A Outra Face escrita por Taigo Leão


Capítulo 11
Capítulo 11




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— O que você está fazendo?! 

Era o doutor. 

— Você está ficando louco? O que você estava pensando em fazer?! 

Fiquei surpreso com sua presença, e logo abaixei a cabeça. Ele fechou a porta com delicadeza, tirou a garrafa de minha mão e me puxou pelo sobretudo com certa violência. Eu não disse nada, apenas o segui. Caminhamos assim, com ele me segurando, sem dizer uma única palavra por um bom tempo. 

— Está me levando para a polícia, doutor? 

— Não, eu não farei isso. 

— Mas... eu iria matar aquela mulher... 

— Você não a matou. E se não teve nem mesmo coragem de entrar ali, então você não iria fazer nada. 

— ...Como você me encontrou? 

— Você me mandou uma mensagem, dizendo tudo que iria fazer. 

— ...Eu não me lembro disso. 

— Você está ficando louco, é a única solução. 

— Sabe no que acredito, doutor? Que o maior castigo para aqueles que um dia conhecem os prazeres da companhia humana, é ficar sozinho novamente. 

— Vai me dizer que criou outras personalidades baseadas na própria solidão? 

— Não apenas outras personalidades. Me tornei outra pessoa. 

— Você já olhou para si mesmo sem a ajuda de um espelho? Quando me vejo em um espelho quebrado, não me vejo como sou. Quando inverto uma foto, ou dependendo do ângulo, também não me vejo como sou. Mas eu sei quem eu sou, verdadeiramente. Você, em algum momento, soube quem você realmente era? Você se conheceu algum dia em sua vida? Será que você realmente mudou de rosto, ou apenas mudou de pensamento? Digo, todos nós, a cada dia que passa, viramos uma nova pessoa. Uma mais evoluída. Será que você apenas não evoluiu ao ponto de não reconhecer a si próprio, ou apenas se forçou a não reconhecer a si próprio. Mas, de uma forma mais radical. Você chegou a ver sua irmã ou algum conhecido depois de tudo que ocorreu?  

— Não. Eu apenas via o senhor. 

— Talvez você mesmo tenha se convencido de que não era desse jeito, e aceitou isso porque lhe parecia ser a realidade. Mas talvez seja apenas a sua realidade, dentro de sua loucura, e não o que realmente é. Talvez tudo não tenha passado de uma questão de perspectiva. 

— Está dizendo que eu não mudei nem uma vez? Mas e todos os rostos? Você mesmo viu! 

— Estou dizendo que você não é o único que se sente vazio. 

— ... 

— Você, nessa sua consciência de agora, é vazio. Qualquer pessoa que pense em tirar a vida de outra é alguém muito vazio. Mas enquanto você é vazio, eles são todos. Você continuará sozinho e vazio, não importa quantas pessoas assassine. Você se separou dos homens, e todos aqueles que se separam, caminham sozinhos. Vendo você assim me faz pensar que ser diferente causa medo. Pensar sozinho causa medo. O que você faria se tivesse que decidir toda sua vida do zero? Vista o que eles lhe dão, entenda a forma como eles pensam, mesmo que não concorde. Abrace isso ou se afogue. Você não precisa ser como eles, mas apenas entendê-los ao ponto de saber estar com eles. Todo homem, por mais vazio que seja, possui algo a dizer. Cabe a nós escutá-lo ou não. Eu estou te ouvindo, e ouvi por muito tempo. Mesmo aqui, agora, estou ao seu lado. Você sozinho não é nada, mas eles são todos. 

Caminhamos por mais algum tempo em silêncio, enquanto eu digeria tudo que o doutor me disse. Quão tolo fui por pensar que estava sozinho. Depois de todo esse tempo, ele ainda está aqui: o doutor é meu amigo. 

Eu só precisava encontrar um jeito de me acalmar, e aceitar quem eu sou, mas segui pelo caminho mais difícil, insisti em fazer coisas erradas, em me esconder nesse papel melancólico que criei para mim. 

