Alma escrita por Taigo Leão


Capítulo 7
VII


Notas iniciais do capítulo

Aos poucos darei continuidade a essa história, obrigado por me acompanharem até aqui.



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— Por que está tão assustado? Até parece que eu não deveria estar aqui. Lembre-se de que todo este lugar me pertence, de forma que eu posso ir e vir quando me der vontade. 

Sr. Reiss entrou e olhou em volta. Não haviam muitos clientes. Ele inspecionava cada estante que estava ao alcance de sua vista, como se procurasse algo pelo qual pudesse usar para reclamar à Ethan pelo mau trabalho. 

— Não estou assustado, apenas surpreso. Alexsandra já havia comentado como tua presença aqui é muito improvável. 

— É verdade que não apareço muito. Mas não trate como uma negligência de minha parte, minha ausência se sustenta na ideia de que minha presença não é necessária, pois deixar tudo nas mãos daquela mulher é muito melhor do que se estivesse nas minhas. Veja só, até mesmo nas suas. Achas que faria um trabalho tão assíduo quanto ela? Além disso, sei que quando fico por aqui, observando tudo, da forma como faço agora, ela se sente desconfortável e mal humorada. 

— Faça como quiser, afinal, tudo isso lhe pertence. 

Ethan se mostrava inquieto, enquanto arrumava alguns livros que não estavam no lugar ainda. Mas, quando o trabalho acabou, pareceu ansioso, olhando para os lados em busca de algo que pudesse fazer. 

— O que tanto lhe aflige? – Perguntou Sr. Reiss. 

— Meu dia não começou da forma que deveria. Além disso, temo estar ligado ao mal estar de Alexsandra. 

— O que quer dizer com isso? 

— Sinceramente, quero saber o conteúdo daquela carta que me fez entregá-la. Não sei se há ligação ou não, mas tu devia imaginar que eu pensava sobre isso, caso contrário, não mandaria aquele homem até aqui para me segurar neste lugar. E tudo isso só me faz pensar que tenho razão. 

—...Achas mesmo que uma simples carta acabaria com seu bem estar?! Não seja um tolo! A carta nada mais é do que uma mensagem sobre assuntos que devemos tratar, e por mais que tenha sido responsável pela entrega, não há uma única vírgula em seu conteúdo que seja de teu interesse. Se achas que é responsável, de alguma forma, pela doença que ela está passando, então és um grande tolo! E se lamentar sobre não me faz desejar lhe dizer um único "a" de seu conteúdo, pois bem sei que não lhe diz respeito. Tire de tua cabeça essa necessidade tola de esclarecer essa verdade vazia, pois ela não é de sua alçada. É algo entre Alexsandra e eu, então não há você no meio disso. Novamente repito: não lhe direi uma única palavra que há ali, nem sua verdadeira natureza, pois não te interessa. Se abstenha do sentimentalismo quando realizar outras tarefas solicitadas por mim, por favor. Você deve seguir as ordens, e não questioná-las. Pedi para o guarda vir até cá justamente porque conheço tua cabeça esquisita, e tinha quase certeza de que estaria certo em pensar daquela maneira. Se estamos discutindo isso agora, então claramente eu estava certo. 

Ethan cerrou os punhos, mas se absteve de dizer alguma coisa que pudesse irritar Sr. Reiss ainda mais e lhe trazer consequências severas. Feito isso, concentrou sua raiva em apenas uma frase que disse baixo o bastante para não ser ouvido, antes de sair daquele lugar, ignorando suas obrigações e deixando o velho sozinho. 

— É por isso que lhe odeio.– Foi o que ele disse. 

O rapaz estava transpirando. Ele estava zangado e eufórico. Seu coração doía. 

