O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 9
Capítulo VII - Uma garrafa de tequila e dois shots, por favor.


Notas iniciais do capítulo

Oi oi oi, olha quem apareceeeeu.
Escutem aqui: Eu não tenho culpa de nada.
To avisando desde já.

Boa leitura ♥



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Ponto de vista de Hazel Laverne, casa do Bobby – Kansas.

 

Exorcizamus te, omnis immundus spiritus, omnis satanica potestas, omnis incursio infernalis adversarii, omnis legio, omnis congregatio et secta diabolica...— Paro por um momento, incerta sobre as próximas palavras. Um fio de suor escorre pela minha têmpora devido ao nervosismo, e Bobby continua me olhando no fundo dos olhos, sua expressão séria e impaciente – et secta diabolica...

As palavras me deixam, flutuam pelo ar. Não consigo me lembrar.

—Vamos de novo. Do começo – Sr. Singer sequer hesita, trocando o peso de uma perna para a outra – Você consegue.

Respiro fundo, completamente exausta. Meu corpo inteiro tem escoriações devido ao treinamento intenso das duas últimas semanas, meus músculos estão rígidos e doloridos, e a minha cabeça parece prestes a explodir com tantas informações misturadas sobre monstros e como derrotá-los.

Ajeito a minha postura e limpo a minha mente. Consigo fazer isso. Preciso fazer isso.

Olho novamente para Bobby, umedeço os lábios e então começo novamente:

Exorcizamus te, omnis immundus spiritus, omnis satanica potestas, omnis incursio infernalis adversarii, omnis legio, omnis congregatio et secta diabolica... Ergo, draco maledicte et omnis legio diabolica, adjuramus te ... cessa decipere humanas creaturas, eisque æternæ perditionìs venenum propinare... Vade, satana, inventor et magister omnis fallaciæ, hostis humanæ salutis... Humiliare sub potenti manu Dei; contremisce et effuge, invocato a nobis sancto et terribili nomine... quem inferi tremunt... Ab insidiis diaboli, libera nos, Domine. Ut Ecclesiam tuam secura tibi facias libertate servire, te rogamus, audi nos.

Bobby me olha com seus olhos exaustos e intensos transbordando orgulho. Sorrio para ele, que coloca a mão no meu ombro:

—Você conseguiu, Laverne. Eu sabia que você conseguiria! – Seu sorriso é sincero, assim como o meu. Eu e ele sabemos que conhecer o básico pode ser a diferença entre a vida e a morte de agora em diante, e fico feliz por saber que não sou mais completamente inútil.

—Eu não teria conseguido se não fosse por sua ajuda, Bobby...- Ele me dá tapinhas nas costas, e então vai até a geladeira e abre uma cerveja. Bobby Singer foi responsável por me treinar em todas as informações necessárias para um caçador, e a mente desse homem é perturbadora e brilhante. Como boa jornalista que sou ou...costumava ser, criei uma enciclopédia para mim durante esse período em que Bobby me deu aulas, só para o caso de algo me fugir a mente em um momento de dificuldade.

O que mais me perturbou durante todo esse processo foi perceber o quanto o mundo sobrenatural me fascinou completamente. Talvez o motivo disso seja egoísta, mas saber que há mais mistérios no mundo do que apenas a crueldade humana me deu um certo e estranho...alívio. Saber que não somos a única espécie perturbada que existe me fez ver um fio de luz no horizonte.

—Você é muito inteligente, garota. Mais inteligente que os meus meninos, mas não diga que eu te disse isso ao Dean, o ego dele se fere com facilidade... – Ele dá um gole em sua cerveja após dar uma risada curta – E por falar nele, você ainda tem mais um pouco de tiro ao alvo hoje, não é?

Confirmo com a cabeça, mesmo estando no meu limite. Hoje é o último dia dessas duas longas semanas, e preciso ir até o final.

—Ele está me esperando no ferro velho? – Questiono, já me levantando e indo em direção a porta.

—Está. E a sua arma está pendurada atrás da porta da sala. – Aquiesço e vou em direção ao aparador de chaves do Bobby, que ao invés de conter chaves, guarda coldres e armas. Seguro a pistola marrom enferrujada em mãos e a coloco no cós do jeans.

