Te Amarei Para Sempre escrita por deboradb


Capítulo 3
Carta de Adeus




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“Pode-se dizer que existo infinitamente. Estou aqui agora. E em todos os segundos entre meu nascimento e a minha morte.”

***

— Não! — o grito angustiado de Chloe ecoou pelo ambiente relativamente escuro quando sua consciência fora despertada de maneira repentina.

A morena ergueu o corpo rapidamente, olhando à sua volta na tentativa de reconhecer o lugar onde estava, completamente aterrorizada. Vibrações de energia percorreram cada centímetro de seus músculos rígidos devido a tensão, enquanto sua respiração encontrava-se ofegante e os seus batimentos cardíacos acelerados, dando a ela a sensação de que seu coração poderia sair de seu peito a qualquer momento. Entretanto, um suspiro de alívio logo escapou por seus lábios ao constatar que estava segura em seu quarto e que aquilo havia sido apenas mais um pesadelo. Um cruel e assustador pesadelo onde ela via a si mesma dentro de um necrotério, machucada, imóvel, sem vida.

Chloe passou as mãos pelos cabelos sentindo-se completamente desconcertada. O mundo parecia cair do lado de fora de sua janela enquanto a morena tentava colocar em prática algum dos exercícios de respiração que seu médico havia lhe indicado. Mas o tempo não parecia querer contribuir com ela, pois logo o som de trovoadas se propagou pelos ares atingindo em cheio seus ouvidos, fazendo-a se assustar. Com um pouco de esforço, ela olhou sobre o ombro e viu que seu relógio de cabeceira indicava que já se passavam das seis da tarde.

— Chloe? — a morena ergueu o olhar ao ouvir o chamado, avistando James parado em sua porta — Está tudo bem, filha? — questionou preocupado.

— Sim, pai. Foi só... só mais um pesadelo. — respondeu, tentando não parecer tão cansada. A realidade era que já havia mais de uma semana que Chloe não conseguia dormir direito, devido aos incansáveis pesadelos que a atormentavam constantemente.

James a analisou por alguns segundos, vendo o quão abatida e exausta sua garotinha estava. Ela havia perdido mais alguns quilos e as olheiras abaixo de seus olhos nunca pareceram tão visíveis. Aquilo o entristeceu profundamente. Ele vinha tentando ser forte por sua família, mas de vez em quando encontrava-se trancado em seu escritório chorando copiosamente. Era doloroso demais encarar a triste realidade de que seu pequeno floco de neve estava desfazendo-se aos poucos. O patriarca já havia perdido pessoas de mais em sua vida. Por fim resolveu se aproximar, sentando-se ao lado da morena.

— Por que você não toma um banho e desce para comer um pouco? Talvez te ajude a relaxar. — sugeriu enquanto erguia a mão para retirar algumas mechas escuras da frente dos olhos de Chloe — Sua mãe fez aquela Paella que você tanto adora. — sorriu para a filha, depositando um beijo suave e carinhoso em sua testa.

Chloe limitou-se a um breve aceno antes de adentrar o banheiro para tomar um rápido banho. Após vestir-se com uma roupa confortável e aquecida, a britânica desceu para ir de encontro aos seus pais. O jantar decorreu silenciosamente, porém com um ar bastante agradável e reconfortante. Apesar de a Paella ser um dos pratos preferidos de Chloe devido a sua ascendência espanhola, ela mal tocou na comida e logo se retirou da sala de jantar, indo sentar-se na varanda para tomar um pouco de ar fresco.

Era uma noite fria de segunda-feira, o céu ainda se encontrava extremamente nublado, com pouquíssimas estrelas e o mundo nunca pareceu tão silencioso quanto naquele momento. Era como se a natureza estivesse sentindo o mesmo que ela, a mesma melancolia tão familiar, tão triste. As coisas não andavam nada bem naquelas duas primeiras semanas de novembro. Chloe havia passado a maior parte de seus dias no hospital, já que suas dores de cabeça haviam aumentado gradativamente e, juntamente com ela, os enjoos e a fraqueza. E assim, mais uma vez, ela se viu trancafiada em seu quarto, sentindo aquela costumeira e desconfortável angústia. Sua mente estava desnorteada pela escuridão inata da vida, fazendo com que a morena sentisse como se estivesse em frente a um espelho embaçado, impedindo assim a luz de ser refletida. Aquilo a estava deixando agoniada e extremamente irritada. Ela sentia-se como uma granada prestes a explodir e destruir tudo ao seu redor.

