Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 5
Mini infartos, deduções e chá




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Durante o mês de abril, atribuí a mim mesma além de florista e noveleira o título de confidente de adolescentes. Não era tão ruim quanto eu pensava... Elas me contavam seus casinhos amorosos, eu escutava com paciência e atenção – e, claro, debaixo da promessa de sigilo de morrer o assunto ali mesmo. Ainda bem que não era nada ilegal, senão estaria perdida em ter que traí-las em nome do bem maior... Fosse como fosse, nenhuma delas criticava minha franjinha, e quilo por si só já me deixava em êxtase. Sarah até me chamava de “irmã de franjinha”! Obviamente, Angie achava aquilo muito cafona, mas ela que ficasse emburrada sozinha no canto dela.

Enfim! A sensação de ter amigas tardou, mas não falhou. Muito obrigada. Minha nova vida, apesar de contar com menos episódios de Velvet por mês, era bem mais movimentada, radiante como um girassol, e Noelle não ofereceu mais relutância com respeito a isso.

Doce ilusão. Numa bela tarde de maio, a primeira sexta-feira do mês, logo após eu fechar a loja, escutei meu nome sendo chamado ao longe. Franzi o nariz e procurei a origem do som de um lado para o outro, até que meus olhos fisgaram Sarah Palmer descendo a avenida com uma agitação que não soube distinguir entre boa ou ruim. Permaneci a esperando, girando as chaves da loja entre os dedos.

— Senhorita Lewis! — ela ofegou, levando uma mão ao peito. — Digo... Cecilia. Desculpe. Eu o vi! Ele está aqui! Você não vai acreditar!

...Jesus?

— Calma, Sarah, respire um pouco. Viu quem? — segurei-a pelo braço, com medo de que ela fosse ter um infarto ali mesmo. — Meu Deus, você veio correndo de onde?

— Matthew! Ele está aqui, hospedado com a senhorita Georgette... E veio aqui te procurando, Ceci! Ah, isso é tão romântico!

— Como é que é?

Essa foi minha primeira reação automática. A segunda, como já era de se esperar, foi empalidecer e fazer ao menos três caretas diferentes para recepcionar a notícia. Percebi que parecia estar constipada – talvez mais tarde eu ficasse mesmo –, então apenas gaguejei:

— M-mas isso é impossível!

— Eu juro! Acabei de voltar de lá, eu faço aulas particulares com a senhorita Georgette... E ele estava lá!

— Espere aí, Sarah. Não pode ser o mesmo Matthew Carpenter. Quantos devem ter no mundo?

— Oh, não, é ele mesmo. Só pode ser. Ele é de San Francisco, é pintor e a senhorita Georgette disse que veio aqui procurando sua “musa inspiradora”. Eu quase caí da cadeira ouvindo essa parte, Ceci. Foi a coisa mais linda — nesse ponto, ela suspirou. — E ele é tão bonito quanto você o descreveu. Achei até mais bonito do que você descreveu, com todo respeito. Olhe, com exceção da pele que perdeu o bronzeado, está lá. E nunca se casou... E está solteiro. Fiz questão de perguntar à senhorita Georgette depois. Ela disse que eu era muito nova para ele... Pobrezinha, mal sabe. Então, é claro que ele jamais a esqueceu, Ceci. Mais cedo ou mais tarde vocês vão se encontrar... E vai ser lindo!

Não sei se a minha tontura se deu pela enxurrada de palavras de Sarah ou se foi o choque de não estar esperando nada daquilo tão cedo. De um jeito ou de outro, eu tanto não podia corresponder à sua animação quanto não podia bancar a donzela indefesa e desmaiar em praça pública. Não podia estar acontecendo aquilo. Quais eram as chances de existir um Matthew Carpenter exatamente nos moldes que estabeleci? Meu Deus, aquilo era um pesadelo!

— Ceci...? — Sarah sussurrou, preocupada.

