You're My Christmas escrita por Brigadeiro


Capítulo 1
You're My Christmas


Notas iniciais do capítulo

O que está mais preparado para o natal: a sua casa ou o seu coração?

Ouvi essa pergunta neste natal, e fiquei pensativa. Muitos pensamentos sempre me levam a escrever. Então tá aí o que surgiu disso.

Boa leitura, feliz natal atrasado, feliz ano novo, não deixem os percevejos picarem a noite.



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Já passava da uma da manhã quando o rei desceu da limusine, pedindo desculpas ao motorista por ter estendido o turno do pobre coitado sem aviso daquela maneira. Mal talvez tivesse razão em sempre preferir usar o próprio carro para tudo o que fosse possível, mas Ben não conseguia se acostumar a não usar a limusine real para compromissos oficiais do governo. Até porque, aquilo lhe permitia fazer telefonemas, ler papeladas, realizar mini reuniões online a jato e acelerar todo o trabalho no trajeto entre um compromisso e outro (algo que Mal fazia enquanto dirigia, o que sempre causava mini ataques cardíacos no rei sempre que estava no banco do passageiro com ela, e que ela não parava de fazer não importava o quanto ele reclamasse), e todo esse esquema fazia com que sobrasse tempo para passar com sua família, o que era sagrado.

Então, é, talvez o turno extra de Steve valesse a pena. Para Ben. Não para Steve. Suspirou, sentindo-se culpado. Mandaria uma generosa gratificação de natal para o homem amanhã.

O motorista manobrou o enorme veículo enquanto Ben subiu a escadaria até a porta da frente, que foi imediatamente aberta por Horloge antes mesmo que ele tivesse a chance de tocar na maçaneta.

Não importava o quanto Ben insistisse para que Horloge respeitasse seus próprios horários de trabalho e fosse descansar, ele nunca ia se deitar enquanto todos os membros da família real não estivessem em casa. O que fez Ben se sentir ainda mais culpado por ter permitido que sua reunião se estendesse até aquele horário.

Ben o aposentaria a força se não soubesse que aquilo acabaria matando o velho teimoso de desgosto. Ele, Madame Samovar e Lumiére estariam ali enquanto estivessem vivos, trabalhar para a família real era o orgulho da vida deles e Ben os amava. Também não os queria longe. Mas também não os queria esgotados.

— Vá dormir, Horloge — Ben o segurou pelos ombros e o posicionou em direção as escadas, empurrando os ombros rígidos do senhor levemente.

Horloge tossiu uma risada abafada.

— Agora eu vou, majestade. A menos que precise de mim.

— Nós sempre precisamos de você, Horloge — respondeu Ben, porque qualquer outra resposta ofenderia o mordomo. — Mas está tarde e agora, só o que preciso é eu você vá descansar, ou vou me sentir culpado para sempre. É uma ordem.

— Como quiser, majestade — Ben observou satisfeito enquanto seu mordomo tomava o rumo de seu quarto. — Majestade, Alteza.

Ben franziu o cenho quando ouviu Horloge saltar os cumprimentos ao passar pela escadaria, e ao apertar os olhos viu dois vultos ao pé do balaústre, seu estômago de contorceu mais culpa, quente e avassaladora como lava.

Sua esposa e filha estavam no chão, sentadas no último degrau. Mal, com a cabeça encostada na madeira do corrimão, protegia a cabeça de Hope, deitada em seus joelhos, com o corpinho encolhido no degrau.

O que é que tinha acontecido ali?

— Mal — Ben sussurrou para chamá-la ao se aproximar, mas Hope foi mais rápida.

Assim que abriu os olhinhos verdes, que mesmo após o cochilo já estavam tão vívidos quanto sempre, ela pulou do colo da mãe e correu até ele, que já estava agachado pronto para recebê-la.

— Você chegou! — ela se agarrou no pescoço dele, que aproveitou para cheirar seus cachinhos frescos que ainda conservavam um pouco do cheiro de bebê, mesmo que a princesa já estivesse no auge dos seus sete anos.

A comemoração despertou Mal, que bocejou e se levantou do pé da escada como se dormir no chão fosse parte de sua rotina diária, e beijou o marido rapidamente como se ele não fosse o workaholic irresponsável e abandonador de família como se sentia naquele momento.

— Bem-vindo ao lar — foi o que ela disse. — Sua filha se recusou a dormir, ou a sequer subir para o quarto, enquanto você não chegasse. Tive que trocá-la aqui na escada mesmo.

A filha de Ben piscou os olhos para ele como a criatura adorável e sapeca que era, e quem via aquele sorriso resplandecente imaginaria que ele era o responsável pelo nascer do sol toda manhã, e não pela quase demolição do castelo todas as tarde, como de fato era.

— Você demorou — ela o acusou sem cerimônias. — Era seu dia de história. De novo. Imperdoável.

Ele piscou, surpreso.

— Onde você aprendeu essa palavra?

— Culpada — Mal ergueu a mão no meio de um bocejo.

Ele sustentou o peso de Hope com um braço e tomou os ombros da esposa com o outro, rebocando as duas escada acima em direção aos quartos.

— Me desculpe — sussurrou para Mal, que balançou a cabeça.

— Falamos depois.

— Henry?

— Também quis pernoitar na escada, mas eu disse não. Ele costuma me obedecer mais do que essa daí.

Quando chegaram ao quarto da princesinha, ele tentou deitá-la na própria cama, mas ela se agarrou ao pai como se fosse uma macaquinha e o pescoço dele fosse um galho. Ele sacudiu-se, em meio aos risinhos dela, até que ela caísse na cama como um saco de batatas. Então ele a cobriu e sentou-se na beirada do colchão, aos seus pés.

Mal esperou em pé na porta enquanto o marido fazia sua mágica com a pestinha hiperativa deles. Ela tinha dado um escândalo quando Mal tentou colocá-la na cama, alegando que não ia dormir sem ver o pai de novo, porque aquela era a terceira noite que Ben perdia, e Mal estava cansada demais para disciplinar daquela vez. Apenas se rendeu e ficou na escada com ela até aquele momento.

— Papai, você trouxe o tapete?

Ben ficou confuso.

— Tapete?

— O que voa. Mamãe disse que você tava lá — ela apontou para o próprio pijama que estampava a cena de Aladdin e Jasmine voando no tapete acima do tecido lilás.

— Eu não estava lá, só falei com eles por ligação.

— Mas e o tapete voador?

Ben buscou respostas com a esposa, que o encarou de volta sem cerimônias.

— Ah, é. Prometi a ela que se tomasse banho você a levaria para voar no tapete voador do Aladdin.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Como é?

— Contei a ela de quando fizemos isso. É o que acontece quando me deixa sozinha com sua filha por mais de doze horas seguidas. Boa sorte para cumprir a exigência de vossa alteza.

Antes que Ben pudesse responder, a princesa exigiu novamente:

— Podemos voar amanhã se não nevar?

Ben não queria dar aquela resposta, e se odiou por isso. Ao invés de disso, decidiu usar a boa e velha tática da paternidade chamada: esquiva.

— Veremos, querida.

Ela soltou um bocejo adorável. Tudo o que aquela garotinha fazia era adorável.

— Conta a história de você e da mamãe no tapete mágico?

— Pensei que a mamãe já tivesse contado.

— Ela não conta direito.

— Garotinha ingrata — resmungou Mal, o que só provocou risos na filha. Sua autoridade estava seriamente comprometida.

— Tenho certeza de que ela contou direito. Agora é tarde e você precisa dormir.

— Não quero.

— Hope — Ben usou o tom de alerta, que geralmente funcionava mais com ela do que com Mal. A rainha gostaria muito de saber como é que mesmo sendo a mais brava e ele sendo o que fazia tudo que aqueles dois queriam, ainda assim Ben era mais obedecido do que ela. Uma injustiça que só.

— Papai — ela chorou, determinada a quebrá-lo.

— É hora de dormir — ele determinou, com aquele tom que não dava brechas para mais argumentos, ainda que ela provavelmente fosse tentar. — Teremos tempo para recontar histórias depois.

— Quando? Você só trabalha agora.

O bico dela provavelmente o acertou com menos força do que a acusação, e Mal pôde ver a feição do marido desmoronar. Decidiu intervir.

