Pokémon: Jardim Jirachi escrita por Maya


Capítulo 7
Kalos Parte I - 1, 2, 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808157/chapter/7

Kalos, cinco anos atrás

               Alissa viu todos os seus irmãos partindo. Acenou para cada um deles até que se afastassem tanto no horizonte a ponto de ficarem muito menores do que ela, e então desaparecerem. Enquanto eles iam, a sensação de ficar para trás apertava seu peito, na mesma medida em que apertava Ralts em seu colo — tanto até o Pokémon reclamar e precisar afrouxar. Os irmãos estavam indo para novas aventuras em regiões totalmente desconhecidas para eles, e para Alissa sobrara o lugar onde crescera, já conhecia muito, e onde já a conheciam também. O aperto no peito não afrouxava, só se estendia até a garganta.

               Diantha se despediu de Alissa também, com o mesmo abraço forte que deu nos outros, e depois a menina acompanhou Serena para seu carro.

               — Está pronta? — A moça perguntou.

               Alissa ainda estava tentando colocar o cinto de segurança. Por algum motivo, sempre engatava com ela.

               — Aham.

====

               Serena parou o carro em frente a um dos modernos prédios residenciais de Lumiose City, o Edifício Palais. Deu o nome das duas na recepção, e subiu com a garota no elevador até o sétimo andar, e parou com ela diante da porta do apartamento 75.

               — Então, é aqui que começa. Você tá bem?

               — Uhum.

               — Desde quando você é de poucas palavras desse jeito?

               Alissa estava encarando a porta. Ralts reclamou baixinho de novo. Afrouxou.

               — Se precisar de alguma coisa, você tem meu número.

               — Não. Não quero poder procurar vocês, porque os outros não podem.

               — Todos eles podem nos ligar quando quiserem também, Alissa. Não precisa ficar tão tensa com isso de ter ficado em Kalos, tá?

               A garota assentiu com a cabeça, apenas. Estava mais ocupada tentando entender porque sentia o corpo tão agitado. Serena acabou desistindo de esperar uma resposta, e finalmente tocou a campainha.

               Clemont apareceu na hora com aquele sorriso meio atrapalhado, meio parecido com o que Kenji e Satoru davam para Diantha quando quebravam algo no Jardim Jirachi. Clemont sempre poderia ter acabado de quebrar alguma coisa também, na verdade.

               — Oi! Entrem, entrem, não reparem na bagunça...

               — Eu não vou entrar. – Serena virou para a Alissa e abriu os braços. — Abracinho de despedida?

               Tanto a menina quanto Ralts se afundaram no abraço da Campeã. Alissa queria ter dito que a amava, que via Serena como uma irmã mais velha, mas estava passando mal e não conseguia falar direito. Em vez disso, foi ela quem distribuiu beijinhos na mais nova e em seu Pokémon.

               — Eu te amo. Boa sorte, eu acredito muito em você. E pode me ligar sempre que quiser.

               Alissa assentiu de novo, e entrou no apartamento de Clemont antes de Serena sair de vista.

Nem era tão bagunçado assim, ela pensaria depois, mas na primeira impressão não conseguiu não reparar na bagunça: os papéis jogados na mesa, alguns quadros tortos, uma almofada no chão, cabos pendurados no rack. A sensação quando parou de pé na sala de estar foi que algum Pokémon havia soltado um ataque elétrico ali fazia pouco tempo, ou talvez fosse só a energia natural de Clemont.

— Você está reparando na bagunça, né? Desculpa. Juro que deixei seu quarto bem arrumado.

Era verdade: a cama, espaçosa, estava bem coberta com a colcha roxa, a cor favorita de Akemi, o travesseiro envolto numa fronha azul, com uma pelúcia de Dedenne esperando em cima dele. O papel de parede claro era decorado por pequenas silhuetas de Lunatones e Solrocks — lembrou do dia em que Sheena inventou uma história de terror com os dois Pokémon que deixou Mei irritada com ela por uma semana, mas aqueles dos desenhos eram fofos. De frente para a porta, a escrivaninha, acompanhada de uma cadeira branca e acolchoada com rodinhas, dispunha de uma pequena luminária, um porta-lápis com alguns rabiscos desbotados que seriam o tipo de coisa que Kenji acharia legal, e no canto, encostado com a parede, uma caixa organizadora expondo uma coleção de livros e gibis; podia até visualizar Satoru e Hideki sentados ali para ler um atrás do outro até terminar tudo. Do lado da cama ainda tinha um pufe amarelo com uma manta branca em cima. O guarda-roupas de duas portas era encostado na parede ao lado. O chão era protegido por um tapete grande e felpudo de cor azul-bebê.

Ralts pulou do colo da dona para ir abraçar o Dedenne de pelúcia.

— Algumas coisas eram da minha irmã... Se lembra da Bonnie?

— Mais ou menos.

