Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 9
IX




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Natasha,


Ontem saí para comprar algumas coisas e acabei comprando um caderno novo, me lembrando de coisas que me foram ditas pelo homem da praça em um de nossos encontros.
Ele me disse, uma vez, que cada um de nós fazemos nossas próprias escolhas, e assim, moldamos nosso próprio destino, que é feito por reflexos e consequências dessas escolhas. Desde os caminhos que toma quando sai de casa pela manhã até a forma como trata as pessoas, você está moldando seu destino a cada segundo.
O que você acha disso? De princípio não entendi muito bem, mas agora acho que tenho uma noção do que quis dizer. Por ora, comprei um caderno onde irei anotar algumas coisas.
Não é como se eu fosse um escritor ou algo do tipo, mas me apetece anotar alguns pensamentos. Talvez os vendo em um papel, consiga organizá-los.
Além disso, preciso lhe confessar algo...
Algo difícil, mas desde quando voltaste do exterior, prometi ser sincero contigo.
Em verdade lhe digo que estou à beira da loucura, imagino eu. Já estou imaginando coisas e situações, de forma que tenho fantasiado com você. Mas não são fantasias impuras, longe disso. São apenas miragens onde você está aqui e conversa sinceramente comigo. Não é como se falasse sobre sentimentos ou sobre coisas que quero ouvir. Não é como se você falasse exatamente o que quero ouvir, pois bem sei que você não faria isso na realidade. Nas minhas ilusões, tu apenas me faz companhia.
Sinto muito por ser dessa forma e me dói comentar isso com você, pois sei que, no mais amenizante dos casos, isso não é algo normal de se fazer. Agora, esquecendo todos os poréns e condições que me fazem querer apenas trocar correspondências contigo – ao menos por ora –, quero que saiba como eu daria tudo para ter um pouco desta companhia.
Além disso, confesso que, hoje, prefiro essa companhia fantasiosa do que qualquer companhia de verdade. As pessoas me chateiam e me deixam entediado. Todas elas, menos uma.


Com amor,
Alego.

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Alego,


Quero que saiba que não acredito nas coisas que dizem sobre você. Em nenhum momento acreditarei em tais palavras, que contradizem completamente com seu ser, que conheço bem. Mas, por favor, me diga, o que tanto faz naquela praça, na companhia daquele homem? Se preferes a companhia fantasiosa, então porque escolhe, na realidade, justamente a daquele homem perdido? Temo que fique como ele...
Escute, Alego, me perdoe pela demora pelas cartas. Tenho passado um bom tempo com Clara. Ela é uma boa pessoa e entende o que digo. E já que tu não me faz companhia – já que sua natureza reclusa não me aceita –, ela está tratando disso.
Como gostaria que vocês se conhecessem, mas está tudo bem.
Preciso lhe contar que não sinto mais a tristeza que antes sentia, mas também não me sinto tão inspirada quanto antes. Entende o que digo? É como se a felicidade retirasse de mim toda criatividade, não sei se isso faz sentido para você...
Clara é dois anos mais nova do que eu e uma pessoa muito animada, que gosta muito de sair, imagine só. Se dependesse dela, eu não teria tempo nem para cuidar de meu jardim! Oh, minhas rosas! Como ficariam sem mim?
Mas está tudo bem. Mamãe disse que poderia contratar alguém para cuidar enquanto eu estiver fora, mas não quero passar tanto tempo assim com Clara. Este tempo contigo também me é importante, e o tempo com os quadros... Confesso a ti nessa carta que também preciso de um tempo sozinha. Isso também me é importante. Imagino que você possa me entender. Eu preciso da solidão em minha vida. Existem muitos tempos que preciso em minha vida.
Agora não tenho tantos pedidos como costumava ter, por isso estou a visitar Clara constantemente, o que, estranhamente, já está se tornando uma rotina.
Não fique chateado comigo, por favor. E me escreva! Me diga, o que tens escrito no teu caderno? O que tem pensado? Compartilhe comigo, Alego.
No tempo que passei no exterior, sonhava constantemente contigo e com Jonathan, até o dia em que balbuciei enquanto dormia, e quando despertei, pela manhã, me perguntaram quem era Alego. Neste dia quase morri de vergonha! Então não há problema se lhe faço companhia em tua mente. Só não troque sua vida real por essas fantasias ilusórias, por favor.