— Ei, mocinha — foi até a cama. — Seu pai estava cuidando o reino para nós tenhamos um natal seguro, já falamos sobre isso.

— Ele perdeu o primeiro dia de neve, e não montou a árvore com a gente, e é o meu ano de colocar a estrela! — o fato de que ela tinha perdido a fala de bebê e parado de pronunciar as palavras de maneira errada há pouco tempo faziam as acusações parecerem ainda piores. E nem eram acusações de verdade, eram apenas constatações de uma garotinha chateada pela ausência do pai. — Não quero natal seguro, quero natal com papai.

Faltavam quatro dias para o natal e aquela época do ano era sempre especial para os Florians. Existia uma série de tradições milimetricamente estabelecidas por ele e que fazia questão de cumprir todo ano, até porque era o primeiro a se empolgar com elas. Naquele ano, já tinha perdido duas.

— Me desculpe, querida. Vamos colocar a estrela juntos na noite de natal, combinado?

Ela fez um bico, mas não teve muita escolhas. Ben a beijou e a cobriu, e Mal apagou a luz do quarto.

— Tenha bons sonhos, minha princesa.

— Esse ano vou pedir ao Papai Noel que você se aposente — retrucou ela, fazendo-o rir de leve. Não fazia nem dois dias que tinham explicado a ela o que significava aposentadoria depois de ouvi-los conversar sobre a previdência do reino, e ela já estava testando a nova palavra.

Era tão esperta, a sua garotinha. E estava crescendo tão rápido. Era quase um crime que ele perdesse qualquer momento com ela, o que só o fazia se sentir ainda mais culpado por ter perdido os dias que ela mencionara.

Antes que pudesse continuar se correndo em autopiedade, Mal o puxou para fora do quarto cheio de rabiscos na parede e bichos de pelúcia por toda parte, para dentro do quarto real com a cama gigantesca onde ele precisava deitar e descansar.

— Não fica assim. Amanhã ela já vai ter esquecido tudo isso e terá voltado a te amar pra sempre.

Ben tentou encontrar algum humor dentro de si para rir, enquanto Mal o cercava e começava a desabotoar o paletó dele, arrancando a peça logo em seguida.

Ela o puxou até a cama, e suas mãos subiram, ágeis, para o pescoço do rei, iniciando uma massagem no local. Ela não era tão boa nisso quanto ele, mas modo como Ben relaxava sob suas mãos a fazia se sentir como uma Ph.D. em massagem relaxante.

— Você quem prometeu, por que eu quem tenho que correr atrás? — perguntou ele, já de olhos fechados, sobre a questão do tapete.

— É como funcionamos. Eu prometo as coisas e você as cumpre por mim. Dá certo.

— Você é uma cara de pau.

— É a cara que você ama.

— É sim.

Ele a puxou de trás de si para seu colo, arrancando um beijo daquela cara que ele realmente amava como a nenhuma outra cara.

Cedo demais, o beijo acabou, e ela precisou perguntar:

— Como foi a reunião?

— Lone Keep e Nothern Wei estão à beira de uma guerra civil, então depende de como você encara a coisa toda.

Mal pulou do colchão na mesma hora, um pouco chocada.

— Ben!

— Eu sei, eu sei. Mas são dois povos tão teimosos! Jasmine reclamava do pai, mas não é uma Sultana muito mais flexível. E do outro lado temos Shang, que não está sendo nada diplomático. Onde está o espírito do natal dessas pessoas?

— Foi uma péssima época do ano para termos uma desmoronamento na Grande Muralha — Mal concordou. — Devíamos demolir aquilo tudo de uma vez. Fizemos com a barreira, podemos fazer aqui.

— Acho que isso pioraria as coisas agora. A Muralha não é restritiva como a barreira, tem centenas de passagens livres, a intenção dela não é separar o reino, mas delimitar e unir. Ela foi construída antes de eu nascer, exatamente para delimitar a divisão entre as terras do norte e as do sul, e exatamente porque com a junção dos reinos o deserto de Agrabah e o da Cidade Imperial se confundiam e os povos estavam brigando pelos oásis entre uma terra e outra.

Era o que estava acontecendo novamente. A nevasca que os sobressaltara na metade do inverno tinha derrubado parte da Grande Muralha que marcava as extremidades do reino, e como a sorte deles era muito grande, tinha ocorrido bem no pedaço que delimitava Lone Keep e Nothern Wei, e o grande problema dos Oásis recomeçara.

— O que precisa para resolvermos isso? — Mal, sempre prática, levantou a questão.

— Reconstruir a Muralha. E, até lá, fazer Jasmine e os Shang acertarem novos limite, porque uma parte dos escombros desviou a rota de um rio que alimentava o oásis Edge, e agora Jasmine quer que Mulan e Shang cedam um dos seus para que Lone Keep não sofra com a seca que isso pode provocar. Shang não acha que seja justo, porque Nothern Wei tem menos Oásis.

Geralmente, Mal estava por dentro e no centro desses pequenos conflito. Ben era o mestre da diplomacia, mas quando isso não funcionava ela surgia com o pulso de ferro que tomava uma decisão e encerrava as discussões.

Mas as últimas reuniões e discussões sobre o caso vinham tomando um tempo excessivo e exaustivo e as crianças estavam de férias da escola, de modo que um dos dois precisava assumir a dupla de terroristas real. Decidiram que a questão precisava mais de diplomacia do que qualquer outar coisa, então Ben assumiu.

— Quer que eu vá intervir?

— Não, Mal. É natal. Precisamos estar aqui.

— Precisamos impedir que o reino imploda também.

Mal suspirou e se encontrou nele que, ainda sentado na cama, abraçou a cintura da esposa enquanto esta passava a mão dos seus fios de cabelo, bagunçando tudo. A imagem de Ben descomposto lhe agradava mais, e a barba que ele tinha feito ainda naquela semana lhe conferia de volta aquele ar doce do menino que que a conquistara na adolescência.

Ben sempre deu mais valor do que ela à todas as datas comemorativas, e o Natal era a principal delas. Como faria para dizer ao seu principezinho de coração sensível a dura realidade da situação?

— Alguém precisa estar lá, Ben. Chamadas de vídeo não vão resolver a coisa toda. Precisamos reunir Jasmine, Aladdin, Shang e Mulan e levá-los até as cidadelas dos limites de Agrabah, para que vejam como a perda do oásis faz muito mais diferença para eles do que para Nothern. O deserto deles não é nem um terço do tamanho do que Agrabah — Mal desceu as mãos do cabelo para o pescoço do rei, e levantou o queixo dele para que olhasse para ela. — Você prefere ter uma viagem nas mãos em pleno natal ou uma guerra civil em pleno natal?

Ben gemeu de desgosto, lembrando da carinha de Hope o esperando na porta do palácio.

— Sinto como se estivesse quebrando nossa promessa — chorou o rei. — Eles deveriam vir primeiro.

Ben ainda se lembrava dos natais em que passou sem seu pai, e não foi apenas um. Tinha prometido nunca ser aquele tipo de pai. Tinha prometido, quando eles nasceram, ser pai antes de ser rei. Sentia-se um fracasso naquele instante.

— Ben, você está sempre aqui, nós dois estamos. Esses dois nem jamais souberam o que significa a palavra babá. Nós estamos fazendo um trabalho bom pra caramba, considerando tudo... Amor, temos duas crianças, um reino imenso, casamento e família para equilibrar na corda bamba da vida, não dá pra esperar que a corda esteja reta o tempo inteiro — ponderou a rainha. — Mas hey, somos eu e você nesse malabarismo, amor. Estou aqui equilibrando o outro lado quando a sua ponta da corda bambeia.

Ele a puxou para sim, beijando sua esposa sábia e companheira. Desde que se tornara pai, se deixar ser consumido pelo reino de tornara um pouco menos natural do que era antes dos gêmeos, porque no momento em que eles nasceram a devoção que Ben tinha pelo reino continuara intacta, porém se tornara consideravelmente menor em comparação à devoção que tinha por seus filhos. E se doar para Auradon significava sempre se doar menos para seus filhos, a linha para manter tudo aquilo equilibrado era muito tênue, e Ben sentia que Henry e Hope sempre mereciam ter mais dele em comparação. Eles mereciam tudo.