— Bem, não sabia se era muito infantil para você. Não sou muito bom com decoração também. Fica à vontade pra mudar o que quiser, o quarto é seu. E a casa também! Se precisar de alguma coisa, pode me avisar.

— Eu gostei. Obrigada, tio Clemont.

— De nada! Eu vou preparar um almoço bem legal pra gente. Hum... Você tem alergia ou intolerância ou qualquer coisa do tipo a algum alimento?

— Acho que não.

— Legal! Não vá descobrir aqui, hein? Hehe... Aproveita pra guardar suas coisas aqui, qualquer coisa me chama.

Depois que Clemont saiu, Alissa fechou a porta, deixou suas coisas no chão e se aninhou na cama do lado de Ralts. O quarto era coberto por aquele cheiro gostoso de roupa de cama guardada que fora recém-lavada. Deitada, com vontade de ficar em silêncio ali mas não de dormir, pôde visualizar seus irmãos permeando o quarto todo: Hideki sentado no pufe relendo anotações das últimas aulas, Sheena na escrivaninha desenhando algo em silêncio, Satoru e Kenji brincando de batalha com a pelúcia, Mei e Akemi sentadas com ela na cama para conversar. Podia imaginar todos eles ali, mas não podia senti-los de fato, e às vezes a imaginação só fazia a ausência ficar maior.

Eles ainda nem deviam ter chegado em suas novas casas àquela hora. Mas quando chegassem, o que fariam primeiro? Qual era o tamanho do infinito de possibilidades que os aguardavam?

Ralts acabou pegando no sono. Pensou em ligar para Serena, mas ao invés disso se levantou para arrumar suas coisas.

Depois do almoço — foi macarronada — Clemont perguntou o que ela queria fazer, e Alissa queria capturar Pokémon.

...

Kalos, quatro anos atrás

               Era meio de tarde e não tinha comido nada desde o café da manhã corrido, então, depois de passar alguns minutos consideráveis parada na porta do Pokémon Center de Anistar City, foi para a cafeteria. Fez seu pedido no balcão e foi se sentar em uma mesa externa coberta por um ombrelone, ao lado de outra onde um senhor lia o jornal diário. A rua estava com um movimento tranquilo.

               Seu Kirlia saiu da Pokébola voluntariamente, assumindo o lugar no colo da treinadora, que o abraçou.

               Havia sido derrotada no desafio de ginásio da cidade pela terceira vez. Foi a mesma coisa: perdeu contra o último Pokémon da líder Olympia, ouviu suas palavras de incentivo e conselhos, as palavras de conforto do recepcionista do ginásio ao sair, “treine mais um pouco e volte logo!”. Ainda assim, se sentia muito pior do que nas últimas vezes.

               — Ainda tenho aquela Dawn Stone que pegamos na Rota 3 — murmurou.

               Kirlia grunhiu baixinho. Sendo macho, evoluiria para Gallade ao tocar na pedra, mas ele estava resistente com a ideia.

— Desculpa, não é culpa sua. É só que... Queremos ficar mais fortes, né?

O Pokémon grunhiu mais uma vez, então Alissa deixou para lá por enquanto.

Seu pedido chegou algum tempo depois, um copo de suco com gelo e sanduíche quente. Kirlia foi para a cadeira do lado enquanto Alissa lhe dispunha algumas Poké Pluffs de menta com cobertura, para comerem juntos.

O movimento ao seu redor começou a aumentar: pessoas saindo da cafeteria, outras entrando, e outras passando por perto na rua. Entre os sons das falas, passos e do sino da porta do estabelecimento, uma frase capturou a atenção de seus ouvidos:

—... Você viu que um dos meninos do Jardim Jirachi já virou Campeão de Alola?

Levantou a cabeça imediatamente e se pôs a olhar ao redor procurando de onde viera: eram duas mulheres sentadas a duas mesas atrás de si, cada uma com sua bebida. A mesa da frente delas era onde aquele senhor estava sentado antes, mas ele já fora embora e deixara o jornal ali mesmo.

— É mesmo? Eles não são só crianças?

— Aqui diz que ele tem catorze anos... Bizarro, né? Outro dia eu li que o garoto que foi para Hoenn também está arrasando nos Concursos por lá.

Satoru... Já era Campeão de Alola?

As mulheres mudaram de assunto, mas Alissa precisava saber mais. Praticamente pulou da cadeira para pegar o jornal abandonado na outra mesa e procurar ali. Não foi difícil; se as crianças do Jardim Jirachi cresceram como as queridinhas de Kalos, seus grandes marcos seriam bem noticiados por lá. “Quer dizer, sobre mim provavelmente não terão nada para falar”, foi o pensamento que passou por sua cabeça como um tiro.

A notícia ocupava meia página, contando com uma foto de Satoru, cedida por um repórter de Alola, onde o garoto se apresentava ao lado do agora Garchomp, com uma expressão nada feliz para a ocasião. Ali contava que o garoto havia vencido a Elite 4 e o Campeão Hau em tempo recorde, com apenas metade do time tendo sido derrotado na batalha final, e ainda trazia a um pouco de seu histórico contando sobre como passara pelos desafios das ilhas de forma “surpreendente”.

