Alma escrita por Taigo Leão


Capítulo 6
VI


Notas iniciais do capítulo

Hoje faz exatamente um mês desde o último capítulo. Peço perdão por isso, mas tive que rever algumas coisas nessa história e quebrei a cabeça quanto a isso. Pelo menos o tempo sem postar me deu boas idéias, então seguirei com a história de onde parou. Espero que gostem :)



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No dia seguinte, Ethan foi despertado por batidas em sua porta. Batidas tão fortes que, subitamente, o fez pensar que era algum tipo de terremoto.

— Ethan! Rapaz! Ethan, vamos! Acorde!

Não era um terremoto, mas sim um conhecido. A voz era do guarda, o porteiro do condomínio.

— Pare com isso antes que derrube minha porta.

Embora já fosse outro dia, o rapaz sentia que havia dormido à poucos minutos. Seu corpo ainda estava cansado. Ele teve pesadelos.

— Do que precisa?

— Veja, rapaz. – O porteiro limpou o suor de sua testa com um pano branco que retirou de seu bolso. – Me perdoe por tê-lo acordado. Não gosto de me intrometer, mas tenho ordens para cumprir.

— E que ordens são essas, que te deixam tão preocupado?

— Veja, o Sr. Reiss quer que você cuide da biblioteca hoje, fazendo tudo que há para se fazer naquele lugar. 

— Não sei se seria uma boa ideia. Talvez chatearia Alexsandra. 

— Mas é exatamente por isso que você precisa ir. Quer dizer, veja bem, rapaz, Alexsandra sumiu. A pouco um homem passou por aqui e me contou sobre isso, que a biblioteca estava fechada. O senhor Reiss se sentiu tão nervoso que, na mesma hora, mandou que eu lhe buscasse. Não sei o que aconteceu com a moça, mas você precisa obedecê-lo. Você deve isso a ele, foi o que ele disse.

Ethan ainda estava meio confuso, pois havia acabado de acordar. Nem ao menos havia escovado os dentes, e foi despertado de repente por terceiros, o que o deixava de mau humor. 

O rapaz agradeceu ao guarda e se aprontou para sair. O guarda apenas esperou que ele saísse, pois estava tão curioso quanto.

Ao descer as escadas, Ethan encontrou o senhor Reiss, que estava à sua espera.

— Ora, hein? É tão cedo e já preciso de sua ajuda. Mas creio que você já entendeu, então não preciso explicar tudo. Apenas pegue essa chave e vá.

— O que aconteceu?

— Não é nada demais. Na verdade não sei bem, ela apenas está doente. Foi o que eu soube. Vá logo, rapaz! Temos clientes esperando.

O porteiro, que ouvia tudo, se assustou com a ordem do Sr. Reiss, levando como resposta um olhar severo do homem, que o fez voltar para sua guarita em silêncio. Ethan ignorou a cena e foi até a biblioteca com muitos pensamentos confusos. Ele não estava em sã consciência ainda. Sentia sono, e além disso, se questionava sobre muitas coisas, mas não conseguia manter a linha de raciocínio entre um questionamento e outro.

"O que será que aconteceu com Alexsandra? Está realmente doente? Ela sempre teve uma saúde de ferro. Deixar de vir à biblioteca desse jeito... Parece estranho.", foi o que passou pela sua mente.

Quando chegou até a biblioteca, haviam três homens idosos parados na frente da mesma. Um deles, o mais desenvolto, tomou a frente.

— Finalmente alguém veio trabalhar neste lugar.

O homem possuía marcas de rugas severas no rosto e estava vestido de forma extravagante, usando um suéter verde claro e um chapéu azul.

— Me perdoe por isso. Tivemos contratempos.

— Não é hora de se desculpar. Apenas abra.  

Ethan atendeu os três homens senis. Enquanto o primeiro atendido apenas veio devolver um livro, outro apenas queria passar um tempo ali. Quanto ao mais extravagante, este estava nervoso, pois queria um livro para seu neto, que faria aniversário no dia seguinte, mas não sabia bem do que o neto gostava e não queria perguntar: Queria fazer uma surpresa, mas, uma "surpresa perfeita."

Tudo que Ethan conseguiu descobrir era que o neto possuía 12 anos e não era aficcionado por coisa alguma; na realidade, não passava de um menino comum, porém muito especial, na visão do avô.

