Quando Huo-Lei acordou na pousada, ele caiu da cama e logo em seguida se levantou vendo Yuan-Shui na sua frente.

— Irmão...!

— Por que essa cara de espanto? Eu estava tentando te acordar há uns 50 minutos! Pensei que tinha morrido mesmo.

— Qual a situação?

Huo-Lei viu que havia voltado a pensão, mas ao ouvir um barulho lá fora e olhar pela janela, se deparou com uma pilha de cadáveres com a pele negra espalhados pelas ruas.

— Eu inicialmente tentei achar alguém, mas todos na cidade estavam mortos, te trouxe pra cá, você descobriu algo... ‘desmaiando’?

Yuan-Shui perguntou um pouco irritado.

“Então foi isso. Esse é o ‘mundo real’, não... Aquilo também era real. Eu entendi o selo da ilusão, eu já ouvi histórias do mestre há alguns anos. Mei-Khuan criou duas realidades, mas ambas existem, só que uma é apenas uma ilusão, onde estamos agora não é o local onde chegamos ontem, quando dormimos ela colocou um feitiço em nossos chás ou na comida para que ficássemos presos. Eu provavelmente estou morto na outra realidade, mas como eu ainda estou aqui, quer dizer que a ilusão da Mei se desfez, e sendo assim, eu preciso apenas morrer aqui junto com o irmão Yuan para que acordemos do outro lado. O mundo da ilusão era dividido em dois, o mundo real é esse onde os corpos estão podres e secos na cidade, o outro é onde eles permaneciam vivos enquanto o selo era mantido, mas agora que o selo se desfez...”

— Irmão, vamos morrer.

Yuan-Shui cuspiu sangue com a declaração de Huo-Lei.

— Como é? Você ficou pirado mesmo! Primeiro me pedindo pra te nocautear, agora pra morrer!?

— Só assim vamos sair, não resta muito tempo. Mas como só há nós dois aqui, precisamos matar um ao outro ao mesmo tempo.

“Se minha ideia estiver correta, e espero que esteja, meu corpo vai estar bem quando eu acordar. Nossa alma sempre esteve aqui, aquele mundo da ilusão possuía apenas avatares, por mais que eles estivessem interligados pelo selo da ilusão infinita, agora que ele se desfez, resta apenas um mundo, isso onde estamos agora é apenas um sonho, provavelmente os dois mundos se colidiram. Eu percebi isso quando vi que aquelas pessoas não estavam vivas mesmo, as roupas daquele ancião eram de uma década atrás, um uniforme da seita de Falung... que foi extinta há 10 anos. Há várias histórias sobre um ataque a uma cidade próxima da vila dos comerciantes, semelhante ao ataque que aconteceu dias atrás, ambos até me parecem ser da mesma origem. Baseado nisso eu supôs que o selo poderia ser quebrado apenas quando seu usuário morresse, tendo em vista que Mei estava desesperada querendo um substituto pro seu corpo que estava supostamente morrendo, ela usou a Jia-Li com esses propósitos, mas ela queria mantê-la viva, caso contrário, teria matado para facilitar as coisas, então só pude crer que se o portador do selo morrer, ele é desfeito, então eu só podia morrer após ganhar o selo, mas como eu sabia que haviam duas realidades, contanto que eu estivesse vivo aqui, eu não iria morrer realmente. Mas ainda existia a possibilidade de ao voltar lá e meu corpo estar morto, por isso preciso ser rápido e mover todo fluxo do qi que me restava pro ferimento que Jia-Li fez, pedi exatamente pra ela golpear a artéria do meu coração, eu sei que isso é brincar com a sorte, mas não restavam outras alternativas.”

— Então...Como vamos fazer isso? E se você estiver errado!?

Yuan-Shui segurava sua espada enquanto tremia, temendo ser apenas um devaneio do seu irmão.

— Se não quiser, eu me mato e você fica aqui, depois você terá que dar um jeito de se matar.

— Espera, se vamos fazer isso, então que seja juntos. Ahhh que se dane!

Yuan-Shui apontou a espada para Huo-Lei.

Eu acerto seu coração e você acerta o meu no 3.

Ambos seguraram suas espadas apontadas para seus corações.

— 1...2...

Yuan-Shui contava enquanto suava frio, por mais que aquilo fosse uma ‘ilusão’, ele sentia dor, frio, medo, aquilo era muito real, mas no 3, ele tentou não pensar em nada e desferiu um golpe reto no coração de Huo-Lei, que fez o mesmo com Yuan-Shui.

“AH!?”

Yuan-Shui acordou na cama onde estava antes, ele rapidamente olhou pela janela e viu os cadáveres novamente.