Ela estava indo tão bem, estava conseguindo seguir em frente mesmo com os apesares. Mas então a vida, tão bela e cruel como só ela, vinha e novamente lhe dava uma rasteira. Chloe estava com raiva, muita raiva, além de questionar-se constantemente o porquê de aquilo estar acontecendo justamente com ela. Por que não com outra pessoa? Por que justo ela havia sido a azarada quanto tudo o que tinha era perfeito? Aquilo não era junto, não fazia sentido e só a deixava ainda mais confusa, desnorteada e destruída, até chegar ao ponto onde tudo o que lhe sobraria seria somente a dor e o vazio.

Chloe fechou os olhos e respirou fundo, inalando o aroma da grama molhada. Aquele aroma lhe era familiar e quando a lembrança veio em sua mente, ela logo sorriu, mesmo que tristemente. Era como se o tempo tivesse voltado e congelado naquela época onde tudo havia começado. Quando ela era somente uma pré-adolescente divertindo-se ao lado de Diana e Alice. Elas eram um time. O melhor time que o mundo já viu. As coisas costumavam ser tão mais fáceis. E foi naquele exato instante que Chloe parou para perceber o quanto sentia falta daquilo. Sentia falta de estar com elas assistindo filmes e séries, começando uma guerra de pipocas ou travesseiros. Passando as tardes desbravando a cidade de Brighton enquanto pregavam peças uma na outra. Apenas elas, o trio invencível. Existia uma teoria de que apenas alguns momentos específicos marcavam a nossa vida com tanta força que, mesmo após anos, aquela memória continuaria intacta, seus cheiros, cores, pessoas, sensações, tudo poderia ser sentido como no exato momento em que ela fora criada. Tais memórias nasciam quando uma mudança muito grande ocorria ou uma emoção muito forte nos atingia. Chloe acreditava fielmente naquela teoria, e ela tinha absoluta certeza de que aqueles momentos vivenciados ao lado de suas duas melhores amigas estariam para sempre entre o pequeno e seleto grupo de memórias literalmente inesquecíveis.

Mas talvez a morena houvesse estragado tudo aquilo quando as expulsou de seu quarto dois dias atrás ao ser a arrogante e ignorante de sempre, ou pelo menos dos últimos nove meses. Mas não era como se ela quisesse realmente ter feito aquilo, ela só estava tentando protegê-las de se ferirem ainda mais. Quando a gente é criança, só tem medo do que pode machucar. Depois, quando a gente cresce, passa a ter mais medo de machucar quem a gente gosta. Contudo, Chloe sabia que mesmo tendo sido uma babaca, suas amigas jamais a abandonariam, e aquilo só a fazia se sentir ainda mais culpada.

— O que uma moça tão bela faz aqui fora, nesse frio e tão solitária? — a voz brincalhona, porém doce e suave, fez o sorriso triste de Chloe se tornar genuíno. A morena abriu as pálpebras de forma lenta só para dar de cara com o sorriso adorável e os olhos fascinantes de Louise.

— Sabe o que dizem, não é? — se pronunciou, sem fazer esforço algum para que sua voz soasse menos rouca devido às poucas palavras trocadas durante a semana — Antes só do que mal acompanhada.

— Nossa! Essa magoou. — Louise pôs a mão sobre o peito teatralmente e as duas riram. E, novamente, lá estava a italiana arrancando risos de Chloe de uma forma que nenhuma outra pessoa jamais seria capaz — E então, como você está? — perguntou após sentar-se ao lado da morena, deixando que sua face fosse tomada pela preocupação.