As primeiras sugestões de Ethan foram logo ignoradas, de forma que o chateou profundamente, então ele nada pôde fazer, além de pedir para que o homem escolhesse por si só e viesse ao caixa quando tivesse a certeza do que levaria.

Ethan fez a abertura do caixa, organizou as prateleiras, limpou o local e fez uma inspeção severa, para garantir que não havia um único livro fora do lugar.

Assim como Alexsandra, ele era muito ligado àquele lugar, pois a literatura significava tudo para ele. Embora o Sr. Reiss não demonstrasse tanto interesse assim pelo local que custou a construir, Ethan seria capaz de fazer tudo por aquele lugar, mas enquanto trabalhava solitariamente, uma sensação ruim lhe veio à mente, remetendo a um único pensamento: Por alguns momentos ele se segurava, às vezes deixava escapar, e sempre pensava e pedia ajuda para Alexsandra, que não estava ali. Ele estava sozinho.

Ethan nunca havia tido uma sensação tão ruim dentro daquele lugar. E ao mesmo tempo em que aqueles livros não chamavam sua atenção, os corredores formados por estes pareciam ser maiores e mais solitários do que costumavam ser.

O lugar estava silencioso, mas logo ele se deparou com aquele senhor extravagante, na sessão de livros infanto-juvenil. O senhor estava com um livro em mãos, e o analisava fixamente, virando para ver a contracapa e voltando para a frente.

O rapaz viu um brilho nos olhos do homem, e, de longe, admirou a cena, percebendo que havia algo a mais. O homem demorava demais; não apenas olhava como se tivesse encontrado um bom livro, mas como se estivesse em posse do livro certo.

— Encontrou algo?

— Você ainda está aqui. Bem... Encontrei sim. Levarei esse.

O livro que o homem mostrava era um clássico que falava sobre um príncipe. Um livro antigo. 

— ...Eu tinha uma cópia dele, quando era criança.

— E agora está comprando para seu neto. Olhe só como são as coisas.

— Isso... Você acha que é uma coisa boa?

— Tenho certeza que sim.

O resto do dia se passou sem muitos clientes especiais. Não havia muito o que fazer naquele local, mas algo perturbava Ethan. Era a culpa.

— Viu só o que causou a Alexsandra? Está feliz agora? Apenas um dia de trabalho para aquele velho e veja tudo que já aconteceu.

— Quem é você, que tanto fala comigo, mas tem tanto medo de se mostrar?

Ethan esperou por uma resposta, até que se cansou e voltou a seus afazeres. A voz nada disse. Quem quer que fosse, tinha razão. Ethan havia entregado aquela carta para Alexsandra, e agora, no dia seguinte, ela não havia aparecido. Talvez realmente estivesse doente – essa era uma possibilidade –, mas talvez a carta tenha relação com o ocorrido, já que Ethan entregou-a sem ter a mínima noção de seu conteúdo. Ele apenas entregou aquilo, de olhos vendados pela confiança que depositou no velho, de quem nunca conseguiu ser muito próximo. A culpa o pesava; ele era o culpado disso.

Quanto ao velho, Ethan cerrou os punhos. Este sempre lhe causava problemas, direta ou indiretamente. Graças a este homem, Ethan não conseguia crescer. Vivia se diminuindo de tal modo que o impossibilitava de viver verdadeiramente, pois sentia que devia prestar contas e esclarecer cada pedaço de sua vida para o homem que o acolheu no pequeno cubículo. Desta forma, reprimia até mesmo sua doença, pois achava que, se ficasse muito tempo de repouso, então seria visto como um vagabundo inútil, e seria jogado junto suas tralhas à rua, que não tem um mínimo de compaixão com a humanidade que se esgueira por ali. Ele temia esse estilo de vida por temer a ignorância. Os homens se importam apenas com aqueles que consideram estar no mesmo nível social e intelectual, ou até mesmo um pouco acima. Mas os que vivem pelas ruas; os desabrigados e sem lar, não são nada. Estes já foram humanos, mas hoje não possuem nem mesmo uma alma, pois até mesmo essa, junto de suas dignidades, foram arrancadas, envoltos unicamente em uma indiferença, negligência e, sobretudo, por um vazio que os cercam a cada dia mais. Estes mantêm os semblantes cansados e oprimidos, pois não possuem suporte nem deles mesmos para seguir em frente, e vivem pelas ruas, esquecidos e sofrendo silenciosamente.