Quebrava-o por dentro ter que escolher daquela maneira, mas ele sabia qual era a coisa certa a se fazer, e era grato por Mal por lembrá-lo. Nunca antes tinha tido dificuldade em escolher o certo, mas nunca antes tinha sido colocado diante daquelas opções.

Basicamente ele tinha de escolher entre o natal com seus filhos ou deixar o reino se explodir.

E pela primeira vez em suas quase três décadas de vida, Ben quis deixar o reino se explodir.

Tá, tudo bem, não exatamente. Ele morreria antes de deixar Auradon se explodir por negligência, mas ainda assim era doloroso.

— Eu vou — ele quase chorou ao ceder no final do beijo.

— Bom menino — Mal sorriu e o puxou para a cama, para deitarem lado a lado para o sono dos justos. — Se for rápido, dá pra ir e voltar antes do dia 24. Ainda dá pra passar a véspera e o natal conosco.

Ben fez um cálculo mental rápido. Se todos os envolvidos ajudassem e chegassem a uma conciliação rápida, daria tempo. Ele só perderia a feira natalina da cidade e a manhã dos bonecos de neve, o que por si só já era ruim, mas pelo menos não perderia a véspera. Porém, teria que sair com o raiar do sol.

— Eles vão acordar e eu não vou estar aqui, de novo — murmurou contra o cabelo da esposa. — Hope vai me odiar. Henry vai me esquecer.

— Você deu um maldito pônei para ela ano passado, Benjamin. Ela nunca vai te odiar. Quanto a Henry, acho que ele está jovem demais para ter Alzheimer.

Ben sorriu, mas não estava feliz. Mesmo assim, abraçou Mal e deixou com que seu cheiro e seu abraço espantassem as preocupações pelas próximas três horas de sono que teria antes de levantar e avisar Lonnie que partiriam logo cedo. Ela esteve envolvida nas reuniões porque tem uma certa influência sobre o pai, e Ben precisaria dela lá se quisesse obter sucesso mais rápido.

— Eu te amo.

— Eu também. Vai dormir.

[...]

Mal estava esperando que Ben lhe ligasse a qualquer momento para informar que o reino estava a salvo, porque só assim valeria a pena aquele suplício.

De todas as tradições de natal dos Florians, participar da Feira Natalina da capital era a que a rainha menos gostava. Porque isso incluía se meter no meio dos súditos e ser legal com todos, até com os inconvenientes, e quanto mais velhas as crianças ficavam, pior era.

Por sorte Mal, já acostumada e resignada com o evento anual onde nunca faltavam, sempre contratava alguém para seguir atrás dele arrastando a caçamba de presente que ganhavam. Antes, eram em sua maioria todos para ela e Ben, alguns para seus sogros e outros poucos para seus irmãos. No entanto, as pessoas pareciam fingir que você não existe mais depois de ter filhos, e agora mais nenhum súdito se preocupava mais em presentar ninguém além dos príncipes.

Fosse como fosse, lá estava ela, passeando pela feira com duas crianças hiperativas e entuxadas de doces que, diante de tantos estímulos, mal se lembravam de que o pai deveria estar ali. Até que um súdito da equipe dos enxeridos os parou e perguntou sobre Ben. O que fez os dois começarem a chorar (Hope muito mais expressivamente do que Henry), e Mal teve de se lembrar como contar até dez para não matar o coleguinha mais próximo.

Ainda inconformada com a desculpa de “seu pai teve que fazer uma viagem de última hora para salvar o reino da devastação total”, Hope correu para longe dela e Henry e seguiu, e sumiram entre as centenas de pessoas da feira. O que teria feito Mal se desesperar se já não estivesse vacinada contra aquela criança.

Desde que a princesa sumira por horas em meio a um parque de diversões dois anos atrás, Hope e seu irmão tinham ganhado um “celular de emergência”. Mal deslizava para o bolso deles sempre que se preparavam para frequentar algum local público, assim ela sempre tinha acesso à localização dos dois graças ao GPS do aparelho, e à contato imediato sempre que necessário.

E, além disso, ela tinha visto a dupla dinâmica sumir atrás do urso de pelúcia gigante ao lado da árvore de natal mais gigante ainda no meio da praça. A as pegadas que os dois deixaram na neve também não era exatamente sutil.

— Não deu certo. Caiu tudo porque a mamãe não sabe fazer.

— Sinto muito, querido. Podemos fazer de novo quando eu voltar.

— Mas o quê... Hope!

A princesa, que segurava o aparelho para o irmão falar, deixou o celular cair com o susto que tomou, pois as grossas luvas em suas mãozinhas pequenas não ajudavam na anatomia da coisa. Mal pegou o aparelho do chão, para onde instantes atrás as duas crianças encolhidas na neve olhavam para a tela, e se deparou com a imagem de seu marido em uma videochamada.

Hope tinha ligado para o pai.

E Ben atendeu, é claro.

— Olá, querida. Você está linda.

Era provável que ele não estivesse sendo irônico, ainda que ela na verdade estivesse enfurnada debaixo de uma casaco grosso, com tocas e luva combinando. Ele por outro lado, parecia bem quente em uma sala fechada, de onde também se podia ver Lonnie e Jasmine atrás dele no vídeo.

Ele estava no meio da reunião pela qual viajou.

— Ben! Ficou maluco? Por que atendeu?

— Era o número da Hope. Eu não podia não atender.

— Podia sim. Céus — bufou a rainha, levemente desacreditada, mas não muito. Era Ben, afinal. Ele sempre atenderia a família. — Oi, Jasmine. Lonnie. Mulan. — Cumprimentou o pessoal que conseguia ver atrás do rei.

— Majestade.

— Fala ae, Mal — Lonnie acenou de volta.

— Como estão as coisas por ai?

— Tensas. Porque meu pai é um teimoso — Lonnie se mexeu e tornou visível a imagem de Shang ao redor dela.

— Eu não sou teimoso. Aladdin é que é arrogante — resmungou o Capitão.

— Shang, será que dá para você colaborar com a gente para que eu possa ter o meu marido de volta para o natal? — pediu ela, pragmática.

— Ah, ele já tem reclamado bastante disso por você — Mulan comentou. — Estamos prestes a ceder tudo que ele quiser se isso significar o fim das lamentações do rei.

Também não estou satisfeita longe do meu marido e filha, muito obrigada. Se me fizer perder o natal da Robin, pai, juro que nunca mais verá a sua neta.

— Isso não vale!

Lonnie ignorou o pai.

— Está na Feira? Está com Jay? Posso falar com eles?

— Deixei Jay na fila do Papai Noel, fomos separados por uma multidão de súditos. Daqui a pouco vou até eles.

— Ah, certo. Nossa, ainda bem que Ben me arrastou para longe disso. A única vantagem dessa viagem idiota.

— Te entendo completamente.

— Sua mãe e pai que não te viam há meses agradecem a preferência — Mulan resmungou, fazendo Mal rir.

As coisas não pareciam estar tão tensas assim, afinal. Em família tudo parecia mais fácil. Ben deveria ter levado Robin também, e a coisa toda não levaria nem meio minuto. Mas ela tinha certeza de que Ben resolveria tudo logo.

— As crianças estão muito frustradas? — Ben retomou com a aquela cara de cachorro abandonado.

Hope e Henry estavam pulando na perna da mãe, tentando alcançar o celular. Mal se agachou para que as crianças pudessem voltar a falar com o pai.

— Estão ótimos, olha só.

— Eu estava contando para o papai que tentamos fazer o castelo. Mas que você não sabe.

Que agradável para um arquiteta ouvir de seu filho que era uma péssima construtora de castelos de gelo.

— Henry acordou, viu a neve e insistiu em tentar fazer o castelo do projeto de vocês. Eu tentei ajudar, mas só piorei as coisas e o negócio quase desabou inteiro, então fui expulsa da obra — Mal rolou os olhos, fazendo Ben rir. Ele e Henry tinham passado vários dias planejando o que deveria supostamente ser o mais magnífico castelo de gela já construído, mas que tinha sido reduzido a uma pilha de flocos úmida em pouco tempo.

— Amanha estarei aí, e faremos o melhor castelo de todos.

— Promete? — o biquinho de Henry fez Ben querer pegar o avião e voltar naquele mesmo segundo.

O garotinho era um tanto quanto menos expressivo do que sua irmã para demonstrar os sentimentos, mas não significava que sentia menos a falta do pai do que a irmã.

