Roderick e seus doze irmãos escrita por Wi Fi


Capítulo 3
O pilar da família


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Obrigada aos fantasminhas que estão acompanhando aqui os capítulos hehe, saibam que quaisquer comentários são bem vindos!
Neste capítulo, vamos conhecer mais uma irmã de Roderick.... Blair!



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Chuviscava levemente quando Roderick fez a caminhada dos estábulos para o castelo naquele fim de tarde. Ele havia treinado seu manejo de espadas o dia todo com o Grande Gaunt, um velho guerreiro amigo do conde Ewan, e seu filho, o Pequeno Gaunt.

Havia anos que Roderick já havia ultrapassado a altura de seu pai e de seus amigos. Ele decidira que era hora de aproveitar seu potencial e tornar-se um homem de verdade, da melhor maneira que ele conhecia: pela luta.

Os heróis das fábulas, canções, poemas e lendas que Roderick lera e ouvira durante a vida toda eram rapazes humildes e simples, sem propósito na vida, que um dia são tocados pelo destino e acordam para seu verdadeiro propósito como Homens naquela terra – o aço, e o sangue.

No caso, Saye não estava em guerra, é claro. Mas isso não impediu Roderick de tentar se tornar um mestre em todas as armas que conhecia. Saía frequentemente para caçar com o pai, e logo descobriu que não era nada mau arremessando lanças para matar javalis, mas pouco se interessou por elas no contexto de um combate.

Também encontrou algum gosto pelo arco e flecha. Seu professor, outro dos velhos amigos de seu pai, declarara que ele era um arqueiro nato. Mas Roderick não gastara muito tempo naquilo, porque não achava que os arqueiros eram guerreiros de verdade.

Os espadachins é que tinham toda a glória da batalha. Montados ou não, as guerras eram vencidas por eles, os homens comuns que desferiam os golpes pesados e traziam a vitória para o Reino. Era disto que a História era feita.

Verdade seja dita, aos dezenove anos, Roderick ainda não era grande espadachim. O Pequeno Gaunt, que era mais velho, porém mais baixo que ele, não tivera dificuldades em derrubá-lo algumas vezes durante o treino. Roderick não se deixou abalar, entretanto. Ainda estava aprendendo.

Sujo de lama e suor, ele foi primeiro para seu quarto lavar-se e trocar de roupas, e então seguiu para o jantar. Roderick comeu feito um ogro, esfomeado pelo exercício físico. Sua falta de modos lhe rendeu alguns olhares irritados de sua madrasta, lady Ailsa, que amamentava sua irmã mais nova, a pequena Moira. O Conde Ewan estava distraído, e não fez nenhum comentário, comendo em silêncio. Griselda, por outro lado, sentada junto do irmão, ria dele, e o provocava puxando o nariz para cima e imitando o som de porcos.

Faltava uma pessoa, entretanto. A ausência de Fionna já tinha se tornado parte da rotina, desde que ela se casara, mas Roderick, com alguma vergonha, só percebeu que Blair não tinha aparecido quando acabou de jantar.

— Onde está a Blair? – perguntou ele, limpando-se com um pano que Griselda lhe ofereceu.

— Na biblioteca. Ela está ocupada – o conde explicou.

— Ocupada? Com o quê?

— Assuntos dela. Sabes como ela é, Roderick.

O rapaz normalmente não teria discordado do pai neste quesito. Blair tinha suas peculiaridades, mas recentemente elas pareceram se intensificar. Ela andava tão calada e absorta em seu próprio mundo que mais parecia um fantasma, perambulando pelo castelo, e só se mostrando viva quando tinha de fazer as refeições com o resto da família.

Ela e Roderick tinham desde adolescentes o hábito de cavalgar juntos pelos bosques do castelo, mal o sol nascesse. Entretanto, até mesmo esta tradição fraterna havia sido deixada de lado no último mês. Agora ela acordava mais cedo do que todos eles para tomar o desjejum sozinha, e passava o dia todo em seu quarto. Sabia que ela escrevia cartas para Fionna, e esta, por sua vez, evitava responder às perguntas de Roderick sobre o assunto quando ele lhe escrevia. O Conde também desviava de assunto.

