Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 8
Capítulo 7 – Segredos




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Carlos entrou no apartamento do detetive Joseph Almeida com uma expressão de curiosidade nos olhos. Ele nunca tinha visitado a residência de um detetive antes e ficava se perguntando como seria a casa de um. Será que ele tinha livros de espionagem guardados na estante para ler durante o café-da-manhã? Ou microcâmeras instaladas em pontos estratégicos para analisar o comportamento dos clientes após eles saírem? Um lugar com móveis modernos, sofisticados, tecnológicos? A realidade, contudo, era bem diferente: Carlos se deparou com um ventilador de teto ameaçando cair a cada girada, um par de sofás encardidos e fedidos e uma estante de livros bem empoeirados. A imaginação de Carlos não tardou a funcionar para justificar aquela realidade. Lógico, Joseph era um detetive bondoso! Com certeza cobrava barato para ajudar os mais pobres e, por isso, vivia naquela situação: sem luxo, sem esbanjar grana, um cara simples, mas de bom coração. Só então o universitário viu Vanessa sentada na poltrona de couro do outro lado do birô. 

— Vanessa? Você… Na casa de Joseph… — Carlos olhou de Vanessa para o detetive, perplexo. — Como assim?

— Eu e Joseph tivemos um passado sombrio, se assim podemos dizer — ela respondeu friamente, agitando uma xícara de café em cima do notebook. — Você quer contar o que aconteceu há 10 anos para ele, detetive?

Carlos encarou Vanessa por um segundo, depois analisou o detetive, um homem barbudo e com uma cabeleira despenteada vestindo um sobretudo surrado. Por mais que imaginasse peculiar os gostos da ruiva, nunca iria suspeitar que Vanessa se atraísse por rapazes assim. Na mente de Carlos, ela só sairia com homens bem-sucedidos na casa dos 40 anos, com pelo menos 1 milhão de reais no banco e uma tonelada de creme no cabelo. O garoto sentou-se no sofá, ainda introspectivo. A expressão no rosto do jovem inquietou Vanessa.

— No que você está pensando, moleque?

— É que… — Ele escondeu o sorriso. — Ainda estou processando a ideia dos dois terem sido namorados.

Joseph fez uma expressão de nojo e balançou a cabeça em sinal de negação enquanto Vanessa bateu a xícara com força na mesa; parecia que Carlos tinha falado um dos piores palavrões do mundo.

— De onde você tirou essa ideia? — A mulher bufou. — Isso me deu até ânsia de vômito.

— Nós não tivemos nenhum passado amoroso, Carlos — o detetive respondeu pacientemente. — Eu procurei Vanessa há alguns anos para saber o paradeiro de um demônio. Naquela época, eu trabalhava com Luísa, ela era a minha namorada.

— Ah… — Carlos sussurrou. — Foi mal, visse?

— Não precisa se desculpar — Joseph falou. 

— Lógico que precisa! Onde já se viu uma história dessa? — Vanessa levantou-se e andou até o outro lado da mesa, sentando-se sobre o birô e cruzando as pernas. — O que o querido detetive omitiu é que ele não foi nem um pouco gentil comigo na época, não foi mesmo?

— Por que será?

Os dois se encararam por um instante, era como se faíscas invisíveis saíssem de seus olhos. Seja lá o que aconteceu, Carlos não queria se meter.

— Oxê, mas tu me procurou ontem. Disse que tinha algo que eu precisava fazer, alguma missão super especial e tal.

— Primeiro preciso explicar algumas coisas. — Joseph respirou fundo e realizou uma troca rápida de olhares com Vanessa mais uma vez. – Há cerca de 10 anos, eu e Luísa estávamos investigando o caso de um demônio capaz de realizar desejos. Fomos atrás de Vanessa, ela era a única que tinha a localização exata da criatura. Uma pena que não nos avisou como deveríamos nos preparar para o encontro com a criatura.

— Lógico que não! — Vanessa aprumou-se sobre a escrivaninha. — Você e sua queridinha não foram nem um pouco simpáticos ao me encontrar ou devo refrescar sua memória com os detalhes? Basta dizer que vocês me pediram a localização do Demônio dos Desejos e eu passei tudo direitinho. Estou mentindo, detetive?

— Em partes sim. — A voz de Joseph ficou mais grave. — Você podia ao menos ter nos avisado sobre as consequências de pedir um Desejo!

— Foi a sua ganância que causou a morte de Luísa, não a minha. 

Carlos, que observava a discussão, remexeu-se no sofá inquieto. Ele escutou o barulho de latidos raivosos vindo de todos os cantos do cômodo, como se uma matilha de cães rodeasse o apartamento. Joseph colocou a mão dentro do sobretudo, ele com certeza escondia algo perigoso naquelas vestimentas.