— Prometo. Desculpe não ter estado aí quando acordou.

— Tudo bem. Mamãe explicou. ‘Cê tá cuidando para gente não ter que cuidar, porque o reino também é nosso.

Ah, Henry, seu garotinho atencioso. Não era difícil fazer Henry compreender um ponto de vista quando necessário, e muitas vezes aquilo ajudava a convencer Hope também, que quase nunca se deixava ser convencida por nada. Mal e Ben com frequência se perguntavam como uma criança de 7 anos podia ser tão idealista. Henry era a calmaria para a tempestade que era Hope. Tinha sido muito interessante observar a personalidade dos dois se desenvolvendo enquanto cresciam, e aprender a lidar com cada um em suas diferenças.

— De que adianta reino sem o papai aqui? Não quero reino. Quero ele.

A câmera foi virada para captar a imagem da garotinha sentada na neve ao lado da mãe, toda encapuzada, com os braços cruzados e um bico emburrado no rosto. Aparentemente aquela não seria uma das vezes em que Henry acabava influenciando a irmã.

Com uma pontada de ciúmes, Mal se perguntou se ela também faria todo aquele drama se fosse a mãe a estar longe no natal. Mas levando em conta de da última vez em que viajou, a princesa quase enlouqueceu Ben, sabia que a resposta era sim.

— Hope, querida, não faz assim — Ben pediu à filha. — O papai vai estar de volta o quanto antes, mas até lá eu tenho uma missão para você.

— Uma missão? — aquilo captou a atenção da criança, que desfez rapidamente o bico e aproximou o rosto da tela. — Que missão?

— Uma missão para vocês e seu irmão. Está me ouvindo, Henry?

— Sim, papai!

— Vocês estão vendo a mãe de vocês? Ela está triste. Olhem para ela — os gêmeos viraram as cabeças ao mesmo tempo para Mal, que colocou um bico no rosto para corroborar o que quer que Ben estivesse planejando. — Ela também está sentindo terrivelmente a minha falta, sabem. E ela precisa que vocês façam companhia para ela e a distraiam até eu voltar. Podem fazer isso?!

— Podemos! — os dois gritaram ao mesmo tempo, empolgados por terem uma responsabilidades de natal conferida a seus pequenos ombros.

— Ótimo, sabia que podia contar com vocês. Tirem a foto com o Papai Noel, façam os biscoitos de natal, se comportem e mantenham viva a chama do natal no coração da mamãe por mim. Amanhã estarei com vocês.

— Pode contar comigo, papai! — Hope agora já estava de pé, quicando sob a neve e chacoalhando a tela do celular.

— Papai, mas e você?

— O que tem eu, campeão?

— Quem vai manter o natal no seu coração aí de longe? — questionou o inocente garotinho.

Henry atencioso.

Ben fechou a boca após a pergunta, e Mal percebeu o quanto ele realmente estava triste por toda a situação deixa-lo longe da família em sua época favorita do ano. E se culpava por isso, ainda que não fosse sua culpa de maneira alguma. Seu amor verdadeiro tinha aquela tendência a puxar toda a carga para os próprios ombros, para aliviar a das pessoas e sobrecarregar a si mesmo.

Não deixava de admitir, era realmente uma droga ele estar longe. Não era a maior fã do natal, mas Ben tornava a coisa toda realmente especial e ela apreciava os momentos de tradição em família que aquela época do na sempre proporcionava. A única tradição que ela teve enquanto crescia era a de amaldiçoar o maior número de coisas possível na menor quantidade de tempo, coisa de família e tal. Por isso, quando chegara a Auradon, tinha subestimado o poder das tradições, até provar do conforto que elas traziam. Tradições traziam conexão e davam significado a momentos simples, e saber que a mesma coisa aconteceria da mesma forma no ano seguinte significava que você tinha algo duradouro que o tempo não levaria embora.

Mas, sem ele ali, a coisa toda parecia perder a maior parte da graça.

Ben estava certo, afinal. Ela precisava mesmo ser distraída pelas crianças. Provavelmente ele tinha notado por trás da fachada dela, e a missão toda não fora somente para engambelar as crianças.

— A Tia Lonnie vai — Mal respondeu por Ben, dando a ele tempo para se recuperar da pergunta do filho. — É pra isso que ela foi com o papai. Para manter o natal vivo com ele. Não é, Lonnie?

— Ah, sim, claro — Lonnie levantou os polegares, uma expressão bem pouco convincente. — Natal. Uhuul e coisa e tal. Vai, trenó!

Mal riu da torcida improvisada de Lonnie pelo Natal, e alguém pigarreou atrás de Ben, provavelmente exigindo a atenção do rei de volta à reunião super importante à qual os príncipes tinham interrompido.

— Deem tchau para o papai, crianças. O Papai Noel está esperando para falar com vocês — Mal adiantou-se, ou ele jamais encerraria a ligação.

— Tchau papai.

— Tchau papai. Até amanhã.

— Até amanhã. Eu amo vocês — Ben acenou para os filhos, e então para a esposa que aproximou o rosto da tela. Ela estava com a ponta do nariz vermelho devido ao frio e à impossibilidade de dar beijos de esquimó como costumam fazer no inverno. — E eu amo você.

— Resolva esse furdunço e volte para mim. Amo você.

Ela desligou antes que ele dissesse mais alguma coisa, e seguiu as crianças que agora tinham uma nova missão. E foram direto para onde o estranho barbado estava sentado em um trono de pelúcia ouvindo pedidos de crianças aleatórias. Que, para as crianças, era o retrato do bom velhinho fazendo sonhos se tornarem realidade.

Ah, a magia do natal, era o que diziam.

Normalmente eles pegavam a fila e esperavam nela como qualquer outro auradoniano, enquanto eram rodeados pelos flashes das fotos que estampariam a capa de todas as revistas no dia seguinte destacando o quanto a família real era humilde e respeitosa com todos, quando na verdade era Ben quem fazia questão de nunca passar à frente de ninguém, o que irritava Mal, porque era uma noção de igualdade injusta já que ninguém mais naquela fila alguma vez tinha virado a noite calculando a destruição de impostos nacionais, ela tinha certeza.

Sendo assim, sem Ben ao seu lado daquela vez, ela só foi passando por todos, arrastando seus filhos chorosos a reboque, até parar no início da fila e se colocar na frente da primeira pessoa na fila. Que, para sua sorte, era Jay.

— Você demorou! — ele acusou a irmã, que tinha lhe abandonado na fila há uma hora atrás para comprar chocolate quente para o filhos. — Cadê meu chocolate?

Henry e Hope imediatamente se agarram à fita que organizava a fila, observando a prima contar seus desejos ao velho de vermelho.

— Eu bebi. O que Robin está pedindo esse ano?

Jay olhou para a cena da filha sentada no colo do desconhecido à sua frente com certo incômodo. Bom saber que não era só Mal quem achava aquilo bizarro.

Robin disparava palavras inaudíveis para o Papai Noel como se fosse seu terapeuta particular.

— Se acompanhei bem os últimos desejos, deve ser um robô.

— Um robô?

— É, um que faça as tarefas domésticas por ela.

Mal riu alto.

— Se ela conseguir um, vou querer também. O que você vai fazer?

— Eu sei lá, me vestir de robô e fazer as tarefas dela? — ele coçou a cabeça. — Lonnie vai me ajudar a pensar quando voltar.

Robin não estava sentindo falta da mãe. Lonnie e Jay se revezavam todos os anos para participar da tortura, opa, da feira com a filha, e aquele era o ano de Jay. Então, nada de anormal do universo da garotinha.

— Está cada vez mais difícil atender essas crianças. Ano passado, Hope pediu um zoológico só dela. E Henry, um foguete.

— E o que vocês fizeram?

— Um zoológico de pelúcias e um foguete de brinquedo que acendia com explosivos.

— E o que vão pedir esse ano?

— Do jeito como estão, provavelmente para que Ben volte, então terei um descanso esse ano. Lá vem a sua pestinha.

Robin correu e se jogou no colo de Jay, contando empolgada sobre como o Papai Noel lhe prometeu o melhor robô do mundo. Jay sorria como quem tinha vontade de matar aquele velho.

Com certo desconforto, Mal observou Henry e Hope avançarem juntos e subirem cada um em uma perna do homem. A cena dava comichões nos instintos protetores de Mal, mas ela os conteve como das últimas duas vezes.