O rapaz se sentia injuriado apenas por pensar que poderia ter uma porcentagem de culpa no sumiço de Alexsandra, que poderia não significar nada, mas também poderia significar tudo. O conteúdo da carta era incerto, mas a entrega foi a fatalidade que acabou fazendo com que os envolvidos chegassem onde estão agora. Ethan engoliu seco. A culpa tomava conta de si.

Ele até mesmo pensou em fechar aquele lugar e ir até a casa de Alexsandra para descobrir o que realmente tinha acontecido, mas relutou um pouco sobre isso, voltando a trabalhar, pois isso afugentaria a ideia de sua mente.

O porteiro do edifício apareceu ali.

— Ethan? Rapaz! Veja, fui mandado pelo Sr. Reiss, com ordens para você.

— Estou farto de suas ordens.

— Não diga isso para mim. Se possui a coragem, vá e diga para o homem que manda em todos nós, caso contrário, apenas escute-as. Rapaz, recebi ordens de transmitir essas para você, e cumprirei agora mesmo: você não pode sair deste lugar; não até o fim do dia, ou até o velho vir até aqui.

— O que quer dizer com isso? Você irá me manter preso aqui?

— Não.– O guarda tirou seu chapéu, meio acanhado. Ele percebeu que havia sido mal compreendido e tentou redimir isso. -- Não sei o que está em jogo entre vocês, mas você pode sair daqui quando quiser. Apenas tenha em mente que uma ordem descumprida poderá resultar no fim de um acordo. Foi o que ele disse. Não estou aqui para impedir a sua saída, mas, se eu fosse você, escutaria o que ele lhe pede. Você conhece ele mais do que a mim, e um descumprir de suas ordens pode ser uma grande dor de cabeça. Por que acha que eu, um porteiro, caminhei até aqui? Sabes bem que se alguém roubar um morador daquele prédio enquanto eu estou aqui, eu serei culpado por não estar lá!

— Tem razão...

— Aliás, o que houve com a mulher?

— É exatamente o que quero saber... Mas não tenho como falar com ela. E se ele lhe mandou até aqui, então sabe que eu iria até ela. Juro por Deus que iria fechar este lugar minutos antes de você aparecer.

— Bom...– O guarda parecia pensativo.

— O que lhe incomoda?

— Não é nada. Apenas uma ideia. Ele disse que você não pode deixar este lugar sozinho, mas eu poderia ficar aqui, olhando tudo, até você voltar.

— Não. – Ethan foi ríspido em sua resposta, de forma que até mesmo assustou o guarda. – Não. Você não deve fazer isso. Colocaria nós dois em perigo. O que devo fazer é esperar, já que é tudo que posso fazer. Quando este homem chegar, ou quando chegar a hora de fechar, então visitarei Alexsandra e saberei o que está acontecendo.

— Como assim? Ela não está doente?

— Talvez sim, mas me preocupo com ela, então preciso saber o que tem. Ando pelas ruas, sempre sujo. Talvez eu tenha sido o culpado de tudo isso. Preciso vê-la ainda hoje, ou morrerei pela vontade.

— Ora, não se cobre tanto! É apenas um resfriado, você verá! Logo logo ela estará melhor. Mas se se sente melhor desta forma, então vá e a visite, faça como quiser. Mas não saia daqui antes de uma das duas condições impostas se cumprir. Passar bem.

O homem colocou seu chapéu novamente e partiu, deixando Ethan sozinho.

— Este velho. Ridículo! Presunçoso! Ele é um homem ruim! Mas o que deve ter colocado naquela carta para que ela fique desta forma? Ela pensa que consegue esconder, mas você sabe como ela evita estar próxima a este homem, embora trabalhe aqui, para ele. E a culpa é sua, que entregou a maldita carta. Seu tolo!

Ethan apenas ignorou o comentário, mas o resto do dia passou lento demais, como se os ponteiros do relógio estivessem parados. Ele passou boa parte do dia olhando através do vidro da entrada, olhando para o céu, que estava meio nublado, e se perguntando se havia mais alguém observando o céu, assim como ele, e se essa pessoa pensava tanto quanto ele. O rapaz sabia que costumava pensar demais nas coisas, mas não conseguia fazer nada para mudar isso, embora fosse torturante.

Junto do fim da tarde, na hora de fechar, o Sr. Reiss apareceu na biblioteca, sozinho.


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Notas finais do capítulo

Semana que vem já saí capitulo novo, fiquem de olho



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