Stella escrita por Vic


Capítulo 29
O elefante no meio da sala


Notas iniciais do capítulo

Bom dia! Desculpem por não ter postado no sábado passado, fiquei sem tempo... mas agora que estou aqui, vamos ao que importa. Chegamos ao final do arco! E eu queria agradecer a todos que me acompanharam até aqui (mesmo sendo leitores fantasmas), mas queria agradecer especialmente a Lydia/Luana/Guedes por me dar forças para continuar e por estar sempre ao meu lado. Obrigada pela recomendação!!
Sem mais delongas, boa leitura!


CAPÍTULO REVISADO



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Existe uma expressão metafórica muito usada para referir-se a problemas que são tão evidentes que não podem ser ignorados. O problema de Stella era tão grande quanto um elefante, e mesmo que tentasse ignorá-lo com todas as suas forças, ele a acompanhava aonde quer que fosse. Mas foi enquanto corria atrás do carrinho da filha que ela percebeu que não podia mais continuar ignorando aquele enorme elefante no meio da sala.

Stella corria e rezava, rezava e corria. Ela nunca foi muito apegada a religião, mas no momento acreditaria em qualquer divindade que pudesse salvar o seu bebê daquele destino terrível. O carrinho deu sinais de que viraria assim que chegou ao patamar da escada, e ela fechou os olhos, apertando-os o máximo que conseguia. A surpresa que teve ao abrir os olhos foi uma das melhores de toda a sua vida, o pai da sua filha estava a encarando com um semblante muito assustado, ele segurava o carrinho com tanta força que os nós dos seus dedos tinham ficado brancos, e o seu peito subia e descia devido ao esforço que havia feito para conseguir tamanha façanha. Ela não era mesmo devota à nenhum deus, mas passou a acreditar na existência deles naquele exato momento.

— Ela está bem? – Indagou ao terminar de descer o restante das escadas, mantendo uma certa distância dos dois. Mesmo que ele soubesse disfarçar muito bem, ela sabia que ele estava furioso com ela, e com toda a razão.

— Ela está bem. – Respirou fundo, recuperando o ar que tinha perdido desde que visualizou aquela cena horrível, e aconchegou a criança em seu peito.

— O meu coração quase saiu pela boca. – Levou a mão ao peito e tentou normalizar a própria respiração. – Eu pensei que ela fosse morrer.

— Eu nunca deixaria uma coisa dessas acontecer, Stella. – Garantiu com a voz ainda meio trêmula por conta de toda aquela adrenalina. – Foi só um sustinho, não foi?

— Mas você não pode protegê-la de tudo, Will. – Ofegou, ainda estava sobressaltada por conta de toda aquela correria.

Jas parou bem ao seu lado e perguntou num tom ofegante e urgente:

— Ela está bem?

— Sim, eu acho que sim. – Começou a dar tapinhas nas costas da menina enquanto tentava olhar para o seu rosto, que se encontrava escondido na dobra do seu pescoço. – Ei, o papai está aqui. – O bebê esticou a mãozinha direita, colocando-a no bolso do jaleco do pai, estava tão distraída com isso, que nem tinha percebido toda aquela tensão à sua volta.

— Eu acho que precisamos conversar sobre o que acabou de acontecer aqui. – Jas olhou de canto de olho para a amiga enquanto o homem dava um beijinho na testa da criança.

— Jas, estamos precisando de você no Minskoff. – Lindsay anunciou, notando toda aquela tensão entre os amigos.

A mulher suspirou de pura frustração e murmurou para que só ele ouvisse:

— Então conversamos depois. – Saiu.

— Vocês estão bem? – Lindsay olhou de um para o outro.

Ele assentiu.

— Sim, ela está bem. – Continuou passando a mão nas costas da filha.

— Mas se precisarem de alguma coisa, é só me chamar.

— Muito obrigado.