— Mal. — Chloe suspirou pesadamente, abaixando o olhar por alguns segundos — Estou me sentindo uma droga, para falar a verdade. Ainda mais por ter falado daquele jeito com as meninas. Eu não queria, mas estava tão zangada que nem medi minhas palavras. — desabafou.

— É... Eu percebi. Você foi muito idiota e tem sorte por ser tão bonita, porque a minha vontade era de te dar umas boas bofetadas. — falou com humor, mas a morena pôde notar certo ar de verdade na voz da Gutiérrez.

— Talvez eu mereça umas bofetadas. — murmurou cabisbaixa.

— Ei, não fica assim. — Louise pôs os dedos no queixo bem desenhado de Chloe e ergueu seu rosto, a obrigando a encará-la — Você sabe que tanto a Diana como a Ally não levaram em consideração suas palavras, então pare de se martirizar, está bem? O que passou, já passou... — sorriu de forma doce — Só tente não ser uma idiota dá próxima vez. — completou e a morena soltou uma pequena risada.

— Obrigada, Ise. — agradeceu com sinceridade e a italiana apenas assentiu, antes de repousar a cabeça em seu ombro.

Chloe havia relutado um pouco no começo, mas agora estava claro para ela que ter deixado Louise entrar em sua vida havia sido a melhor escolha. Ela costumava definir a italiana como sendo tão límpida quanto as águas de um lago em um dia de sol, por outro lado, a morena definia a si mesma como sendo tão turva quanto o mar em meio a uma tempestade. Elas eram diferentes, em inúmeros aspectos, mas sempre que a Gutiérrez estava por perto, Chloe podia sentir o vazio em sua alma ser preenchido. Entretanto, quando ela não estava, a britânica se via em frente àquele velho espelho embaçado, com um relógio tiquetaqueando ao fundo cada hora, minuto e segundo de tempo que ainda lhe restava.

— Não é loucura como a vida é de um jeito e de repente, como em um passe de mágica, ela transforma-se em outra coisa? — indagou, quebrando o silêncio.

— A vida é uma grande e enorme bagunça, Lo... por isso ela é tão bela. — respondeu no exato instante em que um relâmpago cortou o céu de uma ponta a outra, trazendo consigo mais uma forte chuva.

— É, talvez você tenha razão. — a morena deu levemente de ombros e Louise ergueu o rosto para poder olhá-la, notando o quão lindo era o seu perfil.

Cada parte da face de Chloe parecia ter sido perfeitamente moldada antes de ser colocada no lugar. Seus olhos tinham uma forma arredondada e o verde cristalino de suas orbes deixavam-na adorável. Já suas sobrancelhas sempre bem marcadas e ossos fortemente desenhados de seu rosto davam-lhe um ar imponente, mas seu nariz pequeno e delicado vinha para suavizar sua expressão. Assim como seus lábios carnudos e muito bem delineados tornava ainda mais verídico a ideia de ela ter sido esculpida. Era quase como observar uma deusa, em carne e osso, bem à sua frente.

— Eu sempre tenho, querida. — sorriu divertida e Chloe revirou os olhos — Quer saber? Isso aqui está muito para baixo. — Louise levantou e olhou ao seu redor, meio pensativa, foi quando algo surgiu em sua mente e ela logo se voltou para a morena — Dança comigo?

— O quê? — indagou completamente confusa.

— A primeira tarefa da sua lista era dançar na chuva, certo? E não vejo momento mais perfeito do que esse. — sorriu, estendendo a mão para Chloe.

A morena não sabia exatamente o porquê, mas não estava disposta a negar aquele convite, mesmo correndo o grave risco de pegarem um resfriado ou até mesmo uma hipotermia. Mas estar com Louise Gutiérrez era exatamente aquilo. Se arriscar sem ligar para as consequências.

Chloe agarrou a mão de Louise e se pôs de pé com um pequeno sorriso. A italiana retirou o celular do bolso e colocou sobre o banco onde antes estavam sentadas, puxando a morena logo em seguida para debaixo da forte chuva, onde ambas tiveram seus corpos encharcados em questão de segundos. Quando os primeiros acordes da música começaram a ecoar do celular da italiana, Chloe não conseguiu se segurar e acabou rindo, um tanto nostálgica até. Ela possuía um profundo apreço por aquela canção, principalmente depois que descobriu sobre o seu Aneurisma.

