Um amor improvável escrita por Tianinha


Capítulo 2
Filho do Plínio Campana




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— Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, me socorre. — dona Margot rezava diante de uma imagem de Nossa Senhora. — Socorre meu filho. Meu Deus e meu Senhor, em tuas divinas mãos eu entrego o meu filho. Porque não sei mais o que fazer.

Enquanto dona Margot reza, Fabinho participa de um racha com um amigo. Na garupa de uma moto, os dois saem em disparada, em alta velocidade. Porém, no meio do caminho, se deparam com a polícia, que passa a persegui-los em sua viatura. Os dois fazem de tudo para escaparem. Cortam caminhos para não serem seguidos. Fabinho acaba se deparando com um caminhão, e ao tentar desviar, acaba caindo da moto. Os policiais, que já o alcançaram, saem das viaturas. Um dos policiais aponta a arma para ele e diz:

— Parado aí, playboy!

Os policiais o levaram imediatamente para delegacia. Não ouve escapatória. O carcereiro o levou até a cela, puxando-o pelo braço.

— Não me empurra, não me empurra, não me encosta que eu não vou ficar aqui, meu amigo. — gritava Fabinho, enquanto o homem abria a cela. — Amanhã, quando eu sair, vou mandar botar você na rua, tá me entendendo?

— Aí, o playboyzinho é marrento, aí — disse um dos prisioneiros, enquanto Fabinho entrava na cela.

— Garotinho como você faz bastante amizade por aqui — disse outro prisioneiro.

— Você tá maluco! Tá louco! — disse Fabinho, enquanto os prisioneiros riam. Ele lá ia querer esse tipo de "amizade"?

— É bonitinho! — disse um dos prisioneiros.

A essa altura, dona Margot já estava sentada diante da mesa do delegado.

— Isso aqui é tudo o que eu tenho pra pagar a fiança do meu menino, doutor — disse dona Margot, mostrando as joias ao delegado.

— Dona Margot, seu menino deu foi sorte. — disse o delegado. — O outro motoqueiro fugiu, aí a gente não pode configurar crime de racha. Mas ele não escapa da apreensão da carteira, nem da multa por excesso de velocidade. Agora, dona Margot, ele podia ter morrido. Ou então ter matado alguém.

— Eu vou falar com ele. Mas, por favor, não deixe ele passar a noite aqui. — implorou dona Margot.

— Quantas vezes a senhora só esse ano esteve aqui, dona Margot?

— Essa vai ser a última. Mas, por favor, deixe ele dormir em casa.

— Vai ser bom pra ele aprender. — disse o delegado. — Além do mais, eu não posso aceitar as suas joias como pagamento de fiança. Eu sinto muito, dona.

— Então... Então eu volto amanhã. Eu volto amanhã bem cedo. — disse dona Margot, levantando-se e saindo da sala.

O delegado olhou para o escrivão e comentou:

— Coitada, uma senhora tão boa com um filho desses.

No dia seguinte, dona Margot voltou à delegacia. Conseguira empenhar as joias e pode pagar a fiança. Fabinho foi solto. Mas como se não bastasse passar a noite naquela cela imunda, ainda teve de ouvir sermão do delegado:

— Olha aqui, a coitada da tua mãe empenhou as últimas joias dela só pra pagar a tua fiança. Mas eu só quero te dizer uma coisa. Que seja a última vez que você põe os pés aqui nessa delegacia, porque se você aprontar mais uma vez, eu vou fazer a tua vida bem amarga. Você entendeu, moleque?

Fabinho fez que sim com a cabeça.

— Ele tá arrependido, doutor. Ele aprendeu a lição. — disse dona Margot. Como sempre, tentando apaziguar.

— É bom mesmo. — disse o delegado. — Pode ir. Vai, pode sumir da minha frente.

Enquanto Fabinho saía da sala, dona Margot agradeceu:

— Doutor, muito obrigada!

— Dona Margot, a senhora não pense que vai poder salvar o seu filho sempre, porque não vai. — disse o delegado. — Ou ele toma juízo por si só, ou é a melhor a senhora desistir.

— Mãe não desiste nunca, doutor — disse dona Margot, abanando a cabeça.