Uma vez disse que enquanto sou uma estrada, também sou um bloqueio na mesma. Cada “eu” acaba por ser um bloqueio nessa estrada, e cheguei ao ponto de bater nesses bloqueios tanto, que decidi por abandonar a estrada, sem me dar conta de que poderia contornar tudo isso. 

Enquanto divagava, nos aproximamos da estação de trem e várias pessoas começaram a sair dali, enquanto eu tentava entrar. Uma multidão de pessoas indo sentido contrário a mim, ao menos elas estavam todas juntas, enquanto eu, perdido, estava sozinho.

  Caminho contra um mar de pessoas, sem saber ao certo para onde estou indo. Apenas sigo, contrário a elas, e não quero, em hipótese alguma, ficar sozinho.

Em qualquer canto da cidade - Não importa onde esteja -, quase sempre somos sufocados pela presença dos outros, que até mesmo nos ofusca e faz com que queremos ser assim como eles.

Todos são iguais, caminham com pressa, sem saber para onde estão indo. Essa é a sociedade.
Tudo diferente disso é errado, não é? Mas, quem eles são de verdade? O que fazem? Onde
vivem? O que eles querem do fundo de suas almas? Quando caminhava entre eles, não entendia, mas agora compreendo.

Parei de caminhar enquanto as pessoas passavam, pois não queria ser levado por elas novamente.  

Assim, de frente, consigo olhar para o rosto de cada uma delas. Sim, todos parecem vazios, mas não estão sozinhos. Embora estejam sendo sufocados pela presença dos outros, que até mesmo ofuscam a presença de alguns, eles não estão sozinhos. 

Todos iguais, caminham com pressa, como se estivessem sincronizados, e assim vão, depressa, até voltar para o lar e para aqueles que estimam. Eu sempre julguei que todos são vazios e solitários, mas apenas porque queria me ver neles. Assim teríamos algo em comum. 

Eu sempre senti como se as trevas tivessem me tragado. Sempre agi cautelosamente, evitando contato humano. Como se houvesse algo muito profano dentro de mim, que eu precisava esconder a todo custo. 

Agora entendo a verdade.  

E enquanto mantive-me imóvel, sob a multidão que passava apressadamente, fechei os olhos por um instante, e, quando os abri, vi a silhueta de um homem, também parado, em minha frente. Era como se todos aqueles que passassem estivessem deixando um espaço para que nós dois pudéssemos nos ver, e em meio a tanta gente, ele me encarava, assim como eu a ele. Esse homem possuía um rosto muito estranho, mas, por alguma razão, eu não conseguia tirar os olhos dele: Era como se eu estivesse hipnotizado; era como se, caso eu piscasse, ele desaparecesse, e por alguma razão, sentia que não suportaria se isso acontecesse, então eu não poderia perdê-lo de vista nem por um único segundo. 

Seu rosto era estranho, seus olhos eram vazios, e eu via algo de profano neles, como se estivesse encarando meus próprios olhos no espelho. Me emocionei olhando para ele, e meus olhos se encheram, sem motivo algum. Pensei em estender a mão em sua direção, mas não conseguia me mexer. Eu precisava continuar exatamente da forma que estava, pois a qualquer deslize, ele iria desaparecer. 

Logo alguém me deu uma ombrada e quando percebi, aquela multidão havia se dissipado. 

Vi o doutor caminhando em minha direção, e procurei por aquele homem, mas não o encontrei. 

Acredito que o que me chamou a atenção em seu rosto estranho era uma cicatriz estranha que ele possuía no rosto. Ela fez com que me emocionasse. 

Sendo sincero, não o vi se mover, ele apenas desapareceu, mas ficou gravado em minha mente. 

Eu o verei novamente, e tenho a certeza disso, porque eu sei que já vi esse rosto antes. 

Eu juro que já vi esse rosto antes... 


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Notas finais do capítulo

Esse é o fim da história, espero que tenham gostado e obrigado pelo apoio até aqui! o/



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