Ainda se lembrava da primeira vez em que participara da Feira após a maternidade lhe acometer.

Os gêmeos estavam com onze meses e Mal não gostava muito de tirá-los de casa, porque viraram uma atração onde quer que iam. Mas Ben insistiu, porque queria iniciar uma nova tradição e porque seria uma boa oportunidade para que eles fossem se acostumando a estar rodeados de súditos, e os súditos a tê-los no meio deles.

Foi uma tarde muito ansiosa e estressante para a rainha. Ben delicadamente negou com um sorriso no rosto cada pedido para segurar os bebês que vinham dos súditos, e recebeu com alegria cada presente, enquanto Mal estava focada em fazer com que Hope parasse de tentar arrancar suas luvas e que Henry desgrudasse de seu cabelo.

Foi quando Ben viu o homem no trono vestido de vermelho e ficou todo empolgado com o que, segundo ele, seria a fascinante primeira vez dos gêmeos com o Papai Noel. Quando Mal entendeu o que aquilo significava, questionou a sanidade do marido.

— Por que raios eu colocaria os meus bebês no colo de um velho estranho?

Ben ficou horrorizado com sua conclusão.

— É o Papai Noel!

— É estranho! — pontuou.

— Mal, você conhece o Papai Noel. Te contei sobre ele no seu primeiro natal em Auradon.

— É, mas você não disse nada sobre sentar no colo de estranhos fantasiados por aí. Isso é doentio. Que tipo de tradição é essa?!

Só mesmo Auradon para criar uma lenda cujo único propósito era fazer as crianças acreditaram que havia um velho mágico disposto a dar presente para todo mundo de graça. E, é claro, somente em Auradon aquilo colaria, porque nenhuma criança lá jamais ficou sem presente no natal. Se alguém tentasse contar aquela lorota na Ilha dos Perdidos, nos tempos da infância de Mal, qualquer idiota tentado a acreditar naquela idiotice teria sua crença frustrada imediatamente quando não achasse presente nenhum na manhã de natal. Ao contrário de Auradon, naquela época NA Ilha ninguém ganhava coisa alguma em dia nenhum.

Ela estava feliz porque aquela não era mais a realidade dos perdidos. Mas a história toda de Papai Noel ainda soava idiota para ela.

— Mal, não é um estranho. É só o Papai Noel.

Mal o encarou com certa preocupação.

— Ben, me diga que sabe que aquele não é o Papai Noel de verdade.

Ele sabia. Mas nem assim Mal permitiu que um estranho fantasiado colocasse as mãos em seus bebês gordinhos e rosados. Então Ben foi para casa, se fantasiou de Papai Noel e foi assim que os gêmeos ganharam sua primeira foto com um Papai Noel seguro sentado no trono de Auradon. Jamais haveria, na história, foto de natal mais principesca do que aquela.

Ben tinha tentado convencê-la nos anos seguintes também, mas aquela era apenas a terceira vez em que era obrigada a viver aquilo. Ela evitou o quanto pode, mas quando fizeram quatro anos e não podiam mais ser ludibriados, eles passaram a exigir participar da atração e Mal teve de ceder.

Mas a repetição não fazia a coisa toda ser menos desagradável aos olhos dela, principalmente por notar que todo ano era uma pessoa diferente fantasiada ali. Ela não sabia se os velhos dos anos anteriores tinham morrido ou apenas tinham feito algo que os desqualificou para o cargo de Papai Noel, e nem conseguia se decidir entra qual das hipóteses era pior, mas de alguma forma a cada ano era mais inquietante ver um homem estranho envolver seus filhos com os braços daquela maneira.

Não importa o quanto crescessem, para Mal eles ainda pareciam tão pequenos e tão vulneráveis quanto na primeira vez em que os pegou no colo. Desde que nasceram ela ficou subitamente consciente se tudo o que podia ameaçar a vida deles. De doenças e acidentes, até a possibilidade de algum vilão se revelar por trás da barba e sequestrá-los. Como herdeiros do trono, por mais que o reino estivesse em paz, haveria sempre uma espécie de alvo sobre eles, para o qual Mal nunca esteve alheia.

Se qualquer coisa desse errado no futuro, se qualquer incidente quebrasse a paz na qual o reino se equilibrava e um inimigo surgisse, seus filhos seriam os primeiros alvos para atingir o rei e a rainha.

Quando pensava sobre isso, ponderava que uma situação daquelas, ainda que hipotética, seria mais fácil lidar se ainda fosse uma vilã. Porque se você é uma vilã os seus inimigos são heróis, e os heróis nunca sequestram crianças; e nenhum outro vilão se atreve a tocar nos vilões de outro vilão.

Mas não importa em qual realidade estivessem, eles não precisariam se preocupar, porque por eles Mal poderia facilmente voltar a ser a vilã que um dia pensou ser, se fosse necessário. Se um dia pensassem em machucá-los, a pessoa responsável sentiria a fúria de mil Malévolas sobre si.

Pareceram se passar mil horas até que eles finalmente pularam do colo inimigo e correram para o braços seguros da mãe, permitindo a Mal calar suas paranoias e retornar para os problemas do presente atual.

— E aí, o que pediram?

— Pro papai voltar — Henry contou.

— Hoje — enfatizou Hope.

Mal sorriu. Conhecia os pestinhas que tinham saído dela.

— Bom, o Papai Noel está ocupado hoje, então pode ser que ele só consiga entregar o presente amanhã. Vocês sabem, tem que respeitar o calendário de entrega.

— Mamãe, o Papai Noel vai jogar o papai pela lareira? — Henry perguntou, fazendo Mal e Jay rirem.

— Ele vai — adiantou-se Jay ao responder. — É como ele entrega os presentes, certo? Se não vier pela lareira, então não foi o Papai Noel.

Mal quis matar Jay, mas ao invés disso, se virou para a sobrinha e sorriu malignamente.

— Pois é, Robin, o mesmo vale para o seu presente. Ouvi dizer que você pediu um robô, ele tem que chegar pela lareira ou não é do Papai Noel.

Ela saiu rindo, e deixou um Jay horrorizado para trás enquanto seguia as crianças até a cerca das renas, deixando para pensar depois em como contaria a Ben que ele teria que entrar em casa pela chaminé amanhã.

Assim como Ben pedira, as crianças levaram a missão a sério e se ocuparam o resto da tarde fazendo com que Mal rodasse por todas as atrações da feira. Já era tarde quando ela retornou para o palácio com duas crianças adormecidas nos ombros, e se sentiu grata por não ter que fazer nenhum ritual do sono naquela noite, pois nenhum dos dois acordou ao ser colocado na cama. Poderia dar banho neles pela manhã. Por agora, o importante era que descansassem.

Foi só quando já estava indo se deitar que seu celular vibrou, trazendo as palavras pelas quais esteve esperando o dia inteiro, enviadas pelo contato de Ben:

“O reino está a salvo. A caminho do aeroporto”.

[...]

Mal sabia que algo tinha dado errado no momento em que não foi acordada pelos beijos quentes de Ben em sua pele fria, como sempre acontecia quando ele chegava após ela ter ido dormir. De acordo com o horário em que ele avisou que estava retornando, o rei deveria ter chegado em casa à cerca de uma hora, quando Mal acordou sozinha na cama.

Por isso, estava acordada quando o telefone tocou e o rostinho lindo de seu marido apareceu na tela assim que ela atendeu. Rostinho esse que também estava ligeiramente deformado por uma expressão de tristeza e leve desespero que a preocupou imediatamente.

— Ben, o que aconteceu? Que cara é essa?

A careta se aprofundou, e por um instante pareceu que ele estava prestes a chorar. Mal apertou o celular entre os dedos.

— Ah, Mal.

— Você está me assustando, Benjamin! O que foi?! Você está bem, está ferido?

Ele sacudiu a cabeça, resignado e triste.

— Uma nevasca gigantesca. Agrabah está sem energia elétrica. E fecharam o espaço aéreo. Eu tentei resolver juro que tentei, mas não me deixaram embarcar.

Ela entendeu o que ele estava tentando lhe dizer, e seu coração doeu por ele, pelas crianças, e por si mesma. Ele não estaria com ele no natal.

— Ah, Ben.