Leave out all the rest? — arqueou as sobrancelhas, sentindo a brisa gélida da noite abraçar seus corpos.

— O que eu posso fazer? Eu amo Linkin Park. — Louise deu de ombros — Sem contar que essa música faz parte da trilha sonora de Crepúsculo. — sorriu de forma adorável.

Chloe puxou a italiana em sua direção, deixando seus corpos completamente colados enquanto a chuva tratava de banhá-las com toda a sua intensidade. Seus pés se moviam lentamente de um lado ao outro, acompanhando o ritmo um tanto melancólico da canção. Foi então que a morena aproximou seus lábios do ouvido de Louise para cantarolar baixinho a letra da música, permitindo que a mesma fosse agraciada com sua voz grave e aveludada.

Sonhei que eu havia desaparecido, e você estava tão assustada, mas ninguém podia ouvir, pois ninguém mais se importava. Depois do meu sonho, acordei com esse medo. O que vou deixar quando eu tiver acabado aqui? — Louise sentiu seus pelos se arrepiarem quando os lábios de Chloe rasparam em sua orelha.

— Eu não deveria estar surpresa por você saber a letra da canção. — comentou divertida, apoiando o queixo no ombro da britânica. Apesar de serem incompatíveis em diferentes aspectos, ambas possuíam gostos relativamente parecidos no teor musical.

— O que eu posso fazer? Eu amo Linkin Park. — repetiu as palavras ditas pela Gutiérrez momentos antes — Mas que fique claro, eu não gosto de Crepúsculo. — completou, fazendo Louise gargalhar alto desta vez — Quando minha hora chegar, esqueça os erros que eu cometi. Ajude-me a deixar para trás algumas razões para ser lembrado. Não fique ressentida comigo. Quando sentir-se vazia, mantenha-me em sua memória e esqueça todo o resto. Esqueça todo o resto. — cantarolou novamente, sua voz em perfeita harmonia com a do vocalista, transpassando a mesma dor, a mesma angústia, fazendo o coração da italiana ficar apertado dentro do peito. Aquilo era quase como uma despedida.

Louise afastou um pouco seu corpo de Chloe para poder olhá-la nos olhos. O verde que tanto a fascinava estava ainda mais extraordinário. Ela então ergueu a mão e afastou as mechas molhadas dos olhos da morena, vendo que as bochechas e os lábios da mesma estavam levemente avermelhados por conta do frio, dando a ela um ar adorável e extremamente belo. Louise analisou e contornou cada mínimo detalhe do rosto esculpido de Chloe, guardando para ela aquele pedaço de perfeição. Então seus olhos se encontraram, se conectaram, e a morena se aproximou um pouco mais, deixando seus rostos a poucos centímetros um do outro. Havia uma forte e intensa conexão entre elas, quase como se fossem imãs sendo atraídos cada vez mais até se fundirem. Era uma sensação estranha para ambas, mas ao mesmo tempo familiar. Seus corações estavam acelerados. Suas respirações descompactadas. Suas pupilas dilatadas... Era como se elas houvessem voltado para aquele dia no shopping. 

— Eu quero te beijar. — o sussurro saiu dos lábios de Chloe sem a sua permissão, mas ela não se arrependeu nem por um segundo.

— E por que não beija? — Louise devolveu completamente perdida em seu próprio desejo.

— Porque algumas coisas quando quebram, não dá para concertar... e eu não quero que isso aconteça com você, Louise. — os olhos da morena se tornaram tristes e a italiana segurou seu rosto por entre as mãos, fazendo com que seus narizes se tocassem.

— Já é tarde demais para isso, Chloe. Eu já estou quebrada... — as gotas de chuva escorriam por seus rostos, deixando a conexão entre ambas ainda mais intensa — Assim como também já estou perdidamente apaixonada por você. — revelou, pegando a morena completamente de surpresa.

