Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 2
II




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Alego!


Meu amigo, lendo tua carta me senti como se estivesse em uma montanha russa!
Para começar, tenho vergonha do que passamos no centro.
Até hoje sempre me senti uma mulher feita. Mas apenas em lhe ver, me senti como na época em que éramos apenas crianças. A vergonha se apossou de mim de uma forma onde tudo que eu queria era correr para bem longe, mas ali estava eu, parada e surpresa, diante de ti. Agora penso que podia ter feito melhor e me comunicado mais. Talvez você pense o mesmo, mas agora pensamos isso porque não estamos mais na situação. Sabes, amigo, que a prática é muito mais complicada do que a teoria, especialmente em situações que envolvem algum sentimento.
Oh Alego, como pode nos comparar a meras luvas? Se reclama das suas, compre novas, por favor. O frio é insensível, meu amigo, então tenha luvas novas, ou então tome sua culpa, pois agora me preocupo com ti todo momento em que o vento anuncia uma frente fria. Não entendo essa distância entre nós, meu amigo. Não é nada além de uma timidez infantil e sem sentido, afinal nos conhecemos bem e não é de hoje – ou costumávamos nos conhecer –. Realmente, tu és um homem agora, da forma que eu sou uma mulher. Quem é você, Alego? O que pensas agora?
Senti um misto de emoções e ansiedade como se meu coração fosse sair pela minha boca. Imaginei mil coisas para falar, pensei em outras tantas, mas no fim apenas gaguejamos frases que foram engolidas pela timidez.
Voltei correndo para casa naquele dia, sabendo exatamente o que iria pintar. Sim, Alego, aquele momento me trouxe mais inspiração, mas não vou lhe falar sobre minhas idéias artísticas por ora.
O que lhe conto é sobre como isso é engraçado. Imagine só: no exterior, nós, garotas, éramos quase que obrigadas a pintar quadros como se a criatividade fosse algo que sempre está em nós, esperando para ser usada.
Lá tínhamos hora certa para o fazer e muitas vezes também tínhamos um tema escolhido pelas madres. Mas agora, aqui em casa, estou sozinha. Mamãe não fica ao meu lado dizendo o que pintar; ninguém o faz. É estranho dizer, mas sinto falta desse tipo de comando, tanto que passei cerca de uma hora inteira andando de um lado para o outro e fazendo meros rabiscos de tonalidades e tamanhos diferentes na tela.
Ter uma liberdade sem rumo e sem sentido, no fim, não significa nada.
Seria essa a tal arte abstrata? Imagine se este quadro se tornasse algo famoso, o que eu diria? Que emoção eu senti enquanto morria de tédio para fazer meros rabiscos? Meras linhas grossas e outras mais finas. O que você diria, Alego? Esse é o trabalho de uma grande artista? Não me parece tal. Talvez eu seja uma artista modesta, não é?
Viu só, meu amigo, dias melhores estão por vir. Não consigo imaginar como deves ter se sentido com esse momento frente seu patrão, afinal, me envergonho de dizer, mas nunca tive um trabalho sequer. Tu conheces minha família, e o tempo em que fiquei no exterior apenas me mostrou mais sobre eles. Lá eu apenas estudava. Seguia as ordens da Madre e estudava. Nada mais do que isso. Eu pintava, Alego. Estudava e pintava, porque não me restava mais opção. Sempre me disseram "primeiro os estudos e depois o trabalho. Cada coisa no seu tempo.", mas para mim sempre pareceu ser primeiro os estudos e depois todo o resto. Além de tu, nunca tive muito do que chamam de amizade. Nunca tive uma vida normal, por isso lhe invejo, Alego.
Mesmo quando tinha a chance, não conseguia me divertir naquele lugar. Eu preferia a solidão, me entende?
Passei a vida atrás de ti e de Jonathan, mas lá, meu amigo, vocês não estavam. Eu estava sozinha e não conseguia ser eu com as outras alunas. Eu não conseguia ser eu, então rapidamente me tornei uma muda reclusa, que preferia ficar sozinha do que na companhia delas. Nesse tempo fui tratada como arrogante, pois diziam que eu me achava melhor do que as outras e por isso não falava muito com elas, mas logo algumas me conheceram melhor, e no fim eu era apenas antissocial e muito tímida, acredita nisso? Talvez elas tenham razão, pois agora que voltei, prefiro mil vezes permanecer com meus quadros e minhas flores, recebendo e lhe enviando cartas, do que sair de casa para ver pessoas amargas que hão de me enfezar rapidamente. As situações são o problema e as pessoas sempre hão de nos colocar nessas situações, onde apenas no momento em que estamos nelas saberemos se são boas ou ruins. Apenas nesse momento saberemos se irão nos aborrecer ou não, por isso prefiro ficar sozinha, para evitar essas situações embaraçosas ou dores de cabeça. Sou uma pessoa reclusa, sim, isso que sou. Amarga não, sou feliz. Feliz e reclusa. Mas, infelizmente, mamãe ainda me expõe como um troféu para algumas de suas amigas das quais não me lembro, mas que se lembram de mim.
Agora trate de descansar bem para conseguir fazer seu trabalho de forma impecável quando a semana começar. Coordene as máquinas com tanta maestria que seu patrão há de reconhecer isso, assim como seus colegas de trabalho! Sim, meu amigo, faça o melhor que puder, e assim você será reconhecido, se é isso que desejas! O fim do mês é apertado com muitas metas e cobranças, por isso tu eras cobrado. Mas agora, com o início de abril, as coisas hão de melhorar. Que alegria sinto por ti, Alego!