Roderick estava ficando nervoso. Blair podia ser a mais introspectiva dos Donne, mas ela nunca o ignorara. Especialmente não depois que Finley…

Decidiu que iria pôr um fim naquilo. Sem perder mais tempo, retirou-se do salão de jantar e foi para a biblioteca.

A biblioteca estava mal iluminada, com as prateleiras labirínticas tapando boa parte da luz que vinha dos castiçais que Blair usava para iluminar a sua mesa de trabalho. Quando Roderick a encontrou, estava debruçada sobre um pesado livro, com um pergaminho, caneta e tinta.

— Estou atrapalhando? – perguntou ele, ao chegar.

Blair pulou de susto, e rapidamente trouxe o pergaminho para mais perto de si.

— Só se pretenderes treinar com a tua espada aqui – respondeu a irmã, arisca feito um gato – O que queres, Roderick?

— Vim ler um pouco antes de dormir – ele mentiu, pousando seu próprio castiçal na mesa mais próxima, e sentando-se também.

— Fico feliz de ver que não estás a menosprezar o teu intelecto, Rod. Quando começaste a praticar as tuas armas, tive medo de que pretendesses te tornar um brutalhão.

— Brutalhão, eu? Jamais.

Blair respondeu-lhe com o que parecia ser o esboço de um sorriso, e voltou sua atenção para seu próprio livro. Roderick então se viu forçado a pegar um livro qualquer para justificar sua presença. Logo encontrou um velho tomo que tinha começado a ler na semana anterior.

As Linhagens de Guerreiros de Saye, volume terceiro: de Fion, o Vermelho, a Murdoch, o Último.

Fionna havia lido aquele livro, e deixado para o irmão quando partira. Com alguma trepidação, Roderick devorara as páginas, que registavam a genealogia de várias famílias do antigo reino, incluindo a de seus pais.

Ali, sob a luz das velas, voltou a abrir na página referente aos Allen, a família de sua mãe. Traçou seus ancestrais na tinta, até o avô, quase como se lesse um feitiço.

— Sabias que o trisavô da nossa mãe lutou ao lado do trisavô do pai, na penúltima guerra pela independência? – disse Roderick, lendo do que estava na página – Não é engraçado?

— Depende do que defines como engraçado— suspirou Blair, deixando sua caneta de lado – Não acredito que estás a ler isto de novo.

— O que tem?

— É um catálogo de desgraças, Roderick.

— E o que é que tu estás a estudar, tão atentamente que até te tira do jantar? – retrucou o rapaz, se levantando para espreitar o trabalho da irmã.

Blair rapidamente fechou o livro e encostou-o ao peito, escondendo a capa, de forma que Roderick só conseguira ler parte do título.

“Preparação para a vida de mulher…”

Ele não soube o que fazer com aquela informação. Blair enrolou o pergaminho no qual escrevia, juntando-o ao livro, e se levantou.

— Não é nada da tua conta, Roderick. Me deixe em paz.

— Blair, por amor de Deus, o que se passa contigo? – esbravejou o rapaz, se levantando também – Não falas comigo há semanas, já não comes conosco, mas tu, o pai e a Fionna claramente estão tramando alguma coisa. Como teu irmão, tenho direito de saber. E estou preocupado contigo.

Ela suspirou, levando uma mão à testa, cansada.

— Vamos para o meu quarto, não quero te falar aqui. Não quero que a Griselda saiba.

No caminho até os quartos, mil possibilidades correram pela mente de Roderick. Se estivesse gravemente doente, ele tinha o direito de saber, tanto quanto Fionna ou o pai. Era a explicação mais óbvia que conseguia encontrar. Mas porque haveriam de esconder dele que ela estava doente? Seria para não o deixar preocupado? Será que achavam que ele não tinha maturidade para lidar com isso?

Oh, céus. E se ela estivesse com bebê?

Roderick não conseguia imaginar que sua irmã estivesse grávida. Blair nunca gostara de crianças, nem quando ela mesma era criança. E nunca demonstrara interesse por nenhum rapaz, mesmo que não tivessem faltado pretendentes durante a sua adolescência. Não, era impossível que ela estivesse grávida.

Mas e se tivesse sido contra sua vontade?

Oh não, faria mais sentido. Se um maldito tivesse violado sua irmã, nem Deus nem o Diabo fariam com que Roderick desistisse de matar este monstro com suas próprias mãos.