Chloe sabia que pisar naquele terreno seria como pisar em um campo minado. Mas o que ela poderia fazer se as bombas já haviam sido acionadas? Se machucar já havia se tornado algo inevitável. Então era melhor aproveitar enquanto a vida ainda sorria para elas, porque quando a tempestade surgisse, só restariam às dores e as cicatrizes.

— Quer saber? Dane-se o resto. Eu assumo os riscos. — foi o que Chloe disse antes de avançar nos lábios de Louise, acabando com todo o espaço que ainda existia entre elas.

Foi como se uma explosão de sentimentos tanto tempo guardados finalmente pulassem para fora naquele momento, alcançando a tão sonhada liberdade. A chuva banhava seus corpos tornando aquele momento ainda mais perfeito. Elas possuíam uma sede tão intensa uma pela outra que só parecia crescer cada vez mais. Mas foi somente quando suas línguas começaram a travar uma guerra onde ambas esperavam pela vitória que, todas as estrelas pareceram cair do céu chocando-se umas contra as outras, criando um universo inteiramente novo em seus corpos. Seus lábios se moviam em perfeita sincronia enquanto seus corações estavam fortemente acelerados. Elas haviam acabado de iniciar uma guerra fria e não temiam nem um pouco terminarem completamente quebradas, muito pelo contrário, elas queriam mais. Muito mais.

[...]

Era início de dezembro e apesar de ser inverno, a noite estava bem estrelada, deixando o céu incrivelmente iluminado. Chloe estava sentada próxima a uma fogueira com Louise aconchegada em seus braços, ambas enroladas em um enorme e confortável cobertor. Elas estavam concretizando a terceira tarefa da lista da morena. Acampar no alto de uma montanha.

A floresta encontrava-se estranhamente silenciosa naquele momento e os pensamentos de Chloe voavam longe. Ela não estava em seus melhores dias. Na verdade, a morena estava naqueles que havia nomeado de dias sombrios, onde tudo parecia opressor demais. Eram aqueles tipos de dias em que parecia mais difícil conviver consigo mesma. Já havia se passado mais de dez meses e ela permanecia convivendo com aquela incansável montanha-russa de sentimentos instáveis e inoportunos. Ela não conseguia descrever com exatidão aquela sensação, era algum tipo de vazio, mas que ocasionalmente se tornava barulhento demais em sua mente, misturando-se aos seus pensamentos confusos e incertos. Aquilo em certas ocasiões fazia com que Chloe se sentisse como um pássaro sobrevoando uma campina em chamas, já em outras, ela era a própria campina, onde o fogo devastava e dali nada sobrava, a não ser às cinzas e o esquecimento. O abominável esquecimento. Contudo, já havia algum tempo desde que a britânica tomara consciência de que não queria ser esquecida, não queria ser como as pessoas cometas que simplesmente passavam pela vida sem iluminar, sem aquecer, sem deixar a sua marca. Ela queria ser como as pessoas estrelas, que mesmo após sua partida, permaneciam iluminando os céus, aquecendo e trazendo beleza todas as noites aos corações daqueles que ficavam.

— Eu não quero ser esquecida, Ise. — sua voz soou baixa e angustiada, quebrando o silêncio.

Louise ergueu o rosto e encarou a morena com atenção, vendo o brilho das estrelas serem refletidas em sua imensidão esverdeada. Ela podia enxergar nitidamente o medo nos olhos de Chloe, e a entendia perfeitamente, pois compartilhava do mesmo medo; o medo de ser esquecida pelo tempo. Por mais que gritássemos, falássemos ou fizéssemos qualquer outra coisa, bastava o silêncio, a quietude, o calar, o sumir, e então você desaparecia para todos e o tão temido esquecimento naturalmente acontecia. Entretanto, a italiana havia aprendido que algumas lembranças jamais poderiam ser deixadas para trás, pois elas não pertenciam ao passado, elas pertenciam a nós. E enquanto ela estivesse viva, Chloe Madsen jamais, em hipótese alguma, seria esquecida.