Com amor,
Natasha.


P.S: Tu, meu amigo, é um grande homem, embora não veja isso. Tenho uma grande admiração por ti, e embora saiba que hoje és um novo homem, a admiração continua a mesma. Apenas se fortaleceu mais com o tempo, assim como tu.
Me permita lhe conhecer, amigo. Me conte sobre seus medos, me conte alegrias, me conte tudo! O que você me esconde ainda, Alego?
Sinto uma ansiedade inexplicável esperando por tuas cartas, assim como quando escrevo as minhas. E confesso que também sentia essa ansiedade quando soube que voltaria para cá, e que você, possivelmente, ainda estaria nessa casa. Deus sabe como me senti quando recebi tua carta! Justo quando pensava que, após tudo que aconteceu, estávamos mais distantes aqui do que quando estive fora. Confesso que sinto essa ansiedade, meu amigo, em tudo que diz respeito a ti; Tudo que lhe envolve, meu amigo.
Então por favor, sei que não posso lhe pedir isso já que o fiz, mas não fale sobre partir. Também tenha a ansiedade e me conte sobre ti o mais breve possível. A cada carta, a cada frase, lhe conheço mais. Confesso que tenho sede, Alego, sede de lhe conhecer.
Agora penso sobre essas maravilhas do mundo que tu diz. Farei uma lista sobre as minhas, afinal eu também preciso fugir do vazio que ronda todos nós. Não consigo definir com clareza quais são as minhas, mas afirmo que tenho sim, maravilhas do mundo. Como você disse, os quadros, a jardinagem... Fez uma boa lista, meu amigo, mas há mais coisas belas, também. Sempre há, Alego, coisas belas para conhecermos. Coisas que nos cativam ao longo da vida e hão de nos cativar cada vez mais... Coisas que sentimos sede de conhecer, mesmo sem saber o que é aquilo. Uma sede do desconhecido. Entende o que digo?
Agora encerro com uma pergunta:
Quem você é hoje, Alego?