— Eu sinto muito... – Tentou se desculpar, mas seu nervosismo era tão grande que acabou atropelando as palavras. – Eu estava conversando com a Jas... achei que tinha travado o carrinho.

— Você achou que tinha travado o carrinho? – Frisou a palavra achou, fazendo questão de demonstrar que estava muito bravo com ela. – Stella, pelo amor de Deus! Você estava no topo de uma escada.

— Mas não aconteceu nada, ela está bem. – O homem a encarou por alguns segundos, estava incrédulo com tamanha frieza da parte dela. Lily só estava bem porque ele tinha conseguido operar um verdadeiro milagre para impedir uma tragédia, mas a verdade é que a sua filha poderia estar morta. – Eu juro que não sei o que aconteceu. – Continuou tentando explicar enquanto ele terminava de aconchegar o ursinho da guarda ao lado da menina no carrinho. – Eu sou tão idiota.

— Mas podia ter sido muito pior. – Engoliu em seco, não gostava nem de pensar naquela possibilidade. – O carrinho podia ter virado.

— Eu me lembro de ter travado essa porcaria.

— É a vida da nossa filha, Stella. – Repreendeu a mulher. – Você tem que tomar mais cuidado, não dá para simplesmente achar que travou o carrinho, tem que ter certeza.

— Mas foi um acidente, tá?

— Não, Stella. Uma xícara cair é um acidente, a nossa filha não.

O semblante da mulher se fechou imediatamente.

— Então você está insinuando que tentei machucar a minha própria filha?

— Eu sei que você ama a Lily, mas...

— Olha... – Respirou fundo, espalmando a mão na direção dele. – Eu estou tão chateada quanto você. – Explicou com a voz embargada, mas se segurou para não chorar na frente dos colegas. – Me sinto péssima por ter deixado isso acontecer.

A discussão foi interrompida pela chegada de Danny.

— Oi, eu estava interrogando um suspeito quando fiquei sabendo que a Lily sofreu um acidente. – Danny encarou o amigo enquanto colocava a mão no ombro da amiga. – O que aconteceu?

A mulher explicou com uma voz de choro:

— Eu esqueci de travar o carrinho e ele desceu escada abaixo.

— Meu Deus! – Abraçou a amiga pelos ombros. – E ela está bem?

— Ela está bem. – Assentiu, engolindo em seco. – Os únicos abalados aqui somos eu e o pai dela.

— Eu ainda tenho muito o que fazer aqui... – Olhou para a esposa e depois para a criança no carrinho. – Mas você se importaria em levá-las para casa, Danny?

— Mas é claro que não.

— Eu estava indo me encontrar com a Kristina, tenho certeza de que ela também não se importaria em me levar para casa. – Encarou o amigo, procurando uma desculpa para se livrar daquela situação.

— Eu falo com a Kristina, tá? – Encarou a amiga com um sorriso compreensivo nos lábios e deu-lhe um beijo na testa, assumindo o lugar do amigo atrás do carrinho da menina. – Me deixa te ajudar com isso.

— Está tudo bem. – Stella tranquilizou o marido antes de dar as costas para ele e ir embora. – Ela está bem.

Ele queria muito acreditar no que a sua esposa estava dizendo, mas era quase impossível. O susto que tomou ao deparar-se com aquela cena foi tão grande, que a única coisa que ele queria na vida era garantir que nada parecido voltaria a acontecer.

— Lindsay. – A mulher se virou ao ouvir o seu nome. – Eu quero que diga a Jas que eu preciso conversar com ela na minha sala quando ela voltar, por favor.

Ele estava com a cabeça abaixada, a cena da filha caindo da escada continuava se repetindo na sua mente numa espécie de looping, fazendo o seu coração disparar e a sua respiração ficar irregular. Mesmo sabendo que a sua menina estava sã e salva, o medo ainda tomava conta dele. Ele só levantou a cabeça quando ouviu leves batidinhas em sua porta de vidro, era Jas.

— Oi, cara. – A mulher deu um sorrisinho ao abrir a porta e entrar na sala.