Ele estava praticamente pulando de nervosismo quando chegaram ao quarto de Blair, trancando a porta atrás deles. A irmã acendeu os candelabros das paredes, e olhando ao redor, Roderick notou que o quarto estava repleto de baús, e que quase não se via nenhum pertence de Blair.

— Estás grávida? – ele soltou, sem conseguir se segurar por mais um segundo.

Blair fez uma careta de desgosto.

Eca! É claro que não! De onde tiraste esta ideia?

— Eu sei lá! Estás a te esconder e já não comes conosco, nem bebes vinho, poderias estar grávida.

— Bem, se era isto que estava a te preocupar, podes ficar descansado que não é este o caso – retrucou Blair, irritada – Senta-te, e cala-te que eu te explicarei.

Roderick sentou-se na cama da irmã, e ela colocou em seu colo o livro que tinha trazido da biblioteca, bem como seu pergaminho. O título completo do livro dizia

Preparação para a vida de mulher monástica – Convento das Irmãs da Claridade.

O pergaminho continha as mesmas palavras, mas acrescidas de um subtítulo

Votos de confirmação.

O rapaz não conseguiu entender. As Irmãs da Claridade eram uma ordem religiosa antiga. Mas o que isto tinha a ver com Blair?

— Eu vou me juntar à Ordem. Eu vou para o Convento das Claríssimas.

Roderick primeiro vasculhou o rosto da irmã, à procura de algum sinal de que aquilo era uma brincadeira. Mas Blair nunca brincava.

Ele sentiu-se ficar tonto, como se tivessem puxado o chão debaixo de seus pés. Sentia algo pressionar seu peito, e a cabeça girar com o choque. Afastou o livro e o pergaminho de si, como se tentasse expulsar aqueles pensamentos.

O quê?— disse ele, com a voz fraca – Vais te tornar freira?

— Não exatamente. As irmãs são estudiosas, muito cultas. Devido ao meu posto de nobreza, permitiram que eu me juntasse, sem me ordenar freira– explicou Blair - Vou viver como elas, na pobreza e na meditação. Mas posso sair quando quiser.

Roderick desviou o olhar e cerrou os punhos, magoado.

— Então vais nos abandonar também.

Blair suspirou novamente e foi sentar-se ao lado do irmão, segurando sua mão.

— Não vou abandonar ninguém, Rod. Eu posso escrever para vocês ainda.

— Mas vais abdicar de seu lugar na família. Vais para longe, para as montanhas, aonde mensageiros mal chegam, isso se não se perderem ou forem mortos por deslizamentos de pedra. Por que, Blair?

Foi a vez de Blair desviar o olhar, virando o rosto para discretamente limpar as lágrimas que escorriam de seus olhos.

— Tu não sabes de nada, Roderick. Não tens ideia do que tem se passado nos últimos meses, pois não? – ela disse.

— Do que estás a falar?

Blair balançou a cabeça com pesar.

— O pai está a arranjar casamentos para mim e para Griselda.

O rapaz soltou uma exclamação de surpresa.

— Se a Griselda vai casar e ela é mais nova que eu, então eu também em breve…

— Homens não têm data para se estragarem, Rod. Tu podes meter um filho numa rapariga quando bem quiseres. Mas eu já tenho vinte e três, já estou a ficar velha. E o pai precisa garantir alguns herdeiros…

— Ele já tem seis filhos legítimos! – indagou Roderick, confuso.

— Finley não conta. E Moira ainda é bebê, nada garante que vai chegar à vida adulta. De qualquer forma, não importa, tua linhagem não está garantida até que tenhas netos, e o pai não tem nenhum…

— Mas a Fionna já está casada. Não tarda nada ela vai ter filhos.

— Achas mesmo? Eles já estão juntos há três anos e não tiveram filhos. Ou ela, ou aquele imbecil do Bell, é infértil – respondeu Blair - Não há muito o que se fazer, e eu sou a próxima na linha de sucessão. Mas o pai deixou que eu escolhesse o mosteiro para escapar disso. Um pouco de misericórdia, ao menos.

Roderick assentiu, o peso da situação finalmente entrando em sua mente. Pensou em Griselda, que ainda tinha cara de criança, se casando com um brutamontes qualquer, e subitamente se encheu de raiva do pai.