— Você nunca será esquecida, meu amor. — sorriu de forma doce e levou as mãos até as bochechas avermelhadas de Chloe para acariciá-las — Eu nunca permitirei que isso aconteça... Jamais. — selou seus lábios em um beijo lento e apaixonante.

— Por que eu? — a morena perguntou um pouco ofegante após o beijo, encarando a Gutiérrez intensamente.

— Como? — devolveu confusa.

— Por que eu? Por que você escolheu a mim, uma moribunda que só sabe reclamar da vida e que não tem nada para te oferecer, quando poderia ter qualquer outra pessoa saudável e inteira ao seu lado? — complementou a pergunta — Você é linda, Louise. É uma garota realmente incrível, divertida, admirável. Você merece ser feliz. Merece casar, ter filhos, ter uma vida perfeita com uma pessoa perfeita... — suspirou — E eu infelizmente não sou essa pessoa. — assinalou de forma triste, sentindo um gosto amargo subir por sua garganta.

Chloe não gostava de admitir, mas ela definitivamente não era o que Louise merecia. Ou talvez fosse, mas em uma outra vida onde não estivesse à beira da morte.

Havia uma antiga lenda oriental, que falava sobre um fio vermelho responsável por interligar pessoas destinadas a serem uma só. Não importava quantas vezes o fio fosse esticado, enrolado, ou até mesmo se desse mil voltas em torno do planeta, nada e nem ninguém jamais seria capaz de impedir que as duas pessoas entrelaçadas se encontrassem. Mas nem sempre as pessoas destinadas tinham o seu final feliz logo de cara. Às vezes elas passavam por momentos decisivos que as separavam, porém, o fio permanecia lá, inquebrável. Esse fato poderia ocorrer quando os destinados perdiam o caminho um para o outro, por vezes apenas um descuido, por outras um erro de cálculos, ou então por conta da morte. O fato era que eles sempre estariam conectados, independentemente do tempo, do lugar ou da hora. No entanto, apesar de o fio vermelho ser inquebrável, ao longo de nossas vidas sempre haveria dois grandes amores, um com quem você conseguiria o companheirismo máximo, sendo feliz pelo resto da sua existência. E também havia aquela outra pessoa, aquela que você sempre perderia. Alguém que nasceu tão conectado a você ao ponto de as forças da química escaparem da razão e impedirem, sempre, você de encontrar o final feliz. E Louise sabia, na parte mais profunda de seu âmago, que Chloe era aquele amor que ela sempre perderia. Mas isso não faria com que ela desistisse de aproveitar cada precioso segundo ao lado de sua amada.

— Você realmente não entende, não é? — a italiana balançou a cabeça — A vida não precisa ser perfeita para ser extraordinária, Chloe... — ela aproximou seus rostos — Até porque, os perfeitos não sabem amar. E por mais que você se esforce para me afastar, todas as suas tentativas serão falhas, porque nada e nem ninguém conseguirá mudar o que eu sinto por você. — o sorriso em seus lábios e o brilho em seus olhos entregava a emoção do momento.

— O que você quer de mim, Louise? — perguntou em um sussurro, acariciando o nariz da italiana com o seu.

— Eu quero que fique comigo todos os dias até o seu último suspiro. Eu quero dias. Eu quero noites. Poder dormir juntas, acordar juntas. Eu quero que me ame, Chloe. — respondeu sincera e sem rodeios — E você? O que quer de mim?

— Quero que me abrace quando eu sentir medo. Que enxugue minhas lágrimas quando eu me sentir angustiada. — acariciou as bochechas de Louise — Quero que esteja comigo em todos os momentos, para me segurar... para continuar me amando. — completou, colando suas testas. E por uma fração de segundos, ambas se viram presas à intensidade daquela troca de olhares. O verde perdendo-se no castanho. O mar acolhendo a tempestade.