— Oi. – Também tentou sorrir. – Me desculpe por atrapalhar o seu trabalho.

— Tudo bem. – Sentou-se na cadeira de frente para ele. – Eu não consigo encontrar uma solução para isso mesmo.

— Isso se parece muito com o que eu estou vivendo com a Stella. – Murmurou com um certo desgosto. – Mas escuta, você também estava no topo daquela escada com ela. O que aconteceu?

A mulher respirou fundo enquanto o encarava e pensava se deveria mesmo contar-lhe toda a verdade. Era uma escolha muito complicada, mas ela estava entre a cruz e a espada.

— Ela e eu estávamos discutindo... – Umedeceu os lábios, ficando em silêncio por alguns segundos. – E ela me contou uma coisa... um segredo, e quando discordei dela, ela ficou totalmente fora de controle.

— E o que ela te disse?

— Ela disse que parou de tomar os remédios.

O homem cobriu o rosto com as mãos, não estava nem acreditando no que estava ouvindo.

— Quando?

— Eu não tenho certeza... – Murmurou, se encolhendo na cadeira. – Mas acho que foi isso que desencadeou esse comportamento dela.

Ele se levantou, colocando as mãos na cintura enquanto tentava absorver aquilo.

— Mas ela jurou que estava tomando os remédios. – Passou as mãos no rosto. – Eu não... eu não posso mais acreditar numa palavra que sai da boca dela.

— Eu acho que a essa altura é a depressão que está controlando-a, não o contrário.

— Mas fomos a uma sessão conjunta ontem e ela foi tão honesta comigo... achei que estivesse tudo bem e acreditei que ela realmente estava seguindo o tratamento.

— Eu também achei. – Colocou uma mecha do seu cabelo atrás da orelha. – Eu também achei. – Repetiu. – Eu acho que quando ela me contou a verdade... ela acabou surtando. – Continuou explicando. – E depois só me lembro do carrinho caindo...

— Mas o carrinho caiu por acidente... – Hesitou, sentindo os seus lábios secarem. – Ela nunca tentaria machucar o nosso bebê...

Enquanto os dois conversavam e tentavam encontrar uma explicação para aquele acontecimento, Stella e a filha chegavam em casa sendo escoltadas por Danny.

— Tudo certo, sente-se e tente relaxar um pouquinho. – Danny colocou o carrinho da afilhada para dentro e sorriu para a amiga.

— Eu sinto muito, Danny. Eu não queria te atrapalhar. – Colocou as coisas no sofá menor e sentou-se no outro. – Eu estou tremendo até agora...

— Isso não foi culpa sua, Stella.

— Mas eu podia jurar que tinha travado essa droga. – Reclamou, passando as mãos no rosto e no cabelo. – Eu sempre travo, é automático.

— Eu já disse que foi só um acidente. – Repetiu enquanto folgava o cinto que prendia sua afilhada ao carrinho. – E acidentes acontecem. – Tirou a menina do carrinho e a aconchegou no seu peito. – O importante é que acabou e vocês duas estão bem.

A mulher levou a mão ao peito, tentando ignorar aquele nó que se formava na sua garganta.

— Eu não quero que nada de mau aconteça com a Lily.

— Nada de mau vai acontecer com a minha afilhadinha. – Beijou o topo da cabeça do bebê. – Ela está ótima. – Começou a balançar a criança, indo em direção às escadas. – Já volto.

Stella esperou o amigo sair para colocar as pernas no sofá e as abraçar, levando as mãos à cabeça e se encolhendo o máximo possível naquele espacinho.

— Muito obrigada, Danny. – Ela o abraçou assim que ele voltou para a sala. – Você sempre me salva quando tudo está desmoronando.

— Oh, mas não tem nada desmoronando, minha querida. – Colocou a mão na sua cabeça, aconchegando-a mais no seu peito. – Vamos sentar aqui. – Segurou as mãos dela e ambos se sentaram no sofá. – A Lily está ótima e ela nem vai se lembrar disso.