Com amor,
Natasha.

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Jonathan,


Meu amigo. Que bobagem estou cometendo. Quão tolo sou!
Me disseram para ter um diário, mas não consigo fazer esse tipo de coisa. Não consigo escrever coisas sem sentido e sem um destinatário, mas também sei que o que escrevo para ti é relativamente parecido e quer dizer quase a mesma coisa. No entanto, ainda prefiro seguir as coisas deste modo, então irei escrever para ti. Se não escrevo para alguém, por qual motivo eu escrevo?
Sei que é bobagem e sei que nunca lerá o que tem aqui, mas sinto que, contigo, consigo me expressar mais do que com Natasha. Se estivesse enterrado aqui, eu poderia visitar seu túmulo para conversar, mas como não está, lhe escrevo cartas para o além.
Não sei o que está acontecendo comigo, mas sei que, às vezes, tenho medo de mim mesmo. Embora constantemente tema minha mente, quando me acostumo com ela, volto a realidade e temo suas peripécias.
Sei que ando me martirizando após perder o emprego, e espero continuar recluso, sem me importar com os outros, assim como ele, o homem da praça. Nem ao menos sei teu nome, mas ele é sincero comigo. Ele diz que compartilhar nomes pode criar relações humanas, e não podemos ter isso, pois a qualquer momento podemos sumir e, caso isso aconteça, se nos conhecermos mais a fundo poderemos sentir muito a falta um do outro. Ele prefere apenas conversar sobre todo o resto, como se fôssemos dois desconhecidos compartilhando seus pensamentos um com o outro, sem julgamento ou qualquer vínculo interpessoal.
Sabe, eu sinto e vejo os olhares de repreensão. Além disso, odeio o fato como tenho vivido.
As pessoas já sabem que ganhei o dinheiro e me olham com desdém. Ninguém sabe ao certo quanto foi, apenas há especulações. Perguntam a meu pai, mas ele sabe menos ainda. Hoje eu estou no lombo entre ser afortunado ou continuar sendo um miserável, pelo menos ao ver desses idiotas que me cercam, mas a realidade é que ganhei uma quantia generosa, mas não ganhei na loteria ou encontrei em um pote de ouro! E também não deixarei que isso mude meu caráter, como a todos que vivem neste lugar.
Da mesma forma que muitos me olham com curiosidade e interesse, também sinto os olhares de desdém. Mentalmente eu escuto-os dizendo "Olha só, lá se vai um sortudo!", ou "Quanta sorte este homem tem, pois agora tem dinheiro!", Mas também os "Olha só este pobre, pensando que pode ser um de nós!". A realidade é que ninguém sabe como eu estou agora.
Posso lhe confessar a quantia que ganhei de meu patrão, meu amigo. Não tenho por que manter segredo de ti, já que não está mais entre nós, mas, principalmente, por ser meu melhor amigo.
Meu amigo, recebi uma quantia significativa e expressiva. São dez meses de salário. Na realidade, é mais do que isso. Além disso, tenho minhas economias, afinal nunca fui de gastar muito. Por ser recluso, sempre estive do trabalho para casa e, tirando a parte que deixo para minha casa, sempre me sobrou uma quantia mensalmente.
Eu nem ao menos toquei nesse dinheiro, pois temo que, a qualquer momento, o pai do homem que foi generoso comigo, venha atrás de mim para pegar a quantia de volta.
Obviamente já depositei o cheque. O dinheiro está em minha conta. Afinal, posso ser miserável, mas não sou tão tolo! Para o raio que o parta, quanta dor de cabeça por um reles monte de dinheiro!
Afinal, eu sou um homem, ou sou apenas um número?
Temo que ao tocar neste dinheiro, tenha amigos e pessoas próximas de mim. Meros interesseiros! Mais do que isso, temo que mude de alguma forma por conta deste dinheiro.. Temo que ele altere meu caráter e minha pessoa.
Hoje vejo que o dinheiro não é tudo, pois agora que o tenho, me sinto mais vazio do que nunca.
Acredito que o lado bom de ser miserável é não ter tempo para pensar. Nós, pobres, sempre estamos trabalhando ou estudando, e por este motivo não possuímos tempo para nos sentirmos vazios ou tristes. Mas quando se é afortunado e não possui obrigações, então lhe resta todo o tempo do mundo para os maus pensamentos: "Cabeça vazia, oficina do diabo", não é mesmo?
Minhas paranóias hoje são tantas que penso que até mesmo Natasha me olha diferente desde que ganhei esse dinheiro. Não acho que ela queira me apresentar Clara à toa. Essa maldita!
Aliás, eu as vi recentemente. Sinto vergonha, mas confessarei para ti.
Estava a caminhar na rua principal – se lembra desta? Está tão movimentada hoje. –. Eu estava caminhando com um chapéu e as mãos nos bolsos, aéreo, quando olhei para o outro lado da rua e as vi, com vestidos claros. Lá iam elas, as formosas. Natasha, como você bem sabe, com sua beleza encantadora, e a garota da qual já fui apresentado informalmente, mas nunca tinha visto. Clara. Clara, assim como seu nome, é uma garota pálida, com cabelos loiros encaracolados e olhos claros.
Obviamente elas não me viram, pois saí dali o mais rápido que pude, entrando na loja que estava mais próxima. Era uma sapataria! Fui até o balcão e conheci o dono do local. Joseph, um homem gentil, que me contou sua história. Ele herdou o ponto de seu pai, e manteve o negócio da família.
Quando saí dali, elas não estavam mais na rua. Consegui despistá-las e voltei para casa, contente pelo plano ter funcionado. Sei que é besteira, mas não quero, de forma alguma, falar com essa garota. Não sei por que, mas sinto que não devo.
Por que uma garota de alta classe quer conhecer um pobretão como eu? Oh, amigo, se você estivesse aqui ainda... Espero que você me entenda.
Sei que estou passando por uma fase de pensamentos ruins e mal humor. Temo até mesmo ser muito duro com Natasha, por isso não quero encontrá-la por nada neste mundo!