— Eu sei. Me desculpe — pediu, exasperado. — Não posso nem expressar o quanto estou chateado. Passei a madrugada tentando dar um jeito. Tentei embarcar em um jatinho particular, mas eles...

— Ficou maluco? — ela o interrompeu no mesmo momento. — Se não é seguro voar, então você fica na porcaria do chão! Não me faça ter um colapso arriscando sua vida, Florian.

Ela nem sequer podia imaginar Ben arriscando a vida daquela maneira inconsequente só para chegar a tempo do Natal. As ameaças eram importantes, porque ela sabia que ele seria capaz de algo assim. Teria que agradecer a quem quer que tenha sido o herói que teve coragem de dizer não ao rei e impediu sua decolagem. Não podia imaginar perdê-lo.

— É véspera de Natal, Mal. E eu não estou com vocês.

— Você estará, assim que possível. É só um dia, amor.

— Não é só um dia. É Natal!

— Que dura 24 horas. O que quer dizer um dia — ela argumentou, não encerraria aquela conversa enquanto não tivesse certeza de que ele não tentaria chegar as custas da própria segurança. — Nós podemos sobreviver a um dia sem você. O que não podemos é sobreviver a uma vida sem você, se algo te acontecer. Estamos entendidos?

Ele suspirou, ainda parecia completamente infeliz, mas conformado. O que já servia.

— Sim.

— Ótimo. Onde vai ficar?

— Eu e Lonnie ficaremos hospedados na casa dos pais dela.

Mal assentiu. Mulan devia estar satisfeita pela nevasca ter obrigado a filha dela a passar o Natal lá naquele ano, ainda que sem a neta. Por mais que Lonnie visitasse os pais com certa frequência, os natais eram sempre passados junto com eles.

Se Jay ainda não descobrira a novidade, estava prestes a descobrir. Não sabia exatamente como Robin reagiria à novidade de passar o Natal longe da mãe, mas se fosse ser algo parecido com como os gêmeos reagiriam, Jay teria um belo problema em mãos. Mal teria um problema duplo. Que bom que tinha treinamento militar para situações de emergência.

— Vamos deixar um tablete ligado com a sua cara no sofá a noite inteira, que tal? Você não vai perder um minuto.

Ele negou.

— A nevasca derrubou a rede. Estamos inclusive sem energia, e meu celular está prestes a morrer — o lábio inferior do rei tremeu. — Eu vou perder tudo.

Ben estava a pura imagem da fragilidade naquela tela, e Mal quis consolá-lo, mas não sabia nem como se consolar para começar. Ela odiava tê-lo longe, odiava mesmo. Não ligava para o feriado, mas ligava para a presença dele com ela.

Mas não poderia deixá-lo perceber o quanto também estava chateada pela coisa toda, ou pioraria a situação.

Apelar para a magia do natal foi sua escolha estratégica de batalha.

 — Hey, não é você quem vive dizendo que o natal não é sobre presentes, e sim sobre o que realmente importa? Então precisa acreditar na sua própria teoria, porque o que importa é que você somo uma família de perto ou de longe. Você estará nas músicas irritantes, nas meias na lareira que decoramos todos juntos, naquela estrela ridícula na ponta da árvores, em cada tradição que cumpriremos, mesmo de longe, só porque você estabeleceu cada uma delas, Ben. Você é o meu Natal, cara de pastel. É o nosso Natal. A distância física não é nada comparado a isso, babe — quando ela terminou seu discurso improvisado, Mal quase não acreditou, mas ele estava chorando. Tentava esconder coçando o olho, mas ela o conhecia. — Recomponha-se, homem.

Quando ele a olhou, Mal pôde captar da tela o amor nos olhos dele, e soube que se estivessem no mesmo cômodo ele a teria beijado no mesmo segundo. A vontade era recíproca.

— Eu te amo.

— Eu também te amo. Agora salve a sua bateria para mais tarde, vamos te ligar quando der meia noite, ok?

— Ok — suspirou o rei. — Feliz Natal, amor.

— Feliz natal — ela desejou de volta, mesmo sabendo que não seria feliz para nenhum deles.

[...]

 

O telefone caiu direto na caixa postal pela vigésima vez naquela noite, e Mal suspirou.

A bateria dele deveria ter mesmo acabado. Ela tinha se conformado em passar o natal sem a presença física dele, mas estar impossibilitada até de ouvir a voz de Ben pelo telefone era mesmo um saco.

Sua família inteira – ou quase inteira, no caso – estava reunida no sala de estar principal do palácio, se preparando para comer assim que Madame Samovar desse o aval. A mesa longa estava posta, pois no natal até os empregados do castelo se sentavam para ceiar, ou pelo menos aqueles que não tinham família fora do palácio. Os restante era dispensado, é claro.

Embora soubesse que, se tratando de Madame Samovar, aquilo era quase impossível, Mal estava torcendo para que algo queimasse, caísse ou estragasse, para adiar o momento do jantar. De acordo com as regras de etiqueta da coroa, na ausência do rei ela deveria assumir a ponta da mesa, e não queria ocupar o lugar dele naquela noite. É claro que ninguém se importaria de ela mandar as regras para as cucuias por hoje, mas tampouco queria se ocupar seu lugar usual no lado direito e encarar a cadeira vazia a noite toda.

— Tudo bem, Mal? — Bela perguntou a ela quando a nora se soltou na poltrona com um suspiro pesado.

Mal forçou um sorriso.

— Claro.

Até gostaria de xingar e desabafar um pouco, mas tinha que tomar cuidado com o que dizia perto dos pirralhos porque eles tinham ouvidos supersônicos para captar o que não deveriam ouvir. Eles estavam finalmente entretidos com os primos após um dia inteiro de choro, reclamação e birras. Surpreendentemente, Henry foi ainda mais difícil do que Hope, e pouco de sua compreensão nata sobrou em seu corpinho agitado quando ouviu que o pai não estaria ali para o natal. Inúmeras tradições seriam quebradas em consequência daquilo e eles não estavam felizes. E se seus filhos não estavam felizes, Mal não estava feliz.

Bela, Adam e Hades ajudaram bastante na missão de divertir os netos. Hades até acendeu seu cabelo para eles, o que fez com que se ocupassem por uma hora inteira e o ex-deus se viu preso ao papel de fogueira falsa enquanto seis crianças se aglomeravam em torno dele fingindo estarem acampando e assando marshmellows. Foi o único momento da noite em que Mal riu.

Eles deixaram as crianças abrirem os presentes mais cedo também. Normalmente, eles tinham aquela coisa onde as crianças ficavam atentas ao céu noturno a partir do momento em que escurecia, esperando a primeira estrela aparecer; quando acontecia, esse era o momento de abrir os presentes. Mas naquele natal, elas os abriram antes mesmo de escurecer, primeiro porque elas mereciam, e segundo porque estavam enlouquecendo os próprios pais. Principalmente Mal e Jay. Robin não estava reclamando tão ativamente quanto Henry e Hope, mas estava irritantemente nervosa, impaciente e testando os limites de Jay com suas birras. Aparentemente, Lonnie tinha lhe prometido um passeio a cavalo naquela manhã e a garotinha aventureira tinha ficado extremamente decepcionada com a ausência. Não quis que Jay assumisse o lugar da mãe dela. Aparentemente era uma coisa das duas.

Mal entendia bem. Não tinha percebido que as porcarias das tradições importavam tanto até não poder cumpri-las. Carlos foi quem comeu escondido os biscoitos que Mal tinha feito com as crianças pela manhã – aqueles que Ben sempre comia antes de colocar os presentes embaixo da árvore para que as crianças pensassem que foi o Papai Noel que passara por ali. Ela e Jay estavam evitando passar perto do azevinho – aquele para onde Ben passava noite inteira arranjando desculpas para leva-la para debaixo deve e beijá-la. Não teve o coralzinho anual das crianças, porque Henry e Robin se recusaram a cantar. E de que adiantavam todos estarem com aqueles suéteres ridículos combinando se a pessoa que os deu a todos – Ben, é claro – não estava ali com o seu. E ela realmente não sabia como fazer para contar as histórias de Natal que o pai do ano narrava para os gêmeos aos colocá-los na cama em noites de natal, encerrando o dia com chave de ouro. Geralmente elas vinham acompanhadas de muita empolgação, vozes e expressões, tudo para o qual Mal não tinha ânimo. Mas talvez as crianças nem quisessem ouvir daquela vez. Era bem provável, na verdade.

