Legado De Poder escrita por Merophe


Capítulo 10
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Lorenzo recebeu o aviso sobre a surpresa pela cidade. Foi Gualtiero, o batedor que trabalha para a família dos Maestrine, quem trouxe as primeiras notícias para seu patrão. Nos arredores do território dos Rosa Azul, os rivais estavam sendo apontados como os culpados pelos problemas. Furtos estavam se tornando frequentes em Monte dos Reis, e os cidadãos já começavam a reclamar e a alertar a polícia local. Embora a polícia de Monte dos Reis lutasse contra a criminalidade das duas máfias, eram os Rosa Azul que dominavam a cidade, ditando as regras conforme desejavam. A polícia tinha seus limites, muitas vezes sendo forçada a baixar a guarda diante dos inimigos.

Apesar do controle exercido pelos Rosa Azul sobre a cidade, a polícia de Monte dos Reis continuava atuante, buscando acalmar os cidadãos para evitar revelações que poderiam expor uma máfia oculta e suspeita, cuja descoberta causaria agitação entre os habitantes. No entanto, a presença da máfia era evidente em Monte dos Reis, com muitos de seus membros infiltrados na política local, o que facilitava a liberdade de ação para alguns recrutas após as apreensões. A corrupção policial era um problema recorrente e disseminado na cidade.

Os membros da máfia Arma Branca, vindos da parte norte da cidade, arriscavam adentrar o território dos Rosa Azul para cometer atos de vandalismo, furtos e até mesmo assassinatos. Essas ações visavam provocar os rivais e desviar a atenção da polícia para os próprios Rosa Azul. Era uma estratégia calculada para desestabilizar o território inimigo e semear o caos na região, em meio à incessante disputa pelo controle do crime.

Além disso, surgiam rumores sobre uma possível aliança entre os Arma Branca e alguns policiais da cidade normal, o que explicaria a perseguição contínua aos Rosa Azul na cidade. Com os Rosa Azul impedidos de acessar a cidade normal, os rivais de Monte dos Reis tornavam-se o único alvo disponível para confronto direto, intensificando ainda mais a rivalidade e a violência na região.

Lorenzo ouviu atentamente as notícias trazidas por Gerald, um dos capôs da família Maestrine, cujo irmão trabalhava ao seu lado e estava profundamente envolvido na política da cidade. Aproveitando-se de sua posição privilegiada, manipulava os recursos públicos em benefício próprio e de seus aliados, desviando verbas destinadas a obras públicas e programas sociais. Além disso, ele subornava outros políticos e funcionários públicos para garantir o apoio necessário às suas empreitadas ilícitas, criando uma teia complexa de corrupção que permeava os corredores do poder.

Após encerrar a ligação com Gerald, Lorenzo adentrou o foyer da casa. A noite já caía, como denotava a suave claridade proveniente das janelas da residência. Foi então que um dos funcionários informou a Lorenzo que o jantar estava pronto na sala de jantar, porém ele precisaria dirigir-se ao quarto da garota e convidá-la a se juntar à família à mesa.

Gigi já estava no quarto há algum tempo. Lorenzo decidiu ir até lá e verificar como ela estava. Determinado, ele se aproximou da porta do quarto e a abriu suavemente. Ao abrir a porta, ele percebeu que a garota estava olhando para a entrada, visivelmente assustada. Nas mãos, segurava um livro. Lorenzo não adentrou completamente o quarto; apenas sua cabeça estava dentro, mantendo-se parcialmente na entrada.

— Aceita comer conosco?

Gigi tentou responder, manejando a mão que segurava o livro, indicando que estava no meio da leitura.

— Não se preocupe, o livro pode esperar. Venha, está tudo pronto.

A garota deixou o livro na cama e Lorenzo abriu espaço para ela passar pela porta. Ao descer para a sala de jantar, Gigi notou que um lugar já estava reservado para ela na mesa. Enquanto se sentava à mesa, a garota percebeu discretamente Patrícia manejando os talheres com habilidade. Logo em seguida, um garçom trouxe um vinho para sua taça, mas ela prontamente recusou.

