Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 3
Rosas, adolescentes e meias verdades


Notas iniciais do capítulo

Oi gente ♥ tudo bem com vocês? Peço desculpas pelo atraso no capítulo, essa semana fui viajar e me esqueci total da função de programar capítulo kkkk



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Após concluir minha leitura – devidamente atenciosa, visto que era um texto bem mais denso em comparação às minhas novelinhas espanholas – cheguei a não tão brilhante conclusão de que eu poderia ser mesmo a tal balzaquiana categorizada pela senhora Sharpe. Um dos principais aspectos que me confirmaram isso (fora estar na faixa dos trinta, obviamente) foi notar que, ao menos na minha perspectiva, a figura principal do livro era uma tremenda covarde. Infelizmente, eu e A Mulher de Trinta Anos só não fomos feitas uma para a outra pelas experiências amorosas. Comparada à vida dela, eu parecia uma lagarta no casulo. Quem sabe minha borboleta interna não desse sinal de vida algum dia...

De qualquer maneira, avisei à Noelle que havia terminado a leitura e que ela podia surrupiar o livro quando quisesse. Foi como oferecer doces a uma criança, então a deixei em paz por um tempo enquanto lidava com os pedidos. Por sorte, abril era o auge da primavera; em contrapartida, isso significava uma movimentação frenética de casamentos, eventos, festivais e formaturas. Ouso dizer que isso eu posso chamar de fuga de rotina.

Um dos eventos que também pipocava em abril era a troca de temporada no Clube de Costura de Nancy Goodwin. Fazia sentido que fosse em abril, uma vez que março oferecia mais chuvinhas aqui e ali. Portanto, se não me apegasse à minha agenda como se minha vida dependesse disso, talvez minha vida começasse mesmo a depender disso. Como já mencionei antes, não posso afirmar que eu gostava das reuniões, mas eu ia por motivos que julgava justos: primeiro, Nancy Goodwin era um doce; segundo, eu gostava de crochê e tricô de tempos em tempos; terceiro, parecia um tanto quanto antissocial demais não comparecer a breves interações, ainda mais uma que eu poderia fazer uma propaganda presencial do meu trabalho com os arranjos. Além do mais, Noelle sempre me acompanhava – ou seja, nenhum mal a temer. Então, rumei à sede do Clube, na longa distância de um quarteirão da minha casa até a dos Goodwin.

Apesar do que o nome evocava não se tratava de um clube secreto para senhorinhas fissuradas em agulha e linha – afinal, eu só tinha 28 anos e, como eu já disse, meu título de idosa só estava na alma. Tínhamos além das senhorinhas já ostentando seus netos, havia as de meia-idade se gabando dos filhos crescidos e também as adolescentes com suas risadinhas e namoradinhos. E... Bem...

Havia eu. Bem no meio-termo. Não tinha modo algum de opinar sobre filhos ou netos, e pela minha inexperiência óbvia com garotos/homens também não podia me agrupar com as meninas... Não ser correr o risco de parecer ridícula. Mesmo quando eu tentava uma aproximação amigável, elas se calavam com medo de eu ouvir algo e as denunciar para os pais. Ou, pior: que não fosse entendê-las. Parecia ser uma regra geral: a adolescência era um período em forma de círculo, onde todos os eventos começavam e morriam ali.

E Deus me livre das solteiras fofoqueiras. Assim que eu virasse as costas, elas diriam como já estava velha para usar franjinha e jaquetas jeans. Não, obrigada. Eu me sentaria perto da janela e ficaria contente de admirar os arranjos de flores. E era exatamente sobre aquilo em que estava pensando, em rosas e mosquitinhos – o tão bobo e inocente motivo do meu sorriso – quando May Geller declamou num tom dramático de quem faz tudo por atenção:

— A senhorita Lewis está rindo da gente... Deve estar pensando que só sabemos pensar em machos. Vamos mudar de assunto para algo mais chato.

Eu, que sequer estava prestando atenção na conversa, me voltei para trás num susto. Está bem, eu pensava mesmo aquilo delas – para ser justa, tudo é verdade até que se prove o contrário... E, nesse caso, contra fatos não há argumentos –, porém naquela hora encontrava-me completamente perdida.

— Hein?

— Nunca teve um namorado, senhorita Lewis? — Sarah Palmer, a melhor das três, perguntou num tom curioso. Os Palmer eram novos na cidade, então Sarah tinha o benefício da dúvida.

Sabe aqueles momentos onde, de repente, todos se calam por nenhum motivo? Daí não é possível usar a desculpa de que não ouviu a pergunta. Pior ainda: ter sua resposta e reações analisadas por três pares de olhos inquietos e famintos? Era assim que eu me sentia: uma presa encurralada.

Sou capaz de jurar que não sei o que deu em mim naquela hora. Sempre me orgulhei de ser uma pessoa honesta e sincera na medida do bom-senso, mas naquela hora... Senti uma coceirinha na garganta me impelindo a dizer “sim”. Eu poderia muito bem dizer “não”, como sempre, e não haveria nenhum problema. Afinal, não era nada vergonhoso – não é um requisito para a vida se apaixonar. Fosse qual fosse o motivo, ajeitei minha postura e respondi num tom calmo e polido:

— Sim, Sarah. Eu já tive um namorado.

Simples assim. Meia dúzia de palavras foi suficiente para eu causar uma comoção. Do silêncio inicial, praticamente todas as mulheres viraram-se para nós quatro em peso. A maior parte delas estampava um sorriso cínico, porém o rosto de Sarah tornou-se puro deleite e curiosidade.

— É mesmo, senhorita Lewis? E o que aconteceu com ele? Por que não ficaram juntos?

— Faça-a contar, Sarah, é a novidade do ano! — Angie Sharpe, contrariando seu nome, emendou com um sorriso maldoso.