Ele não sabia se deveria visitar Alexsandra, ainda mais por não ter sido convidado para estar naquele lugar. Ali, agora, ele atravessaria sua privacidade, estando no íntimo de seu lar. Ele pensava que ela poderia se zangar com isso de alguma forma, e temia estar certo quanto a isso. Na realidade, ele se enfurecia, pois todas as situações que continham Alexsandra eram cansativas demais para se pensar. O rapaz sempre imaginava várias alternativas, e encontrava falhas em todas elas, em busca de uma tentativa perfeita, que nunca conseguia encontrar. Isso o deixava com medo, mas com a consciência de que o que mais machuca um homem é a distância entre ele e tudo que ele quer dizer. As vezes isso lhe machucava tanto que ele pensava que poderia morrer. 

Quando deixou a biblioteca, apenas começou a caminhar, sem saber bem para onde iria. Ele apenas caminhava, na esperança de chegar até algum lugar em que quisesse estar, mesmo sem querer estar em lugar nenhum. Quando deu por si, estava em uma praça. Enquanto caminhava, sentia que estava sendo seguido, mas quando olhava para trás, disfarçada ou descaradamente, não havia ninguém ali. A sensação continuou, o que deixou o homem ainda mais eufórico, caminhando apressadamente, sem saber para onde poderia ir. 

Além de todo desconforto e indecência, ainda havia o temor de ser roubado, pois sabia que, se sofresse algum tipo de ameaça, ainda mais de alguém armado, então reagiria, espontaneamente, mas consciente, aguardando pela morte ou por um machucado mais severo. Mas que machucado poderia doer mais do que a dor que sentia sem motivo algum? 

Em meio a confusão em sua mente, aproveitou para sentar-se em um banco, onde levou as mãos até seus cabelos, ainda com uma respiração pesada. 

Por alguns instantes pensou ter tomado uma decisão ruim, pois se realmente estava sendo seguido, esse seria o momento perfeito para uma abordagem, mas sabia que se não sentasse ali, iria até uma taverna, onde beberia sem pudor. Contrariando tudo que estava pensando, ninguém lhe abordou. Algumas mulheres e crianças passaram por ele, mas estes pareciam nem tê-lo notado ali, pois não lançaram nem mesmo um olhar de repreensão em sua direção. 

O rapaz pegou o pequeno caderno que estava no bolso de seu sobretudo e, na última folha, anotou algumas frases que lhe vieram a cabeça. A mais notável dela, talvez a única que lhe deixou satisfeito foi uma que releu várias vezes antes de guardar o caderno, mas esta continuou fixada em sua mente. 

"É ruim sonhar em voar para o céu?", Foi o que escreveu. 

Ficar se lamentando não adiantaria de nada, então se levantou, indo em direção a casa de Alexsandra. 

Novamente sentiu que estava sendo seguido, de forma que, ao chegar próximo da casa da mulher, virou em outra esquina e fez um caminho maior, dando a volta por algumas ruas para trás, assim tentando despistar o que o seguia. Quando parou frente sua casa, não havia nada atrás dele, mas ainda sentia que estava sendo observado, e essa sensação lhe pareceu extremamente horrível. 

Nervoso, bateu apressadamente na porta de Alexsandra e até mesmo tremia um pouco, mas após as batidas e um longo silêncio, tornou a bater novamente. Fez uma pausa e bateu por uma terceira vez. 

— O que quer? 

— Alexsandra. Vim vê-la. 

— Não há motivo algum para fazer isso. 

— Se estou aqui, então há um motivo. Por favor, Alexsandra. Tive que substituí-la no trabalho, além disso, é uma boa caminhada de lá para cá, e até mesmo me perdi. O mínimo que mereço é ver tu, ao menos por alguns segundos. Quero saber se está bem. 

— Estou. Agora pode ir. 

— Não sairei daqui enquanto não abrir essa porta. 