— Vanessa, retire agora mesmo o que disse!

— Ou você vai fazer o quê? Me matar? Enfiar a sua adaga na minha garganta? Ou vai simplesmente dar a minha cabeça de bandeja a algum demônio como você fez com Luísa? 

— PAREM! – Carlos ergueu os braços para cima em desespero, levantando-se do sofá. – Não é hora de brigar! Podemos ir para a parte mais importante da história: a Luísa morreu?

— Sim… — Joseph respondeu por fim; uma sombra preencheu seus olhos. Ele abaixou os ombros melancolicamente e o latido dos cães cessou. — Luísa deixou vários projetos inacabados no notebook. 

Vanessa girou parte do tronco para puxar o notebook em cima da mesa. Ela entregou-o ao estudante de engenharia. Carlos ainda estava confuso com tanta informação nova e possuía um milhão de dúvidas na cabeça. Pelo visto, a relação dos dois não tinha sido nem um pouco amigável no passado. O jovem tentou focar na informação mais urgente.

— Que tipo de projeto? E você demorou esse tempo todo para procurar alguém?

— Eu não consegui tocar no material de Luísa desde seu falecimento. Só o consegui fazer agora por causa dos boatos sobre um Filho Proibido. Luísa pesquisava uma forma de deter o Filho Proibido e resolvi desenterrar seus arquivos pessoais. Ela estava projetando uma arma para matá-lo.

— O detetive sabe que foi você que projetou a sugadora de malassombros, Carlos — Vanessa esclareceu.

— Sim… — Carlos colocou o notebook no colo, sentado no sofá, e abriu a pasta com o nome “Luísa” enquanto falava. — A sugadora de malassombros foi uma arma que fiz há algum tempo com a ajuda de Natanael. Ela serve para prender as criaturas sombrias que andam pelo Recife. É composta por uma turbina e uma hélice que retira o ar de dentro do aparelho, causando uma espécie de vácuo parcial. Como a pressão dentro do aparelho é menor do que a pressão atmosférica, ela suga o que está fora por diferença de pressão. Aí a gente consegue aprisionar os coisas ruins do outro mundo.

— A maioria das assombrações não aparecem de forma tangível — Joseph pontuou.

Vanessa encarou o detetive com desdém. Era claro que ele estava se aproveitando daquela reunião forçada para obter o máximo de informações dela e da sua equipe. Infelizmente, a ameaça que estava para surgir era forte demais para os caçadores sozinhos darem conta. Eles precisavam da ajuda do detetive, um dos seus piores desafetos.

— Você está querendo saber demais sobre nossos equipamentos.

— Eu vou dar o projeto de Luísa para vocês, é o mínimo que podem fazer.

— Oxente, Vanessa, a gente não vai trabalhar junto com o detetive agora? — Carlos perguntou encarando a ruiva. Ela revirou os olhos, mas concordou. — Então deixa o bicho saber tudo. Essa arma só funciona quando o Natanael está na equipe, ele consegue criar um círculo mágico que materializa os fantasmas na forma de ectoplasma. Aí é só ligar a belezinha da arma e sugar o miserável.

— E depois? — Joseph perguntou, curioso. — O que vocês fazem quando aprisionam uma entidade.

— Isso daí já é com Vanessa — Carlos respondeu sem tirar os olhos do notebook. Ele estava abrindo mais arquivos em busca de algo interessante.

— Eles entregam o frasco contendo a entidade para mim, é claro. E eu mando o monstro para o inferno. — Vanessa ergueu a cabeça. — O que mais você pensava?

— Fiquei curioso em saber como se faz essa transição forçada de um ser sobrenatural para o inferno.

— Pois continuará na curiosidade — Vanessa respondeu encerrando o assunto. Ela encarou Carlos. – O que você descobriu?

Os olhos de Carlos brilhavam com as informações contidas naquele computador. Se Luísa ainda estivesse lá, com certeza iria querer ter umas aulas com ela para aprender a como criar modelos em 3D tão detalhados e sofisticados, além de toda a documentação técnica para a criação da arma que, nem de longe, ele já sonhara em fazer. Era um projeto muito ambicioso e com diversas informações que levaria certo tempo para o estudante compreender perfeitamente. O garoto esboçou um sorriso antes de continuar.

— Abri um arquivo em 3D de um modelo de arma inusitado. Ela é capaz de lançar uma espécie de raio, ou jato, eu não entendi muito bem. Ainda não está definido que molesta de energia é essa. Parece que precisa de uma fonte específica para funcionar, algo do outro mundo. — Ele abriu um novo documento, dessa vez um editor de texto. — Aqui tem várias anotações sobre o protótipo. Ela se preparava para a emancipação do tal Filho Proibido. Ele é filho de um ser que não está vivo nem está morto. Oxente, como isso é possível?

