Alma escrita por Taigo Leão


Capítulo 3
III


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem da história! Por favor, continuem me acompanhando e obrigado pelo apoio!!



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Ethan passou o restante da semana ajudando Alexsandra na biblioteca. Ele se sentia melhor quando trabalhava lá, e, com o trabalho, até mesmo havia afugentado seu estado, esquecendo das dores, embora não tenha usado ao máximo seu esforço físico, para evitar a fadiga, que o levaria ao início de tudo de novo, onde ele poderia ter crises de dor e não conseguiria nem ao menos levantar de sua cama.
Quando Alexsandra chegava na biblioteca, Ethan já aguardava-a na porta da mesma, e ele continuou levando a moça até a porta de sua casa, com o pretexto de proteger a mesma, embora esse fosse um castigo: nas noites calorosas, as tavernas lhe davam saudações e lhe convidavam de uma forma irrecusável, mas ele foi firme, pois não podia, de forma alguma, gastar mais do que possuía.
Embora fosse um pouco estranho, o rapaz se esforçava, de forma que possuía jeito para trabalhar em um lugar como aquele.
Alexsandra achava graça ter Ethan por perto durante todo esse tempo. Assim ela poderia sempre ter por perto alguém de quem pudesse zombar e tirar sarro. Além disso, passar alguns dias ao seu lado, estando apenas os dois, fazia-a enxergar outro lado do rapaz. Ele era um homem reservado e quieto, mas também possuía suas qualidades e era deveras interessante. Perto do Sr. Reiss ele sempre se mostrava nervoso, agora estava mais descontraído.
Já para Ethan, estar ali foi uma surpresa total, e também uma benção. Era certo de que ele havia aceitado apenas para passar mais tempo perto de Alexsandra, embora também pudesse usar o esforço para afugentar sua mente maléfica. Estar perto daquela mulher fazia com que ele repensasse melhor cada ação que tomava, e, como, por natureza, era acostumado a pensar demais, até mesmo um simples favor feito lhe causavam indagações sem fim, revelando outras maneiras que ele poderia ter agido ou outros comentários que poderiam ter sido feitos. Para sua mente, cada ação que tomava poderia significar o explodir de uma bomba. Pensar requiria muito esforço; as consequências eram um martírio, e essa experiência, no fim, era algo agradável de se vivenciar.
O último dia útil daquela semana se encerrou em uma bela noite agradável, de forma que Alexsandra insistiu para que eles parassem na praça que cruzavam para chegar até a casa dela.
— O que você tem? Está tão alegre hoje.
— Ora, Ethan, é apenas mais uma sexta-feira. Embora tenha que trabalhar amanhã, saber que dia é hoje me trás uma boa sensação.
— Para mim esse é só mais um dia normal.
— Isso porque você é um desocupado. Não possui emprego, não faz nada da vida... Se passasse mais tempo procurando algo para se edificar, então saberia qual a sensação de ter finalizado mais uma semana.
— Semana passada estive a pensar que iria morrer, nesta lhe ajudei com tudo que pude, então tenho estado muito ocupado. Penso que foi até melhor assim: sem o velho Reiss por perto, acredito que, sem supervisão, você não iria trabalhar. Talvez iria se esconder pelos corredores, pelo almoxarifado ou até mesmo não abriria um ou dois dias nesta semana!
— Só pode estar brincando. Sabe como gosto de livros. Se pudesse, viveria ali. Se eu não abrisse por um ou dois dias, tenha a certeza de que eu estaria lá dentro, lendo tudo que me desse vontade. E posso ver na tua cara que não poderia nem ao menos apreciar minha própria companhia, pois também haveria um pequeno rato ali, se esgueirando, com medo de se aproximar.
— Fique tranquila. Eu estaria tão entretido que nem saberia que você estava ali.
— Diz esse tipo de coisa, mas bem sei como lhe sou especial! Está em sua cara, seu tolo. – Alexsandra se pôs a rir, ainda mais perante a vergonha de Ethan. – Você nunca ajudaria Reiss por uma semana inteira, ao menos não sem reclamar. Quanto a mim, você se ofereceu para ajudar. Você chegava ali primeiro que eu e me trás até a porta de casa. Que conclusões você quer que eu tire disso?
— Conclusões...? Você está muito enganada, sua louca! Eu apenas... Apenas estou fazendo o que acho certo, pois fui educado dessa maneira! Se minhas atitudes de cavalheiro faz com que se sinta especial ao ponto de jogá-las em minha cara dessa maneira, então deixarei de fazê-las, mas lembre-se disso se algo de ruim lhe acontecer!