— Você não vai beber nada? — Lorenzo perguntou, interrompendo a refeição e abaixando o garfo enquanto olhava para a garota, que fazia um gesto de autocontenção ao segurar os próprios braços timidamente.

— Eu não bebo vinho.

— Podemos arrumar outra coisa para você. — Lorenzo começou a dizer, tentando chamar o empregado, mas foi interrompido pela garota.

— Prefiro água mesmo.

Durante o jantar, um silêncio desconfortável pairava sobre a mesa. Gigi não se sentia à vontade e sua mente começou a divagar. Enquanto mastigavam, ela não pôde deixar de comparar o ambiente à mesa com as refeições em sua própria casa. A lembrança do pai veio à tona, sempre tão exigente em relação à presença de todos à mesa. Mesmo sabendo que Lorenzo não era seu pai, ela não pôde evitar as comparações entre os dois. Gigi procurou afastar da mente as lembranças do pai, ciente de que ele não merecia comparação. Ele não se comparava com ninguém; qualquer pessoa seria melhor do que ele.

A garota também não sentia uma boa vibração vindo de Lorenzo; entre ele e o pai, não havia diferença. Era como se Lorenzo também tivesse segredos escondidos. Ela sentia, mesmo não compartilhando a mesa com o pai, o peso do desconforto de Enrico, o eco de seu silêncio e suas mentiras. O pai parecia acompanhá-la em todos os lugares.

Gigi começou a observar discretamente Lorenzo e sua esposa, percebendo que algo estava errado. Apesar de estarem casados, ela se perguntava se essa era a única verdade entre eles.

Enquanto imersa em seus pensamentos, Gigi percebeu que Lorenzo a espiava de vez em quando. Ela começou a disfarçar, concentrando-se na refeição, pensando que talvez ele já estivesse notando seus modos à mesa.

Depois de algum tempo, a sobremesa foi servida à mesa. Lorenzo notou Gigi olhando para ele, como se quisesse dizer algo. Lorenzo estranhou quando Gigi pediu para ir ao quarto, pois soou muito como se ele fosse o pai dela.

No quarto, Gigi chegou chorando, consciente de que aquele ambiente não tinha nada a ver com o lar. Embora compartilhasse a mesma essência de mentiras e segredos, ela sabia que não era a casa do pai. Perdida em seus pensamentos, Gigi se questionava se o pai poderia tê-la enganado de alguma forma.

Ela enviou uma mensagem para Helena, lembrando-se de quando a mãe lhe deixou seu número durante a visita. A ideia de contatá-la para pedir ajuda era reconfortante. Porém, ao pensar no pai, ela rapidamente afastou o pensamento. Estava em um lugar desconhecido por causa dele, então por que deveria se preocupar com o que ele estaria fazendo? Ele já deveria ter jantado sozinho, dedicado seu momento à palavra de Deus e, provavelmente, estaria bem sem ela.

 

 

Eliane estava organizando pela manhã uma reunião no Planalto das Bambinas, ali perto da mansão dos Messinas, para encontrar algumas senhoras, especialmente aquelas mais próximas. Ela tinha convidado a irmã, mas imaginava que Fiorella provavelmente não iria, considerando a situação do marido que ainda estava na cidade. Desprezava a própria vida por um homem que não valia nada.

Eliane encerrou a ligação no telefone e decidiu ligar para Lorenzo. A chamada estava dando ocupada, mas ela insistiu e, finalmente, ele atendeu.

— Não desligue, você é cheio de indelicadezas.

— Está bem, fale rápido.

— Tem uma reunião marcada no monte hoje a tarde.

— E você quer que levem Patrícia?

Lorenzo considerou a ideia da reunião no monte uma boa opção após a ligação. Saindo do escritório no primeiro andar, ele chamou a esposa que estava na sala de estar. Ao vê-lo segurando alguns papéis sobre um envelope, tanto a esposa quanto a garota viraram a cabeça para atendê-lo. Patrícia estava sempre atualizada sobre os assuntos do marido e o auxiliava quando possível, afinal, ela era professora e tinha uma ótima habilidade de interpretação de documentos.

Ela se ergueu da poltrona de veludo azul marinho e se aproximou do marido, que lhe mostrou os papéis. Lorenzo disse algo rapidamente para a esposa e, em seguida, dirigiu o olhar para a garota.