— Desculpe-me, querida... Acho que seria bom ir para casa agora... Já está escurecendo. Tudo bem? Ah, e... Obrigada por me contar assim que soube.

Sarah abriu um sorriso radiante. Era mesmo uma boa menina.

— Tá bom! Boa volta para casa, Ceci. Espero que as coisas deem certo para vocês.

Eu também esperava. Por mais absurda que fosse a possibilidade, havia um Matthew Carpenter em Healdsburg, e eu deveria lidar com isso... Por bem ou por mal.

 

Walt foi minha companhia aquela noite. Eu simplesmente não poderia encarar Noelle porque, conhecendo como eu a conhecia, suspeitava que ela viesse me olhar com aquela cara de “eu avisei”.  Aí era capaz de eu jamais dar as caras novamente. O problema é que eu não podia fazer isso. Já tinha provado a mim mesma que não era covarde.

De duas, uma. Como as notícias voam por aqui, o tal Matthew ouviria sobre isso de qualquer modo... Então, ou ele ouviria sobre isso e negaria (me tornando a chacota do mês ao invés da novidade) ou simplesmente ignoraria isso e voltaria para a sua vida em San Francisco como se nada tivesse acontecido (e aí todos sentiriam pena de mim, o que seria enlouquecedor, visto que eu estava tentando sair dessa posição há dez anos). Não. Antes de ele ouvir sobre essa história maluca, eu iria procurá-lo e admitir que tudo não passava de uma grande invenção.

Isso! Esse plano era perfeito. No dia seguinte, eu iria até a casa da senhorita Georgette e me explicaria.

— Acha que vai dar certo? — sussurrei para Walt, que se ocupava de afofar o cobertor ao meu lado para dormir. — Tomara que ele seja legal... Porque eu não sou.

Walt balançou o rabo marrom e me presenteou com um bocejo preguiçoso.

— É, tem toda razão. Boa noite, Walt.

Com o coração agitado, porém ainda morando num corpo cansado, até dormi mais cedo para ver se o dia passava mais rápido. Dizem que o tempo é relativo, então não custava tentar.

O dia seguinte foi horrível. Obviamente não destratei nenhum cliente, porém senti que minha animação costumeira havia me abandonado por completo, o que fazia meus sorrisos soarem falsos para eu mesma. Para cada pessoa que adentrava a floricultura, eu tinha um pequeno ataque cardíaco. Noelle, que se ocupava e embalar os pedidos, vez ou outra me olhava de escanteio. Dessa vez, nem mesmo Walt e seu carisma conseguiram me consolar.

Quando voltamos para casa, tanto o gato quanto a dona olhou para mim como se estivesse maluca, enquanto eu arrumava minha bolsa.

— Vai sair à noite? — Noelle ergueu uma sobrancelha. — Sabe que os domingos são meus para tomar conta, não sabe?

— Oh, é mesmo, eu... Esqueci-me disso? — pisquei verdadeiramente confusa quanto aos dias da semana. — Minha nossa, amanhã já é domingo...?

— Já. E você não respondeu a minha pergunta.

— Desculpe-me, Nona... É que eu estou um pouco ansiosa. Minha cabeça não está lá muito boa. Assim que eu resolver o que me incomoda eu prometo te contar... E garanto que você vai rir da minha cara.

Noelle apoiou o cotovelo na mesa e o queixo sobre a mão, lançando-me uma expressão enigmática até demais.

— Não tem por que, eu já sei exatamente o que aconteceu.

Ah, meu Deus.

— Só pode estar de brincadeira. Como?

— Foi bem trabalhoso, na verdade. Tudo começou ontem, quando você chegou dez minutos depois do horário normal. E aí a senhorita roubou o meu gato...

—... Nós temos guarda compartilhada do Walt, Nona. Por favor, não comece.

— É. Que seja. Roubou o gato para dormir abraçadinha com ele ao invés de conversar com a sua querida amiga do coração. Só porque o meu coração não funciona lá muito bem, não quer dizer que não funciona nada. Ouviu, mocinha?