Na sala de espera, Fabinho acabou esbarrando em algumas pessoas, que deixaram uma revista caída no chão. Ele pegou a revista e olhou. Na capa havia uma bela fotografia da famosa Amora Campana, uma menina que morou por um ano no mesmo lar de adoção que ele.

— Amorinha, você que se deu bem, hein, malandra!

Assim que chegaram em casa, ele logo tomou banho e trocou de roupa. Dona Margot, como sempre, estava ocupada em seus afazeres, sentada à mesa.

— Impressionante! Usei o sabonete inteiro e o cheiro daquela cadeia continua impregnado em mim.  — o rapaz reclamou, com nojo, ao passar pela cozinha e pegar uma maçã da mesa. Dona Margot falou:

— O importante é que você está em casa e aprendeu sua lição.

— Que lição? Tá louca? Alguém aprende alguma coisa na cadeia? — perguntou Fabinho, sentando-se no sofá.

— Aprende a não voltar para lá, meu filho. É isso que você aprende.

— “Meu filho, meu filho, meu filho”. Me chama de filho, mas não tá nem aí pra mim. — reclamou o garoto.

Se ela realmente se importasse com ele, teria feito algo para tirar ambos daquela situação de pobreza. Assim pensava Fabinho. 

“Como pode um filho ser tão ingrato, tão egoísta?”, pensou dona Margot. Onde será que ela tinha errado? Ela sempre fez de tudo por ele. Talvez esse tenha sido o seu erro. Fabinho sempre teve tudo o que quis, tudo na mão, sem precisar lutar por nada. Ele sempre teve todas as suas vontades satisfeitas. Talvez ela o tenha mimado demais. Ela se sacrifica pelo filho, está sempre protegendo-o, livrando-o de encrenca, dá duro todo santo dia e ele não dá a mínima. Mas ela não tinha coragem de brigar com ele. O garoto já estava sofrendo tanto! Já estava tão revoltado com a queda do padrão de vida. Estava sendo muito difícil para ele se adaptar à nova realidade, às dificuldades, à dureza da vida. E ela era a maior culpada por ele ser assim. Ele estava muito acostumado com luxo para aceitar viver na pobreza. Ainda por cima, se envolveu em más companhias. Por mais que ela falasse, para que não andasse com marginais feito o parceiro de racha, ele não a escutava. Vivia se metendo em confusão, vivia perigosamente. Ainda assim, ela não deixava de reclamar, na tentativa de ganhar algum respeito do filho. Até porque mesmo que ela tenha falhado, e ela reconhece isso, ela não merecia tamanho desrespeito e ingratidão. Ainda mais vindo de um filho que ela tanto ama. Fazia tudo para o bem dele.

— Como é que você pode falar um negócio desse? — protestou. — Empenhei minhas últimas joias para pagar a tua fiança.

— Se você vai me jogar isso na cara o tempo inteiro, eu prefiro ficar na cadeia. — disse Fabinho, o típico menino mimado, mordendo sua maçã.

— É muita ingratidão ouvir isso, viu? — disse dona Margot, interrompendo seu trabalho e levantando-se da cadeira. — Depois de todo o amor que eu te dei.

— Deu porque quis. Não te pedi nada. — disse Fabinho, malcriado. — Minha vida não era pra ter virado essa porcaria, não.

— Quando teu pai era vivo, não era ruim, não. — disse dona Margot.

— Ele não é meu pai e você também não é minha mãe. — ele disse. Quando ela vai entender que é só mãe de criação? Que a mãe dele era a de sangue? — Pega a lasanha que você prometeu? Eu tô com fome.

Dona Margot suspirou e foi para a cozinha. Fabinho pegou a revista que havia trazido consigo e começou a folheá-la.

— Amora, Amora, Amorinha! Você sim, deu o tiro certo, né? Adotada por um cineasta podre de rico e uma atriz de TV. Queria eu ter essa sorte.

Continuou olhando a revista. Mas o que chamou mesmo sua atenção foi uma foto antiga de Plínio Campana, ex-marido de Bárbara Ellen, ao lado da atriz Irene Fiori. A reportagem conta que o diretor estava prestes a se casar com a atriz.

— Irene Fiori? Nunca ouvi falar!