Gigi notou Lorenzo sussurrando algo para a esposa antes de os dois se afastarem conversando. Sentiu um alívio ao vê-los partindo; mal tinha dormido na noite anterior e ainda tinha leves marcas de choro nos olhos. Era a primeira vez que ansiava por voltar para casa; pelo menos lá poderia fazer o que quisesse, sem a presença de Enrico ao seu redor. Tinha que admitir que, apesar de pedir permissão até para as coisas mais simples a Lorenzo, em sua casa as coisas eram diferentes. Enrico a deixava livre, mesmo que ela acreditasse que esse gesto não melhorava em nada a relação entre eles.

Ela lutou para conter as lágrimas que ameaçavam escorrer pelo rosto. Tentava negar que era saudade de casa, buscando forças onde não tinha para não admitir que sentia falta do pai. Por que deveria sentir saudades dele? Voltou para o quarto e mandou mensagem para Helena.

[Gigi]: Eu não sei o que está acontecendo. Eu não quero mais ficar aqui.

[Mãe]: O que houve?

[Gigi]: Eu sei que aqui não é a casa dele. Aqui não é o meu lugar.

[Mãe]: Você ainda está se adaptando.

 

 

Para Enrico, a adaptação à mudança estava se mostrando um desafio. Enrico não seguiu sua rotina usual. Ele acordou mais tarde do que o habitual, perturbado pelas preocupações que o assombraram durante a noite. Tentava se conformar com a dura realidade de que não tinha mais sua filha ao seu lado. Enrico refletia se seria melhor para ambos ficarem afastados. Ele acreditava que ela poderia ter uma vida melhor sem ele. Era uma dolorosa verdade que ele enfrentava, reconhecendo que, em algum momento, ela descobriria os segredos dele. Saberia que ele não era seu verdadeiro pai, apenas um impostor que falhou em dar-lhe o amor que merecia.

Enrico sofria em silêncio, com razões que apenas ele conhecia. Aceitava as consequências de suas escolhas, mesmo que ninguém mais compreendesse. Perder sua filha, que era seu maior tesouro, era uma dor insuportável, mas ele não a trocaria por nada neste mundo, mesmo que não conseguissem se entender bem.

Para ele, ter outra filha não resolveria seus problemas de caráter nem o ajudaria a compreender o verdadeiro significado do amor. Enrico lutava para expressar seu amor de maneira adequada, mas sua dificuldade com as palavras o tornava intrusivo e insuportável às vezes. No entanto, ele sempre fez o possível para que ela soubesse que sua falta de diálogo e intimidade nunca significou falta de amor.

O celular tocando interrompeu os pensamentos de Enrico, que se dirigiu ao escritório para atender a ligação. Ele se surpreendeu ao receber a ligação de Helena.

— Acabei de falar com ela. Ela quer voltar pra casa.

Enrico tentou responder, mas Helena o interrompeu.

— Ela está desconfiando que aquela mansão não é sua.

— Eu sei. Eu não tive outra escolha para fazê-la ir para a cidade.

— Você não resolveu nada. Foi decepcionante mentindo mais uma vez.

Enrico relutava em contar a verdade para Helena, pois mentir para a filha seria evitar mais decepção. Ele não tinha coragem de encarar o desapontamento dela, e causar-lhe mais dor era algo que ele não suportaria. Por isso, preferia que ela descobrisse toda a verdade longe dele, na esperança de que ele pudesse sofrer menos sem a decepção a torná-lo ainda mais inútil.

Ele não teve muitas opções depois de terminar a conversa com Helena. Rapidamente, levou o celular ao ouvido e começou a discar outro número. Enrico ligou para Ettore, pedindo-lhe que fosse até a mansão de Lorenzo para descobrir mais informações sobre a garota. O rapaz informou a Enrico que não poderia sair da mansão naquele momento, pois a patroa foi convidada para uma reunião no monte e ele ainda aguardava a resposta dela sobre se iria ou não.

