The Strawberry and the Sky escrita por Yuushirou


Capítulo 4
四 Come as you are, rise as a renegade




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Sawa nunca antes havia deixado qualquer oponente seu que fosse escapar. Ela tinha sido arduamente treinada desde pequena para ser rápida e precisa. Estava tentando entender ao certo o porquê de ter deixado um mero batedor de carteiras – com excelentes reflexos, é verdade, mas ainda um ladrãozinho – simplesmente ir embora. Se fosse um Shinigami, ele teria uma Zanpakutou, certo? E possuiria uma aura espiritual notável. Não havia nada equipado em sua cintura ou nas costas que lembrasse uma espada, nem ele vestia o uniforme padrão dos Shinigami, sendo o único objeto que carregava consigo uma bolsa de costas, que provavelmente continha apenas roupas e mantimentos. Melhor para ele, assim ela não precisaria matá-lo, mas, como podia ser tão rápido? No mínimo tivera um mestre muito habilidoso, que pode ter sido, por exemplo, um líder de bandidos de estrada, ou algo do tipo? Era o tipo de gente que se encontrava por aí, batendo mais do que apenas algumas carteiras, e que podia oferecer riscos, sendo um dos trabalhos de Sawa controlar as ações desse pessoal. De qualquer forma, ela iria se reportar. Qualquer evento excepcional nos distritos ocupados pelo Shitenkenjuu* deveria ser comunicado.

Não estava nem um pouco a fim de encontrar Tashiro novamente, então, passaria longe do Rukongai Leste, que de qualquer forma não era a divisão a qual pertencia. Sua conversa seria com Torasaka Masashi-dono. O homem que era conhecido por não enxergar bem e por usar duas espadas ao invés de uma única – uma katana tradicional e uma wakizashi** – não havia sido o seu mestre inicial de Kendou, mas a havia acolhido como uma pupila assim que a garota chegou ao Rukongai Oeste, ignorando completamente o fato de ser uma menina – algo que causava estranheza e um certo preconceito – e se dispondo a ensiná-la o caminho da espada do zero. “É uma garota, precisa saber se defender”, foi o seu argumento no dia em que a apadrinhou. Ninguém questionou. Desde então, Sawachika o tinha como a figura mais próxima de um pai. Tinha sido ele, inclusive, quem havia escolhido “Hamine”*** para ela, dizendo-lhe que soava melhor e que combinava mais com ela do que “Torasaka”¹. Costumava pensar que, se algum dia tivesse que enfrentá-lo, provavelmente se entregaria. Não somente por ele ser um dos espadachins mais habilidosos que conhecia apesar da cegueira parcial, como também e principalmente porque se sentiria mal em brandir sua espada contra o homem que mais admirava.

Ela caminhava tranquilamente na direção dos últimos distritos da porção do Rukongai Oeste se perguntando sobre para onde tinha ido o ladrãozinho de carteiras que muito se parecia com uma garota e de quem ela não reconhecia o rosto, quando um homem se aproximou abordando-a. Estendeu uma das mãos para ele, a palma virada para cima, e o homem depositou ali uma pequena bolsa contendo moedas. Embora oficialmente não cobrassem nada dos moradores, era bem comum que os membros do Shitenkenjuu, identificados sempre pelas roupas características de espadachim sempre limpas e muito bem-acabadas, recebessem ajuda monetária e até presentes pelo trabalho que realizavam. Afinal, se não fosse eles, a vida ali permaneceria sendo a pior possível em toda a Soul Society. Desde que Masashi-dono se estabeleceu no Rukongai Oeste, por exemplo, as pessoas mais velhas que viviam ali eram praticamente unânimes em afirmar que não viviam mais sob o medo constante de criminosos ou passando fome. Elas queriam sempre recompensá-los de alguma forma. Sawa agradeceu o pagamento e seguiu com o seu rumo.

 Às vezes se pegava perguntando por onde andava Shiba Sora. Embora vivessem na mesma região, ela ainda não encontrou tempo para se permitir ser uma pessoa normal com amigos para visitar. Fazia anos que haviam se separado porque havia decidido que iria se concentrar em se tornar uma espadachim. A ideia era que nunca mais acontecesse o que aconteceu logo na primeira vez que se viram, quando Sora acabou por se meter em uma grande confusão ao irritar um sujeito perigoso vindo ninguém sabia de onde. Sem saber que se tratava do jovem filho de Shiba Kuukaku – uma personalidade respeitada no Rukongai – uma vez que o próprio garoto não fez questão alguma de anunciar como normalmente se fazia quando se era filho de alguém importante, o homem decidiu que iria puni-lo com alguns chutes. Sawa, que àquela altura não o conhecia ainda, mas já possuía algum senso de justiça, não hesitou em tentar ajudá-lo. Naturalmente deu tudo errado, e logo não somente Sora, como também Sawachika, estavam ambos no chão, sendo pisoteados por um bando de marmanjos covardes espancadores de crianças. Embora a ideia inicial dos bandidos não fosse de matá-los, eles somente encerraram a sessão de espancamento quando Hatsumomo apareceu. Aquela mulher que costumava ser a tutora de Sawa nos seus primeiros anos de vida e que era considerada tão bonita quanto uma cortesã facilmente espantou os bandidos, que correram, aterrorizados, nenhum dos dois garotos entendeu direito o por quê.