Alissa precisou se sentar de novo, porque começava a sentir o corpo inteiro se agitando em resposta a velocidade de seus pensamentos, e quando viu, a perna já tremia fora de seu controle. Vinha conhecendo aquela sensação no último ano e sempre ficava assustada com ela. Kirlia, percebendo o estado da treinadora, voltou para seu colo, mas Alissa sentia a necessidade de conversar com alguém, ou então explodiria.

               Abriu a lista de contatos no Holo Caster. Passou pelo de Bonnie; gostava dela, mas não eram tão próximas assim. Calem, não, apenas não. Clemont? Talvez... Seria bom falar com ele, só que não saberia como falar sobre isso. Diantha, nem pensar. Continuou passando cada vez mais rápido, quase se convencendo de que seria melhor não falar com ninguém mesmo, até que parou em um número: o de Serena. Selecionou, escolhendo ligar apenas por voz.

               Cada toque ressoava em seu coração. Um. Dois. Três... Quatro...

               — Fique um ano esperando por essa ligação!

               Ouvir a voz de Serena fez aquele peso cair na hora.

               — Oi, Serena. Tudo bem?

               — Eu tô bem, querida. E você? Ouvi que você já está no ginásio de Anistar, né?

               — Ainda no ginásio de Anistar. Acabei de perder pela terceira vez.

               — Isso é normal! Olympia é muito forte, e se não fosse difícil não teria a menor graça. Tenho uma amiga que passou pela Liga de Hoenn e levou duas ou três tentativas em cada ginásio, acredita?

               Alissa até riu um pouco, mas os pensamentos não lhe davam sossego, e nem o tremor na perna.

               — Você viu que Satoru já é Campeão em Alola? Eu estou travada aqui, e ele já é Campeão.

               — Ah é? — Serena ficou em silêncio por um instante. — E como você está se sentindo com isso?

               — Diantha... Vocês... Todos sempre esperaram que nós fôssemos grandiosos. E os outros estão sendo, mas eu, já faz um ano que começamos a jornada e ainda estou aqui! Ainda nem sei direito o que quero ser, pra falar a verdade, só sei que estou ficando pra trás. — A voz, já embargada, tremulou quando as lágrimas começaram a sair junto com aquelas palavras: — Me sinto um fracasso, Serena.

               Era a primeira vez que dizia em voz alta essas palavras que, direta ou indiretamente, vinham a assombrando dentro de sua cabeça como um monstro disforme e incontrolável, daqueles que causam medo por não sabermos o que é, de onde veio, e muito menos como derrotar. A única coisa que Alissa conhecia de seu monstro era isso: pertencia a si, tal como a luta que precisava travar constantemente contra ele. Às vezes vencia, às vezes não.

               Serena havia feito outra pausa enquanto a garota chorava feito uma boba ao telefone.

               — Alissa, vou te dizer uma coisa que quero que você guarde muito bem: que se danem as expectativas. As minhas, da Diantha, de todos envolvidos no Jardim Jirachi, do povo de Kalos, e até dos seus irmãos. Dane-se! Pessoas que amamos desejam coisas boas para nós, mas nunca podemos deixar com que isso se torne uma prisão. Tem milhões de formas de sermos grandiosos e uma vida inteiro para chegar lá. Então, faça seu próprio processo. Aprenda com cada etapa e demore o tempo que precisar em cada uma delas. Tá tudo bem ficar em dúvida no caminho! Meu amor, você só tem catorze anos!

               Alissa já estava mordendo o lábio inferior e pressionando as unhas na palma da mão. Não queria continuar chorando ali porque sentia que todos na olhavam para ela agora, mas não conseguia controlar.

               — Eu sei que o amor que você e seus irmãos receberam pode ter se tornado uma pressão muito grande. E da minha parte, peço desculpas. Mas não se apegue a isso. Vocês não é “aquela Alissa do Jardim Jirachi”; você é a Alissa que quiser ser, quando quiser. Tá bom?

               Não conseguiu falar, então primeiro assentiu com a cabeça, mas se lembrou de que a ligação não era por vídeo. Sua voz saiu em um murmúrio contido:

               — Tá bom.

               — Aliás, o bom de repetir o desafio de ginásio é que a cada vez você aprender mais sobre a estratégia do líder. Então respira fundo que vai ficar mais fácil, prometo.

               — Certo.

               — ... Quer que eu desligue agora pra poder chorar em paz?

               — Uhum.

               Serena riu.

               — Te amo, garota. Quero ouvir de você mais vezes. Me ligue sempre que quiser, não importa o que seja.

               Eventualmente venceu Olympia e, depois de se tornar Campeã, conseguiu se convencer a procurar ajuda profissional para lidar com o monstro.

Só que... Deveria mesmo ter ligado mais vezes.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pokémon: Jardim Jirachi" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.