Querida, você parece cansada, quando foi que você comeu pela última vez? Entre e sinta-se em casa, fique o quanto precisar. — Louise começou a murmurar baixinho, arrancando um sorriso genuíno de Chloe — Diga-me, tem algo errado? Se tem algo errado você pode contar comigo, você sabe que eu arrancaria o meu coração fora se ajudasse o seu a bater. Está tudo bem se não consegue encontrar as palavras. Deixe-me tirar o seu casaco e tirar também esse peso dos teus ombros. Como uma força considerável, um oceano poderoso ou um beijo gentil, eu te amarei com tudo o que eu tenho. Como uma maré agitada, eu farei uma bagunça. Ou como águas calmas, se for melhor para você. Eu vou te amar sem exigir nada em troca. — os olhos da morena tornaram-se marejados, mas aquilo não a impediu de observar com atenção cada mínimo detalhe da italiana. Seus cabelos escuros estavam soltos enquanto a lua refletia por trás de si, fazendo sua pele reluzir como um diamante. Olhando daquele ângulo, ela era a visão perfeita de um anjo — Como uma força considerável, um oceano poderoso ou um beijo gentil, eu te amarei com tudo o que eu tenho. E que privilégio é amar. Uma grande honra de te ter em meus braços. — finalizou a canção, tendo sua voz embargada por conta das lágrimas que faziam caminho sem cerimônia alguma por suas bochechas, em sincronia com as de Chloe.

Naquele instante, assim como em todos os outros, a morena se tornara fascinante diante os olhos da italiana. Quando estava em silêncio, era linda. Quando falava, estava novamente linda, e construía formas únicas de belezas em palavras que a fazia admirá-la ainda mais. No começo daquela amizade, Louise a via de modo tão simples e puro, então uma espécie de beleza espiritual se impôs a ela e a Gutiérrez sentiu fascínio ao observá-la. Seu calar, até quando não queria dizer alguma coisa, dizia, e era profundamente belo. E ali, naquela pequena bolha onde ambas se encontravam, havia tantos sentimentos gritando por atenção, gritando para serem ouvidos. E eles foram, pois no exato instante em que Chloe tomou os lábios de Louise nos seus, todos aqueles sentimentos explodiram do jeito mais intenso e prazeroso que poderia existir.

Aqueles corpos molhados, com os corações acelerados, quentes depois do vendaval carnal. Não, elas não fizeram amor, elas se fundiram. Encaixaram seus corpos de uma forma inexplicável, uniram seus destroços, colidiram seus segredos libidinosos e fatais. Trocaram olhares confessos, declarações de amor, caricias singelas... Ali, naquele momento onde ambas se encontravam em um mundo completamente paralelo ao nosso, não haviam segredos, nem medos ou almas quebradas, somente sorrisos, sonhos e felicidade. Aquela era a pequena linha tênue onde estava localizado o para sempre delas.

[...]

Brighton, Inglaterra.

20 de Dezembro, 2019

 

Caro, desconhecido, meu pai me comprou esse papel de carta certa vez quando eu reclamei que não conseguia mandar um e-mail, pois a internet estava fora do ar. Então, alguns anos depois, quando descobri que estava com um aneurisma cerebral sem cura, eu pensei: “Ei! Acho que está na hora de escrever algo naquela folha de papel velha!” O engraçado é que eu nem sei bem o que escrever, pois passei muito tempo assombrada pelo fantasma da minha doença, onde minhas noites estavam cheias de terrores e os meus olhos cheios de lágrimas. No entanto, muitas coisas aconteceram e se tornou mais suportável conviver com a minha sina. E, seja lá onde eu vá terminar esta noite, sei que é onde eu deveria estar.

Por esse motivo, cá estou eu, às três da manhã, escrevendo esta carta que talvez você encontre daqui a quinze, vinte ou até mesmo cem anos. Provavelmente a folha vai estar desgastada pelo tempo em que vagou pelos mares e minha letra provavelmente nem estará mais tão legível, mas ainda assim, eu não a escrevo para lamentar das minhas dores, das minhas angústias ou dos meus medos. Eu a escrevo porque quero ser lembrada. Porque quero me tornar parte do infinito, e para isso basta apenas você saber que eu existir. Basta saber que fui amada mais do que merecia. Que errei mais do que deveria. Que aprendi mais do que pretendia. E no final das contas, descobri que a vida é assim, como um relógio. Muitas vezes atrasado, outras adiantado, mas que nunca volta atrás.