O silêncio pairou por alguns instantes, mas logo a porta foi destrancada e aberta. Ethan até mesmo se assustou, pois a figura que estava ali, a sua frente, era de uma Alexsandra um pouco diferente do que ele estava acostumado. Não era alguém a imagem de feliz, que mantinha o ar de superioridade que possuía com tanto orgulho, mas sim de alguém triste, que possuía até mesmo olheiras e um semblante cansado, o que dava a impressão de que ela não havia dormido bem a noite. Assim que abriu a porta, Alexsandra entrou e foi em direção a sala. Após hesitar por alguns instantes, o rapaz a seguiu. 

— Imagino como tenha sido triste para tu ficar um dia sem me ver. Eu sabia que lamentaria isso, mas não sabia que tão rápido. Para isso me acompanhou todo esse tempo? Apenas para saber onde moro? Assim não poderei sair de sua vida nem se quiser. 

— Não diga bobagens. Sabes bem porque lhe acompanhava. 

— Sei. Porque és um idiota. 

— Algumas coisas são complicadas o bastante para não possuírem uma explicação plausível. 

Alexsandra ofereceu alguma bebida para Ethan, mas ele recusou veemente, dizendo que estava ali apenas para saber sobre ela, e não como um convidado. 

— Preciso lhe perguntar algo...– Ele hesitou por alguns instantes. Não tinha a certeza se Alexsandra havia lido a carta, mas, se tivesse lido, e ele perguntasse sobre, então colocaria tudo abaixo, pois a mulher saberia que ele está ligado ao Sr. Reiss, e dessa forma não voltaria a confiar nele novamente.– O que lhe aflige? 

— Senti um extremo cansaço, de forma que não quis nem mesmo me levantar da cama hoje de manhã. Me responda, aquele velho te mandou até aqui, não foi? Disse que trabalhou para ele o dia todo. 

— Na realidade estou tão confuso quanto você, pois enquanto trabalhava, o guarda do edifício onde moro veio até mim, dizendo que eu não poderia sair daquele lugar enquanto não fosse a hora de fechar ou enquanto o velho Reiss não chegasse, o que me fez desconfiar que ele sabia de algo que não estava sob meu conhecimento. Então, mais do que antes, senti uma vontade inquietante de lhe ver. Agora que estou aqui, vejo que não está bem. 

—...Ele não tem nada a ver com isso. 

— Tem a certeza disso? 

— Sim. Tenho.– Alexsandra sorriu.– Obrigada por ter vindo até aqui, mas isso não muda o fato de que lhe acho um tolo. 

— Se tens tanta certeza, então devo ir embora. Se aquele homem souber que estive dentro de sua casa, então ele enlouqueceria. 

— Ele não tem nada a ver com meu lar ou com qualquer coisa relacionada a mim. Tens de parar de se preocupar com o que ele pensará sobre cada passo que você dá. Assim não passa de uma marionete dele, que não consegue viver a própria vida. Uma pena que não consiga enxergar isso. 

— Não me veja dessa forma! Graças a minha condição, não posso obter um trabalho pesado, e, nos tempos em que vivemos, que trabalho não é pesado e precisa de um homem forte? Tudo que temos neste bairro, além dos bares, são as fábricas, que exigem pessoas sadias e fortes, tudo que não sou. Os trabalhos menores, que são encontrados em menor número, não querem alguém como eu, não importa o que eu faça. Me diga, então, o que posso fazer? A única coisa boa que há em minha doença é a pensão que recebo do governo, mas mesmo com este recurso, não posso viver, apenas sobreviver. Sobrevivo apenas por meu sonho, mas ele poderá se realizar mesmo depois que eu me for. Não quero ser feliz, quero ser compreendido. 

O homem pegou o caderno e escreveu novamente. Alexsandra estranhou o caso, mas aguardou. 

— O que está fazendo? 

— Apenas escrevendo. 

— No meio de nossa discussão? 

O homem terminou de escrever antes de voltar a falar, então fechou o caderno e explicou. 

