Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 27
— A nova inimiga de Lire




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— A nova inimiga de Lire

 Arashi deu um toque na orelha e desligou o comunicador. 

— Mudança de planos. — Ele advertiu Akeno. — Não vamos onde a Kin está, vamos esperá-la aqui. 

Então, soturno, levantou-se do pé da cama. Deu as costas para Akeno, que o olhava lá do espelho colocado ao lado da porta de entrada. Ela examinava e tocava as marcas que ganhara no pescoço. Arashi não pegou leve na abordagem. E não era para menos. Não tirava um sono saudável há semanas, vivia com medo por seu reino, por seus amigos. Por Kin. Estranho seria se estivesse de bom humor. 

A sádica aliada de Lire sorria. Quem disse que a agressividade a acovardava? Longe disso. O contrário era mais provável. Sendo honesta, não topou ajudar Lire só para sair da prisão, tampouco por vingança. Ajudou-a porque conhecia quem precisaria enfrentar, porque pensou que combatê-los se provaria mais divertido do que ir contra a primeira-ministra de Bellatrix. E, a julgar pelas escoriações que acabara de conseguir logo numa de suas zonas erógenas, estava certa. Jogou os cabelos na frente dos rastros da mão do guerreiro. Fez-se de séria. 

O líder de Órion já não tinha a atenção nela. Com os claros olhos azuis, cultuava o espetáculo celestial proporcionado por aquela madrugada escura. As estrelas, a aura fria a dançar pelas alturas e invitar as poucas nuvens do céu pardacento para o divertido coral. A lua, áurea em parte, em parte alabastrina. Tudo tão perfeitamente harmonizado que parecia um concerto visual. Como se a natureza, invejosa, quisesse competir com a arte. Arrebatado como estava, ele se esqueceu das dores e dos problemas.

 — Então, primeiro-ministro. — Falou-lhe Akeno, trazendo-o do céu do esquecimento para a terra dos problemas. Sensual, a passos que mal podiam ser ouvidos, ia na direção dele. — O que me impede de usar meu controle mental sobre você? Depois da sua entrada aqui, a ideia de te transformar no meu escravo ficou bem mais... atraente. 

O guerreiro glacial encarou-a. Claro que já pensara naquilo, não iria até lá tão despreparado.

 — Vá em frente. Tenta. — Desafiou-a. — Será que foi por acaso que eu te ataquei daquele jeito quando entrei aqui? Talvez eu tenha posto um dispositivo em você que só eu sei como desarmar, mas que preciso estar consciente pra conseguir isso. Ou eu posso estar blefando. Mas arrisca. — Incitava-a, de ombros dados. 

Akeno tateou a garganta, a nuca e não encontrou nada. Mas achou melhor não tentar a sorte. Decidiu obedecer e aguardar Kin junto com ele. Queria ver onde aquilo daria. Sentou-se contrariada, como uma criança para quem a mãe recusa a compra de um brinquedo. 

— Você não é divertido! — Reclamou, de costas para o retalhador. A ideia em sua mente a fez rir de novo. Ideia perigosa, um risco à sua vida e integridade física, mas Akeno era muito masoquista para ignorá-la: — Mas vamos ver se a Kin é... foi bem divertido brincar com a mente dela! 

Como o esperado, a paciência dele se esvaiu como fumaça. Ia para cima dela, mas Kin bateu à porta. "Salva pelo gongo", ele pensou, frio de novo, e passou rápido por ela no caminho até a porta. Akeno riu dele e cruzou as pernas. "Líderes estão sempre tão preocupados, tensos, tão sérios", refletia, observando-o abrir a porta. "Por que será que as pessoas brigam tanto por poder? Se é pra ficar desse jeito, prefiro mandar só em mim mesma", se questionava, curiosa. Em sua opinião, nada valia seu bom humor. 

Entrementes, a primeira-ministra adentrou o quarto e abraçou o parceiro. Como se não se vissem há muito. De certa forma, não se viam. Os dons psíquicos de Akeno fragmentavam a personalidade da vítima e bagunçavam os cacos. Faziam uma verdadeira confusão na alma do alvo, desfiguravam-na de cima a baixo.

Normalmente, se tinha a sorte de escapar do controle mental, a pessoa atingida precisava da vida inteira para voltar a ser quem era antes. Kin não devia nem estar ali. Devia estar isolada, ouvindo vozes ou numa crise existencial desesperadora. No entanto, Akeno não teve que pensar muito para saber o que manteve Kin de pé. Só precisou vê-la com ele. 

"Quem diria, hã?", riu da situação. Mas agora não ria com deboche, ria como quem descobrira algo. "Não fui vencida com punhos, fui vencida no meu próprio jogo". Contra isso, não podia fazer nada. Agora, para desgosto de Lire, era só uma espectadora. Mas não se importava. Qualquer que fosse o desfecho, acharia divertido. 

— Me desculpa pelo que eu fiz, pelo que eu disse! Por tudo! — Sempre abraçada ao retalhador, Kin repetia, de olhos fechados, como um sedento que cruzara um deserto e há não muito tocou uma nascente. — Eu não queria ter feito nada daquilo! Ai, cadê a Yue, eu quero me desculpar com ela! Com a Sayuri, com meu irmão também e até com o Sora!

— Tudo bem, tudo bem... — Arashi redizia, tentando respirar. Kin nunca abraçou com tanta força. — Eles sabem que não era você, não se preocupe. Depois te levo até eles. 