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Natasha,


Confesso que não imaginava como foi lamentável para ti viver sozinha, após todos esses anos entre nós. Não diga bobagens, tu não estava às nossas costas. Caminhávamos lado a lado, segurando as mãos. Eu, tu e o Jonathan.
Quanto a Jonathan, teve que partir.
Na realidade, aconteceu algo entre nós, mas vamos do início...
Após tua partida, a mãe dele o mudou de escola. Ele começou a estudar mais e a concursar, de forma que não passávamos mais tanto tempo juntos, embora ainda fôssemos amigos. Não éramos amigos de passar dias inteiros juntos como antes, mas às vezes conversávamos ou nos cumprimentávamos sempre que um via o outro pela rua. Cheguei a pensar que isso significava crescer: perder a essência que tínhamos quando novos e enterrar aqueles sentimentos e memórias infantis. Jonathan era uma nova pessoa com novos amigos enquanto eu era... Eu. Apenas eu, sozinho.
Um dia em que conversávamos aqui em casa, discutimos sobre este bairro e ele me disse que para ele, esse lugar não tinha futuro, e todos nós devíamos sair daqui, assim como tu fez, nos deixando para trás. Eu me aborreci e repliquei que você ainda voltaria para nós, que como bons amigos manteríamos nossa promessa de que esperaríamos por ti. Ele me chamou de tolo. Disse que eu era o maior deles. "Natasha nos abandonou e nunca mais a verá em sua vida! Da mesma forma, se continuar sendo este tolo, nunca mais verá nada além da ilusão que criou para si mesmo. Ficarás sozinho! Mais do que já está!", Na emoção, lhe disse que preferia ser sozinho do que fingir ser o que não sou, e ali ele já estava vermelho de raiva. "Pois que assim seja! Aproveite tua solidão, agora terás menos do que tinha e continuará assim até sucumbir." Foi o que ele me disse antes de bater à porta.
Após as palavras vazias, nunca mais fomos os mesmos.
Então, como resultado da discussão, senti que Jonathan me era indiferente. Em alguns dias não o cumprimentava mais; ao menos não me esforçava para tal. Se ele aparecesse em minha frente, sim, falava com ele, mas poucas palavras. Era apenas o básico. Porém se o visse, por exemplo, dentro de um comércio no qual estou passando em frente, fingia que não o notei e ia embora. Ou até mesmo evitava entrar em algum lugar se ao abrir a porta, o visse lá dentro com seu grupo de amigos. Que bobagem! Que idiotice, não é mesmo?
Isso por uma pequena discussão! Já estávamos distantes, mas as poucas palavras vazias foram o bastante para desatar esse nó. Essas palavras vazias sempre são o bastante para desatar nós frágeis e cheguei a pensar que, desde sempre, você é quem sustentava esse nó.
Talvez isso tenha aumentado minha reclusão, e, ali sim, passei a gostar mais ainda de estar sozinho. Mas isso, meu anjo, é porque não me restava outra opção.
Cheguei a sentir que o que fazia – lhe ignorar –, era uma maldade sem fundamento, mas percebi que ele fazia o mesmo, o que confortou meu coração de certa forma, e me fez acreditar que isso significava crescer. Éramos adultos, e adultos não tem tempo para ter amigos. Adultos são solitários e vazios. Mas, mesmo assim, ele continuava cheio de amigos. Me diga, não sou um adulto agora?
Mantive esse pensamento até aquele dia... Aquele dia do qual não posso me esquecer.
No quarto ano após sua ida para o exterior, ele apareceu em minha casa.
Assustado, de olhos arregalados e ofegante. Ele veio correndo, isso era certo. "O que faz aqui?", perguntei-lhe, lhe oferecendo café.