XXX

Ando em direção a Dean, que está me esperando sentado em um carro completamente destruído. O pôr do sol descansa no horizonte, e um fio escuro da noite risca o céu bem no topo. Dean está usando uma camisa verde escura aberta, e embaixo dela há uma camisa branca manchada de sabe-se-lá-deus-o-que. Está com os braços repousados nos joelhos cobertos por jeans rasgados e o olhar verde parece perdido em pensamentos.

Estalo os dedos quando fico de frente para ele, para despertá-lo do seu devaneio. Dean me encara, e ajeita a postura:

—É hoje que você se forma na escolinha de caçadores do Bobby Singer? – Ele diz isso de maneira divertida, e eu sorrio. Embora eu saiba que nós dois estamos tensos com isso.

Porque, já que hoje encerro meus treinamentos, amanhã cairemos na estrada.

Rumo a New Orleans. Rumo a George White.

—É. E é hoje que eu me formo na escolinha de tiros e combates de Dean Winchester...- Tiro a arma do cós e a ergo no ar – Vamos acabar logo com isso?

Dean sai de cima do carro, e anda na minha direção. O caçador para ao meu lado e aponta para a direção leste do ferro velho.

—Eu posicionei alvos para você ali. São sete no total, e você tem a margem de erro de um alvo. Se errar mais do que isso, eu reposiciono os sete e começamos tudo de novo, entendido? – Ele usa um tom de general que já me acostumei pela convivência, mas que não consigo deixar de rolar os olhos todas as vezes.

—Entendido. – Me limito a dizer, abrindo levemente as pernas e as posicionando de maneira a me dar o equilíbrio que preciso. O que não nos mostram nos filmes de ação é que armas impulsionam para trás com tudo quando damos um tiro, e é preciso força e equilíbrio para não se desestabilizar devido a isso. Meus primeiros tiros foram humilhantes, mas agora eu já peguei o jeito. Fecho um olho, isso sempre melhora a minha mira. Dean me observa o tempo inteiro, e isso sempre me deixa nervosa.

Odeio ser examinada. Mas sei que faz parte do processo.

Encontro o primeiro alvo, uma lata pendurada bem no alto de um amontoado de carros. Dou o primeiro tiro, e sorrio ao ver que a acertei em cheio.

—Está demorando demais. Na vida real os alvos se mexem, lembra? Não pode demorar tanto...- Dean me alerta, e eu assinto. Encontro o próximo alvo, no lado oposto, e sem ensaiar muito, consigo atingi-lo. Respiro fundo, sentindo meus músculos tensos e doloridos – Não hesite, vamos!

Continuo na sequência, atingindo alvo por alvo até chegar no último. Está quase invisível, pois Dean o colocou o mais longe e alto possível.

—Quero esse alvo baleado em menos de trinta segundos! Vamos! – Dean fala bem alto, e observa a minha reação. Nós combinamos de treinar isso também, e essa foi a parte mais difícil durante todo esse tempo, treinar meu corpo para não se retrair ao ouvir alguém gritando comigo. Antes, eu ficava paralisada, e agora apenas fico trêmula, mas consigo me controlar. Dean percebe meu braço tremendo com a arma, e então se aproxima mais de mim – Vamos! Agora! – Dessa vez, ele grita.

 A mente humana é um ninho de emaranhados. Eu sei que isso é combinado, eu sei que ele não vai me fazer mal e que esses gritos são um teste. E mesmo assim, tudo o que minha mente faz é se lembrar do meu pai e me faz esperar o pior.

Não. Eu estou no controle. Eu estou no controle...

Uma gota de suor escorre pela minha testa, e a minha boca fica seca pelo nervosismo. O cano da arma não para de tremer, então eu respiro fundo, o mais fundo que consigo.

Bang. Acerto em cheio.

Me viro para Dean, com um sorriso inevitável no rosto:

—Eu consegui! Eu nem acr...- Mal consigo terminar minha frase, e Dean me passa uma rasteira que me derruba no chão.