Alexsandra não disse uma palavra, parecendo até mesmo assustada perante o discurso enfurecido, mas quando Ethan percebeu e começou a pedir desculpas, ela começou a rir ainda mais alto que na primeira vez.
— Vês como és um tolo?! Se vai discursar de forma tão enfurecida, não deve, em seguida, pedir desculpas! Aguente as consequências de suas ações, Ethan, seja firme!
Alexsandra se apoiou ao guarda-corpo, ficando próxima à margem do pequeno lago que havia ali.
Uma brisa forte se fez em meio as folhas das árvores que haviam ali, e foi forte o bastante para mover o cabelo de Alexsandra. Ethan observava, a distância.
— Você... mataria alguém por mim?
A voz de Alexsandra se fez serena e sincera. Em meio ao convívio, o rapaz já havia se acostumado com os jogos e humor ácido e perigoso da mulher, mas desta vez, via em seus olhos a verdade. Ela estava falando sério.
Ele pigarreou e gaguejou antes de conseguir puxar a voz para responder, mas foi interrompido por um grande sorriso.
— Estou apenas brincando. Hoje a noite está boa, não precisa me acompanhar até minha casa. Aqui, agora, estou abdicando dos trabalhos que você pensa ter o dever de fazer por mim. Boa noite... Ethan.
E tão abruptamente como a brisa que se esvaiu, Alexsandra havia desaparecido em meio a escuridão, rumo a sua casa. Ethan não se deu ao trabalho de acompanhá-la, pois isso a aborreceria.
— Essa imagem irá ficar em sua cabeça para sempre, não é mesmo?
Ethan se virou, procurando saber de onde vinha aquela voz, mas não havia mais ninguém ali, o que o assustou. Com medo de estar sendo rodeado por algum ladrão, ele apressou o passo. Independente de quem havia falado, Ethan sabia que a questão estava correta. Para além disso, Alexssandra também estava correta: essa era uma bela noite.
Atraído pelo desejo mais profundo, que estava cavado em sua alma, ele acabou por abrir mão da força de vontade que estava sentindo nos últimos dias e entrou na primeira taverna que lhe pareceu convidativa, embora não tenha sido muito difícil de encontrá-la. Todas pareciam lhe conhecer tão bem, e possuíam tudo que ele queria, que era fácil de lhe convencer.
O rapaz se sentia como uma fraude por seus pensamentos e por todo o tempo em que ficou ao lado de Alexsandra, lamentando e muito a sua própria situação. Do fundo de sua alma ele carregava o mesmo desejo que fez para a última estrela cadente que viu: ele queria ser diferente.
O rapaz se sentou em uma mesa nos fundos daquela taverna, vencido pelo impulso do álcool. Ele até mesmo tremia, se sentindo, de certa forma, com uma espécie de abstinência. Não importava se aquilo lhe faria mal e até mesmo não importava quem poderia vê-lo naquele estado. Ele precisava beber, ou não responderia por si. Caso contrário, poderia até mesmo cometer um ato abominoso, se assim fosse necessário, tudo em prol de algumas gotas de álcool em sua garganta.
A taverna estava cheia de beberrões alegres, que faziam a festa no local. O cheiro de bebida, misturada com o ópio, e até mesmo com algo indecifrável no ar, tornavam a experiência única para um recém chegado neste meio. Para estes, o ar poderia ser até mesmo sufocante, mas para os que desejavam estar ali, não havia nada melhor do que isso. E quem, em sã consciência, vai até um lugar destes, numa hora dessas, sem realmente desejar estar ali?
Alguns dos beberrões dançavam meio desajeitados ao som da música ambiente do local. Alguns garçons serviam nas mesas, enquanto outros, por detrás de um balcão, serviam as bebidas aos que se prostavam neste balcão, quase até mesmo deitando no mesmo. Em algumas mesas haviam até mesmo alguns homens que decerto estavam fora de si, pois dormiam como bebês no meio de tanta algazarra, mas como estes não apresentavam problema algum para os demais, lhes foram concedido o direito de permanecer ali. Havia todo tipo de homem e algumas mulheres naquele lugar. Alguns homens felizes, como os que dançavam, outros nem tanto, como os que dormiam ou os que estavam quietos, refletindo em seus próprios mundos, sem se preocupar com quem mais estava ali. Com uma rápida olhada, Ethan pensou que, em suma, todos estavam vazios, assim como os copos que eram preenchidos rapidamente.