— Estou escrevendo o que me vem a cabeça e o que entendo como algo interessante, que valha a pena ser escrito. Se eu vir a morrer por acaso, ou me der por perdido, então espero que essas coisas possam servir de esperança para alguém. 

— Posso ver o que escreveu? 

— Tu não está perdida. 

— Você apenas deduz isso. Não me conheces realmente, apenas sabe o que quero que conheça. 

— É por isso que estou aqui. Não acredito que tenha sido um mal estar repentino, como você diz. 

— Pensas demais nas coisas, este é o seu problema. Se digo que não é nada, então não é nada. Tudo está bem. Aliás, vir até aqui não quer dizer que eu lhe deva qualquer tipo de satisfação. 

Os olhos de Alexsandra pareciam vazios quando ela encarou Ethan. Isso colocou-o em uma tristeza profunda, por saber que mesmo olhando no fundo de seus olhos, Alexsandra era capaz de mentir. Ethan não se sentiu satisfeito com a resposta, então fechou o caderno e o guardou. Caso a mulher tivesse falado o que ele gostaria de ouvir, então revelaria o conteúdo, mas como isso não aconteceu, não o revelaria. Ainda mais agora, que dado a espera, dava uma impressão de ser algo muito mais importante do que poderia ser.  

— Enquanto estive a caminhar antes de chegar aqui, senti que estava sendo seguido. 

— O que quer dizer com isso? 

— Eu não sei. Quando olhei, não havia ninguém, mas continuei tendo essa sensação até pouco antes de bater a sua porta. 

— Sabes como é esse bairro. Mas aqui estará seguro. 

Alexsandra caminhou até a janela e olhou para fora. O rapaz apenas conseguia olhar para suas costas, mas sentia vergonha de fazê-lo, como se fosse um ato imoral. 

— Então realmente não me contará o que anda lhe chateando? 

— Eu já disse, Ethan, não é nada demais! 

— Se é assim, então presumo que chegou a hora de partir. 

— Agradeço pela visita, mas não gosto do fato de ter se preocupado por qualquer tipo de besteira. Sei como pensas demais nas coisas, então pensar nisso deve ter sido uma tortura para você. 

— Isso é indiferente. 

— Como? 

— Indiferente. Se vai me torturar ou não, é algo que só cabe a mim. Isso é indiferente para ti. Se tu está envolvida, então não há mal pensar nisso. Sabe bem a situação em que me encontro. Além disso, poderia fazer o que quer que fosse, se fosse pedido por você. 

— Não diga bobagens. 

Alexsandra o acompanhou até a porta. 

— Eu posso até mesmo matar alguém. Basta que me peça. 

Alexsandra reagiu como se não acreditasse no que estava ouvindo, mas logo sorriu. Ela sabia que podia esperar qualquer coisa do rapaz a sua frente. 

— Até mais, Ethan. Amanhã estarei de volta. Avise o homem, por favor. 

No caminho de volta, sempre que olhava para os lados ou para trás, o homem sentia claramente alguém seguindo-o, ou próximo o bastante para encostar nele, mas quando o suposto perseguidor conseguia, o rapaz se dava conta de que não havia ninguém. Então, caminhava com medo. Medo de sua própria sanidade. Além do medo sentia-se furioso. Ele estava nervoso por saber que Alexsandra estava escondendo algo dele, mesmo com sua impressão de ser alguém importante para ela; como uma boa companhia. Mas uma companhia que não merecia saber mais a fundo sobre essa situação. Limites, eles são o que há. E como havia escrito em seu diário, os limites que mais machucam um homem não são impostos por si mesmo, mas por outra pessoa. 

De qualquer forma, agora direcionava sua raiva para o Sr. Reiss, por acreditar que não estaria neste empecilho se não fosse pelas ações e influência deste homem vil. 


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Notas finais do capítulo

Se a história lhe agrada, por favor, deixe um comentário ou algo do tipo para que eu continue publicando :)



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