—Treino surpresa de combate corpo a corpo, vamos! – Ele diz enquanto tento tirar a areia da minha boca, o coração acelerado pelo susto. Durante essas aulas, Dean não usa nem dez por cento de sua força e não me machuca de verdade, mas só isso já é capaz de me deixar exausta e dolorida por horas.

E, graças e isso, estou mais forte do que jamais estive.

Dean puxa a minha perna e eu consigo me desvencilhar com um chute. Me coloco de pé e fico em posição de defesa rapidamente.

—Muito bom, mas será que é bom o suficiente? – Dean me provoca com a sobrancelha erguida, e vem em minha direção rapidamente, e eu tento disferir um soco nele, mas ele se esquiva e prende meus dois braços para trás – O que conversamos sobre tentar atacar antes da hora?

Faço, com muita dificuldade, um movimento que ele havia me ensinado em uma de nossas aulas, que era usar o meu peso ao meu favor para desestabilizá-lo e tentar derrubar a nós dois, me dando uma chance de escapar. É óbvio que isso não dá certo, e eu acabo só usando a minha força para me deixar mais exausta.

—Não tente me derrubar, não vai conseguir e vai machucar mais os seus braços. Só tente esse movimento que eu te ensinei se o corpo do oponente for mais leve do que eu, ok? – Ele diz pacientemente, ainda prendendo os meus braços – Nesse caso você não tem escapatória, não vai conseguir se soltar. O que aprendemos hoje?

Estou hiperventilando, o suor pingando do meu corpo.

—Que não posso deixar ninguém me capturar assim, ou já era. – Ele finalmente me solta, e eu esfrego os braços doloridos.

—Isso aí, já era. – Dean então vem em minha direção e tenta me acertar com um soco, mas eu me agacho e consigo me esquivar perfeitamente. É óbvio que esses socos não têm força nenhuma, ele nunca realmente me machucou. Durante todo o treinamento, ele sempre tomou muito cuidado com isso. – Perfeito. Você está ágil, e isso é ótimo. Nessa situação, você corre, entendeu? Se estivermos cercados, eu quero que você consiga se desvencilhar e fugir. Eu vou estar lá para resolver o resto, combinado?

Dean me olha com os olhos verdes preocupados, e eu assinto.

—Combinado. – Digo a ele – Posso me formar na escolinha do Dean Winchester? Estou exausta e se você tentar mais qualquer coisa eu juro que vou ter um troço.

Dean dá uma risada e me dá tapinhas nas costas.

—Pode. Está oficialmente formada das escolinhas de Winchester e Singer, Laverne. – Dean se posiciona ao meu lado, e seu olhar fica sombrio por um momento enquanto me fita. Parece pensar sobre algo. – Tudo pronto para amanhã?

Aquiesço, sentindo um frio na barriga.

—Tudo. – Olho para o chão, porque sei que meus olhos denunciam meu medo.

—Excelente. Agora, vá se arrumar, eu também vou. Te encontro no Impala em uma hora, então não se atrase! – Franzo o cenho, confusa.

—Do que está falando? Achei que íamos amanhã cedo! – Ele assente, com as sobrancelhas erguidas.

—E vamos. Quero que se arrume porque vou te levar para sair, Laverne. Não achou que ia se formar sem comemorar, não é? – Dean ajeita a camisa e passa a mão nos cabelos curtos e loiros – Além do mais, vai ser bom para você relaxar antes de New Orleans, você precisa disso. E honestamente...eu também. Tem um bar aqui perto que me parece seguro, o Bobby que sugeriu. Vou avisar ele para se arrumar também.

Me sinto cheia de sentimentos misturados. Gratidão, porque realmente estou presa aqui há duas semanas apenas passando por tensão e estresse, e medo de sair por aí e esbarrar em um demônio.

Mas Dean me passa segurança, e sei que não faria isso se achasse que é perigoso demais.

Sorrio para ele.

—Obrigada Dean...por tudo. – Ele assente, meio sem jeito. Dean não está acostumado com gratidão, aparentemente.

—Vai logo antes que eu mude de ideia, Laverne. – Ele diz em um tom levemente cômico, e então vai em direção a casa.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

Deixo a água morna cair sobre mim, enquanto esfrego o rosto e tento silenciar a minha mente.