Após dois copos cheios da garrafa que havia comprado, Ethan escutou novamente uma voz baixa, mas não conseguia entender o que essa estava dizendo. Ele apenas a ignorou e bebeu outro copo. O rapaz imaginou que a pessoa que lhe falou a pouco, na praça, havia seguido-o até ali e estava sentada no banco atrás dele.
"Que idiota! Ela poderia muito bem se sentar comigo, me fazendo companhia. Assim poderíamos conversar! Mas, se vai ficar se escondendo atrás de mim, então fingirei que não sei nada sobre sua existência; sua voz me é inalcançável."
Quando se sentiu mais aéreo, recorrente da bebida, tornou a tentar contato com aquela pessoa, mas sem se dirigir a ela especificamente. Ele apenas sentia a necessidade de falar, sem se importar com quem ou o que estava lhe escutando.
— Em minha agonia me aprofundo e afundo cada vez mais. Nessa penúria que sou forçado, pelas circunstâncias, a chamar de vida, não vejo nada se não algo sombroso demais para mim; Algo extremamente torturante. Dizem que nós fazemos nosso próprio inferno, pois bem, para mim, este em que vivo é o pior de todos. Mas não me culpo por isso. Culpo a Deus. Culpo a todos os indivíduos que, de alguma forma, compactuaram para que eu chegasse a este ponto. Veja, sempre fui um covarde. Sempre me faltaram forças para tomar uma decisão por mim mesmo, então não posso, de forma alguma, ser culpado de minha avareza e decadência. Cúmplice, serei, mas culpado, jamais!
Ele se serviu e bebeu mais um copo. Seu corpo já estava quente. Ele estava alegre e se exaltou um pouco, até mesmo batendo na mesa, chamando atenção para si.
—...Não posso nem ao menos chorar ou me lamentar. As lamúrias nada mudarão. O que devo fazer é sofrer e sofrer, como um fantasma, passando por entre as pessoas que estão ocupadas demais dentro de seus ciclos viciosos para prestar atenção em um pedido de socorro silencioso. Deus está me vendo, mas parece que até mesmo este me abandonou; não sou digno nem ao menos de sua compaixão, o que dirá de sua ira? Como viver é deprimente! Eu devo morrer, mas bem sei que nem mesmo o diabo me deixaria estar com ele agora. Devo ser seu maior entretenimento aqui na terra, pois não há homem mais infeliz e mais azarado do que eu. Apesar de tudo isso, longe do martírio, o que mais me chateia é saber que sou miserável internamente também, e neste caso, não há nada que possa ser feito. Não há nada dentro de mim que mereça ser salvo; nada que possa ser explorado. Por isso me sinto tão negativo: não pelo desgosto ou pela depressão, mas, sim, pelo raciocínio lógico, pois, após me analisar detalhadamente, cheguei a conclusão de que não há nada de bom em mim! Quando digo isso, não estou sendo depreciativo ou pessimista, estou sendo sincero e falando com precisão. Sou uma pessoa tão miserável que não mereço nem mesmo o sofrimento eterno. Não mereço estar no céu e muito menos no inferno. Talvez eu deva ir para o purgatório. Talvez eu deva vagar o mundo procurando um vazio. Mas existe vazio no mundo suficiente para alguém como eu? Eu não quero esperar no purgatório.
O rapaz percebeu que todos os bêbados estavam centrados. A tempos eles haviam abandonado o que estavam fazendo e prestaram atenção no discurso feito por Ethan, o mais animado dos que estavam ali. Contrário de sua natureza, o rapaz não se acanhou, pelo contrário, este, ébrio, se sentiu ainda mais motivado a seguir sua linha de raciocínio, tendo até mesmo fôlego e coragem para se levantar e colocar o pé direito em cima do banco. O impulso foi tão inesperado e, dado as condições, necessitou de tanto esforço, que seu corpo não respondeu como deveria, cambaleando um pouco para o lado, mas o rapaz conseguiu se manter firme, então, estufou o peito e continuou discursando, achando graça da situação:
— E quanto aos homens que pensam que nos tem na palma da mão? Estes sim, para mim, são cães malignos, enviados direto do inferno! Estes conseguem ser mais maquiáveis do que assassinos em série, pois abusam de nós, pobres trabalhadores, para satisfazer suas necessidades pessoais. E, com propriedade, digo que somos necessários apenas para lhes proporcionar certa alegria. Também digo que Deus castiga a todos, de seu próprio modo, pois embora eles possuam aversão a nós, eles precisam de nós! Precisam de nós para sempre lhes lembrar que eles são seres superiores. E aqueles que nos esticam a mão, oh, sim! Estes devem morrer! Nunca aceite uma ajuda de bom grado, pois junto dela vem a humilhação. "Está vendo? Estou lhe ajudando, infeliz, pois isso que tanto necessita não me faz falta nem um pouco. Enquanto para ti é muito, para mim não passa de algo tão inútil que não me fará falta." Ou "O que me diverte é ver teu esforço e sofrimento para conseguir isso, sendo que eu nem preciso do que está me oferecendo." Vocês acham que existe mesmo isso de caridade? Sempre que vejo um rico fazendo caridade, vejo a maldade em seus olhos! São como o diabo! Ninguém ajuda um desconhecido se não for por algo em troca. Tudo na vida se faz por algo em troca. Seja esse um gesto de gratidão, de se mostrar como um bom samaritano, de se provar para si mesmo ou até mesmo por algum recurso: ninguém faz nada por acaso. Oh, como odeio minha vida! Eu devia morrer logo, apenas para deixar de aceitar ajuda. Mas infeliz que sou, aceito, porque, em minha situação, não tenho escolha alguma! Somos responsáveis por nosso próprio inferno, e os demônios são os outros! Oh, como viver é doloroso!
