Contos não cantados escrita por Wi Fi


Capítulo 2
Vitória




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Celebrávamos o aniversário da vitória de Asgard sobre Vanaheim. As ásynjur todas vestiam seus lindos vestidos brancos e coroas de flores delicadas e coloridas. Dançavam alegremente, sorrindo e bebendo com os homens, mais fanfarrões do que o habitual.

Os gêmeos não se encontravam lá. Não perguntei por sua ausência, mas parte de mim ficou feliz em ver que mesmo sendo parte dos aesir, Frey e Freya não se esqueceram completamente do que os levara até ali.

Eu não tivera o luxo da escolha. Frigga me requisitara como sua dama de companhia, então tive de me vestir com as roupas bonitas que ela me dera, e sorrir como se não estivessem a comemorar a morte e a derrota de meu povo.

Passei a noite toda sentada ao lado da Rainha. Tinha então acesso privilegiado à voz retumbante de Odin, que na maior parte do tempo se ocupava fazendo comentários inofensivos com sua esposa, ou com Baldr.

O menino de ouro estava lindo e foi gentil comigo, como sempre. Deu-me de beber de seu hidromel – eu não podia beber quando estava a servir à rainha – e garantiu que eu pegasse um dos melhores pedaços de carne. Eu sabia que ele sentia pena de mim. Eu via em seus olhos, que me sorriam com alguma culpa, e seus gestos de gentileza eram sua tentativa de tapar o buraco que Vanaheim deixara em mim.

Eu fiquei quieta. A falsa expressão de felicidade fazia os músculos de meu rosto doerem, mas não queria ser repreendida por Frigga, ou perder acesso às suas aulas de magia. Estava ficando boa, de verdade, e ao menos isso me fazia me sentir útil.

Demorei para encontrar Loki. É claro que ele estava em minha mente o tempo todo, mas eu não esperava que ele comparecesse à celebração. De facto, ele chegou atrasado, e logo pôs-se ao lado de Thor. Ele não estava tão miserável quanto eu esperava, e de certa forma isto me chateou. Então ele estava contente em celebrar a opressão de Asgard? Hipócrita.

Ele não veio falar comigo. Não é como se a presença de Frigga ali o impedisse de alguma coisa, já que ele frequentemente me dirigia a palavra quando eu estava a acompanhar a Rainha em seus afazeres. Mas Loki não parecia interessado em mim. Nem olhava na minha direção.

Zanguei-me com ele. Então era assim? Quando eu mais precisava de seus comentários de escárnio e de sua companhia ácida para destilar o ódio que eu sentia por Asgard naquele momento, ele se tornava um deles?

Decidi não lhe dar nenhuma atenção. Servi vinho à Frigga, trouxe-lhe comida e ajudei-a a caminhar pelo salão sem sujar suas vestes. Refiz seu cabelo quando o penteado se soltou, e ao final do banquete, restaram apenas as danças. Os deuses se misturaram, e sobrei eu.

E Loki, do outro lado do salão. Ele permanecera sentado, próximo ao fogo, com sua caneca de hidromel. Pela moleza de seus gestos, parecia bêbado. Olhava para mim, mas eu não conseguia decifrar sua expressão. Era raiva? Desgosto? Preocupação?

Não me importa, disse a mim mesma. Há poucas coisas mais determinadas do que uma mulher traída.

“Sigyn” a voz de Baldr me despertou de meus pensamentos “Venha dançar comigo!”

Ergui meus olhos para ele. Seu cabelo loiro brilhava com o fogo e me lembravam cada vez mais a cor do sol de verão. Eu sabia que ele era casado, mas Nanna não estava ali, e que mal faria dançar com um amigo?

Baldr ofereceu-me a mão, e eu aceitei, apoiando-me nele para me levantar. Logo nos juntamos ao grupo de dançarinos, que pulavam e gritavam ao redor da fogueira. Eu facilmente aprendi os passos, e os imitei. Pulava de um pé para o outro, entrelaçava os braços com quem quer que estivesse ao meu lado, rodopiava e batia as mãos. Entre um passo e outro, por vezes me davam hidromel, que eu bebia sem hesitar. Passei pela frente de Loki algumas vezes, e o olhei de esguelha. Ele acompanhava meus movimentos, percebi com algum prazer. Ele estava me vendo dançar.

Eu quase conseguia esquecer o motivo da celebração.

Quando os músicos fizeram uma pausa, eu recostei-me numa parede para recuperar o fôlego. Baldr logo me acompanhou. Ele virou-se para mim, tomou meu pulso e perguntou:

“Sigyn, sente falta de Vanaheim?”

Talvez fosse o álcool, ou só o estupor geral da noite, mas a verdade é que meus olhos imediatamente se encheram de lágrimas.

“Que tipo de pergunta estúpida é essa?” respondi, com o peito a arder “É claro que sim, Baldr”

Ele assentiu, mais uma vez com seu olhar de pena.