A garota fez mais do que o possível nessas duas semanas, deu duro e está tão preparada quanto se pode estar em tão curto período de tempo. Está mais forte, mais resistente e decididamente tem mais chances de sobreviver.

Vejo meu reflexo no ladrilho da parede, e pareço me recriminar com o olhar.

Isso não é suficiente, meus olhos parecem me dizer.

Mas vai ter de ser, porque é tudo o que temos.

Foi horrível gritar com ela sem parar nesses dias, mas foi extremamente necessário. Agora, ela consegue se mexer e reagir. Ainda fica trêmula, mas ainda assim... é um grande avanço.

Mesmo que eu saiba que isso precisava ser feito e que ela concordou, não consigo tirar da cabeça cada um dos seus olhares aterrorizados. Eu me lembro, afinal.

Sammy é quem viu em primeira mão tudo o que Harvey Talbot fez a ela, é claro. Ele é quem viu cada hematoma. Mas o olhar dela...

É quase como se eu tivesse visto também.

O trabalho sujo sempre sobra para mim. Tornar as pessoas mais fortes sempre recaiu sobre as minhas mãos. Primeiro com Sammy...agora com Hazel.

Tem de ser feito, eu sei. Mas não é por isso que deixa de doer.

XXX

—Como assim você não vai mais?! – Questiono Bobby, fulo da vida. Esse velho teimoso foi quem deu a ideia de saímos para início de conversa, e agora aqui está ele, jogando paciência em seu computador amarelado sem a mínima intensão de sair.

—Eu não vou mais, ué! – Ele dá de ombros e ajeita o boné verde musgo – Vocês precisam disso mais do que eu, e além do mais, sou mais útil aqui caso o Castiel dê as caras com notícias sobre o Sam.

—Você só pode estar de brincadeira! – Suspiro e esfrego as minhas têmporas – Você não pode estar falando sério!

Bobby sequer tira os olhos da tela do computador.

—Você está atrapalhando o meu jogo, vaza daqui rapaz! – Fico encarando o homem em minha frente, completamente incrédulo com sua indiferença. Mas discutir com ele é como discutir com uma porta.

Ando irritado até a sala de estar, e fico esperando por Hazel aqui mesmo. Vou dizer a ela que não vamos mais.

Não posso sair sozinho com a garota para um bar, não depois de tê-la convidado e mandado ela se arrumar e tudo mais. Vai parecer que isso é um encontro agora que Bobby não vai, e ela vai ficar tão desconfortável com isso quanto eu.

Estou pensando em que palavras usar quando Hazel desce as escadas com um vestido preto curto, delicado e meio vintage. Seus cabelos castanhos estão soltos e ela parece tímida ao me ver. Por cima do vestido, Hazel está usando uma jaqueta de couro que tem uma cor de um vermelho escuro, como uma cereja. Ela usa uma bota preta comprida, que vai até a sua coxa. Nos lábios, o mesmo tom de sua jaqueta.

Está linda.

—Eu não achei que encontraria alguma desculpa para usar um vestido no meio dessa loucura! – Ela soa animada quando chega na sala de estar, parando diante de mim – Onde está o Bobby? Estou louca para ver como ele fica quando está todo arrumadinho! – Ela fala de maneira divertida e olha ao redor, procurando por ele.

Engulo em seco. A minha cabeça está uma bomba relógio. Quero cancelar isso agora porque não parece certo, e ao mesmo tempo, meu coração se quebraria se a garota tivesse que tirar esse vestido que ela está usando com tanta animação e ir dormir para enfrentar o pior amanhã. Caramba, ela está sorrindo. Sorrindo de verdade.

Pela primeira vez em semanas.

—O velhote deu para trás... – Digo, coçando a nuca meio sem jeito. O sorriso dela começa a se desfazer, e eu me apresso a dizer – Mas nós ainda vamos. Ok?

Hazel pondera a situação, claramente desconfortável, como eu previ que ficaria.

—Hm, só...nós dois? – Assinto, e coloco as mãos nos bolsos do jeans.