E este levantou seu último copo no ar, sendo acompanhado pelos outros bêbados, que brindaram as palavras ditas por aquele homem.
Quando seu espírito exuberante relaxou ao ponto de se sentir atônito e mais calmo, teve a plena consciência de que estava cercado de todos aqueles que estavam ali, menos do primeiro homem, o que chamou sua atenção com a voz baixa e era o único que lhe dava ouvidos. Assustado e ofegante, o rapaz largou seu copo meio vazio e saiu dali as pressas, sem dizer nem ao menos um adeus aqueles que escutavam atentos o discurso eloquente e lhe ovacionaram.
Ele estava enfurecido. Andava cambaleando, repetindo o nome daqueles que, em sua concepção, eram cúmplices de sua infelicidade, como um mantra Envolto pela raiva, o nome que dizia com mais ênfase, o que mais lhe vinha a mente, era do proprietário do cubículo em que morava.
Quando se deu por si, Ethan havia retornado a praça próxima a casa de Alexsandra. Ele se deitou em um banco para descansar um pouco e olhar o céu estrelado enquanto a tontura não cessava, e estava torcendo para passar uma estrela cadente, assim, ele poderia fazer o desejo mais obscuro que levava em seu âmago, mas que nunca teria a coragem para fazê-lo, então só lhe restava desejar.
Ethan só acordou no dia seguinte, sendo chamado por ninguém menos que a própria Alexsandra.
— Homem! Seu bêbado tolo! O que está fazendo aqui, nestas condições?! Oh, meu Deus! Que sorte a sua, estúpido, que ainda é cedo. Cedo o suficiente para que ninguém lhe veja aqui, neste estado! Que vergonha! Vamos, me ajude, não conseguirei levá-lo até tua casa sozinha. Levante e ande, seu estúpido!
Com a ajuda de Alexsandra, Ethan conseguiu voltar para seu cubículo e se jogar na cama, sem dizer uma única palavra. Ele nem ao menos olhava para sua salvadora, pois além da tontura, sentia-se extremamente envergonhado do que havia acontecido. Ele virou para a parede e adormeceu, ignorando a presença da mulher, que saiu enfurecida, batendo a porta.
Ethan só veio a acordar algumas horas depois, com alguém balançando o seu corpo. Era Alexsandra.
— Seu tolo! Ainda estou brava! Como podes fazer isso?! Seu tolo! Tolo! – Ela o empurrou.– Diga, queres morrer? É isso? Pois vá e se mate de uma vez, não seja escravo desse tipo de coisa, ainda mais sabendo que lhe faz tão mal! Como achas que trabalhei hoje, sabendo que estavas aqui neste estado? Me diga, Ethan, seu tolo, por que faz esse tipo de coisa?!
— Vá embora.
Alexsandra ficou surpresa.
— Se eu for... Não voltarei mais!
— Quero ser sincero com você, mas não sei como me expressar. Por favor, Alexsandra, não me pressione. Sei que errei, isso é fato, e por algum motivo, lhe devo explicações, mas não posso, de forma alguma, dar motivos errados para isso. Estou com meus problemas, e infelizmente agora não consigo ser sincero com você. Me faltam palavras para me expressar.
— Então faça como quiser. Mas cobrarei uma explicação.
Alexsandra saiu do quarto e Ethan deu de ombros, virando e adormeceu novamente. Sua cabeça ainda doía.


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