“Venha comigo. Quero te mostrar uma coisa”

Baldr tomou a minha mão, e eu não protestei. Nos esgueiramos para fora do salão, e em direção aos bosques – ou melhor, à Bifrost. Heimdall estava parado à frente da ponte de arco íris, com seus olhos profundos que tudo viam.

“Heimdall, acha que podemos dar à nossa Sigyn alguma consolação neste dia tão terrível para ela?”

O guardião assentiu, e com um gesto seu, uma bifurcação surgiu na Bifrost. Uma bifurcação que acabava em uma porta, aparentemente levando para o nada. Eu olhei para Baldr, confusa, mas ele apenas indicou-me o caminho com um gesto de cabeça. Segui em frente, e ele veio logo atrás.

Assim que passei pela porta, caí de joelhos no chão.

Estava em Vanaheim.

Eu via, atrás de mim, a porta aberta, a Bifrost, Heimdall e Baldr. Mas ao meu redor, estava num bosque de Vanaheim. Estava em casa.

Meu primeiro instinto, é claro, foi correr. Disparei em direção às árvores conhecidas, ansiosa por fugir e ver meu pai, mas logo eu avistava novamente a porta. Era como se estivesse a correr em círculos.

“Sinto muito dizer que isto é apenas uma ilusão, Sigyn” Baldr explicou, sem adentrar muito na floresta “Não é realmente Vanaheim. Mas achei que gostaria de ver novamente o seu lar”

Voltei a sentar-me na grama, coberta por folhas mortas de Outono, e chorei com a cabeça escondida entre os joelhos. Eu nunca voltaria a Vanaheim. Estava tão perto, mas tão longe. Eles nunca me deixariam sair, não enquanto fossem soberanos. Ver a minha casa, entretanto, me trazia esperanças, por mais vagas que fossem, de que aquilo iria mudar.

Senti as folhas caírem sobre mim, e o farfalhar da grama que balançava com o vento. Os pios dos animais longínquos, e o som de um lenhador distante a golpear uma árvore. Quem sabe fosse meu pai, ignorante do fato de que sua filha mais nova estava ali.

Era uma ilusão, eu me lembrei. Não era meu pai. Não eram pássaros. Era apenas magia.

Meu momento de reflexão foi interrompido por um grito de Baldr. A ilusão imediatamente ruiu ao meu redor, e tão rápido quanto apareceu, sumiu. Estava sentada na Bifrost, e Loki havia derrubado Baldr no chão com magia.

“O que estava fazendo com ela?” rosnou o deus da trapaça, com uma adaga no pescoço do filho de Odin “Para onde a estava levando?”

“L-Loki eu só estava…”

Mais um gesto de Loki e Baldr escorregou por mais alguns metros, indo parar ao meu lado.

“Achou que o banquete para celebrar a derrota de Vanaheim era o momento perfeito para sequestrar a Sigyn novamente e tê-la para si mesmo, como sempre quis?”

“Não foi nada disso, eu…”

Loki ergueu o punho, e eu decidi interferir. Pus-me entre os dois, e empurrei o peito do deus da trapaça.

“Ele estava me mostrando Vanaheim, Loki!” gritei “Ele quis me consolar neste dia de merda, ao contrário de você”

Ele deu dois passos para trás, aparentemente pego de surpresa. Eu continuava chorando, mas agora de raiva. Ajudei Baldr a se levantar, o agradeci e ele voltou para o banquete. Puxei Loki pelo braço, até nos afastarmos dos ouvidos de Heimdall.

“Pelos nove reinos, o que foi aquilo?” vociferei.

“Só queria garantir que não estivesse a cair nos encantos do garoto de ouro”

“Encantos? Que encantos? Ele só estava sendo gentil comigo”

         Loki resmungou e revirou os olhos. Eu parei em frente a ele e cruzei os braços, quase sentindo fumaça a sair da minha cabeça.

         “Eu estou cansada de ter que justificar meus afetos para todo maldito aesir que passa pela minha frente. Você não manda em mim”

         Ele suspirou, e por um segundo jurei que podia ver arrependimento em seu rosto.

         “Eu estava preocupado, é tudo” Loki disse, seus olhos estranhamente compassivos “Sei que é um mau dia para os Vanir. Pensei que podiam querer fazer algo contra você. Além disso… eu sonhei contigo”

         “Que tipo de sonho?” perguntei.

         Lá estava seu sorriso malicioso.

         “Do tipo que não posso te contar”

         Contra minha vontade, senti meu rosto queimar. Não queria criar esperanças de que ele estava a sonhar comigo da mesma forma que eu sonhava com ele.

         “E então? O que isso tem a ver?” respondi, me forçando a parecer indiferente.

         “Foi um sonho profético, Sigyn. Já deve ter ouvido falar deles. E nos meus sonhos, Baldr te causa muita dor”

         Fiz uma careta. Não sabia como processar aquela informação. Decidi ignorá-la, e fizemos o caminho de volta ao palácio em completo silêncio. Lá, pedi à Frigga para ser dispensada com a desculpa de estar me sentindo mal, e voltei a me trancar em meu quarto.


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