Não sabia nada sobre os famosos. Nem sabia o nome da maioria deles. Nunca assistiu novela, nem costuma frequentar teatro. Estava totalmente por fora das fofocas e escândalos da vida dos famosos. Nada disso o interessava. Somente Amora o interessava.

Olhou para o anel no dedo da mulher, da tal Irene Fiori, e reconheceu. O anel lhe era familiar.

— Que estranho!

Foi até seu quarto, retirou o anel da mesa de cabeceira e ficou observando. Lembrou-se de quando era criança, e os pais adotivos foram ao lar. Ele havia escutado uma conversa dos pais adotivos com tio Gilson, a respeito do anel. Seu pai adotivo estava vivo nesta época, e estava ao lado de dona Margot.

— Que beleza! Parece brilhante, esmeralda! — comentou dona Margot.

— E é. Eu levei a um ourives pra avaliar. — disse tio Gilson. — Estava junto com um bilhete da mãe dizendo que era pro sustento do filho, mas eu acho que devia ser entregue ao Fabinho quando ele chegar à maioridade.

— Esse anel vai ser do Fabinho quando ele completar 18 anos. — ela disse.

Despertando-se das lembranças de infância, Fabinho começou a pesquisar um pouco mais na internet a respeito de Irene Fiori. Ficou sabendo que ela havia se separado de Plínio Campana em 1990, acabou desistindo da carreira e desde então nunca mais ninguém mais soube de seu paradeiro. O rapaz fez as contas e viu que nasceu no ano seguinte ao rompimento do noivado. Será que ele era filho do Plínio Campana? Era possível, uma vez que Irene estava usando o mesmíssimo anel que ele tinha guardado. Será coincidência demais? Será que finalmente encontrou sua mãe?

Desde pequeno, sempre quis saber sua origem. Encontrar sua mãe, que o abandonou na porta do lar do tio Gilson. Sempre quis entender por que fora abandonado. Nunca se conformou em crescer órfão, sem saber de onde vinha, quem eram seus pais. Nunca gostou nada de ser um rejeitado. Como se conformar em ser privado de uma infância normal? Sempre quis ter uma família como a de todo mundo. Tudo bem, cresceu no lar, foi acolhido, bem tratado por tio Gilson e tia Salma, mas não era a mesma coisa. Não se identificava com eles. Não eram seus pais, e os demais órfãos não eram seus irmãos. Tio Gilson e tia Salma criavam os órfãos como se fossem filhos, como se todos fizessem parte de uma grande família. Era o que sempre diziam. Mas não era assim que Fabinho enxergava as coisas. Para ele, tio Gilson e tia Salma só diziam que eram uma família para os órfãos se sentirem melhor. Quando vivia no lar, sempre sentia um grande desconforto. Sentia que não se encaixava lá. Viver em um lar de adoção não era a mesma coisa que morar com a família. Não era a casa dele. Quanta inveja tinha de crianças que viviam com seus pais de verdade! Sentia-se tão diferente delas, tão inferior!

Nem mesmo com sua família adotiva se identificava. Tudo bem, ele quis ser adotado, mas porque viu vantagem em ser adotado por uma família rica. Além do mais, ter uma família adotiva era melhor do que não ter família nenhuma. Era melhor do que viver no lar até completar a maioridade. Mas sempre quis conhecer sua mãe biológica, quem sabe até seu pai. Nunca falou com os pais adotivos sobre sua vontade de procurar a família biológica. Não queria ser chamado de ingrato, de egoísta, ser acusado de não dar valor aos pais adotivos. Mas não tinha como ir atrás de seus pais biológicos. Mesmo porque não sabia muita coisa. A única pista era aquele anel. Agora ele sabe quem são seus pais. Melhor ainda: o pai era rico. Era a chance que ele tinha de sair daquela vida de pobreza. Mas precisava descobrir mais a respeito dos pais. E ele sabia exatamente quem lhe daria mais informações.

Decidiu conversar com Santa, uma amiga de sua mãe, que apareceu para ajudá-la nas tarefas domésticas, como às vezes fazia. Santa era chegada em uma fofoca, e sabia tudo sobre a vida dos famosos.

Santa estava passando a roupa quando ele se aproximou.

— Oi, mãe! Oi, Santa! — cumprimentou.