Eu não teria esticado o chiclete se Angie não tivesse dito aquilo. Do outro lado da sala, Noelle me observava com um ar soturno. Mesmo que tivesse estabelecido contato visual, seu silêncio me informava que eu estava por conta própria. Além disso, as Sharpe (avó e mãe de Angie) já se entreolhavam com ares de deboche pela nova peripécia da filha. Foi o bastante. De qualquer maneira, eu já sentia o rosto pegando fogo – de ódio! –, então usei o rubor de desculpa para aparentar timidez.

— Ah, querida... Já faz muito tempo. Ninguém aqui o conheceu, nem Noelle.

As três emitiram um arquejo de surpresa. Se nem Noelle sabia dessa história, então elas deveriam estar levando a sério a mina de ouro que haviam encontrado.

— Qual era o nome dele? — May perguntou com mais humildade do que sua primeira concessão.

— Matthew Carpenter — respondi de prontidão.

O casamento de palavras eu conseguiria justificar. Matthew poderia ser considerado uma versão estadunidense de Mateo, que era um dos meus personagens favoritos de Velvet. Ninguém assistia dramas espanhóis por ali, e se assistissem ainda assim não seria óbvio. Quanto à Carpenter... Bem, Carpenters continuava sendo uma das melhores bandas de todos os tempos na minha humilde opinião. Nenhum nome obviamente comum como “John Smith”, muitíssimo obrigada.

— Se não foi aqui, então onde o conheceu? — Angie ergueu uma sobrancelha.

Fiz um check-up das vezes em que eu e meus pais viajamos para qualquer canto que fosse. Daí me veio à mente a ocasião em que eu e minha mãe fomos visitar o Conservatório de Flores, meu pequeno paraíso botânico recheado de espécimes tropicais em união com construções vitorianas. Foi incrível.

— Em San Francisco — disse com tanta firmeza que até eu me sobressaltei por dentro. Todas elas acreditavam sem suspeitar, então fiz o mesmo. — Eu tinha dezessete e ele vinte e um.

— Como... Como ele era? — Sarah quis saber, com as bochechas coradas.

— Muito bonito... Era loiro e alto, com aquele bronzeado praiano agradável. Ele tinha brilhantes olhos azuis, bem azuis. E um belo maxilar... E um sorriso adorável com covinhas. E tinha o porte atlético, mas sem ser exagerado... Era o equilíbrio perfeito entre a masculinidade clássica e a amabilidade poética.

Finalizei o relato extravagante com um suspiro. De uma hora para a outra, eu havia passado de perdedora a uma mulher fiel e apaixonada, digna do respeito de três românticas incuráveis como aquelas.

— O que ele fazia? E por que não ficou com ele? — May arriscou duas perguntas de uma só vez.

— Ele era artista — e quem não ama um artista sem complexo de grandeza? Além disso, “artista” era relativamente redundante. — Nós... Nós tivemos apenas um amor de verão. E também, eu era menor de idade. Estava fadado ao fim desde o início. Nunca mais eu o vi. Mas... Nunca mais fui a mesma depois disso.

Sarah suspirou, e seus olhos brilharam.

— Que romântico... Ah, me desculpe, senhorita Lewis, sei que isso é triste, mas é tragicamente romântico. Talvez um dia ele volte!

— Ah, não, Sarah, imagine. Eu nem sei como ele vive hoje. Ele já deve ter toda uma vida engrenada, quem sabe já ter alguém... Se não me esqueceu, nunca me perdoou pela minha imaturidade. Além disso... Ninguém estabelecido em San Francisco viria para cá atrás de alguém como eu.

Como se estivesse observando que eu já estava começando a exagerar, a vida me trouxe Nancy Goodwin com uma bandeja de petiscos, atraindo a atenção de todas nós. Foi bom em dobro, uma vez que minha imaginação estava quase no fim, e eu não tinha como prever as próximas perguntas das meninas. Apesar disso, eu estava feliz com o novo modo com que me viam: mais respeitoso e mais entusiasmado. Eu estava com o coração palpitando e autoestima nas alturas. Por que não tinha feito isso antes?

Eu sorria tão disfarçadamente que as minhas bochechas chegavam a estar doendo. Mal percebi quando Noelle pôs-se ao meu lado, silenciosa como o próprio Oráculo.

— Garota... — Noelle negou com a cabeça, incrédula. — Você é terrível. Ainda bem que não me colocou no meio, eu não iria endossar seu conto de fadas com tanta facilidade.

— Ah, Nona. Admita que foi divertido.

— Certo... Foi só um pouquinho.

Ergui uma sobrancelha, esperando algum complemento. Não demorou até que ele viesse.

— Está bem. Foi um belo petisco a cara das Sharpe para você. Uma bela amostra de tapa com luvas de pelica, minha querida — Noelle piscou para mim, porém em seguida baixou o tom da voz. — Só tome cuidado com isso... Tudo que vai, volta. Estarei ao seu lado quando isso acontecer, mas não espere sair dessa ilesa.

Assenti com bastante seriedade. Mesmo que não estivesse com a consciência pesada no momento, jamais deixaria de dar ouvidos à Noelle. Ao final da reunião do Clube de Costura, Sarah, May e Angie se despediram de nós animadamente, me arrancando um sorriso constrangido. Pois bem... Acho que eu poderia me considerar um pouco corajosa agora.

— Nona... Estou me sentindo uma mocinha — suspirei.

— Uma coisa é certa: o dia de hoje será um prato cheio para o Walt.

— Já estou escutando os miados de indignação dele daqui...

Nós duas gargalhamos, e andamos de braços dados pelo caminho colorido de volta. Talvez eu devesse adotar um cachorro para me acompanhar nesses novos dramas...


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