E, naquele ano, Mal foi quem levantou Hope até o topo da árvore para colocar a estrela dourada na ponta. Mas o enfeite pouco fez efeitos nos ânimos. Aquela porcaria de enfeite de plástico não significava nada sem Ben. Ele era a verdadeira estrela do natal. Nenhum adorno brilhante poderia ofuscar a falta que ele fazia.

Ela apertou o celular em mãos, checando mais uma vez. Caixa postal.

Ela estava preocupada com Ben, também. Se a noite dela já estava sendo uma droga sem ele, mesmo rodeada por sua família e amigos, o que deveria estar sendo a do rei, longe de todos que amava? Logo ele, que considerava o Natal como ponto alto de seu ano e se importava com todas essas baboseiras mais do que todo mundo. Ela simplesmente sabia que ele estava se sentindo triste, sozinho e miserável lá em Northern Wei, e Mal quis socar alguma coisa.

Que porcaria de noite que não acabava nunca.

— Mamãe — Hope e Henry se aproximaram dela ao mesmo tempo, esfregando os olhos e coçando o rosto.

Ela pulou para o sofá maior e puxou os dois para si, deixando se que acomodassem cada um de um lado da mãe enquanto ela os aninhava em seu peito.

— Já estão com sono?

A resposta que teve foi um bocejo.

— Eu tô com fome também — reclamou Hope. — A gente come ou dorme primeiro?

— Eis ai um dilema difícil — Mal afastou os cachinhos loiros da franja da filha de cima de seus olhos. — Durma um bocadinho e eu te acordo quando for pra comer, que tal?

— Ótimo plano, mamãe.

— O papai já comeu? — perguntou Henry.

Mal comprimiu os lábios antes de responder.

— Provavelmente, querido.

— Que bom.

Faltavam cerca de três horas para a meia noite agora. Existiu um momento na vida daquela família em que todos esperavam dar meia noite para comer o banquete especial da Madame Samovar. Mas, pouco depois de o grupo sofrer a adesão de meia dúzia de crianças hiperativas e arteiras, os momentos de ceia foram sendo adiados até que passaram a acontecer sempre por volta das oito da noite agora.

Já tinham se passado quarente minutos desde dera o horário, e Madame Samovar nunca atrasava uma refeição. Nunca. Quem dirá a ceia natalina. Até ela estava esperando, se agarrando à esperança de um milagre de natal que fizesse Ben passar por aquela porta, surpreendendo e alegrando a todos.

Somente as nove a governanta provavelmente percebeu que não dava para adiar mais, e liberou a refeição. Mal se sentou na porcaria da cadeira da ponto, com seus gêmeos um de cada lado dela, porque assim pelo menos a cadeira não ficaria vazia.

— E agora? — Jay fez a pergunta enquanto todos já estavam sentados, encarando a comida que geralmente ninguém comia enquanto esperavam Ben dar graças pelo ano.

Ela deveria saber, sabia disso. Mas não queria.

Pelo que agradeceria? Podia ter um reino inteiro aos seus pés e, sem ele, não valeria de nada.

Ela observou sua família à sua frente, seus filhos cabisbaixos, Robin emburrada e Jay desanimado. Os pisca-piscas piscavam por todo o salão, a árvore – uma das dezenas que Ben espalhava pela casa – parecia rir dela.

— Mal? — Adam a chamou. — Quer que eu dê as graças?

— Não.

Ela afastou a cadeira da mesa, largando os talheres no prato ruidosamente.

Ah, que se dane. De que adiantava decorar a casa inteira, se fosse para passar a noite longe de Ben?

Ela se levantou e olhou para seu irmão.

— Jay, vá buscar a cela. A maior que tiver. Eu vou agasalhar as crianças.

Jay entendeu no mesmo minuto. Como ela amava seu irmão.

— Beleza! — ele bateu palmas e correu para fora, sumindo em direção aos estábulos do palácio.

Mal pegou Henry, Hope e Robin pela mão sob o olhar atento e confuso dos demais.

— Por favor, continuem a ceia sem nós.

— O que você vai fazer, maluca? — Evie objetou.

— Voar até Ben.

Ela não deixou muita margem para discussão. Apenas pegou os filhos e a sobrinha, subiu, agasalhou-os com todas as roupas de inverno possíveis até que não se pudesse vem mais nada além de seus olhos debaixo de toda a roupa quente. Por fim, também fez cada um deles colocar um óculos de esqui.

A roupa de Jay já estava separada na entrada quando se encontraram no páteo. A cela gigantesca em seus ombros, a de combate. Cabiam pelo menos cinco pessoas nela. Perfeito. Jay estava sorrindo e quicando de animação.

— Gosto da sua energia — ela sorriu para o irmão.

— A melhor ideia de todas! — ele se virou para a filha, imóvel debaixo de duzentos quilos de roupa de aquecimento. — Ro, você vai adorar tanto! Cavalos vão perder a graça depois disso.

Mal rolou os olhos, mas sabia que os gêmeos também pirariam. Ela se virou para eles.

— Obedeçam ao tio Jay até chegarmos lá, se agarrem nele com toda força e não façam nenhuma gracinha, ou nunca mais deixo vocês voarem novamente, entendido?

Hope arregalou os olhos.

— Onde você vai?!

Mal sorriu para a garotinha com seu primeiro sorriso verdadeiro – e levemente presunçoso – da noite.

Nós vamos até o papai.

Se o tal milagre de natal não traria Ben até ela, então ela se transformaria no milagre.

E em um dragão.

Os gritinhos que aquilo provocou foram difíceis de conter. Os gritões que vieram quando ela se transformou em dragão diante dos olhos dos filhos e sobrinha, foram impossíveis.

Ela já tinha se transformado para os filhos antes, sempre se preocupou em não esconder deles suas raízes mágicas (inclusive sua avó-lagarta e sua mãe-dragão), mas nunca deixava de ser divertido. Henry ficava sempre tão impressionado que a fazia se sentir o ser mais poderoso de todo o universo – o que, segundo o garotinho, ela realmente era. E Hope simplesmente pirava.

Ela era obcecada por dragões, desde bebê. Ela tinha uma pequena pelúcia feita de crochê em formato de dragão roxo que nunca soltava, e conforme crescia a obsessão não diminuía. Agora ela tinha uma coleção inteira de bichos de pelúcia, quadros, desenhos e filmes de dragão, e no dia em que Mal se transformou pela primeira vez para eles, a princesa mal pode se aguentar de animação, e foi difícil fazê-la entender e aceitar que a mãe só se transformaria em emergências para proteger o reino, e não todas as tardes para brincar com ela.

Mas aquela era primeira vez que voava com eles, o que de certa forma era especial.

— Eu sou uma cavaleira de dragão! — gritou Hope, assim que Jay a posicionou sob a cela. Mal já previa que a partir daquele dia a princesa pediria voos de aniversário todo ano.

Mal agitou alguns de seus gigantes dedos de dragão para conjurar uma proteção envolta da cela que os impediria de cair não importava o quão rápido ela voasse. E ela planejava voar bem rápido. Pelas suas contas, talvez desse tempo de chegar pouco antes da meia noite.

Ela bateu as asas o mais veloz que pôde, encontrando menos obstáculos do que esperava. A nevasca em si já tinha abrandado bastante, e Mal estava torcendo para que a melhora do tempo não tivesse feito Ben correr para o primeiro jatinho disponível e causasse o desencontro deles. Porcaria de telefone sem sinal.

As crianças foram gritando e se divertindo até lá, e toda a animação e altura que o dragão-Mal atingiu fez com nem sequer se cansassem durante as quase três horas de voo. Nem parecia que estavam quase caindo de sono pouco antes decolarem. Os gritinhos eram até que deliciosos, a mais pura e inocente felicidade em forma de som.

Ela deixou Jay se ocupar com a euforia dos pequenos e disparou através do vento.

Quando finalmente avistou o palácio imperial, pousou sem cerimônias no gramado principal, de frente para as escadaria da entrada. Aquela era uma construção antiga e chamativa, não era a original de quando eram uma nação individual (aquela, no tempo presente, se tornara uma grande escola integrada a um museu da província) e não era maior do que o Palácio Real de Auradon, onde moravam, mas era bem impressionante. Tinha sido construída para lembrar o que um dia tinha sido o palácio do Imperador, mas desde que os Estados Unidos de Auradon foi fundado e a Cidade Imperial da China se integrou à nova nação, não existia mais um Imperador e, como heróis de Guerra, Mulan e Li Shang foram escolhidos como representantes e governantes internos da província de Northern Wei.