— Você só pode estar brincando. – Pegou a almofada, abraçando-a com força. – Eu quase morri quando vi aquele carrinho caindo... e o pior de tudo era que não tinha nada que eu pudesse fazer para impedir... – Abraçou a almofada com mais força. – E se a minha menininha tivesse morrido? Eu nunca mais quero me senti daquele jeito...

— E não vai.

— Mas... e se acontecer alguma coisa com ela? – O nó na sua garganta estava quase a sufocando. – Eu me sinto tão... indefesa. – O homem passou o braço ao seu redor e a apertou contra o seu peito. – É como se eu nunca mais fosse voltar ao normal.

— Eu sei que as coisas têm sido muito complicadas...

— E já foi tão complicado admitir que tenho mesmo depressão pós-parto...

— Mas você admitiu. – Afastou os cabelos dela de seu rosto. – Meu bem, você é tão forte e também é tão capaz... e eu sei que ama a sua família. Eu acredito em você. – O silêncio tomou conta da sala. – Eu sei que vai dar tudo certo.

— Eu pensei que tinha virado uma página, entende? – Afastou-se dele, desvencilhando-se de seus braços. – Eu estava mesmo conseguindo trabalhar e até consegui levar a minha filha ao médico sozinha.

— Então não deixe isso te derrubar. – Ela sorriu, sentindo-se um pouco mais confiante. – Tente continuar fazendo exatamente o que está fazendo agora e te garanto que ficará tudo bem.

— Você tem razão. – Passou as mãos nos cabelos. – Hoje foi só um dia ruim, aquilo foi só um acidente e eu não deveria deixar nada disso me abalar.

— Eu sei que é muito difícil para uma maníaca por controle como você, mas tente ir ao psiquiatra e continue tomando os seus remédios. É assim que as coisas melhorarão.

No laboratório, um peso também acabava de ser retirado das costas de seu marido.

— Foi mesmo só um acidente. – Jas garantiu. – Ela esqueceu de travar o carrinho e também não percebeu que ele ainda estava muito perto da escada. – O homem suspirou de alívio. – Ela não teve nenhuma intenção de deixar aquele carrinho cair.

Eles se sentaram nas cadeiras e respiraram fundo enquanto tentavam processar todos aqueles acontecimentos.

— Então ela estava longe do carrinho enquanto falava com você?

— Ela me disse que a depressão pós-parto estava passando e que os remédios não tinham nada a ver com aquilo, porque ela já tinha parado de tomar. – Murmurou o fim da frase. – Eu disse para ela que aquilo era uma péssima ideia, disse que ela estava sendo muito irresponsável e ela tentou se esquivar de mim. – Ele sacudiu a cabeça, tapando os olhos com as pontas dos dedos. – Ela me disse para parar de tratá-la como uma criança porque estava tudo sob controle, e eu coloquei a minha mão no braço dela e me ofereci para ajudar... – Repetiu o mesmo movimento que a amiga havia feito. – Ela puxou o braço, sem querer acabou batendo-o no carrinho e ele caiu. – O homem segurou a vontade que tinha de chorar e continuou escutando. – Eu tentei conversar com ela, mas ela ficou com muita raiva e isso tudo acabou acontecendo. – Esperou o amigo dizer alguma coisa, mas ele continuou calado. – Ela não está melhorando e isso é muito perigoso.

— Então você está me dizendo que acha que ela está mesmo totalmente fora de controle?

A mulher assentiu, era exatamente nisso que acreditava.

— Eu acho que ela não consegue mais enxergar o óbvio.

— E a nossa filha podia ter se machucado muito hoje... – O resto da frase morreu em sua garganta. – Eu preciso dar um jeito de fazê-la enxergar isso, mas primeiro tenho que dar um jeito de conseguir chegar até ela.

— Como? – Umedeceu os lábios. – Como? Se ela mente até para ela mesma.