 

 

A garota percebeu Patrícia saíndo da mansão. Ela tinha decidido explorar os arredores e o jardim até chegar à área da piscina nos fundos da mansão quando viu o carro com motorista partindo. Apesar de já não haver muito sol, Gigi escolheu uma das mesas de área de piscina para se acomodar. Ela estava pensativa sobre a conversa com a mãe. Não seria capaz de ligar para Enrico como Helena a aconselhou caso precisasse.

Ao ouvir a voz de Lorenzo perguntando se poderia se sentar ao lado dela, Gigi abandonou seus pensamentos. Lorenzo estava passando por aquelas áreas quando decidiu se despedir da esposa.

Ele puxou uma das cadeiras da mesa e arrumou o botão aberto da gola da camisa polo com um gesto rápido da mão. Com as mãos unidas sobre o colo, Gigi antecipou que Lorenzo teria algo para discutir.

— Eu mandei construir. — Lorenzo esticou a mão para indicar a imensa piscina enquanto começava a falar. — Tive vontade de ser nadador.

O silêncio pesou no ambiente após Lorenzo terminar de falar, incomodando Gigi. Ela começou a remexer os dedos, tentando reunir coragem para olhar para ele.

— Aquele rapaz de tatuagem... Eu posso falar com ele?

Lorenzo pronunciou o nome do rapaz e voltou a fitar a piscina cristalina.

— Ele não fica muito por aqui.

Gigi não respondeu a Lorenzo; em vez disso, desviou o olhar para as mãos, sentindo-se receosa ao perceber que ele ainda a encarava.

— Eu já saí de casa uma vez.

A garota notou o sorriso contido nos lábios de Lorenzo. Ele parecia tentar transmitir algum conforto, como se já tivesse percebido que algo a perturbava. Talvez a mudança de ambiente estivesse a afetando mais do que ela imaginava.

Mexendo nos braços e passando a mão pelo maxilar para verificar como estava o crescimento da barba, Lorenzo murmurou: “Eu queria viver de outra forma.”

Lorenzo contava uma história verídica, sobre como saiu de casa sem dizer uma palavra ao pai. Na época, era apenas um jovem que decidiu aventurar-se na França. Seu pai o teve aos quarenta e três anos e insistia para que o filho se envolvesse nesse meio. O tio de Lorenzo, condenado à prisão e ainda cumprindo pena até os dias de hoje, talvez tenha sido a razão pela qual o pai o pressionava tanto a torná-lo em um membro da máfia.

— Ele mandou me buscarem depois. Foi aí que comecei a entender e até mesmo a me envolver no que ele fazia.

— No que seu pai trabalhava?

Gigi não compreendeu a risada peculiar de Lorenzo, enquanto ele deslizava as unhas pela barba, em um gesto repetitivo e quase involuntário.

— Fiquei com a rede de bares dele.

Lorenzo convidou Gigi para um passeio pelo jardim das macieiras. Ela percebeu que ele era alguém que gostava de exibir com orgulho suas posses. Enquanto caminhavam, ele falava com cuidado sobre suas macieiras, destacando o esforço dedicado que resultava em frutas suculentas e vibrantes. Mesmo quando ele ofereceu uma maçã para a moça, ela sabia que isso não mudaria sua impressão sobre ele. Apesar de ter demonstrado desconforto, Gigi se comportou bem durante a conversa com ele.

Ela já estava no quarto quando a noite chegou, mas Lorenzo veio chamá-la novamente para se juntar à mesa. Às vezes, ele se comportava de uma maneira insuportavelmente parecida com Enrico.

Patrícia também já estava na mansão, com seus cabelos soltos e um vestido claro e leve nas mangas. Gigi percebeu que Lorenzo não se sentou à mesa, deixando-a apenas com a esposa na sala de jantar, enquanto ele passava direto, lançando um olhar para a garota, indicando que voltaria rapidamente.

O telefone do salão de estudo tinha tocado antes quando ele havia subido para o quarto da garota. Lorenzo chegou ao salão com o telefone tocando novamente. Ele atendeu já escutando as reclamações da mulher.

— Você achou que eu não descobriria. A sua mulher me contou que a herdeira já chegou em Monte dos Reis.

Lorenzo tentou fazer Eliane baixar a voz, mas não teve sucesso, pois ela falhou duas vezes.

— Eu não poderia alarmar todo mundo. Enrico não contou a verdade para ela.


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