— Oi! — disse Santa, contrariada. Ela não simpatizava com o garoto, pois é um ingrato, vivia tratando mal dona Margot, descontando as frustrações nela. Vivia aprontando também, se metendo em encrenca. 

— Estava vendo na TV aquele ator que morreu, o Jonathan James. Ele tinha minha idade quase, né? — comentou Fabinho, sentando-se na cadeira.

— E a mesma falta de juízo. — disse Santa.

Fabinho resolveu agradar a Santa, assim ela daria as informações de que precisava. E para agradá-la, nada melhor do que ser um bom menino e pedir desculpas à sua mãe. Era tudo o que Santa queria. 

— É, eu sei. Eu tenho feito muita besteira mesmo. Eu queria até falar com você, mãe. Queria te pedir desculpa, mãe, e agradecer por não ter desistido de mim. — disse Fabinho, aproximando-se da mãe.

— Oh, meu filho! — disse dona Margot, feliz, abraçando-o. — Desistir de você é a mesma coisa que desistir de mim. Vou botar a mesa.

— Era assim que você devia tratar sempre a sua mãe — murmurou Santa.

— É, eu sei. — disse Fabinho. — Santa, então esse Jonathan James não valia grande coisa.

— Um mentiroso, aproveitador. Casou com a louca da Bárbara Ellen, que tinha idade pra ser mãe dele e ainda diz que foi por amor.

— Mas essa Bárbara teve outros maridos, não teve? — perguntou o rapaz. — Até aquele diretor de cinema, o Plínio Campana.

— Ah, esse foi o primeiro marido! — disse Santa.

— Mas ele... Ele é pai da Amora? — perguntou Fabinho, pegando um pote de bolachas. Pegou uma bolacha e mordiscou.  

— Não. Ela foi a primeira criança que ela adotou. Mas aí logo o Campana caiu fora porque a Bárbara posa de mãe extremada. Não passa de uma chave de cadeia, tá? — disse Santa, sentando-se à mesa.

— Meu Deus, não exagera, Santa! — riu dona Margot, colocando os pratos na mesa.

— Oh, você não lembra? Ela pegou e jogou a noiva do Campana para escanteio, pra logo dar o bote. Lembro muito bem. — disse Santa.

— Essa história tem tanto tempo, nem lembro mais. — disse dona Margot.

— Ah, mas eu lembro. Eu morava em São Paulo, eu lembro. Saiu em todas as revistas: “Bárbara Ellen rouba o noivo da amiga”. E olha que a Irene era muito mais bonita do que ela — disse Santa.

— Eu cheguei a vê-la no teatro. Era boa atriz, viu? — comentou dona Margot.

— O que que levou essa Irene? — perguntou Fabinho. Santa respondeu:

— Sumiu. Aí, a Bárbara casou com o Plínio, que era diretor da novela, e pegou o papel que era da Irene. Pra mim, essa moça sumiu foi de desgosto.

Assim que acabou de comer, Fabinho voltou para seu quarto. Ficou olhando pensativo o anel, que tinha enfiado em seu dedo.

— Plínio Campana e Irene Fiori. Claro que eu não podia ser filho de indigente. Claro que minha mãe, pra me deixar uma anel desses, tinha de ser especial. Mas por que que eu fui parar naquele lar? O que aconteceu?

Sempre suspeitou que a família biológica fosse rica, por causa do anel. Ao ver na revista a foto de Irene, usando o anel, ao lado de Plínio, teve a confirmação do que sempre suspeitou. Mas se a família era rica, tinha condições de sustentá-lo. Por que ele fora abandonado, então? Lembrou-se de tudo o que Santa havia contado. Será que Plínio havia mesmo traído Irene? Por que ela sumiu? Será que foi somente a traição? Ninguém some apenas por ser traído. Ou some? Teria Bárbara algo a ver com isso? Era verdade mesmo o que as revistas diziam na época ou era apenas boato?

Olhou a revista, para a foto de Bárbara Ellen, com ódio.

— Se você tem alguma coisa a ver com isso, se foi você quem separou meu pai da minha mãe, se prepara, sua perua. Eu vou acabar com a sua vida.

Aquela vaca iria pagar por ele ter crescido órfão.


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