O homem deu um longo suspiro e a encarou.

— Eu vou precisar muito da sua ajuda.

O seu plano estava traçado, mas precisaria da ajuda de todos os seus amigos para conseguir colocá-lo em prática.

— Oi. – Kristina disse ao atender o celular.

— Oi, Kristina. É o Will. – Usou o seu tom mais sério. – Eu preciso que me ajude com a Stella.

Os amigos mais próximos foram avisados do ocorrido e convidados a participarem do plano, quando a noite finalmente chegou, a casa deles estava tão cheia, que alguns dos amigos tiveram que retirar algumas das cadeiras da mesa de jantar para se sentarem. O clima era de completa tensão, nenhum deles sabia como ela reagiria, então fizeram questão de esperar em silêncio, o único barulho presente na sala era do sapato de Lindsay em contato com o chão. Stella estava descendo as escadas, quando todos se levantaram de uma vez e a encararam.

— O que está acontecendo? – Stella abriu um sorriso nervoso para o grupo. – O que vocês estão fazendo aqui?

Danny caminhou até ela, colocando a mão em seu ombro.

— Ah... – Umedeceu os lábios, olhando para os outros e depois para ela. – Estamos aqui para te ajudar, minha querida.

— Mas ajudar com o quê? – Afastou o ombro do contato dele.

— Estamos muito preocupados com você.

— É mais do que preocupação. – Will completou. – As coisas não podem mais continuar como estão, temos que dar um jeito nisso antes que piore.

A mulher riu assim que entendeu exatamente o que estava acontecendo.

— E o que é isso? Uma intervenção?

O psiquiatra tomou a palavra, dizendo:

— Exatamente.

— Ótimo. – Umedeceu os lábios, apertando-os logo em seguida. – Eu não acredito que vocês resolveram se juntar para fazer isso comigo, mas não farei parte de nada disso. – Pegou sua bolsa que estava em cima da mesinha e foi em direção a porta, mas antes mesmo que chegasse até ela, seu marido a barrou.

— Stella... – Colocou-se entre ela e a porta, segurando seus braços. – Você está muito doente e...

— Licença.

— Você não vai para lugar nenhum.

Ela olhou para o restante do grupo.

— Eu não acredito que vocês se uniram para tramar contra mim.

— Ninguém aqui tramou nada contra você, Stella. – O psiquiatra esclareceu. – Eles só estão aqui para te ajudar.

— E em quanto tempo você armou isso?

— Eu liguei para eles depois do que aconteceu com a Lily. – Respondeu enquanto olhava no fundo de seus olhos. – Foi quando eu descobri que você não está mais tomando os seus remédios.

Stella deu um longo suspiro, levou a mão à testa e deixou suas coisas caírem no chão.

— Ótimo. – Umedeceu os lábios. – Então agora você está me punindo.

— Eles estão aqui porque te amam e também porque querem o seu bem. – O psiquiatra entrou na conversa outra vez.

— Mas eu não sou uma bêbada e nem uma viciada. – Argumentou enquanto olhava para os outros. – Eu não preciso de uma intervenção.

O marido dela respirou fundo enquanto procurava uma forma melhor de explicar as coisas para ela.

— Estamos aqui para te dar uma oportunidade de mudar. – Explicou com muita calma. – E o que você vai fazer com ela é um problema seu, mas você precisa entender que haverá consequências caso você recuse a nossa ajuda.

A mulher comprimiu os lábios e riu.

— Tipo o quê? – Olhou para os amigos. – Vão deixar de serem meus amigos. – Encarou o psiquiatra com uma expressão de deboche desenhada em seu rosto. – Ou deixar de ser o meu médico? – Olhou para o marido. – Oh! Vai se divorciar de mim?