“Isso aconteceu porque você permitiu”, ela lhe disse, indicando que já estava na hora de ir embora. Com um pouco de vergonha pela tentativa frustrada de defender o mais novo amigo, Sawachika sequer teve coragem de pedir desculpas para ele ou de se despedir adequadamente. Ela concordava com os dizeres que ouviu. Se tivesse sido mais forte, não teria permitido que nada daquilo acontecesse. Tudo poderia ter dado muito mais errado do que deu não fosse a intervenção de sua tutora e primeira mestra de Kendou. Alguns achavam que se tratavam de mãe e filha, tão bonitas elas eram aos olhos de todos, mas a verdade era que Hatsumomo apenas a havia acolhido e oferecido-lhe teto, alimentação e treinamento com espadas. Tudo para que pudesse existir ali uma relação muito próxima entre ambas, mas que no fim não serviu para fazer Sawa a considerar uma mãe. Tinha algo de muito estranho naquela mulher que a impedia de considerá-la um porto seguro de verdade. Sawachika não se sentia sua filha, nem mesmo de criação, e nem o queria ser. Totalmente o oposto do que aconteceu quando decidiu que deixaria o Rukongai Norte para ir para o Oeste aprender Kendou com Masashi-dono, este sim uma figura que a fazia se sentir segura e amparada, até mesmo desejosa de algum dia herdar o seu codinome.

— Aah, Sawachika-san – disse uma voz masculina suave, felizmente diferente da de Tashiro, para alívio de Sawa.

— Fuyoumaru² – ela respondeu, não precisando olhar diretamente para o dono da voz para saber que se tratava da raposa dourada que residia nas florestas do Rukongai – O que houve?

Fuyoumaru era, basicamente, um espírito de raposa residente da Soul Society que de vez em quando desaparecia partindo em pequenas missões ou aventuras que lhe eram designadas ela não sabia ao certo para quê. De estatura média, cabelos louros longos que tinham a mesma tonalidade da pelagem de sua forma original, olhos de írises rubras, duas grandes orelhas de raposa e caudas gêmeas que quase se escondiam na parte de trás do yukata branco estampado com folhas de outono, ele tinha uma aparência que lembrava a de um rapaz de origem nobre, o que contrastava com a vida de “cachorro vira-lata” que tinha.

— Hatsumomo-sama deseja vê-la – ele respondeu e Sawa uniu as suas sobrancelhas.

— O que ela quer?

— Não sei – disse se aproximando mais da garota e estendendo-lhe uma mão – Disse que não esquecesse, aliás, do meu pagamento!

E um sorriso bem idiota estampou a sua face jovial que Sawa até achava bonita.

— O seu pagamento, é...?

— Mas é claro! Eu também preciso me alimentar, sabia?

Sawachika riu. As vezes tinha pena dele. Assentiu e lhe ofereceu a bolsinha que havia ganho do morador de Rukongai.

— Toma, pode ficar com ela – disse, e o rapaz das orelhas de raposa pareceu decepcionado.

— Somente isto...?

— Eu fui roubada, não reclama!

Àquilo ele girou as orelhas para trás, intrigado.

— Hamine Sawachika, a imediata de Torasaka Masashi, roubada?

A garota suspirou. Certo, de qualquer forma Hatsumomo iria ficar sabendo do seu relatório, cedo ou tarde.

— Um garoto muito estranho topou comigo hoje. Tentei interrogá-lo, mas ele conseguiu fugir de mim levando a minha carteira.

— Aah... – disse Fuyoumaru – Entendi. Tudo bem. Não há problema. Bom, o recado de Hatsumomo-sama está dado!

E ele desapareceu sendo literalmente levado pelo vento, uma das suas habilidades de Kuuko³ que as vezes Sawa gostaria de ter. Quase o disse para que avisasse à sua chefe que esperasse, mas no fim considerou que não era necessário. Hatsumomo a conhecia o suficiente para saber que Sawachika nunca possuía um dia ou um horário certo para “voltar para casa”. Sempre foi assim e não adiantava tentar determinar outro modo.