— Eu vou falar com o pai – disse o rapaz, determinado – Ele não pode tratar vocês assim, como porcos na feira.

— Não, não te zangues com ele, Rod. O pai também não está contente com isso, mas ele não tem escolha – Blair explicou pacientemente – Nossa casa quase desapareceu na geração passada, e Breator nunca deixou de nos ver com desconfiança. Quanto menos Donne existirem, menor as probabilidades de lutarmos por nossa sobrevivência… ou por vingança.

Ele não pode deixar de se sentir estúpido. Enquanto suas irmãs estavam presas naquela situação, Roderick vivia numa infância prolongada, inerte e inocente. Griselda seria forçada a amadurecer depressa em nome do país, enquanto Roderick provavelmente seria poupado do mesmo destino por ter nascido homem. Ele falhara em protegê-las.

— Tu preferes mesmo uma vida de pobreza e dedicação aos estudos do que se casar com um nobre qualquer? – perguntou Roderick, ainda incrédulo.

— Nem a paixão mais arrebatadora me faria abdicar de minha independência por algum homem – respondeu ela, com firmeza.

— Mas e se for um homem bom? Gentil, e cuidadoso?

— Isso não é o que acontece na maioria dos casos, Roderick… e mesmo assim, ser esposa de alguém é um trabalho eterno. Espera-se que pairas um filho por ano, não reclames do marido e sejas o pilar de sustentação da família, não importa qual desgraça se faça acontecer. Eu não nasci para tolerar nada disso.

Roderick assentiu, compreendendo as palavras que ela dizia. Pensou consigo mesmo que se tivesse filhas, não teria coragem de mandá-las embora deste jeito.

— Quando vais embora? – perguntou.

— O mais cedo possível…estou à espera da notícia de que o gelo derreteu nas montanhas, para que as estradas estejam mais seguras. Então, parto.

— Quando é que ias me contar?

— O pai que ia te contar…perto do dia da minha ida – respondeu Blair, envergonhada, e com a voz um pouco embargada – Eu sinto muito, Roderick. Achei que seria melhor…, mas claramente subestimei a tua teimosia.

Sem dizer mais nada, Roderick abraçou Blair com força, e assim ficaram por algum tempo, antecipando as saudades que viriam a sentir um do outro.

— Então a Griselda ainda não sabe? – perguntou Roderick, ao se separarem.

Blair já não escondia as lágrimas, mas seu irmão ainda tentava se fazer de forte. Os homens de Saye nunca choravam assim à frente dos outros.

— Ela não sabe que eu vou embora. Mas o pai já falou de casamento com ela, sei disso.

O coração de Roderick se apertou novamente. Em sua cabeça, Griselda ainda era a criancinha gorducha de dez anos atrás.

Blair levantou-se da cama e foi até um de seus armários. Procurou por algum tempo até voltar com uma pequena caixa de madeira polida. Ela colocou no colo de Roderick.

— Toma. Deixo isto para ti – disse.

Ele abriu, e viu que dentro, envolvido num pedaço de tecido aveludado, estava o diadema dourado da mãe deles.

— Não acho que caiba na minha cabeça – brincou Roderick, rodando o diadema com delicadeza em seus dedos.

Conseguiu extrair um risinho da irmã. Olhando para Blair, agora que era adulta, ela era a filha que mais lembrava Elinor. O cabelo cor de mel, que Roderick também herdara, maçãs do rosto altas em sua face delicada, e a quantidade ridícula de sardas que a cobria. Até o jeito que ela prendia o cabelo deixava-a parecida com o quadro da mãe que estava no salão do castelo. A única coisa que a separava do quadro eram os olhos, que eram escuros como os de quase todos os Donne, e não verdes e delicados como os de Elinor.

— O pai me deu quando fiz dezoito anos. Mas não vou usar isto no convento – Blair justificou - A Griselda ficou com alguns vestidos dela, achei que merecias alguma lembrança também. Quero que o dês para uma garota de quem gostes muito, está bem?

Algumas semanas depois, Blair partiu, levando apenas alguns livros e roupas simples, emprestadas das empregadas. A família toda observou enquanto ela se afastava na carruagem, até que desapareceu no horizonte.


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Notas finais do capítulo

E quem está curioso sobre o futuro da Blair....aguardem até semana que vem!