Ninguém percebeu a presença do enorme dragão na porta do palácio, então Mal decidiu anunciar sua chegada. Rugiu o mais alto que pôde, sob a palmas e ovação das crianças (e também de Jay), e a resposta que teve foi uma formação de guardas que surgiram do nada com gritos de guerra e lanças afiadas apontadas para ela.

É, ela não tinha pensado no que a aparição de um dragão gigante rugindo para a casa imperial iria parecer à guarda.

— Vovó! — Robin gritou assim que a família começou a sair para checar o que estava acontecendo, Mulan sendo vista primeiro. Já trazia uma espada nas mãos.

Os guardas não estavam percebendo as crianças em suas costas, mas antes que pensassem em como faria para se defender sem machucar ninguém, Ben surgiu de dentro da construção como o sol da manhã nascendo no horizonte.

— Mas o quê...? Mal?! — ele trazia também uma espada nas mãos, seu reizinho corajoso, mas a soltou assim que reconheceu, de imediato, o dragão. Era o seu dragão, afinal. — PAREM, abaixem as armas! É a rainha!

— O quê? — Shang, ao lado de Ben, apertou os olhos para ver melhor. Àquela altura a família inteira já estava no gramado tentando entender o que estaa acontecendo.

Mal desfez a barreira protetora entorno da cela, imediatamente Jay amontoou as três crianças nos braços e pulou do dragão.

— Ah, caramba. Por todas as coroas! — os olhos de Ben, a pouco preocupados pensando que Mal estava ali em forma de dragão porque algo muito ruim tinha acontecido, finalmente entendeu, e seus olhos brilharam ao ver os filhos. — Isso é incrível!

— É um milagre de Natal — a voz de Mulan denunciava seu sorriso.

Geralmente ela retornava de sua transformação com uma roupa oportuna para o momento. Daquela vez, entretanto, retornou com o suéter roxo brega dos Florian, com as iniciais M.F. na frente, que agora aprecia a melhor roupa do mundo aos seus olhos.

Hope e Henry se soltaram de Jay e dispararam para o pai. Ben se abaixou com os braços abertos para receber os filhos bem a tempo dos dois se jogarem em seus braços.

Jay chegou em Lonnie antes mesmo de Robin, enlaçando-a pela cintura e tascando-lhe um beijo com bem pouca cerimônia, de uma forma provavelmente inadequada para as crianças no local. Shang rolou os olhos, e Mulan tossiu. Mas Lonnie não pareceu se incomodar nem um pouco. Com Jay nos braços e a filha agarrada à sua perna, ela não precisava de mais nada para o natal.

— Papai, nós voamos TÃO alto! — ela ouviu Hope contar.

— A MAMÃE É INCRÍVEL! — Gritou Henry.

— Sim, ela é.

Ben abraçava os filhos, mas não desviava os olho da esposa. Toda convencida, ela se aproximou deles com pouca humildade no olhar e aquela cara de quem se gabaria daquilo para sempre.

Da mochila que Jay trazia e lhe entregou, ela puxou o suéter de Ben e jogou para ele. Então, levantou um ramo azevinho da sacola e o segurou sobre a própria cabeça.

— Vai ficar ai parado? Tem uma tradição de natal te esperando bem aqui, Florian.

Ele passou o suéter pela cabeça de forma desajeitada, e antes que ela pudesse se dar conta de algo, estava nos braços dele, ele a estava beijando, e o natal de Mal estava salvo. As crianças, agarradas nas pernas do casal, soltaram risinhos que ambos ignoraram. E Mal só foi capaz de soltar o cabelo e a boca do rei quando já estava sem fôlego.

— Não acredito que está aqui — ele suspirou contra a bochecha dela. —Eu te amo tanto.

— Pois é, acontece que por acaso eu te amo também, então o lance da distância não funcionou pra mim também.

O rei abriu aquele sorriso convencido que ela amava.

— Nem mesmo só por vinte e quatro horas?

— Nem mesmo por um minuto. Tive uma breve prova do que seria a minha vida sem você. Não gostei — se afastando para poder olhá-lo, ela resfolegou o polegar na bochecha do amor de sua vida. — Eu te disse, Benjamin. Você é o meu Natal.

Ele a beijou de novo. E de novo. E só mais uma vez para garantir.

E então entraram com a família para dentro do palácio.

— Obrigada, Mal — Lonnie sorriu para a rainha, com a filha dos braços.

— Fica como meu presente de natal, já que não te comprei nada mesmo.

— Ótimo, vou ter que te dar uma casa na praia com vista para o mar para compensar isso.

— Nha, já temos uma. Mas aceito uma tarde livre de luta para espairecer depois dessa semana. Sábado?

— Combinado.

Finalmente se sentaram para comer uma ceia já estava pela metade, mas valeu a pena.

— Ah, que bom que está aqui, Mal — provocou Lonnie. — Ben estava nos deixando loucos com sua melancolia profunda, você não faz ideia.

— Ah, eu faço sim. Eu senti também.

Foi muito mais fácil aproveitar a comida agora que estavam todos juntos, e a noite de natal que tinha começado fadada ao fracasso se encarrara em meio a muita alegria e votos de felicidade. As crianças nem se importaram com presentes os presentes que ficaram, só queriam contar a Ben tudo sobre o voo incrível no dragão incrível que a mamãe era, e Mal se sentiu terrivelmente orgulhosa dos pestinhas que estava criando e de como o coração dos dois estava no lugar certo.

Algum tempo após a meia noite, eles foram juntos acomodar os gêmeos nas camas do quarto de hospedes cedido a eles. Mal beijou os filhos, desejando-lhes feliz natal, e aguardou na soleira da porta enquanto Ben se sentava entre eles para cumprir a última tradição da noite: a história de ninar de natal.

— Era uma vez... Um rei que nasceu no natal. Um rei menino, mas poderoso que todos os reis do mundo. Ele veio de um reino muito distante para nós, porque queria que fizéssemos parte desse reino, porque Ele nos ama e queria nos salvar.

— Nos salvar do que, papai?

— De nós mesmos, meu amor — ele sorriu para o filho. — Então, ao cair à noite, no céu nasceu uma estrela que iluminava mais que todas as outras e ficou justamente em cima onde estava o menino que acabara de nascer. E três outros reis sábios sabiam que essa estrela significava que um novo rei estava para nascer. Muitos estavam esperando por Ele.

— Você também?

— Eu também. Todos nós.

— Mas e depois?

— Ah, muita coisa aconteceu, mas o que precisam saber é que na noite em que Ele nasceu, o mundo todo mudou. Ele é o motivo pelo qual temos natal, porque Ele veio de lá do céu só para nós, como o melhor presente de natal do mundo inteiro.

— Quando vamos ver o reino dele? Podemos ir ano que vem?

— Ele virá nos buscar, um dia.

— Qual o nome dEle, papai?

Ben sacou do bolso da calça o livro de poemas que tinha levado e abriu na página em que estava lendo pouco antes de sua esposa-dragão pousar diante dele.

Sua voz era solene ao recitar a resposta.

— Há um bebê na manjedoura, sorrindo para nós. Seu olhar diz tudo, nos deixa sem voz. O bebê da manjedoura, veio e por nós nasceu. Dividiu a história, e a nossa reescreveu. O bebê da manjedoura, é Rei e é Senhor; completo em si que completa a nós, pois também é salvador. Do bebê da manjedoura, o amor transborda, atinge a nós todos, e O amamos de volta. Pois um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.


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Notas finais do capítulo

Descendentes tem todo um significado espiritual para mim, e Jesus está em tudo que eu faço. Mas, especialmente desta vez, não dava pra deixá-Lo só implícito.

A quem crê, esteja disposto a virar um dragão e atravessar a distância a voo livre se precisar, mas vá estar com Ele. Que 2023 seja cheio disso, dessa urgência em estar com o Amado.

A quem não compartilha a mesma fé, a história continua sendo para todos, e a mensagem ainda é prevalece. Feliz 2023!



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