Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 37
Futuro, incertezas e o bem maior




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É claro que eu estava nervosa. Minha mãe e minha avó estavam prestes a protagonizar o Guerra Civil de Healdsburg. Eu era tipo... Tipo o Bucky, presa no meio de uma confusão desproporcional.

Tá, talvez nem tanto. Eu não matei os pais de ninguém.

Enfim. Não era plausível ficar calma num momento como esse. O plausível era sair correndo ou bater a cabeça contra a parede até ter uma justificativa para estar naquele estado de nervos.

Matt provavelmente sentiu minha tensão, porque se soltou da minha mão e massageou os dedos discretamente.

— Desculpe — murmurei, engolindo em seco. — Eu machuquei você?

— Um pouco... — ele riu de nervoso. — Calma, elas não vão colocar fogo na casa... Eu acho...

— Não vão! Mas não sei... As duas têm personalidades extremamente opostas. Tenho medo de a Nona falar demais e minha mãe ficar calada ao ponto de não falar nada do que precisa... Eu servi de intermediária, tudo bem, mas... Elas têm de defender seus pontos de vista, sozinhas...

Matt sorriu para mim, resgatando minha mão de volta. Eu me senti tentada a deitar em seu colo e assistir o casamento ali mesmo. Talvez eu devesse. Hum...

— Elas vão conseguir. Estão de coração disposto.

— Hoje você é o otimista? — ri de sua nova disposição. Era muito fofo. — Gostei de ver.

— Faz bem trocar de postos de vez em quando!

Gargalhei com gosto, optando por deitar em seu colo. Ele não reclamou – pelo contrário, permaneceu com a postura pleníssima. Até relaxei com o carinho que ele fez em meu cabelo. Que homem maravilhoso.

— Obrigada — sorri. — Fico feliz por você estar aqui...

— Onde mais eu estaria? Tenho promessa de comida grátis e prováveis polêmicas, vale o esforço.

— Palhaço! E eu?!

— Faz parte da gratuidade do pacote!

Ri de nervoso, ao passo que ele apenas olhou para o horizonte com um sorriso maroto no rosto. Acompanha seu olhar, apreciando a cena de Ryan brincando com o peludinho. Sua expressão era adorável. Fiquei me questionando em o que ele estaria pensando. Normalmente eu conseguia deduzir seus pensamentos conforme suas expressões faciais, mas...

— Acho que nosso acordo acabou — Matt disse para ninguém em especial. Olhei para cima, em direção ao seu rosto. Eu me assustei com a conexão. — Pensa bem: a Operação Bell-Mendez foi um sucesso, eu consegui meu quadro, você conseguiu retomar sua boa reputação, retomar a relação com a sua mãe, fazer amizades concretas... Esqueci-me de alguma coisa?

— Gil entrou pra turma — pontuei com um sorriso.

— É. Isso também. Ele se convidou para essa turma.

— Mas você o ama, por isso estendemos um tapete vermelho para que ele faça uma entrada principal em estilo.

Ele riu para dentro, sem cessar o carinho em meu cabelo. Tive de resistir à vontade de fechar os olhos.

— Enfim... Nosso acordo era esse, não era?

— Bem... Sim — admiti, num tom claro de “onde você quer chegar?”. — O que tem?

— Quais são os seus planos agora, senhorita Lewis?

Franzi a testa, optando por me levantar de seu colo. Matt ergueu uma sobrancelha para mim, indicando que aquela era uma pergunta bem-humorada. Respirei fundo, tentando encontrar alguma resposta.

— Por que está me perguntando isso, Matt? Está querendo me dar um pé na bunda?

— N-não! Claro que não! E-eu... Claro que não, Cecilia... De onde tirou uma coisa dessas?

— É brincadeira — sorri, ajeitando o cabelo dele. — Na verdade, eu... Não sei dos meus planos para o futuro... Nunca fui muito uma pessoa que faz plano, sabe?

Ele relaxou os ombros, entendendo que não era uma ofensa. Olhou para mim com os olhos brilhando de curiosidade. Aguardei a bomba.

— Entendi... Bem, eu... Queria perguntar...

Fomos interrompidos por um pigarro de Angie. Ela nos olhava, com uma prancheta na mão. Quase ri – a única coisa que me impediu foi sua expressão impaciente.

— Desculpe atrapalhar, mas eu queria que você avaliasse a decoração... Eu levo a comida para os fundos ou espero a cerimônia? — Angie trocou o peso dos pés, nervosa. Acho que ela tinha encontrado sua vocação. Bom saber, eu detestava fazer checklist em eventos. — Pode me ajudar, por favor?

