Nine Lives escrita por Shalashaska


Capítulo 1
Azar




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Felicia Hardy sabia que sua cabeça latejava e o corpo jazia amolecido não por bebedeira, mas sim por uma tentativa de assassinato — àquela altura de sua vida, conhecia diferença. Ou ela achava que era isso, difícil saber com uma névoa cobrindo seus pensamentos e o ambiente. Com o ritmo de luzes frias piscando no alto do galpão, a Gata Negra resmungou e formulou algumas certezas:

Corria perigo. Seus olhos não se ajustavam tão rápido à escuridão quanto gostaria. E não estava sozinha.

Deu um pulo, pois o sujeito se erguia do chão igual ela; um tanto desorientado e vestindo um traje especial, reforçado e da cor de jade. Entendeu que aquele era o maldito Duende Verde e, quando a voz dele ecoou no nevoeiro, a Gata imaginou que não poderia passar de uma alucinação. Ou muito azar.

“Felicia?”

Oh, inferno. Definitivamente azar. Ela estava sem seus óculos pertencentes ao traje e seu chefe vestia um uniforme tático de milhões de dólares.

“Harry Osborn. O que uma pessoa importante como você faz aqui?”

“Pensei que você pudesse me responder. Afinal, achava que fosse funcionária da desgraça da Oscorp, não a Gata Negra.”

"Funcionária C-level, não sua secretária. E uma garota pode ter outras rendas.”

“Você não faz ideia da razão de estarmos aqui, né?”

“Não deve ser um motivo bom. Ou lícito.”

“Definitivamente não. Uma ladra e um…”

“Menino rico? Menino arrogante?”

Uma pausa. Em seguida, um riso ácido.

"De fato, não há jeito curto para falar criminoso de sanidade questionável.” 

“E supervilão soa brega.”

“Por favor, você me chamou de menino.”

“Pelo menos evitei menino mimado.”

Harry engoliu o orgulho e virou o rosto para compreender onde estava. Lugar fechado, escadas metálicas no alto, paredes de concreto. Sim, era um tipo de depósito. Ele xingou enquanto passava a mão pela cabeça. Seu capacete estava no chão, quebrado. Do lado, um pequeno frasco de vidro fragmentado, do qual ainda escorria um líquido verde. Pegou o capacete com uma mão e a metade do vidro com a outra.

Felicia e Harry se entreolharam.

“Precisamos descobrir o que é isso”, disse ela.

“E entender por que nossa memória sumiu”, Harry comprimiu os lábios por uma fração de segundo. Se pudesse ter as lembranças arrancadas de si, selecionaria aquelas que importavam. No entanto jazia ali, sabendo que uma das ladras mais bem sucedidas de Nova York tinha o mesmo rosto que uma funcionária inscrita na folha de pagamento da Oscorp. “Bem, sumiram até certo ponto.”

De súbito, a luz que os iluminava tingiu-se de vermelho. Veio o alarme: um grito elétrico e agudo, repetindo-se de novo e de novo. Com ele, surgiu a compreensão cristalina de que, acima de tudo, precisavam sair dali.

Felicia fez um aceno rápido de despedida para Harry e buscou com o olhar a rota mais segura para o alto e para fora. Embora pudessem tirar sua memória, não haviam arrancado seu instinto, força nos braços ou equilíbrio. Ela içou-se através de pontos de apoio na parede, e então chegou a uma passarela metálica. Uma série de janelas estreitas ficava adiante.

“Inferno!”

O Duende Verde continuava no chão, xingando um equipamento. Felicia notava-o agora, embora fosse óbvio que tal coisa estivesse perto: O Duende sempre chegava nas cenas mais horríveis de Nova York voando naquilo, acompanhado de um riso fantasmagórico. Naquele instante, um som engasgado competia com as sirenes. Felicia foi obrigada a gritar:

“Teu planador enguiçou?”

“O propulsor esquerdo não funciona. Tem marcas de garras nele.”

Ela ficou incrédula.

“Você tentou me matar antes?”

“Você quebrou o planador! Eu deveria te matar agora!”

“Eu provavelmente só me defendi, filho da puta!”

Ah, sim. Nada de menino, nem de criminoso: Harry Osborn era um filho da puta. Ou puto, já que ninguém conhecia a mãe do infeliz, só o falecido e detestável pai dele. De repente, um arrepio se formou nela, abaixo da camada de roupa. Mesmo com raiva, a intuição da Gata não falhava: logo não estariam sozinhos e ela não queria saber se a equipe de segurança usava bala de borracha ou coisa pior.

O fato é que ela tinha duas opções diante de si: resgatar o insanamente lindo e instável Harry Osborn ou deixar a sorte lidar com ele. Se desse azar, ele sobreviveria e iria atrás dela para conferir se gatos tinham mais de uma vida.

Com um suspiro, foi ajudá-lo. Afinal, tinha um coração e preocupava-se também com sua carteira.


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