— Nada disso tem que acontecer. – Giovanni disse. – Mas você podia se sentar e ouvir o que essas pessoas que te amam têm para te dizer, ou então podemos pular direto para a parte das consequências. – O homem pegou o bloco de notas que sempre carregava consigo e tirou uma caneta do bolso da camiseta. – Mas você não vai mais levar a mesma vida que tem levado desde que a Lily nasceu... e cabe a você decidir se irá participar disso ou não.

Stella fechou os olhos, massageou as têmporas com as pontas dos dedos e finalmente entregou os pontos.

— Beleza. – Caminhou até a única cadeira vazia que havia na sala. – Já que vocês fizeram o enorme favor de armar essa emboscada, então por que não me dizem que péssima mãe eu sou? – Sentou. – Estou escutando.

Os outros também se sentaram em suas cadeiras, e a mulher cruzou os braços enquanto esperava algum deles se manifestar, mas ninguém queria ser o primeiro a falar sobre o elefante no meio da sala.

— A ideia foi sua, meu bem. – Stella quebrou o silêncio ao referir-se ao marido. – Explique o porquê de estarmos aqui.

— Todos irão falar, um de cada vez. – O psiquiatra olhou ao redor, numa tentativa de incentivar o grupo. – Contem para ela o que ela significa para vocês, e como o comportamento dela afetou a vida de vocês.

Eles se entreolharam, mas continuaram calados.

— Então tá. – Stella pigarreou ao tomar a palavra. – Eu acho que... todo mundo aqui sabe que eu admiti que realmente tenho depressão pós-parto, e também acho que todos sabem que isso significa que terei dias bons e dias ruins. Mas o importante é que estou tentando focar nos meus dias bons, não é, Danny? – Buscou o apoio do amigo. – Era disso que estávamos falando.

— Eu acho que é bom deixar claro que ela realmente está tentando.

— Muito obrigada.

— Anotado. – O homem terminou de anotar em seu bloco de notas. – Lindsay, quer ser a primeira a falar?

A mulher respirou fundo e se alongou.

— Eu te admiro muito, Stella. – O som da sua voz era tão baixo, que os outros quase não ouviram. – Há muito tempo... mas ultimamente parece que eu nem te conheço mais. Você não fala sobre a Lily. Você não quer levar ela para fazer compras, nem vestir ela. – Stella abaixou a cabeça. – Eu sei que isso é passado, mas eu ainda não consigo entender porque quando a sua filha estava doente você insistiu para que eu a levasse para o hospital junto com o Danny. Eu estava muito assustada e os médicos ficavam me pressionando para tomar decisões muito difíceis... e eu não sabia o que fazer. Eu não sou a mãe dela.

— O pai dela estava preso dentro de um prédio em chamas que eu estava tentando ajudar a evacuar.

— Eu não entendo como isso podia ser mais importante do que a sua filha. – Umedeceu os lábios. – Ela estava doente.

— Lindsay, você nem sabe do que você está falando. – O seu tom de voz aumentou. – Eu não acredito que você está sentada na minha sala de estar falando sobre os erros que eu cometi como mãe.

— Eu só estou tentando...

— Não. – Espalmou a mão na direção dela. – Eu sempre estive do seu lado, até mesmo quando eu achava que você estava errada. Então me explica por que você está aqui sentada na minha frente me dizendo que eu sou uma péssima mãe? – Encarou a amiga, que engoliu em seco. – Isso é ridículo.

— Minha querida. – Danny interveio. – A Lindsay te ama.

— A Lindsay ama a Lindsay. – Consertou. – Mas está na cara que todo mundo aqui concorda que eu sou uma péssima mãe, mas pelo menos eu não sou a pessoa que negligenciou a própria filha por causa dos problemas que tinha com o marido. – Lindsay sacudiu a cabeça enquanto tentava segurar as lágrimas. – Você passou meses enfiando remédios na garganta do seu marido, e agora vem até a minha casa para apontar o dedo para mim?

— Isso é entre...

— Mas só assim você poderia tê-lo por perto, porque na maioria das vezes ele nem sabia quem era...