Então, quando esse pedaço de papel chegar a suas mãos, eu não serei mais eu, mas sim, apenas uma mera lembrança vagando pelo tempo. Por isso, se você chegou até aqui, eu só queria dizer obrigada. Obrigada por não me deixar ser esquecida.

 

Com o meu mais sincero adeus, 

Chloe E. Madsen.

 

Chloe leu pela última vez a carta em suas mãos antes de finalmente colocá-la dentro da garrafa. Ela havia levado quase a noite inteira para escrevê-la, mas enfim havia conseguido. A britânica sabia que as chances de uma pessoa a encontrar eram mínimas, já que a maioria das garrafas jogadas ao mar acabavam dando a volta ao mundo sem tocar a terra. Mas apesar do tempo e das tempestades, aconteciam casos surpreendentes e documentados pela história de pessoas que encontravam mensagens em garrafas anos após serem lançadas ao oceano. Então, por mais que fossem mínimas as esperanças, a morena ainda assim as mantinha.

Após respirar fundo e contar até três, Chloe finalmente lançou a garrafa ao mar com toda a sua força, vendo a mesma ser levada pelas ondas em questão de segundos.

— Você acha que alguém, em algum lugar do globo terrestre, um dia irá encontrá-la? — perguntou, no exato instante em que a italiana se aconchegou em seus braços devido ao frio. Era dezembro e a cidade de Brighton já se encontrava coberta pela neve, deixando a paisagem ainda mais bela e encantadora do que o seu habitual.

— Sim, eu acho. Uma garrafa bem fechada é um dos objetos mais marinheiros do mundo. — respondeu, intensificando o aperto de seus braços em torno da cintura da morena.

— Mas... e se ela afundar? — perguntou novamente, um tanto temerosa, e Louise não evitou a leve risada que lhe escapou.

— Os furacões e as tempestades podem afundar grandes barcos, mas não há quem afunde a maioria dos recipientes de vidro. Então fica tranquila, amor, sua garrafa encontrará seu destino. — Chloe sorriu com as palavras da italiana e logo tratou de colar seus lábios nos dela.

— Esse seu amplo conhecimento me fascina, sabia? — murmurou encantada.

— Agradeça as tardes livres que eu tinha em Florença. — gracejou e Chloe roubou-lhe mais um beijo — Bom, agora todas as tarefas da sua lista já estão concluídas. — observou ao passar os braços pelos ombros da britânica, ajustando o gorro levemente torto que a mesma usava na cabeça.

— Hmm... Não exatamente. — Louise elevou uma sobrancelha de modo inquisidor e a morena logo continuou — É que ainda tem uma tarefa. Uma tarefa bônus eu diria, da qual eu não coloquei na lista.

— E que tarefa seria essa? — questionou curiosa.

— A de aproveitar cada segundo desse meu último natal. — respondeu, e as palavras saíram de sua boca com um peso muito maior do que ela imaginava.

Ambas sabiam que a tão temida hora estava cada vez mais próxima, e por mais que Louise tentasse encobrir, a morena podia enxergar perfeitamente o temor através de suas orbes achocolatadas. A italiana sabia que se envolver com Chloe lhe machucaria profundamente, mas preferia mil vezes terminar o dia com o coração quebrado após dizer o tão doloroso adeus, do que passar o resto de sua vida se arrependendo por não ter tentado, por não ter arriscado. E o que seriam algumas lágrimas perto de todas as memórias felizes que ela havia construído ao lado da morena? Elas tinham o seu próprio infinito e sabiam que ele duraria uma eternidade.

— Não se preocupe, meu amor. Eu farei desse natal o melhor de nossas vidas. — Louise lançou a Chloe o seu melhor sorriso, e aquilo bastou para ela saber que, de alguma forma, tudo ficaria bem.


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Notas finais do capítulo

Canções:
* Leave out all the rest - Linkin Park
* Two - Sleeping At Last



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