“Tome um pouco de mim, e se deixe levar, 

sem pensar, sem olhar que há um mundo atrás…”

[Dia Seguinte]

Toshiya despertou.

Nem ao menos sabia que hora havia adormecido, mas estava nos braços do mais novo, que dormia confortavelmente, apesar da posição em que estava não parecer. 

O afastou com cuidado, e finalmente se levantou. Precisaria ir ao estúdio, e notando as horas no relógio da cabeceira, já estava atrasado. 

Arrumou-se silenciosamente, pegando sua câmera e saindo mantendo o silêncio.

Encarou o corredor dos apartamentos, vazio. Pelo menos ninguém ali iria interromper o seu silêncio.

Ao alcançar a rua, notou o céu ainda nublado, esperava que não chovesse tão cedo novamente. 

Parou um táxi, embarcando rapidamente, não poderia demorar muito, não queria ficar muito tempo sozinho com seus pensamentos, precisava mergulhar no universo de suas cameras e lentes. 

[...]

Miyavi acordou ouvindo a porta principal sendo fechada. Notando assim que o mais velho havia saído, provavelmente para o estúdio.

Se sentou arrumando os cabelos e encarando o quarto iluminado já pela claridade da manhã. Depois de alguns minutos em silêncio, olhou para suas mãos, trêmulas. Sorriu amargamente, e se levantou, precisava se arrumar para ir ajudar Kawamoto-san.

Sem demora, seguiu para o banheiro, tomando uma ducha rápida. Assim que terminou, seguiu para o quarto onde estavam suas roupas e vestiu-se com uma roupa leve, voltando para o quarto do mais velho, pegando um agasalho emprestado para poder sair sem adoecer novamente, ajeitou o cabelo com os dedos e se preparou para sair.

Seguiu até a porta, pegando a chave reserva, e assim que abriu, foi surpreendido pela imagem, que reconheceu como sendo o irmão de Toshiya.

— Hum… er… bom dia? - disse, vendo o homem ainda surpreso com ele. 

— Toshimasa está? - falou num tom desdenhoso, e se Miyavi não estivesse preocupado com outras coisas, teria revirado os olhos.

— Saiu cedo… com licença, eu já estou atrasado. - abriu totalmente a porta, saindo sem esperar o outro se afastar, e trancando a porta com várias voltas na chave. 

— E você, quem é? - disse, fazendo com que o mais alto se virasse e olhasse.

— Takamasa. - respondeu breve. - É melhor não voltar aqui, Toshiya não quer falar com você.

— Ele não tem que querer nada, eu vou conversar com ele. Ele não pode ficar evitando os problemas que criou. - aumentou o tom, dizendo de forma acusativa. 

Miyavi apontou para ele.

— Você vai embora daqui e não voltará mais. Não é bem-vindo aqui, deixe Toshiya viver a vida dele em paz. - disse impaciente, o vendo recuar uns passos, provavelmente com medo de qualquer outra ação do mais alto. 

— Você não pode ordenar nada para mim. - disse. - Eu vou falar com ele, nem que eu fique plantado na frente desse apartamento o dia inteiro. 

— Não. Você não vai ficar aqui. Vá embora agora! - aumentou o tom, empurrando o homem, que revidou o empurrando contra a parede. 

— Não toque em mim garoto, você não me conhece. -  apontou para o seu rosto, mas Miyavi o encarou sem esboçar reação. 

— Se eu voltar aqui, e você ainda estiver aqui. Não respondo por mim. - ameaçou o homem, se desvencilhando dele, e seguindo o seu caminho. 

Tentou se conter, mas estava com raiva, tremendo de raiva. Não podia acreditar que mesmo com a discussão do dia anterior, o irmão de Toshiya retornou para o atormentar mais uma vez. Respirou fundo, acelerou os passos, já estava atrasado demais, e sentia a chuva começando a cair sobre si.

Chegou antes que tomasse outro banho de chuva, vendo que Kawamoto-san já varria tranquilamente em frente ao balcão.

— Me desculpe pelo atraso. - fez uma reverência. 

— Oh, Ishihara-kun, já está melhor? - a mulher virou-se em sua direção, surpresa. 

— Eu disse que não precisava se preocupar. - sorriu. 

[...]

Toshiya arrumava os equipamentos, ainda em silêncio, estava esperando um momento para comentar sobre o quão irresponsáveis os funcionários do estúdio eram para darem o seu endereço para qualquer um que dissesse que era de sua família.

Ajustou a câmera para as fotos, sendo surpreendido por um dos colegas de trabalho que parecia ter chegado ali naquele momento.

— Hey, Toshi-san, seu irmão veio aqui ontem, ele parecia bem ansioso em te encontrar... - se aproximou sorridente, mas logo seu sorriso esmaeceu ao ser encarado friamente por Toshiya. - Oh… aconteceu alguma coisa grave com sua família?

— Por quê deu o meu endereço para ele? - disse em tom baixo, porém raivoso. 

— Ele insistiu muito, achei estranho de início, mas ele parecia querer muito conversar com você, e imaginei que não fosse tão ruim.

— Se a minha família não sabe onde eu moro, você deveria ter notado que eu não queria que soubessem né? - disse. - Mas eu não vou me estressar mais com isso. E espero que não haja próxima vez. 