— Chega, Stella. – Will interrompeu.

— Não estamos aqui para atacar a Lindsay. – O psiquiatra completou.

— Não? Então quer dizer que eu tenho que me sentar aqui e ficar só ouvindo os outros me atacarem sem ter nem o direito de me defender? É assim que funciona? – Umedeceu os lábios. – Oh! Então me desculpa, mas eu acho que isso não é muito justo. – Olhou para Lindsay. – Sai. Eu não te quero mais aqui.

A mulher limpou as lágrimas que escorriam por seu rosto e se levantou.

— Essa não é você. A Stella que eu conheço nunca me diria essas coisas. – O choro embargou sua voz enquanto ela corria para a porta. – Você precisa de ajuda. – Saiu, batendo a porta com força.

— Isso foi extremamente desnecessário, Stella. – Danny repreendeu a amiga enquanto passava as mãos no rosto.

— É? – Riu. – Mas você ouviu o que ela me disse?

— Ela só disse que você tem que tratar a sua depressão pós-parto. Stella, estamos aqui para te ajudar a melhorar. – A mulher abaixou a cabeça e o remorso começou a arder em seu peito. – Eu sou seu amigo há muito tempo e isso é uma honra para mim, eu já te vi enfrentando muita coisa... muita coisa ruim. E você conseguiu fazer tudo isso com uma força invejável. Eu sei o quanto você é forte, mas também sei que você não é forte o bastante para enfrentar essa doença sozinha. – Ela fechou os olhos e respirou fundo. – Meu bem, você precisa de ajuda. E também precisa se comprometer com o seu tratamento antes que isso cause mais danos às pessoas que você ama e a você mesma.

Kristina estalou os dedos e umedeceu os lábios.

— Eu sei que faz pouco tempo que somos amigas, mas sinto sua falta, e sinto falta dos nossos drinks no Jake. – Abriu um sorriso melancólico. – Eu sinto falta daquelas nossas caminhadas no parque... sinto falta da minha amiga. Aquela amiga com quem eu sempre podia contar, a amiga que me via tarde da noite nos plantões no hospital. – Arrumou sua postura no sofá e encarou a amiga. – Todas as mães cometem erros, aquele acidente podia ter acontecido com qualquer um. Mas só aconteceu com você porque você parou de tomar os seus remédios e isso é muita irresponsabilidade. Você é uma cientista e sabe disso melhor que ninguém. – Olhou para Danny. – É como o Danny disse, você precisa se comprometer com o seu tratamento... e se não quiser fazer isso por seus amigos, então faça pela sua filha.

— Eu não te conheço tão bem quanto todos aqui... – Axton começou. – Mas você foi a primeira pessoa que veio falar comigo quando eu cheguei. – Ela olhou direto para ele. – Eu sei que você ama o seu marido e a sua filha, e eles também te amam muito. – Ela e o marido se entreolharam. – Eles precisam de você para enfrentar essa doença. É a depressão pós-parto a verdadeira culpada por tudo isso... então aceite o tratamento, por favor.

Jas saiu do fundo da sala e foi sentar ao lado de Danny.

— Eu fiquei muito feliz quando o seu bebê nasceu, Stella. Mas acho que em algum momento eu acabei cruzando essa linha e me tornei uma facilitadora para você, sendo a babá de plantão ou te ajudando a se sentir melhor quando você não queria segurar a sua própria filha. Eu também inventei muitas desculpas para justificar esse seu comportamento e essas suas mudanças de humor. – Continuou, mas usou um tom mais calmo dessa vez. – Eu estava lá quando eles te levaram ao Mercy quando você pulou naquele lago... e fiquei muito assustada, porque pensei que você não queria mais viver.

— Mas foi um acidente...

O psiquiatra espalmou a mão na direção dela.

— Espera ela terminar de falar.