Aquiesci, mesmo com a expressão frustrada de Matthew. Ele se levantou e me auxiliou a fazer a mesma coisa, e eu pude ler a expectativa em seus olhos. Numa tentativa de se comunicar comigo de última hora, Matthew me encarou por mais alguns segundos. Sorri para ele e acariciei sua mão delicadamente. Pareceu funcionar. Mesmo que, ao se afastar para juntar-se aos outros, manteve o olhar fixo em mim.

Sinistro. Seria um presságio?

 

— Agora está perfeito. Bom trabalho, chefa.

Tive de concordar com ela. Admirei nosso trabalho conjunto. Iluminamos tudo com luzinhas, desde a estufa até os beirais da casa – meu Deus, que trabalheira que deu para esconder os fios. A estética estava toda em tons creme, vermelho e verde, pontilhada com sinais amarelos aqui e ali, uma coisa rural em meio ao urbano. Angie tinha chamado de “uma casinha de contos de fadas”, e eu achava aquilo perfeitamente adequado.

— Ficou mesmo muito bom — sorri. — Acha que Sarah sopa fazer uma parceria de portfólio?

— Sim. Eu vi que ela trouxe a câmera dela. Volto já.

Angie escapuliu do meu campo de visão, para dar lugar a uma Sarah concentradíssima com a câmera em volta do pescoço. Ela se postou ao meu lado e grunhiu.

— Carta branca para andar por aí?

— Só cuidado com os fios — adverti. — Não quero que essa festa se transforme num enterro. A única coisa de positivo que eu tiro disso é que eu sou a florista, então gastar com a coroa de flores os seus pais não vão...

— Que tragédia seria morrer antes da faculdade — Sarah fingiu um arrepio. — Obrigada pela permissão. Vou dar o meu melhor. Quanto tempo eu tenho?

— Ah, uma horinha, mais ou menos. Pode tomar conta da cerimônia, se quiser. Aí a gente combina o preço direitinho.

Sarah franziu a testa, olhando de esguelha para mim. Fiz o mesmo com ela.

— O que é?

— Como assim preço?

— O preço das fotos, ué. Você vai ser remunerada pelo seu trabalho. Porque é um... Trabalho.

O queixo dela caiu. Saindo totalmente do decoro. Sarah se atirou nos meus braços e eu podia jurar que ela iria chorar. Gargalhei de nervoso.

— Sarah, querida?

— Obrigada, obrigada, obrigada! — ela exclamou, abafada a mim. — Ah, muito obrigada, Cecilia!

— De nada, então — dei um beijinho no seu monte de cabelos laranja-gritante. — Quero que comece a faculdade com o pé direito.

Sarah se soltou dos meus braços com muito cuidado. Acho que ela tinha se lembrado de que estava segurando uma câmera cara. Sair se jogando por aí... Perigoso.

— Ceci... A gente vai continuar sendo amigas depois que eu for pra faculdade...?

Sorri um tanto triste, mas não a soltei do abraço. Acariciei suas costas tentando transmitir todo o carinho que eu sentia por aquele serzinho precioso.

— É claro que vamos, meu amor — sussurrei. — Você é maravilhosa, eu te quero na minha vida pra sempre... Você está com medo?

— Muito... Eu tô apavorada, pra ser sincera...

Respirei fundo e indiquei com o braço para o barquinho do jardim. Eu e Sarah nos sentamos, e eu reparei que o gesto veio junto de um pequeno desmoronamento.

— Não sei o que fazer... Não sei o que esperar — ela desabafou, segurando as mãos na tentativa de conter a ansiedade. — Incertezas me assustam... Eu quero viver fazendo o que eu amo, mas... E se não der certo? E se eu for um fracasso universitário? Eu... Estou muito perdida...

— Ah, meu bem... Sinto muito que esteja se sentindo dessa forma... — apertei mais um pouco o abraço. Sarah fungou, numa simulação de choro. — A vida adulta assusta, não é? Eu sei...

Ela assentiu com a cabeça, remexendo-se no abraço. Eu me lembrava daquela sensação. Sair do ensino médio sem saber o próximo passo a ser dado – ou saber e ele ser um grande tiro no escuro.

— Eu sei que parece assustador trilhar os próprios passos, mas... Acho que é ainda mais assustador ficar estagnado na vida — arrumei o cabelo que eu mesma tinha bagunçado. — Enquanto você tem um propósito, algo pelo que lutar... Mesmo que dê um passo em falso, ou até mesmo tropece e caia, sua motivação vai te dar forças para continuar tentando. Eu sei que não é muita coisa, mas... Você, Sarah, é uma das pessoas mais determinadas que eu já conheci.