—Só nós dois. Não é... não é como se a gente não tivesse jantado em um monte de lanchonetes antes, não é? – Tento deixar a situação melhor.

—Você tem razão. – Ela respira fundo por um momento, as bochechas vermelhas - Bom...vamos então?

Assinto, com a cabeça a mil e com muita raiva do Bobby por ter dado para trás e tornado essa situação em algo estranho para nós dois. E com mais raiva ainda por achá-la tão bonita.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

O ambiente é decorado com luzes amareladas que deixam o ambiente completamente acolhedor, o bar é centralizado em um galpão de madeira enorme e tendas com mesinhas ao redor de um palco pequeno onde uma banda de estilo country toca músicas de melodia doce e triste, caseira.

—Esse lugar é muito acolhedor. – Observo enquanto nos sentamos em uma mesinha afastada das demais - Seguinte, estamos proibidos de falar do que vai acontecer daqui para frente. – Censuro Dean com o olhar - Quero falar de trivialidades, beber até esquecer o meu nome e sair daqui carregada.

—Você é meio mandona, sabia? -Dean resmunga - E tem certeza de que vai beber? Não era você que não colocava uma gota de álcool no corpo? – Dean questiona incerto sobre a minha decisão. Dou um longo suspiro e assinto.

— Tenho. Eu preciso disso. Daqui para frente...bom, sei lá se vamos sair vivos dessa loucura toda. – Digo isso de maneira decidida. Ele concorda, me desferindo um olhar descontraído e então ergue seu indicador no ar para que um barman se aproxime.

 – Por favor amigo, uma garrafa de tequila e dois shots.

XXX

—Você tem dois pés esquerdos! – Digo isso enquanto apoio minha cabeça em seu ombro. O cheiro dele é de loção pós barba, tequila e do couro da sua jaqueta, de uma maneira fresca, quase como uma brisa. A música que toca é lenta e melódica.

—Já me disseram isso...- Ele fala rindo baixinho, enquanto tenta me guiar – Mas mesmo assim, nunca decepcionei em uma dança lenta.

—Bom, eu já. Eu sei dançar pulando igual louca e tudo mais..., mas dançar lento assim me deixa...

—Desconfortável? – A mão dele na minha cintura me aperta levemente, e os olhos dele encontram os meus. Faço que sim com a cabeça.

—Tudo o que seja próximo assim... – Aponto com o indicador dele para mim – Eu não faço esse tipo de coisa.

—Ah, sei. – Sua expressão é de alguém que está se lembrando de algo doloroso – Eu também não fazia...até que eu fiz.

—E você recomenda? – Falo isso tocando o indicador na textura da sua jaqueta.

—Depende...de quem estamos falando? De você e quem? De um certo cabeludinho? – Não tenho certeza se consigo disfarçar, mas fico corada. Porque para mim é inevitável não ser transparente.

Não com tanto álcool no meu sangue, pelo menos.

—Dean.... - Eu o censuro com o olhar e ele parece compreender.

—Eu sei que você não está no melhor momento da sua vida agora, Hazel. E eu sei que você está provavelmente mais confusa do que nunca, sobre o Sammy. Acredito que talvez você até o tenha superado durante esses anos, graças ao ódio e as mentiras da sua avó... e agora que sabe a verdade, eu posso apostar o que você quiser que ele voltou a mexer com você... – Ele dá um longo suspiro, e eu vacilo com os pés por um momento, quase tropeçando. Porque ele tem razão. Dean não me deixa cair, ele me segura firme com suas mãos – De qualquer forma... não precisa ficar na defensiva quanto a isso, não comigo pelo menos. Eu sei, Laverne. Como é se sentir... confusa assim, especialmente depois de ter vivido coisas boas com alguém só para perdê-la depois...

—Você fala como se tivesse sido feliz...- O encaro bem no fundo dos olhos verdes esmeralda. Estamos ambos meio lentos pelo álcool, eu mais do que ele.

—Não fui exatamente feliz. Mas eu pude fingir que fui, e já foi o suficiente para quebrar partes dentro de mim que eu já achei que estavam mortas. Lisa e Ben...foram um sonho. Um sonho bom, mas, não era real.