Ele disse que seu pai havia recebido uma proposta de emprego de fora e que teria que partir. Por fora fiz parecer que aquilo me era indiferente, mas na realidade senti uma grande dor em meu peito. Eu perderia definitivamente mais um amigo. Ele se sentou e me confessou que estava animado, sim, com a ideia de partir, mas não conseguia, pois algo o mantinha nesse lugar. Na realidade, duas coisas o mantinham aqui. Coisas que ele pensou que havia abandonado a muito tempo, mas sempre permaneceram dentro dele. Coisas que ele mesmo escondia de si: Eu e a promessa.
Ele disse, em meio a gaguejos, que havia comentado com o pai sobre permanecer na casa em que moravam, sozinho, levando sua vida adulta neste lugar, mas o pai não aprovava a ideia.
Eu lhe disse: "Tens de viver sua vida. Se ainda achas que este é um buraco sem futuro, deve partir. Eu estou aqui porque quero, e continuarei. Não fico aqui apenas pela promessa, pois é mais certo que ela não volte do que volte. Ficarei aqui por mim, até onde aguentar. Este lugar não é o melhor, mas já me basta. Eu continuo sozinho, como você mesmo profetizou, e isso também me basta. Você não deve se prender a mim e afundar sua vida. Vamos, meu amigo. Me deixe aqui, por favor. Me deixe com minha solidão e me mantenha em seu coração. Assim estaremos juntos; assim como estamos com Natasha. A promessa ficará guardada comigo."
Assim que disse tais palavras, ele se levantou e me abraçou. Emocionado, seus olhos estavam em lágrimas. A tempos não o via desse jeito. "Amigo, me chamou de amigo! Após todo esse tempo! Tu me perdoa pelo que lhe disse naquele tempo? Sei que é recluso, mas você nunca está sozinho! Lhe confesso que mesmo rodeado daquelas pessoas, me sentia sozinho assim como você, e a única coisa que me mantinha nos lugares era as lembranças de momentos que tive com tu e com Natasha. Veja, mesmo de longe, vocês estão comigo. Talvez eu ainda seja o mesmo garoto de antes."
Acredita em tais palavras? Lhe escrevo e lhe juro! No fim, estávamos juntos, sim. Em nossos corações. Mesmo as palavras vazias não foram suficientes para separar nossa amizade. A raiva sem sentido. A culpa que jogamos um no outro por tua partida, nada disso poderia apagar a amizade que tínhamos. Ainda agora, mesmo sem contato, sinto que Jonathan ainda é importante para mim, pois ele me cativou. Me lembrarei por toda vida.
Sei que ele está trabalhando e está namorando. Ele está feliz, foi o que me disse da última vez que me enviou algo.
Lhe enviar cartas é difícil, pois todas que ele manda são de lugares e endereços diferentes, além do valor ser muito alto.
Não há pistas dele além dessas cartas que me manda ocasionalmente, contando sua vida. Se bem que, no último feriado, não me enviou nada. Ainda assim acredito que estou em seu coração, da mesma forma que ele está no meu.
Com tudo isso dito, preciso lhe confessar algo: Após todos os acontecimentos, talvez pela raiva incessante que senti dele em um período da minha vida, senti mais tua falta do que a dele. Inclusive hoje, saber que você está aqui conforta a ida dele.
O que me importa, meu bem, é saber que os dois estão felizes. Se estás feliz aqui, ótimo, pois sei que lá ele também está. Vocês são tudo para mim. Tu és tudo para mim.
E agora esse trabalho... O que dizer? Realmente tens razão, coisas boas hão de acontecer. Para todos nós, minha amiga. Para todos nós. Descansei bastante neste fim de semana e até mesmo vou para a missa hoje, para agradecer por esse momento, afinal isso só pode ser obra do divino. Me diga, tu costumava ir a missa lá onde estava? Sinto que estou em débito com o Senhor, afinal há tempos não vou visitá-lo, mas agora irei, pois ele lhe trouxe de volta a salvo e me deu uma nova oportunidade. Me diga, anjinha, se isso não são coisas para se agradecer?