Ouvindo essas palavras, Kin se tranquilizou. Soltou-o, ajeitou as roupas e pregou os inquisitivos olhos castanhos nele. Arashi sorriu. "É ela mesmo". 

— Gray conseguiu falar com você no palácio?

— Não, a guarda não deixou ele passar. — Relembrou, voltando o rosto para o lado. Desapontada consigo. — Você não vai gostar do que vou dizer, mas eu invoquei a cláusula do duelo. — Confessou, desanimada. Vendo-o triste, a voltar a face para o teto, pretextou: — Eu não queria, juro que não queria! Bom, teria sido ótimo lutar com a Lire e quebrar a cara daquela vaca, mas eu não valendo meu reino!

Akeno se pôs de pé. 

— É, ela não queria. — Sorriu, acenando com os dedos. Admitiu: — E olha! Foi difícil mesmo obrigá-la a fazer isso, por um minuto pensei que ia perder o domínio sobre a mente dela!

Kin encarou-a, mascarando a raiva com um sorriso.

— Ah, oi, Akeno! — Cumprimentou, acenando com os dedos. Com a espada de luz em mãos, preparou uma investida fatal. — Tchau, Akeno!

Ia mesmo matá-la, mas Arashi a conteve. Tomou-a pelo braço. 

— Não perca seu tempo com ela, ela vai voltar pra cadeia. — Falou. O pior castigo para alguém como Akeno era uma vida na cela solitária e Kin entendeu isso quando Arashi a segurou. — Temos que decidir o que vamos fazer com a Lire. 

A primeira-ministra respirou fundo e, relutante, concordou. Calma de novo, quis saber:

— No que você pensou? 

O mais urgente de tudo, disse ele, era falar com Keiko. Entregar as provas do conluio de Lire. Somente Kin podia fazer isso sem correr o risco de perder o aparelho com a gravação da confissão, pois não estava sendo caçada como criminosa em Órion e, assim, não seria atacada de surpresa nas ruas, durante o percurso.

Depois, Arashi aconselhou Kin a ir adiante com o duelo e enfrentar Lire. Kin gostou da ideia. Queria, mais do que tudo, lutar com a infeliz. Dar o que ela merecia. Tentando conter o sorriso de satisfação, perguntou o motivo. Ele explicou que seria um teatro para surpreender Lire de guarda baixa e com metade das forças totais. Para que seu plano desse certo, todos deveriam agir como se fossem fazer o que Lire queria. Até Keiko.

Keiko se enfureceu quando escutou a gravação com a confissão de Lire. Deu um murro na mesa. A sensação de fracasso, de impotência e o desapontamento com a própria gestão quase a levaram às lágrimas. Ficou quieta enquanto inocentes eram caçados pelo reino. Arashi e Haru, que ela gostava e conhecia desde a mais viçosa infância deles, foram perseguidos feito criminosos. 

Por que não deu atenção ao que o guerreiro glacial dizia? Ele acompanhou Yume em cenários até mais críticos do que aquele, como pôde não ouvi-lo? Gray foi quem mais confiou nele. E por causa disso salvou a pátria. Em outras palavras, se o Órion dependesse dela, teria sido destruído. O reino mais famoso do mundo deixaria de existir. Sob sua gestão. Hayate, Yume e Hanzuki ficariam frustrados se a vissem. 

Um novo dia já havia dado as caras e o sol já espargia a luz bela no mundo, bem clara, ressaltando por tudo os contornos das coisas, quando as duas líderes se encontraram no tradicional salão de reuniões Orioniano. Ambas passaram a noite acordadas. Kin só pensava no que ia dizer quando revisse Yue e os outros, Keiko estava inquieta. Não sabia se Kin podia vencer aquele duelo. 

 — Quer mesmo fazer isso, Kin? — Inquiria, no intuito de fazê-la ponderar bem. De vestido azul-marinho, cor que realçava o bronzeado natural de sua pele, veio muito menos formal do que Kin. Expôs seu receio: — Você é a primeira-ministra do Reino de Órion, um cargo desafiador até pra quem tem experiência. Você não tem tido tempo pra mais nada. 

A líder de Áries não teve que dizer mais para que Kin soubesse onde ela queria chegar. 

 — Sei no que está pensando, que eu não tenho treinado como devo há um bom tempo, que talvez eu não possa derrotá-la... e é verdade, eu não sou mais nem a sombra do que eu era há, sei lá, dois anos! — Concedeu. Com um sorriso entre as feições tristes, como o raio de sol que sai do meio das nuvens caliginosas, acrescentou: — Mas depois de tudo o que o meu reino passou por negligência minha, eu tenho que tentar! É minha chance de me redimir por ter desapontado todos vocês. 

Keiko sentiu aquela fala como um punhal no coração. Num gesto carinhoso, maternal, afofou os cabelos de Kin. Costumava cumprimentá-la assim, quando a primeira-ministra era garotinha. 

— Menina! Como pode dizer isso? Você não desapontou, nada disso foi culpa sua! Você teve sua alma invadida, revirada e controlada, também foi vítima! Você e a Yue foram as maiores vítimas da Lire! — Dizia, ternamente. Em face da expressão de surpresa da loira, prosseguiu: — Se é isso que você quer fazer, se está mesmo decidida, tem o meu apoio. E não se preocupe mais com nada, só com o duelo! Lire acabou de fazer mais uma inimiga!

 Aquelas palavras foram uma injeção de ânimo na filha de Yume. Sentindo-se preparada, ela cerrou os punhos.


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