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Alego,


Amigo, por que não me escreves? Fiquei a semana esperando por uma carta sua, mas nada do tipo chegou. Nem mesmo tua janela foi aberta! Você está bem?
Queres viver recluso pelo resto da vida? O que se passa contigo?
Deixe-me lhe contar uma novidade! Não estou cabendo dentro de mim, de tanta emoção!
Você se lembra de Clemence? Ele retornou!
A princípio estranhei. Quando cheguei em casa, ainda a pouco, ele estava no sofá com mamãe.
Sentado com suas pernas cruzadas e seu grande sorriso. Estava feliz em me ver.
"Natasha! Que bom lhe encontrar novamente.", Foi o que me disse.
Clemence me contou que conhece a mamãe há algum tempo, e eles se conheceram em Paris, na França, em uma exposição. Clemence já foi um artista plástico, e estava rodando o mundo atrás de novas aptidões ou até mesmo inspirações, e no caminho, resolveu parar para visitar a mamãe. Na realidade, ele queria ver se mamãe estava certa em dizer o que dizia por telefone; ele queria comprovar a frase dita, da qual mamãe batia o pé em dizer que não estava sendo modesta, e não contestou quando presenciou.
Mamãe deu à luz a "uma grande artista", foi o que ele disse.
Clemence disse que o quadro que comprou de mim foi levado até um amigo dele, no centro da cidade, e este adorou. Em suas palavras, "Para mim, a arte deve nos passar um sentimento, independente de qual for. A arte é a forma que temos de passar isso para as pessoas, e o dever de um artista, independente do ramo, é chegar a esse nível. O nível de deixar transparecer algo sutilmente, do qual, após analisarmos com franqueza, conseguimos captar, e embora estejamos em conjunto, é possível que não iremos captar o mesmo sentimento, embora conseguimos chegar a verdade universal, cada um dos presentes pode sentir algo diferente ao analisar um belo quadro!
Definitivamente a mão que fez este quadro pertence a uma artista de verdade! Os traços, a sutileza, escolha de cores. Quero conhecê-la."
Ainda estou tremendo enquanto escrevo! E lhe juro que cada palavra aqui é a forma como me disse, pois está gravado em minha mente! Nunca poderei esquecer isso, de forma alguma!
Alego, fui convidada a criar uma exposição, que será exposta no centro da cidade! Pablo Minet, o amigo de Clemence, fará uma exposição em um mês, e me deu a permissão – e o convite! –, para inserir uma quantidade de quadros meus em sua própria exposição! Em suas palavras "Um corredor está separado para essa artista."
Oh, Alego, que alegria! Finalmente, meu dia pode estar chegando! Não consigo me conter de alegria enquanto escrevo! Oh, estou tão, mas tão empolgada! Que emoção sinto agora! E quero compartilhar isso com você antes mesmo de ligar para Clara, então me perdoe o horário, mas essa carta será entregue agora mesmo, pela noite!


