então, no meio daquela cena tirada diretamente do hospício (que é o lugar de onde a Marta provavelmente veio), minha mãe me perguntou:

  – E então? A prova...?

  – Foi bem.

  – Quanto?

  – O quê? – perguntei distraída. Não é fácil prestar atenção no que sua mãe está falando enquanto ela está dando uma de louca no meio da sala.

  – Quanto você tirou?

  E, nesse momento, eu queria mentir. Dizer a ela que eu finalmente tinha conseguido desatolar daquelas notas 6 insistentes. Mas, espere aí, a minha mãe estava tendo uma consulta espiritual com a amiga dela, enquanto a mesma diz uma reza esquisita, BEM NO MEIO DA SALA DE CASA. Qual é o problema com as minhas notas perpétuas, comparadas a isso?

  – Mãe, a professora precisa de tempo para corrigir a prova. Até ela tem outras coisas para fazer além de ficar vendo os 6 que eu tiro – respondi.

  Ela suspirou. Eu nem perdi meu tempo de ficar lá para ouvir o que ela tinha para me dizer.

  A Marta me dá medo, é sério.

  Finalmente, quando eu entrei no quarto, lá estava ela. Minha irmã, assistindo Crepúsculo pela zilhonésima vez.

  Eu estava seriamente pensando se matar ela espancando doeria mais do que se eu a fatiasse em um milhão de pedacinhos. Ainda não tinha me esquecido daquela coisa de fazer eu me matar para pegar a chave.

  Edward estava bem ali, com seu olhar profundo e cheio de amor, de entrega, enquanto dizia:

  – Não tenho mais forças para ficar longe de você.

  Só que, é claro, ele estava dizendo isso para a lesada da Bella, dentro da tevê, e não para mim.

  Mas, de repente, eu entendo tudo. Sabe quando a iluminação chega ao seu cérebro assim, do nada? Foi assim.

  Porque era exatamente com AQUELE OLHAR PROFUNDO E CHEIO DE AMOR que a Cynthia estava. Mas eu não prestei atenção no que ela estava olhando.

  O que eu faço agora? A Cynthia passou para o lado sombrio da força. Céus, como isso foi acontecer?

  E sabe o que é realmente ruim nisso? Eu sei que ela não vai me contar. E se ela não me contar, vai ser mais difícil ainda arrumar um jeito de fazê-la ver a idiotice disso tudo. Porque ela sabe o que eu penso dessa coisa.

  Essa é uma das poucas noites em que eu não consigo dormir direito. Porque dormir é o máximo, a melhor parte do dia – depois da parte em que eu como.

  E eu estou pensando: “E agora, e agora? A Cynthia vai ficar boba igual àquelas garotas da escola? Será que depois ela vai se transformar em uma destruidora de corações como a Julia? SERÁ QUE ELA VAI FICAR AMIGA DA JULIA? Ah, não!”.

  Como eu detesto isso. Quando a gente realmente quer que o tempo passe, ele nunca passa. Demora um século para que um mísero minuto se passe. É uma verdadeira droga, pior ainda porque aquele barulho do relógio irrita. Eu nunca tinha reparado nisso antes, mas ele faz um barulho muito, MUITO chato – menos naquele dia em que eu precisava ler a fanfic.

  Um minuto. Talvez ela nem esteja apaixonada de verdade. Talvez seja só psicose minha. Talvez eu esteja exagerando. Mais um minuto. E se ela estiver mesmo apaixonada? E se ela se rebaixar a ponto de ir lá e abordar o garoto? Não, ela não pode fazer isso, é horrível! Outro minuto ainda mais lerdo. Eu não quero perder minha amiga! – estou quase chorando –. Não quero! Ela não pode me deixar...

Definição do dicionário: pai.xão – s. f. 1. Sentimento forte, como o amor, o ódio etc. 2. Mais comumente paixão designa amor, atração de um sexo pelo outro.

  Definição da Jessica: pai.xão – s. f. 1. Parasita cerebral que corrói impetuosamente a massa cinzenta. 2. Droga de doença que inutiliza a parte racional da mente humana. Mais comumente caracterizada pela dispersão, idiotice, ações irracionais, e loucura completa.

  Não sei o que eu vou fazer com ela agora. Mas posso dizer uma coisa: isso não é bom. Não é NADA bom.

  


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Notas finais do capítulo

N/A: Mil desculpas mesmo pelo atraso (Atraso? Atraso é um, dois dias. Duas semanas é o cúmulo!)É, eu sei. É que ultimamente eu não tenho estado em sintonia com a Jessica. Ela é divertida, e eu estava mais para um estado de fossa depressiva (vide minha outra fanfic). Então estava meio difícil escrever do jeito dela. Bem, saiu isso. Espero que tenham gostado. Vou fazer o máximo que eu conseguir pra escrever a fic pra vocês (vou ter que parar de escutar Evanescence e Paramore e me ligar mais nas coisas que a Jessica gosta, tipo Taylor Swift. Preciso de + humor na minha vida).
BeijinhoS,
Miss Doll

*Jessica Falando*: "So this is me swallowing my pride, standing in front of you saying I'm sorry for that night. And I go back to December all the time..." @V@