Foi impossível não rir de sua bronca dramática. Encostei-me de volta ao balcão, esperando o resto do discurso.

— E aí hoje você estava toda tensa na loja. Qualquer ventinho bastava para você ficar pior que o Walt assustado com a própria sombra. O que me levou à única conclusão plausível para o momento: era um caso grave de consciência pesada.

— Uau... — pisquei embasbacada, indo até a pia colocar água para fazer um chá. — Isso é...

— E é óbvio que você é uma menina direita demais para nunca ficar de consciência pesada. Então, a única coisa que poderia unir a sua consciência pesada com a vergonha de vir falar comigo era o dia fatídico, quando você inventou aquela história doida para não bancar a excluída com um bando de menininhas. Considerando a lei do retorno, só podia ser isso.

— Em primeiro lugar: ai. Em segundo lugar: eu já estava indo resolver o meu “caso grave de consciência pesada”, até a senhora me abordar. Agora vou ser obrigada a resolver isso amanhã. Em terceiro lugar... Caramba, Nona, reparou nisso tudo só de olhar?

Noelle ergueu uma sobrancelha, soltando uma risada irônica logo em seguida.

— Você é muito crédula, menina. Eu, hein? Claro que não, e eu lá sou o Sherlock Holmes?

Gargalhei de nervoso, retirando minha xícara do microondas.

— Não faz isso comigo, por favor. Eu sou meio burrinha, mas não é para tanto.

— Não diga bobagens. Enfim. Não, eu ouvi da Sharpe mãe. Aparentemente, Sarah disse para Angie que o seu bonitão estava na cidade, e como Angie é uma linguaruda, deve ter ido direto contar para a mãe dela. E se ela veio comentar comigo hoje, já deveria estar entediada. Ou seja...

Foi desnecessário que ela completasse a frase. Levei uma mão ao peito, sentindo o coração se comprimindo ali. Talvez aquelas simulações todas ao longo do dia estivessem me preparando para minha morte, enfim? Eu era jovem demais para morrer daquele jeito...

— Então é bem possível que ele já tenha escutado essa história — completei debilmente, só para não ficar aquele silêncio constrangedor.

— Sim. É muito provável.

Separei minha camomila para deixar em infusão na xícara. Talvez eu precisasse de mais umas duas daquelas antes de dormir.

— Fique tranquila. Se estiver dizendo que estava indo se resolver, é uma boa coisa... Mostra que você é honesta — Noelle tentou me confortar.

Ou ele pode pensar que só estou querendo tirar a minha da reta. Qualquer que seja a índole desse cara, ele não vai sair prejudicado nessa história. Além da culpa ser só minha... Você sabe como as coisas funcionam.

Nona sabia. Consegui ler seu olhar de quem dizia que a realidade era essa desde que o mundo era mundo. Após coar meu chá, fui para o sofá me aconchegar no seu colo. Tanto Noelle quanto Walt ficaram por perto, me consolando da minha própria bagunça.

— Ah, Nona... Tomara que possamos rir disso algum dia. Porque, no momento, só quero molhar meu travesseiro. Ou chorar no banho, que é mais fácil e discreto.

— Nossa, menina, mas você vai chorar antes de acontecer alguma coisa?

—... Bem, sim... Chorar lava a alma.

— É, e entope o nariz! Não ouse. Vou ficar te vigiando, hein?

Ri um tanto abafada, me abraçando mais a ela. Noelle tinha aquele perfume gostoso de abacaxi e coco, resultado das fragrâncias do detergente e do xampu que ela usava. Sorri de instantâneo, tomando com mais calma o chá. Querendo ou não, as ameaças de Noelle mostraram-se bem eficientes.

— Amanhã será um novo dia — comentei tanto para ela quanto para eu mesma. — Assim que acordar, vou fazer um bolo e visitar a senhorita Georgette. Eu faria uma torta, mas isso é bem mais elaborado.

— Muito bem. É pelo estômago que se conquista um homem, meu bem.


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