“Isso aconteceu porque você permitiu”, ela ouviu novamente em sua mente. De fato, havia facilitado demais para o menino dos olhos de gato a furtar. Será que Masashi-dono a responsabilizaria pelo ocorrido? Bem no último distrito do Rukongai Oeste, o de número 80, agora completamente reconstruído graças ao trabalho dos Shitenkenjuu, ficava a residência de Torasaka, uma edificação maior que a grande maioria das demais, projetada para destacar a importância do seu senhor para as pessoas daquela região. Ele vivia ali com alguns empregados e utilizava a área livre interna para ministrar as aulas de Kendou à jovens que queriam tornar-se futuros membros do Shitenkenjuu. Espaço não faltava. Assim que adentrou o local, sendo prontamente cumprimentada pelos criados que cuidavam da entrada, Sawa deixou seus calçados na varanda externa e seguiu em frente. Não demorou em encontrar Torasaka Masashi, um homem de semblante sério, mas que de alguma forma denotava também afeto. Ele sempre foi muito gentil com Sawachika-chan, como costumava tratá-la. Não havia como não associá-lo a uma figura paterna. Usava um quimono preto com detalhes em branco. O cabelo escuro, de tamanho curto para médio, era mantido preso em um rabo de cavalo alto como o de Sawa, só que não tão bem arrumado como ela costumava fazer com o seu.

— Sawachika-chan – disse Masashi com uma voz grave que sempre soava alta e poderosa, sentado à varanda interna de sua residência enquanto observava alguns jovens aprendizes dispostos em fileiras treinando movimentos com espadas de madeira.

— Masashi-dono – ela respondeu fazendo um rápido curvar do corpo para a frente.

Como que adivinhando que ela lhe trazia notícias, o homem a perguntou:

— Qual o relatório?

Sawachika resumiu o melhor que podia todo o vergonhoso episódio da carteira roubada. Os olhos azuis muito claros e quase opacos dele acompanharam a história com muita atenção. Ao descrever a fisionomia do ladrão de carteiras, ele franziu o cenho, mas não teceu comentários.

— Certo – ele respondeu, declarando por fim: – Falaremos sobre isto depois. Há assuntos mais urgentes.

— Sim, senhor – disse Sawa com um aceno da cabeça.

— Eu já estava pensando em chamá-la.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Sim?

— Há algo que quero que faça – continuou Masashi – Será uma ótima oportunidade de demonstrar as suas habilidades.

Sawachika assentiu novamente e esperou ele continuar:

— Os Shinigami instalaram uma base próximo à divisa dos últimos distritos de Rukongai Norte e Oeste. Acreditamos que seja com o intuito de nos investigar. Você deverá invadir esta base e destruir tudo o que puder. Poderá levar quantos homens achar necessário.

Sawa arregalou os olhos. Finalmente uma missão envolvendo embate direto contra Shinigami, mas, assim, do nada? Se por um lado parecia ser um ótimo indício de que Masashi-dono reconhecia nela grandes habilidades, por um outro lhe parecia uma ordem tão surgida do nada, dada a drástica mudança de complexidade em relação aos trabalhos que Sawa normalmente desempenhava no seu dia-a-dia... No entanto, a sua resposta não poderia ser outra:

— Imediatamente, senhor.

Ela iria independentemente do quão perigoso parecesse ser. Masashi se moveu, ainda sentado.

— Lhe darei algumas recomendações.

— Senhor?

— Se vir um Capitão ou um Vice-capitão, a retirada é mandatória.

Oh... Certo. Ela sabia como identificá-los. Os Capitães do Gotei 13 utilizavam sobretudos brancos sobre os quimonos negros que usavam, ilustrados nas costas com o número e o símbolo correspondente à sua respectiva Divisão. Vice-capitães utilizavam um crachá de madeira preso a um dos braços, indicando a sua posição logo abaixo do primeiro em comando.

— Não espero que protagonize uma grande luta ainda – continuou Torasaka – Não agora. No momento certo, isto acontecerá. Por enquanto, o seu objetivo será de apenas invadir e marcar. E, então, esperaremos pela resposta deles.

— Eles irão nos atacar... – disse Sawa.

— Mas não com todo o seu poder. Não. No momento, acharão que é apenas um bando de arruaceiros querendo chamar a atenção. É mais provável que enviem, no máximo, um Vice-capitão. Quando isto acontecer, eu entrarei em cena.

Isso Sawachika iria querer ver. Seu mestre e praticamente pai adotivo, Torasaka Masashi-dono, em um duelo contra um Vice-capitão do Gotei 13.

— Entendido – assentiu por fim.

— Vá.


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Notas finais do capítulo

*Shitenkenjuu (四天剣獣): em tradução livre, “as quatro bestas com espadas celestiais”.

**wakizashi (脇差): espada japonesa curta, usada em conjunto com a katana pelos samurais. Seu uso era principalmente em combates de curta distância. Também utilizada na prática do seppuku, o ritual suicida dos samurais.

***Hamine (刃峰): literalmente “pico da lâmina”.

¹Torasaka (虎坂): “colina do tigre”.

²Fuyoumaru (浮葉丸): “folha flutuante”.

³Kuuko (空狐): “raposa do ar”. Normalmente apontadas como Kitsune traiçoeiras no folclore nipônico.



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