— Desculpe, Toshi-san… eu deveria ter pensado melhor. - fez uma reverência, se afastando, envergonhado.

Toshiya respirou fundo,  voltando a sua função, logo a banda sairia da maquiagem e iria posar para as fotos, e tudo tinha que estar perfeitamente ajustado. 

— Toshiya… - ouviu a voz de Kyo, e permitiu-se sorrir, virando-se para a direção do mais baixo, que estava com um visual extremamente chamativo, cheio de correntes e acessórios de couro, com os cabelos cheios de laquê e a maquiagem extremamente forte. 

— Visual novo da banda? - o mais alto sorriu, afastando-se da câmera. 

— Sim… vamos lançar um álbum novo. - disse acendendo um cigarro. -  Hum, porque está com essa cara de ódio? Brigou com alguém no caminho? 

— Não, só um problema em darem meu endereço para qualquer um. - resmungou. 

— E o teu amigo, o Miyavi, como está?- disse dando ênfase no tom irônico na palavra "amigo", e Toshiya percebeu de longe a intenção do mais baixo, o que o fez rir.

— Myv está bem. Estamos bem… - respondeu num tom leve, fazendo com que Kyo sorrisse, entendendo perfeitamente. 

— Pensei que eu teria que servir de cupido. - caçoou.

— Já tem o mesmo porte físico. - Toshiya completou, sendo ameaçado pelo outro, que se afastou indo de encontro com os outros integrantes da banda, que terminavam de se arrumarem para sessão. 

[...]

Miyavi guardou a última caixa no depósito, voltando para próximo ao balcão, onde Kawamoto-san já separava o pagamento do dia, e fechava o caixa.

— Ishihara-kun, muito obrigada pela companhia hoje.  - a mulher disse lhe entregando o dinheiro.  - Tem sido mais animado tê-lo por aqui.

— Eu que tenho que agradecer, Kawamoto-san. - fez uma reverência. - Por confiar em mim. - sorriu. - Bom, eu preciso resolver um assunto, a senhora consegue terminar tudo sozinha? ou precisa de ajuda com algo mais?

— Oh, não… pode ir meu bem, nos vemos amanhã? - continuou sorrindo, o vendo assentir, e deixar o colete ao lado do balcão. - Então até amanhã, e cuide-se Ishihara-kun! - acenou, o vendo se afastando.

— Até amanhã, Kawamoto-san! - acenou sorrindo de leve, e seguindo para fora do estabelecimento.

O céu parecia mais claro, e as nuvens de chuva estavam se afastando.

Acelerou os passos, iria demorar um pouco para voltar para casa,mas queria voltar logo.

[...]

Já tinha perdido as contas de quantas fotos tiraram, mas queria aproveitar todos os ângulos possíveis. Todos os integrantes eram muito fotogênicos, e facilitava em grande parte o seu trabalho.

Abaixou a câmera vendo os integrantes comemorando pelo final da sessão, o que o fez rir.

— Fim da tortura, estão liberados - disse animado, sendo cumprimentado pelos integrantes que seguiam novamente para o camarim.

Kyo se aproximou agradecendo rapidamente.

— Hoje renderam as fotos. Espero que estejam boas, porque senão você vai se virar pra arrumar - apontou, fazendo com que o mais alto risse.

— Estão perfeitas, já tive umas idéias a mais para a edição, e assim que fizer, mando prévias para você.

— Estarei esperando. Agora vou tirar essa roupa, já estou cansado. - acenou, seguindo para o camarim.

Toshiya começou a desmontar seus equipamentos, ouvindo a equipe do estúdio desmontar os outros equipamentos. Seguiu em silêncio, quando notou a aproximação de alguém, o que o fez imediatamente se virar, encarando a mulher de baixa estatura e  de cabelos extremamente coloridos.

— Toshi-san, tem um homem na portaria, querendo falar com você. - disse, e Toshiya fechou novamente a feição. Sabia que era seu irmão. Respirou fundo. Obviamente não descontaria sua raiva na colega de trabalho, mas não podia evitar a raiva crescente em seu olhar.

— Mari-san, diga ele que estou muito ocupado e não sairei tão cedo. Talvez ele vá embora.

— Irei fazer isso… - ela assentiu. -Quer que eu diga mais alguma coisa?

— Só isso… não se preocupe, depois eu me resolvo. - sorriu amargamente, a vendo assentir mais uma vez, e seguir de volta para a portaria. 

— Esse cara vai continuar me perseguindo até quando? - resmungou, continuando a arrumar o seu equipamento.

[...]

Miyavi correu tanto, que mal podia respirar, mas já podia avistar a trilha para o "esconderijo" do mais velho. Parou por alguns segundos, buscando ar, e voltando a andar rapidamente para passar pela trilha. Queria chegar lá e conseguir voltar antes de escurecer totalmente.

Voltou a correr, quase caindo no meio do caminho, mas não diminuiu o seus passos.

Alcançou a clareira, e parou no meio dela, olhando para o céu já levemente alaranjado, com as nuvens escuras ainda espalhadas, sentiu a brisa levemente em seus cabelos, e fechou os olhos abrindo os braços.

Céu…

[...]