— Eu fiquei com muito medo de te perder, foi um verdadeiro milagre o Will ter te encontrado naquele lago e ter te levado para o hospital. Eu pensei que depois disso você levaria as coisas mais a sério, mas não foi isso que aconteceu... e então você começou a mentir sobre estar tomando os seus remédios. – A outra mulher abriu um sorriso melancólico para ela. – Essa não é você, Stella. Você não é uma mentirosa. Essa doença está tirando a sua chance de ser a mãe da Lily, e também está tirando a chance da Lily conhecer e amar a mãe dela. Eu sei que você quer ser uma boa mãe... e também sei que você fará o que for preciso para que a Lily veja o que há de melhor em você. – Esticou o corpo para tocar a mão da amiga. – Eu não tenho mais nada para dizer, exceto que sinto muito a sua falta e que quero a minha amiga de volta.

Will passou as mãos no rosto e respirou fundo.

— Eu não sei mais o que eu posso dizer que já não tenha dito. – Inclinou o corpo na direção da esposa, que virou para o encarar. – Eu te amo... muito e sei que você está lutando muito contra isso. – Ela umedeceu os lábios e começou a se balançar para frente e para trás. – Mas o que eu não entendo... é porque você não quer ajuda. Você sabe muito bem o que está fazendo com a sua vida e também sabe exatamente o que está fazendo com a nossa vida. O fato de você estar evitando o tratamento me faz pensar que... – Segurou a vontade de chorar. – Me faz pensar que talvez isso não seja só a doença. Eu acho que você não quer ter uma vida comigo e com a nossa filha.

— Não. – Negou com a cabeça. – Isso não é verdade. Eu te amo muito e eu... e eu também amo muito a nossa filha. Mas... – Encolheu os ombros, tentando pensar em alguma coisa. – Eu aceito, tá? Eu tenho mesmo que mudar. – Respirou fundo. – Eu vou voltar a tomar os remédios e também vou continuar com a terapia.

— Mas já esgotamos essas opções. – O psiquiatra esclareceu.

A mulher olhou para o marido e sentiu os seus olhos começarem a marejar.

— Você quer me trancar numa clínica psiquiátrica, é isso? – Indagou com a voz embargada. – Você sabe que eu passei a minha vida toda trancada. Então é disso que se trata? – As lágrimas escorreram por seu rosto e ela começou a soluçar. – Está querendo se livrar de mim?

— Stella, eu só quero o melhor para você. – Inclinou o corpo mais para frente. – Eu quero a vida que prometemos um ao outro. – Ela limpou as lágrimas que continuavam escorrendo por seu rosto. – Eu quero a minha vida de volta.

Enquanto seus amigos saíam da casa, ela arrumou uma mala, se arrumou e se despediu da filha com um beijinho na testa. Em seguida, voltou para a sala onde seu marido a esperava. O homem levantou do sofá assim que ouviu os passos da mulher na escada, ambos suspiraram ao se encararem, a despedida era sempre a pior parte.

— Já me despedi da Lily.

Ele colocou as mãos nos bolsos da calça.

— Ela vai sentir muito a sua falta.

Ela abriu um sorrisinho triste.

— Eu não acredito que disse mesmo aquelas coisas horríveis para a Lindsay, e nem que quase machuquei a nossa princesinha. – A vontade de chorar estava estampada em seu rosto. – Eu sinto muito... me desculpa por toda a dor que eu te causei. – Abraçou o marido, aninhando sua cabeça em seu peito. – Estou com tanto medo...

— Eu te amo tanto, meu amor. – Retribuiu o abraço. – Eu sei que você vai conseguir superar tudo isso, e quando conseguir... – Beijou sua testa. – Quando voltar para casa... – Ela parou de o abraçar e olhou para seu rosto. – A Lily e eu estaremos aqui te esperando.

Stella abriu um sorriso em meio as lágrimas e voltou a abraçar o marido, não havia mais nenhum elefante no meio da sala.


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Notas finais do capítulo

E finalmente acabamos o plot da depressão pós-parto...
Até o próximo!



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