— O corpo-seco — Joseph disse. — É uma lenda antiga sobre um homem que morreu, mas de tão ruim, não foi aceito nem no céu nem no inferno. Foi rejeitado inclusive pela própria terra. Por isso, fica vagando por aí. Há alguns dias boatos rondam pela cidade de que ele finalmente chegou em Recife para ver a emancipação do seu herdeiro. Um herdeiro poderoso e praticamente indestrutível.

— É esse bicho que vai libertar as assombrações? — Carlos perguntou surpreso. — Mas como é que se faz isso?

Diante da pergunta, Joseph apenas encarou o chão com as mãos cruzadas, apoiando o queixo nelas. Ele estava pensativo, procurando as melhores palavras para continuar a conversa. Vanessa saltou da mesa. Ela também mantinha uma expressão séria, mas irritada. A moça caminhou até a janela e olhou para o movimento de carros na rua. Era como se esperasse que algum demônio invadisse a sala a qualquer momento. Vanessa voltou-se para Carlos com um olhar fuzilante.

— Você passou em primeiro lugar no curso de engenharia mecânica, tenho certeza que é capaz de chegar às próprias conclusões. Não nos obrigue a dizer o óbvio.

Carlos piscou várias vezes. Qual informação ele deixou passar naquela conversa? O que havia perdido? Joseph percebeu sua inquietação.

— O que atualmente impede as assombrações de atacar metade da população recifense? — instigou o detetive.

— Elas tentam fazer isso todo santo dia, mas nós as impedimos, não é? — De repente, o gosto na boca de Carlos ficou amargo. — Essas aparições só estão controladas porque a gente mantém o equilíbrio.

— Elas são as presas, nós somo os predadores — Vanessa concluiu. — Mate os predadores e a balança pende só para um lado. — Ela encarou Carlos por um tempo, o rapaz parecia pronto a ter um ataque de nervos. — Qual é, deixa de ser frouxo, rapaz! É claro que a única forma deles se libertarem é nos matando!

Uma sensação de desespero tomou conta de Carlos. Ele puxou o celular do bolso e começou a mexer descontroladamente nos aplicativos. Vanessa e Joseph se entreolharam, não sabiam que o garoto iria lidar daquela forma à informação. O detetive se aproximou de Carlos.

— Não precisa se apavorar…

— Tu não entende! O corpo-seco não é nem uma pessoa viva nem uma pessoa morta, certo? — Carlos achou o número e apertou o botão de chamada. — As barreiras do Quartel General não vão funcionar. Natanael fez uma proteção mágica para deter assombrações, gente morta, mortinha, não gente semi-morta ou perambulante. Se essa criatura realmente está na cidade e quer nos matar, Natanael precisa fazer uma nova barreira mágica. E o quanto antes! — Carlos fez um sinal com a mão, pedindo licença para prestar atenção ao telefone. — Alô? Natanael? Onde tu tá? 

— Oi, Carlos! — A voz de Nataneal era abafada por um ruído de conversa, parecia que Raul e Thaís discutiam sobre algo fervorosamente perto dele. — Estou de carro indo para uma missão agora. A gente já saiu de Recife, daqui a uns 30 minutos chegamos ao rio Tapacurá. O que houve?

— Quem está no QG?

— Somente Eduarda, ela ficou dormindo. Por quê? Aconteceu alguma coisa?

— Sim, cara, tem um tal de corpo-seco que está querendo acabar com a raça da gente. Ele é uma criatura que não está viva nem morta, tipo um defunto ambulante. A sua magia de proteção é capaz de deter isso?

Silêncio.

— Natanael?

— Desculpa, Carlos, mas ela não funciona para uma criatura assim. Ela impede que assombrações entrem na casa, eu não sabia… — Escutou-se a voz de Thaís do outro lado da linha, ela parecia ter percebido que a conversa estava tensa. Entretanto, Natanael pediu silêncio e voltou a falar com Carlos. — Estamos a pelo menos 3 horas do Quartel General, não dá tempo de voltar agora. Você tem certeza do que está me falando? Se isso for verdade…

— A Eduarda está sozinha e correndo um baita perigo. — Carlos respirou fundo, depois continuou. — Vou ligar para Duda e avisá-la. Natan, Eu estou com Vanessa e Joseph aqui, ele é tipo um detetive da hora. A gente vai dar um jeito.

— Perdão.

— Relaxa, você não sabia. Ninguém sabia. Falou!

Carlos desligou o celular e sentiu o desespero tomar conta de si. Algo terrível estava prestes a acontecer com Duda.


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