—Você a ama? Essa tal de Lisa...? – Ele fica pensativo enquanto me rodopia e me puxa para perto do seu peito novamente. Poucas pessoas estão dançando como nós, e a música suave e melancólica continua a embalar a noite.

—Eu acho que a amei, eu não sei dizer. Eu não sou bom com palavras. Mas eu amava a possibilidade de normalidade que ela trazia consigo. Então acho que eu amava o mundo que ela me oferecia, mas ao mesmo tempo eu não me encaixava, Hazel. Não sei se eu já me permiti amar alguém de forma verdadeira.

—Eu sinto muito por tudo o que você passou. – Fecho meus olhos deixando a música entrar cada vez mais em minha pele.

—E você? Você ainda o ama? Depois de todos esses anos? – Mesmo com os olhos fechados, eu os aperto ainda mais. Porque não quero pensar nele.

Não posso.

—Não. Eu não o amo mais. – Abro meus olhos e o encaro com o olhar mais afiado que consigo.

Mentira. Eu vejo, Hazel. Desde o começo. E do contrário, você não estaria fazendo tudo isso se tivesse o esquecido. Você...

—Eu não vou falar sobre isso, Dean. Eu não estou pensando nisso, nem em ninguém. Não há espaço para isso dentro de mim agora. Caramba, se alguém pudesse ver o acúmulo de coisas aqui dentro, se você pudesse ver, você entenderia.

—A coisa sobre o coração é que sempre dá para caber mais alguma coisa. O coração é como um maldito elástico.

—Isso aí não é uma música? – Questiono o olhando desconfiada. Sinto que já ouvi essa frase em algum lugar.

—Pode até ser, mas não deixa de ser verdade. Seu coração é elástico, Hazel. E seu sentimento pelo meu irmão está por toda parte, em cada centímetro. E você sabe disso, mas quer negar. – Dean solta o ar dos seus pulmões de maneira pesarosa – Eu estava lá, sabe? Eu vi a história de vocês. Parte dela, pelo menos. E eu garanto que o que eu vi em vocês dois... bom, não consigo acreditar que algo intenso como o que vi simplesmente acabaria.

—Por que é que o álcool deixa as pessoas falantes e emotivas, ein? – Cerro meus olhos para ele, que dá uma risada.

—Não sei. Não estaríamos falando sobre isso se estivéssemos sóbrios, isso é verdade. – Ele continua a me conduzir de maneira lenta, e eu me aninho nele quando uma lufada do ar gelado da noite assobia e rasteja em minha pele – Você teve algum outro relacionamento? Depois do Sammy?

—Tive. – Digo rapidamente – Foi desastroso. Depois que eu saí da internação, eu decidi que queria reconquistar a minha vida e esquecer o seu irmão. Mais ou menos um ano depois que entrei na faculdade eu conheci esse cara, Noah Saad Andrews.

—Noah é nome de gente cafona. – Ele observa, dando uma risadinha – E por que foi desastroso?

—Porque eu não conseguia sentir por ele nada forte suficiente. Quando eu olhava nos olhos desérticos dele...

Desérticos? Caramba, você é uma bêbada poeta...

—Cala a boca. Então, bom, eu olhava nos olhos desérticos dele e ficava procurando o oceano. E é essa a droga do estrago que o seu irmão fez em mim. Durou uns seis meses, e aí eu terminei com ele. – Dou um suspiro e encaro Dean nos olhos – E ele, Dean?

—Não teve nada sério com ninguém. Depois que ele perdeu você, ele ficou mal por...muito tempo. Surtou, foi para Stanford sozinho...até que o papai sumiu e eu o arrastei para a vida da estrada de novo. – O olhar dele se torna sombrio, e ele olha para baixo por um momento – Era raro ele ficar com alguém, e quando acontecia...era momentâneo e ele saía fora. Não queria se apegar. Sabe, Hazel...dividi muitos quartos com ele, e não foram raras as vezes que ele murmurou o seu nome enquanto dormia.

Dessa vez sou em quem olho para baixo. Sinto raiva, porque o destino claramente rasgou bruscamente qualquer que tenha sido minha história com Sam. E ao ouvir Dean falar algo tão doce sobre Sam, a raiva se intensifica.