Com amor,
Natasha.


P.S. Olhe para as estrelas! Não é uma bela noite estrelada? Abra a janela e conte comigo, Alego, as estrelas que desaparecem.

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Natasha,


Fico feliz por tua conquista! Não lhe desejaria boa sorte pois sei que não precisas disso, afinal, você é uma grande artista e sempre deixou isso claro. Sempre deu vestígios de tal, mesmo enquanto nova. E sei que só aprofundou esses conhecimentos no tempo em que esteve no exterior. Tu me deixa muito orgulhoso agora, e é em verdade e grande alegria que lhe escrevo essas palavras.
Quanto a mim, continuo sem um trabalho. Não me pergunte sobre o homem da praça. Ele não é ninguém importante. Na verdade, ele não é o que dizem que é. Ele é um grande homem, com uma mente de pensamentos inigualáveis. Quando converso com ele, sinto como se fosse um exercício para minha mente e aprendo.
Sei que ele é pobre e miserável, mas é alguém inteligente e culto. Qual a diferença entre ele e eu? Não somos, no fundo, a mesma coisa? Além disso, me sinto tão miserável quanto ele nos últimos dias. Não que esse sentimento seja válido, pois me sinto miserável internamente. Sinto que por dentro, meu estado é até mesmo pior do que o dele. O homem que dizem ser indigno de atenção e hospedeiro de muitos problemas, me dá grandes conselhos.
E nesta carta, sugiro um encontro para tomarmos um café, um dia desses, quando for melhor para ti. Sabes, sei que vai mostrar para o mundo como é uma grande artista. De forma que, preciso de um pouquinho de você agora, enquanto ainda é tempo. Antes que me esqueças completamente.
Eu não te julgaria por isso, pois eu mesmo não gostaria de lembrar de mim, mas... Bom, é isso que tenho para dizer por hora.
A pior parte de não ter afazeres como trabalho e estudo é ficar sem fazer nada. É como se o vazio me consumisse mais rapidamente, então estou revendo algumas coisas e encontrando outras para fazer, embora me falte a vontade até mesmo para ler.
Posso estar errado, mas talvez eu tenha certa aptidão para a escrita. Estou vendo isso mais a fundo e assim que souber mais, lhe avisarei. Você é a única pessoa com quem compartilharia essas coisas.
Me perdoe pelo tempo sem cartas, mas saiba que, quando eu me sentir triste, com a alma amargurada, então será muito difícil segurar a caneta para lhe escrever.
Lamento esses períodos sombrios assim como você, pois não tenho vontade nem mesmo de ver o céu estrelado. Nesses dias, pela amargura, perco a vontade de ver e apreciar as belezas da vida, mas sei que a natureza não é falha, então o céu sempre estará lá, embora eu não esteja para sempre aqui, pois um dia, meu anjinho, estarei lá, vendo tudo de cima, assim como as estrelas.


Com amor,
Alego.


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