Seus olhos castanhos brilharam com o elogio. Ver que eu tinha feito alguma diferença deixou o meu coração quentinho. Eu amava demais aquela pirralha.

— Você acha...?

— Eu tenho certeza — sorri. — E eu falo por mim mesma... Não vou te abandonar nessa fase da vida. Sempre vou estar aqui por você, porque você é minha irmãzinha... Não posso tirar magicamente seu medo, mas posso garantir que jamais irei embora, se quiser que eu fique...

— Eu quero — ela sussurrou, emocionadíssima. — Eu... Obrigada por acreditar em mim...

— Claro que acredito. Só... Vai calma. Sair correndo por aí sem capacete... Não esqueça dos fios.

Sarah gargalhou, erguendo as mãos em defensiva. Quando ela se recuperou, ofereci minha mão para que ela a segurasse. Além de segurá-la, Sarah entrelaçou seus dedos aos meus.

— Nada de enterro, já entendi — após uns instantes, Sarah se soltou de mim, se levantou e girou nos calcanhares. — Uma horinha, então?

— Sim, senhorita.

Ela assentiu com a cabeça, exibindo uma expressão ferina no rosto. E estalou o pescoço. Sinistro.

— Você terá uma obra-prima para o portfólio.

— Ok — levantei-me junto a ela. — Eu venho te avisar quando estivermos prontos para começar.

Sarah analisou o ambiente como se fosse um campo de batalha. Deixei-a sozinha com seus próprios pensamentos, voltando para dentro de casa para conferir minhas duas bombas-relógio favoritas.

Bati à porta do quarto com todo o cuidado. Após uns instantes, minha mãe abriu-a e sorriu timidamente.

— Olá, Cecilia. Já estamos atrasadas?

— Um pouco — ri baixinho. — Tá... Tá tudo bem por aqui? Com vocês?

Todas vivas?!

Nona deu uma espiada por cima do ombro da minha mãe. Sua postura ainda era a de uma reina. Quase me curvei diante de Vossa Majestade.

— Estamos confabulando sobre a vida e o mundo — Nona girou o pulso num gesto megalomaníaco. — Discordamos em algumas coisas, mas em nome do bem maior achamos melhor uma trégua. Victor já está a caminho?

Quase arquejei de indignação. Eu esperava uma novela mexicana, qual é! Cadê o fogo? As facas?

Se bem que eu deveria estar agradecendo, não? Deixe para lá. Esqueça o que eu disse.

— Hum... Ainda não...

— É melhor que ele se apresse, antes que pareça que ele desistiu do casamento. Cecilia, pode pedir que a menina May venha até aqui?

Eu e minha mãe nos entreolhamos, compartilhando um sorriso cúmplice. Noelle Mendez admitindo suas discordâncias de um jeito meia-boca era melhor do que nada. Não é que o Matt tinha razão?

Ah, pobre Matt, eu o tinha largado lá embaixo com um bando de doidos...

— É pra já, Nona — dei o braço para minha mãe ao sairmos, e eu já estava perto o suficiente para escutar sua risadinha constrangida. — Se sentindo melhor, mãe?

— Bem... Acredito que consigo lidar com a Noelle. Em nome do... Hum... Do bem maior.

Solucei uma risada. Ainda estávamos perto demais da porta, corria o risco de a Nona interpretar o riso de forma pejorativa.

— Tipo aquele moço de Os Incríveis.

— Ryan adora esse desenho. Nem me fale.

Abri um sorriso, recordando-me de que junto ao bando de doidos também havia um peludo e a promessa de uma fita removedora de pelos. Pedi licença para ir ao meu quarto com a desculpa da fita, mas aproveitei para me trancar um pouco e respirar.

Falar sobre planos me deixava tensa. Quem era eu para opinar sobre sua vida adulta? A minha era uma bagunça! Quanta hipocrisia...

Aquela era uma conversa que eu pretendia adiar até o limite do aceitável. Mas como saber que a hora finalmente chegou? A vida mandava sinais? Como aquilo tudo funcionava? Desistir era uma opção?

Não. Não, não. Matt merecia mais do que uma medrosa que se trancava no quarto até tomar jeito na vida. Eu seria muito melhor do que aquilo. Por ele.

Daqui a cinco minutos. Antes, uma tremedeira, só para não perder o costume.

Não chorar já era um avanço daqueles.


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