Porque me lembro bem de quando toquei Dean e usei meus poderes para revirar suas memórias. E isso me faz me lembrar de outro detalhe:

—Exceto por Ruby, não é? Eu vi nas suas memórias, Dean. – Digo pausadamente o encarando com raiva – Ele não a viu somente uma ou duas vezes...

—Não era o que pode parecer, Hazel. Ela o manipulava, e não era romântico, acredite em mim. A intensão dele com ela sempre foi se vingar de Lilith. Rolou uma coisa aqui e ali, mas não tinham sentimentos envolvidos. – Reviro meus olhos, porque isso não deveria importar mais, e então a música lenta acaba. Dean remove a mão da minha cintura, e nós vamos até a nossa mesa, onde eu viro mais um shot de tequila, e ele faz o mesmo. Sinto meu estômago queimando.

Devia ter bebido mais durante a minha vida. Quase nem lembro que amanhã irei...

Não. Nada de pensamentos sobre o amanhã.

—E quanto a Jo Harvelle? Ela ficou louca de ciúmes quando achou que eu e você tínhamos alguma coisa rolando...- Dean quase se engasga com a tequila e eu morro de rir com isso.

—Jo Harvelle é um assunto complicado...- Dean coça a sua nuca contrariado – Eu realmente tive sentimentos por ela. E ela por mim. Mas...a história é muito longa, Laverne. Ela é uma garota que eu não quero magoar nunca mais. Nunca queria ter magoado, para falar a verdade. – Assinto, passando as mãos pelos meus cabelos, ofegante e com calor.

—Machuca muitas garotas, Dean Winchester? – Dean sorri para baixo, e “You give love a bad name” do Bon Jovi começa a tocar.

—Algumas. Não que eu goste disso. – Ele estende a mão e me puxa para dançar.

—Eu não acredito nisso. Vocês Winchesters parecem muito contentes quebrando os corações de garotas indefesas. – Digo, sendo conduzida pela mão dele.

—Você não tem nada de indefesa, Hazel. Sei que o que aconteceu não foi sua culpa, mas você também quebrou o coração dele. – Começo a dançar e deixo o álcool embalar as minhas veias.

—Espero que tenha quebrado mesmo. Em um milhão de pedacinhos. – Digo de maneira amarga, jogando o cabelo para lá e para cá enquanto as luzinhas piscam. Dançamos a música inteira, os corpos pingando suor, e as mentes confusas.

Quando a música termina, caímos na risada pelo nosso estado deplorável. Isso é ótimo. Quase dá para fingir que somos pessoas normais.

Eu realmente precisava disso.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

O suor escorre pelo pescoço dela até o decote. E eu desvio o olhar.

Desviei o olhar dela a noite inteira. Posso não estar sóbrio, mas eu sei muito bem que manter contato visual com ela por muito tempo poderia resultar em algo que eu me arrependeria amargamente pela manhã.

Não sei quando foi que começou, essa sensação conflitante ao olhar para ela. E o importante é não dar a isso muita importância. Ela é linda, e está inserida no mesmo mundo doentio que eu, e é a pessoa mais próxima a mim nesse momento.

É claro que eu desenvolveria algum tipo de sentimento por ela. Não importa o quanto eu tente negar, é verdade.

E nunca, jamais, pode acontecer qualquer coisa entre nós. Eu iria para o inferno de novo. É a única garota que Sammy realmente amou, a mesma garota que ele perdeu. Não, nada aconteceria... não é como se ela quisesse, também. Ela podia negar com unhas e dentes, falando que tinha o superado.

Mas só um cego para não perceber que se ele entrasse por aquela porta agora, o coração dela aceleraria como o de um beija flor no mesmo momento.

—Você tá pensando no que? – Ela diz, se encostando no Impala, a noite estrelada sobre nossas cabeças, os olhos com pupilas dilatadas.

—Em como...- Minha voz morre, porque não consigo inventar nada bom o suficiente para preencher o silêncio – Precisamos ir.

Hazel assente, e cambaleia levemente.

