Aliens ou sensação de deslocamento escrita por elda


Capítulo 2
Usopp, a esperança




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Quando eu era criança, meus pais levavam eu e meus irmãos a um sítio nas montanhas. Eu lembro de muitas coisas como o banho em águas de fontes termais que vinha à calhar quando enfrentávamos uma friaca, os borrachudos mordendo nossas peles e minha mãe se queixando sempre por esquecer do repelente.

Naquela época eu comecei a me sentir deslocado e eu não entendia direito. Tudo ao redor era tão tenro, mas ao dormir na cama quente com um dos meus irmãos, o rosto do meu pai vinha na minha mente. Talvez porque eu tinha a sensação que ele era o único que sabia que me sentia diferente. Nessas horas eu acordava e ia para fora mesmo que fosse madrugada, mas a insônia valia a pena  quando observava o céu perfeitamente estrelado. Na roça não há luzes como nas cidades e em volta do sítio só havia a floresta de eucalipto. O cheiro além de úmido, era de capim. Ia até a beira de um declínio e ouvia a água da lagoa balançando suavemente e os insetos cantavam alto. Eu cresci, minha família mudou e parei de viajar como antes, terminei vendo estrelas como aquelas nunca mais. Mas hoje sinto falta até das poucas estrelas da cidade, porque tudo o que vejo quando olho para cima é o breu.

Nós dormíamos na enfermaria por haver camas, mas Zoro era o único distante. Não era como se eu, Usopp e Luffy fossemos melhores amigos, porque pra mim eles eram tão estranhos quanto o marimo. Mas não compreendia essa postura de lobo solitário que ele adotava e de se perder pelos corredores da escola.

Nós que sobrávamos, frenquentávamos o banheiro masculino pela manhã — o que chamávamos de "manhã" — para fazermos a barba e escovar os dentes. Depois íamos pro refeitório e eu mesmo preparava a comida para todos nós. Eu sempre dava um toque em Usopp e Luffy e dizia a eles caso vissem Zoro para avisar que havia a sua parte guardada no forno. Ainda pedia pra avisarem a ele que tivesse pressa senão iria azedar, embora não houvesse sol, fazia calor do mesmo jeito e eu não queria ver comida estragar quando o estoque a cada dia ficava mais vazio.

Durante esses dias eu comecei a ver sentido nas palavras do meu padrasto que era também meu professor de gastronomia. Ele sempre dizia que eu desperdiçava muito e eu respondia que não fazia mal, contanto que eu não ficasse preso numa ilha estilo do romance Robinson Crusoé e, bem, não estava numa situação tão diferente.

Aposto que o velhote de merda desejou que isso acontecesse em algum momento na minha vida.

Para piorar, eu tinha uma suspeita de que alguém estava roubando comida em algum horário propício como a madrugada — se é que houvesse noite. Meu principal suspeito era o marimo.

Como não tinha nada pra fazer, comecei a ler livros pra me tranquilizar ou pelo menos essa era a ideia. Porque o livro que eu estava lendo era justamente Robinson Crusoé e eu lia cada frase, cada situação extrema que ele vivia, mas não me causava mal estar por me lembrar a realidade que estava sofrendo quando podia procurar outro livro que me servisse de escapismo. Foi aí que comecei a me conhecer mais, descobri que era masoquista.

Ao chegar na biblioteca me encontrava com Usopp. Ele costumava não se sentar numa das mesas, porque quando ele achava um livro no corredor entre as estantes, sentava-se ali mesmo no chão e ia pegando mais e mais livros até ele montar um forte de livros em que ficava bem protegido e até escondido. Se não fosse uma pilha de livros num lugar aleatório pra instigar a minha curiosidade e me fazer avançar, eu nunca veria Usopp.

— Ei, Usopp! Como vai a pesquisa?

Ele não ouviu de tão concentrado que tive que repetir a pergunta. Usopp piscou os olhos e se levantou da pilha de livros, constrangido.

— Me desculpa, eu realmente não ouvi...

Usopp era um aluno muito inteligente que cursava o segundo ano como Luffy, na verdade, se não me engano, os dois eram da mesma sala.

— Tudo bem, eu sei como se dedica pesquisando nos livros a forma de como sair daqui.

Suas mãos começaram a tremer mesmo estando cerradas. —  Eu... Eu estou muito nervoso com o que está acontecendo... Tipo, no início você estava tão nervoso quanto eu, mas agora está calmo como Luffy e Zoro.

— Eu lembro uma vez que nós dois dissemos que odiávamos o jeito que eles levavam isso.

— Sim! E agora você me parece estar agindo igual!

Naquele momento, eu quase disse a Usopp "tenho depressão e nos primeiros dias estava pilhado porque havia tomado meu medicamento além da conta. Agora ele está acabando como também a comida e só me resta aceitar". No entanto, eu pensei que Usopp era o único que ainda acreditava e que se dissesse isso o faria parar de acreditar. De repente era Usopp que ainda impedia da escola se soltar do seu gancho imaginário e começar a cair no profundo breu em uma velocidade tão absurda que desmancharia nossos corpos até virar pó.

— Desculpa Usopp, será que você aceita uma ajudinha?

Achei que Robinson Crusoé podia esperar.

 

 

No horário que iríamos dormir como se houvesse noite, fiquei escondido na cozinha e peguei o ladrão, era o Luffy enfiando um salame goela baixo.


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