Homem vazio,
Alego.


P.S: Sou um homem que busca preencher o grande vazio que sinto. É tão grande que às vezes me faltam palavras para tentar explicá-lo. Mas já me dei conta de que, no momento em que descubro quem eu sou, eu já me tornei outra pessoa. Quem eu sou para você, Natasha?
Penso que a cada ponto, cada frase, nos conhecemos mais e mais. Também penso que essas cartas nos aproximam, você não acha?
Tenho sede do desconhecido, mas agora já preciso ir para a missa então não vou me prolongar muito. Espero que receba essa pela manhã e que tenha uma boa noite de sono. Imagino o que você está fazendo agora...


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Alego,


Hoje é uma segunda-feira nublada, como você deve estar vendo. Recebi sua carta a poucos minutos e já estou lhe escrevendo de volta, já que fiquei o fim de semana inteiro sem notícias suas.
Minha mãe foi à missa, como você deve ter visto, mas estive com dor de cabeça, e por esse motivo preferi ficar em casa. Costumava fazer isso sempre lá fora. Minha vó é uma pessoa muito religiosa, de forma em que haviam muitas imagens e bíblias espalhadas por toda a casa. Quadros, crucifixos, eu costumava viver no meio disso sem saber em que ponto aquilo acabava e em que ponto começavam as minhas coisas. Minha vó sempre foi do tipo muito religiosa, então tudo que não era relacionado a isso lhe incomodava e era considerado indulgência. Desde a sua literatura à novelas e programas de TV. A única coisa que lhe agradava além da religião eram meus quadros e a jardinagem. As coisas do mundo – como ela chamava todo o resto –, não lhe eram importantes, e em sua opinião, não deviam causar interesse em ninguém.
No colégio as coisas não eram muito diferentes. Tínhamos missa quase sempre, além de termos que ler a bíblia diariamente, entre algumas outras coisas. Me sinto ruim por falar coisas desse tipo, mas em certo momento, me sentia obrigada a fazer esse tipo de coisas, você me entende? Não é como se eu não adorasse ao Senhor, mas ser obrigada me aborrecia de uma forma onde eu não queria mais estar ali. Me lembro de quando fui chamada pela Madre por ter faltado a duas missas... Aleguei estar com dor de cabeça, mas de nada me adiantou. Não é como se fossemos obrigadas a ir, mas se não formos – como em meu caso –, a situação não era vista com bons olhos...
Tu não achas que a prática da religião forçada é um aborrecimento? Digo, devo buscar o Senhor por minha própria vontade, e não por implicância dos outros. Dessa forma, não vamos de bom grado, mas apenas para cessar com os chamados inconvenientes.
Estou orgulhosa por você voltar, após bom tempo sem ir – como disse em sua carta –, mas imagine se você fosse obrigado a fazer isso a todo momento, e quando não estivesse na capela, tivesse que ler sobre a religião ou ver as imagens, imagine... Às vezes me sentia como se estivesse sendo sufocada por aquilo.
Como será que a Madre se sentia?
Me pergunto sobre quais caminhos ela tomou em sua vida para dedicá-la totalmente a esse propósito divino. Não me orgulho, mas cheguei ao ponto de odiar tudo relacionado a religião, acredita? Uma blasfêmia!
Para a Madre e para minha avó querida eu devia ser apenas uma devota e nada mais. Mas eu tinha sede, me entende? Eu tenho uma vida para viver e não acredito que preciso escolher entre um e outro. Ao meu ver, viver minha vida não significa abandonar ao Senhor.
Mesmo assim vejo como o Senhor é bondoso com todos igualmente, afinal é claro que a Madre se dedica a ele muito mais do que eu, mas eu também levo uma vida boa, seguindo os meus propósitos. Mesmo com os pesares, ele me abençoa de uma forma extraordinária. Não posso dizer que não. Levo uma boa vida e sou grata a ele, muito grata. Se estou aqui novamente, falando com você, então também devo agradecer a ele. Na próxima semana, sem falta, irei à missa.
Que tristeza senti ao ler sobre Jonathan! Vocês então se separaram? Ao menos fizeram as pazes no fim. Sabe, Alego, me pergunto se caso eu tenha ficado aqui aconteceria o mesmo entre nós...
Será que estaríamos até agora sem nos falar? Será que aquele rancor que sentíamos aguentaria todo esse tempo? Você diz que eu sustentava o nó entre vocês, mas na verdade, se lembre meu amigo, que foi tu que me apresentou a Jonathan. Quando o conheci, vocês dois já tinham um nó próprio do qual eu não fazia parte, e eu sempre estive bem ciente disso. Nós três éramos inseparáveis e possuíamos nosso próprio nó, mas vocês dois tinham um que era maior do que este.
Vocês tinham um nó do qual eu não poderia fazer parte, por mais que ansiasse por isso. Esse nó remetia a minha solidão e era maior do que minha ida para o exterior e maior até do que as palavras vazias ditas por ambos. Em tua carta é evidente como estava de cabeça quente pela briga, afinal passou um bom tempo se questionando sobre suas escolhas em relação a Jonathan, e imagino que vocês dois se evitaram não por raiva ou desdém, mas por vergonha. Os dois tinham vergonha de encarar o outro, até porque, a única coisa que dói mais do que palavras vazias, é se desculpar pelas mesmas. O orgulho, meu amigo, nos afasta da felicidade verdadeira e você, inconscientemente, vivenciou isso. Olhe para sua situação com Jonathan e veja como ambos foram vítimas do orgulho e da vergonha, mas o nó entre vocês se provou maior do que isso, e você manteve sua palavra até o fim; cumpriu a promessa. Eu retornei e aqui está você, trocando correspondências comigo. Sim, imagino que vocês estão um no coração do outro neste momento e nós três estamos felizes agora, apesar dos pesares. Afinal estes nós, das relações humanas, nunca poderão se romper.
Agora cuidarei de minhas flores e depois voltarei a pintar.


Sustentadora de nós,
Natasha.


P.S: Sinto o mesmo. Através das cartas, nós nos conhecemos mais. Hoje mesmo já faz uma semana que trocamos cartas e me sinto mais próxima de você. Obrigada por tudo. Mas ainda tenho a sede de lhe conhecer mais. Então me escreva.
Apenas tu me tira o tédio deste lugar, do qual sinto que não pertenço, mesmo sendo o meu lar.


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