dilúculo escrita por aang


Capítulo 1
O início




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Meu pai ergue os olhos e para de andar pelo quarto. Está com as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans, e assim fica por um instante. Vejo certo nervosismo nele.

— E então, você tem certeza disso? — pergunta ele, em um tom de voz que deixa bem claro que não está nada feliz com a decisão que tomei no ano passado. Ele não queria que eu viesse estudar do outro lado do país, principalmente, porque é muito longe dele, muito longe de casa. E na verdade, eu tenho a forte impressão de que ele acha que está me perdendo, assim como perdeu a mamãe. Me sinto um pouco egoísta e me odeio por isso, mas é tarde demais para voltar atrás, então balanço a cabeça em afirmativa e tento sorrir de uma forma que pareça sincera. — Aang, você sabe que pode me ligar a qualquer momento que eu venho buscar você, não sabe?

— Eu sei sim, pai... — sussurro, um tanto sem jeito e batendo a ponta do tênis All Stars no chão encerado. — Não precisa se preocupar com nada, pai, vai dar tudo certo, estou bem e seguro aqui. Essa é uma das melhores escolas do país, a titia estudou aqui, se esqueceu?

— Não esqueci, e por isso mesmo sei dos perigos que esta escola guarda — fala devagar, como se estivesse se lembrando de algo, enquanto coça a própria barba e franze a testa. É um pequeno gesto que deixa claro como meu pai está envelhecendo. — Me prometa que vai se cuidar.

Movo a cabeça em afirmativa.

— E prometa que não vai se meter em nenhuma confusão.

Movo a cabeça mais uma vez, balançando para cima e para baixo.

— E nem fumar drogas.

— Mas pai, eu acho que nem todas as drogas foram feitas para fumar, e...

— Não venha bancar o engraçadinho comigo — diz rapidamente. — Me prometa que vai se cuidar.

— Eu vou me cuidar, pai. Juro. — Não tenho nem tempo de pensar direito, meu pai me puxa para seus braços e me aperta com força. Eu relaxo em seu abraço e sorrio. O aperto de volta. — Eu te amo do tamanho do infinito.

— E eu te amo isso ao quadrado — responde meu pai, sem me soltar, me apertando mais forte.

— Já pode me soltar, pai...

— Eu só vou te ver no final do ano, então quero te abraçar até sentir que abracei o suficiente por um ano inteirinho — diz ele, claramente se divertindo com a situação. — Não pode me privar disso.

— Ok — murmuro.

Ele ri alto.

— Agora pode mesmo me soltar... pai... Oh pai... já chega — resmungo, tentando me soltar do abraço apertado do meu pai, isso o diverte ainda mais, porque passa a rir muito mais alto, mas me solta.

— Não hesite em ligar.

— Eu não vou hesitar, pai, prometo.

Ele me dá uma última olhada e sorri sem jeito antes de sair do meu novo quarto — que nem tem a minha cara ainda, me sinto estranho aqui, ou melhor, o quarto me trata como um estranho, não temos nenhuma troca. Enquanto meu pai está fechado a porta, que faz um barulho esquisito, pois é de correr, sinto um misto de emoções: Medo, amor e muita saudade. É a primeira vez desde que eu nasci que nós dois vamos ficar distante, é a primeira vez que estou literalmente sozinho — se é que se pode falar isso, quando estou numa escola com centenas de alunos — mas sei que vou ficar bem, não preciso temer nada.

Eu dou uma breve olhada no quarto.

É um local modesto: pequeno, com paredes brancas e com duas camas milimetricamente arrumadas. Há prateleiras dos dois lados do quarto, em cima das camas, e dois guarda-roupas na parede no final do quarto.

Foi feito para duas pessoas, já sabia disso porque a diretora me avisou que meu colega de quarto só chega amanhã. E sendo sincero, não estou com pressa para conhecer um estranho que vai dormir todas as noites ao meu lado.

Acomodo as coisas do jeito que posso, o que consiste em guardar as roupas em um dos guarda-roupas e colocar minhas pelúcias em cima da cama do lado esquerdo. Quando termino o simples trabalho e decido sair do quarto e dar uma volta pela escola.

 

 

A Airbender High School fica no Norte, perto do mar.

Quando chego à amurada, seguro firme e me debruço, observando o oceano pela primeira vez na vida. Fecho os olhos e encho ao máximo os pulmões. A brisa tem um toque salgado, que libera uma sensação de muito gostosa em meus pulmões. O vento bagunça meu cabelo, que estou deixando crescer, depois de passar tantos anos raspando na máquina zero.

Olho para o oeste. O sol está quase se pondo, e o céu exibe um turbilhão de rosa, vermelho e laranja.

É uma das coisas mais lindas que já vi em toda a vida.

E bom, é claro que já vi o pôr do sol inúmeras vezes, mas jamais tinha visto o sol separado de mim apenas pelo oceano.

Sorrio.

Novas lembranças... É isso... eu estou criando lembranças.

Respiro fundo outra vez, desejando guardar para sempre essa sensação, esse aroma e o som das gaivotas.

Há tantos alunos no pátio da escola. É tanta gente diferente e desconhecida que embrulha o meu estômago. Há tantas possibilidades. E eu posso fazer novas amizades — não que eu tenha muitas amizades em casa, claro, mas pretendo mudar isso.

Enquanto caminho pelo pátio, tentando conhecer tudo que consigo, meu olhar é atraído para um cara, que está sentado na amurada e fotografa o pôr do sol com o celular. Então ele se vira e me olha.

No fundo dos olhos.

Estamos distantes, mas próximos o suficiente para eu saber que está olhando nos meus olhos.

Porque estou olhando nos olhos dele de volta.

Ele sorri.

Olho para trás, mas não vejo nada, não tem mais ninguém aqui, então sei que está sorrindo para mim.

Eu tento disfarçar, mas ele continua sorrindo.

Lembro dos bons modos e aceno um tchauzinho sem jeito, ele retribui, então, me viro e saio andando o mais rápido que consigo.


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