— Não funcionou!? Irmão Huo...

Antes de perceber, Huo-Lei não estava mais lá.

No templo da cidade, Huo-Lei havia dado um grito ao acordar, ele estava caído no chão com um ferimento em seu peito.

“Eu preciso fazer isso agora.”

O garoto se concentrou e começou a mover o seu QI até o ferimento, ele viu que Jia-Li estava na sua frente fazendo isso também.

— Irmão! Irmão!

Ela chorava desesperada.

— Haha, você não confiou em mim no fundo né?

— Não seja idiota! Isso foi muito imprudente.

Jia-Li movia suas mãos na direção do ferimento do rapaz que repentinamente havia ficado menor.

“Eu estava certo, quando a união das ilusões aconteceu, meu corpo do outro lado se juntou a esse, mas a Mei...”

Huo-Lei tentou se levantar e foi impedido por Jia-Li.

— Você está ferido, aliás, você tinha morrido! Nem pense em levantar.

Mei-Khuan estava sentada sem expressão encostada em um buda do templo, atrás da porta vários corpos estavam caídos, todos apodrecidos e com a pele negra e seca.

— Como... como você sabia?

A garota sentada sussurrou em um tom de voz quase inaudível.

— Eu não sabia, apenas supus.

— O quê?... Você quer dizer que arriscou mesmo morrer?

Mei-Khuan o olhou com raiva.

— Por sua causa todos eles morreram!!!

— Eles já estavam mortos. Você brincava de ventríloga aqui, você apenas mantinha cadáveres ambulantes pro seu bel prazer, eles podiam concordar com isso mas porque tinham pena de você, achou mesmo que podia manter essa farsa pra sempre?

— Hahahaha! Farsa!? Você viu bem, eles estavam vivos! Todos eles!

— De que adianta estarem ‘vivos’, se não podiam sair daqui? Eles estavam presos em uma gaiola sem opção, vivendo apenas para o dia em que você morresse.

Mei-Khuan mordeu seus lábios ao ouvir as palavras de Huo-Lei, ele estava certo no fundo, ela pensou que a posição de todos os moradores não estava distante da dela, onde sua liberdade foi privada por sua vida toda.

— Liberdade, é...

Mei-Khuan chorou enquanto ria.

— Eu poderia ter isso, mas agora já é tarde. Eu não devo ter nem mais uma semana.

— E-eu... eu ouvi sua conversa com o ancião.

Jia-Li se levantou.

— Não posso perdoar o que você fez pra mim e pro meu irmão, e também por prolongar o sofrimento de todos os moradores daqui, mas sei que no fundo eles ficaram gratos por viverem um pouco mais, eu não sei se era realmente a alma deles ou apenas uma ilusão, mas aquelas pessoas pareciam ter sentimentos e emoções, então você não precisa se sentir tão culpada. Eu sei que você foi envenenada pela lotus, seu clã dos Khuan não possui resistência, mas felizmente, eu sei um antídoto para isso.

Mei-Khuan arregalou os seus olhos amarelos.

— C-como...? Você, mesmo depois de tudo, ainda pretende me ajudar?

— Eu entendo que você também foi uma vítima nisso tudo. Você fez o que pode, se fosse pra salvar meu irmão, eu também teria matado pessoas e capturados meninas com o selo do cosmo, não te julgo tanto.

Huo-Lei apenas ouviu sem saber o que dizer com um frio na espinha.

— Eu ainda sinto que não mereço perdão...

— Eu ouvi também que um homem quem falou de mim pra você. Precisamos saber quem foi esse maldito. É uma troca justa não acha? A informação pela cura.

Mei-Khuan chorou, mas dessa vez, sentindo certo alívio. Ela havia conhecido pessoas boas o suficiente (?) Depois de toda sua vida de sofrimento e desilusão, depois de chegar no fundo do poço, ela estava sendo ajudada pela pessoa que tentou prender para sempre em uma ilusão e pelo homem que tentou matar.

— No final, eu acho que ainda tenho aquela sorte (?)

Ao sorrir, a cabeça de Mei-Khuan saiu rolando pelo piso de madeira do templo, seus olhos estavam abertos e sua boca sorrindo quando ela parou na frente de Jia-Li, que, ao olhar em seguida para a porta, viu a imagem de uma mulher com pouca roupa, de grandes cabelos brancos e um olhar maligno parada em frente a porta com as mãos com unhas negras afiadas cobertas de sangue.

— Ah, parece que ela já não tem utilidade pra mim.

— Jia-Li! SE AFASTE!

Huo-Lei gritou enquanto se levantou com dificuldade.

— Você é a causa de tudo isso... Demônio do gelo.