—Precisamos. Eu tenho que estar viva para morrer amanhã, não é? O que será que me pegará primeiro, ein? Um anjo ou um demônio? – Embora esteja com um tom de desdém e esteja bêbada até os ossos, sei que há um medo verdadeiro no meio dessa brincadeira.

—Nada vai pegar você, Hazel. Eu não vou deixar. – Digo com o olhar pesaroso, porque não é como se eu pudesse prometer isso. E ela sabe disso.

XXX

Hazel tropeça na escada levemente, mas eu a seguro. Ambos começamos a rir, mas então sou censurado por ela.

Shhh, vai acordar o Bobby! - Ela sussurra, o braço ao redor dos meus ombros enquanto eu a conduzo para o quarto em que está ficando. Abro a porta devagar, e a fecho atrás de nós dois.

—Está entregue, sã e salva, Laverne. – Digo a ela, que se joga na cama. Tiro suas botas e as jogo em um canto – Esteja de pé bem cedo, ok?

—Não quero dormir...- Ela murmura, letárgica. Ela se vira de barriga para cima e se senta na cama, os cabelos bagunçados – Eu não quero voltar para a realidade.

—Eu também não quero. – Digo, embora saiba que não adianta em nada querer ou não – Mas precisamos.

—A vida não é justa! – Ela choraminga – Em um dia somos jovens e estamos transando em um Impala 67, e no outro estamos sendo caçadas por demônios e sabe-se lá mais o que...

—C-como é? – Gaguejo e até fico tonto – Hazel, você...

—Já, já transei no seu precioso carro, Dean Winchester. O seu irmão me comeu com força no banco de trás uma vez...- Ela dá uma risadinha e eu me retraio. Eu vou matar o Sammy depois que eu o salvar.

Só eu posso transar na Baby.

—Ah, que droga Laverne. Eu não precisava saber disso...- Sento na beira da cama, completamente contrariado – Acredite ou não, não quero imaginar o meu irmão transando no meu carro.

—Não quer imaginar o seu irmão transando no seu carro, ou não quer me imaginar transando no seu carro? – Ela murmura, já deitada na cama, entre o sono e estar acordada.

Fico estático, parado. Será que eu fui óbvio durante a noite? Será que ela percebe como a olho as vezes?

Isso seria humilhante. Não, ela não...ah, droga.

Preciso parar de ser paranoico. Ela está bêbada e nem sabe o que está dizendo. É só isso.

—Está na hora de você descansar...- Digo – Vamos, se ajeite aí.

Ela já está com os olhos fechados, e apenas aquiesce com a cabeça.

—Boa noite, Dean...- Ela balbucia – E não me imagine transando no seu carro.

Engulo em seco quando ela diz isso. E tento afastar o pensamento quando fecho a porta atrás de mim.

Não quero e não posso imaginar o cabelo dela bagunçado, o corpo suado, a boca semiaberta ou talvez o som que sua voz cadenciada tem quando geme. Isso já é imaginar?

É, é sim. Caminho até o meu quarto e me enfio debaixo da água gelada.

Será que ela arqueia as costas quando...pare com isso, me dou um tapinha no rosto e abaixo mais a temperatura da água.

É tarde demais e a ereção ao qual eu tanto lutei já está aqui. Não tem o que fazer, exceto esperar passar.

Não vou me tocar pensando nela, isso seria tão errado. Porra, se o Sammy estivesse são e com sua alma no lugar e a visse, pudesse tê-la de volta...se ele sonhasse que o irmão mais velho sequer cogitou se tocar pensando na única garota que ele amou...

Fico encarando o meu reflexo no box e deixo a água cair em mim até passar.

Ela é linda, e inteligente e está no mesmo barco que eu, e é só isso. Minha mente está confusa e isso vai passar.

Isso vai passar.

Isso tem que passar.


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Notas finais do capítulo

Olha só, senta aqui, vamos conversar:
Não, não vamos ter um triângulo amoroso. Eu prometo.
O pobre do Dean está confuso, e não dá para culpar ele.

Mas ele NÃO faria isso com o Sam. E ela, também não.

É isso. Sofram aí.

PS: O Sam aparece logo logo. Será que veremos ele em New Orleans? Não sei...veremos?

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