Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 29
Carinho, cafés e primeiras experiências


Notas iniciais do capítulo

Oie! Resolvi dar uma de Taylor Swift e mudar a estética do meu perfil de acordo com cada história postada, mais pra me organizar e pra vocês saberem que quando tiver alguma mudança significa uma história nova (ou velha sendo atualizada kakaka) vindo por aí. Cada história terá cores específicas na foto de perfil e na foto de capa, que dizem algo sobre ela. A estética de "Inventei Você?" é toda fofa e rosinha, gostaram?



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Eu estava surtando de tanta felicidade. Matt estava feliz, as meninas estavam felizes (e, eu esperava, levando minha minivan em segurança para casa) e Nona ou estava muito possessa ou muito feliz igual a nós. O único problema, a única coisa que ameaçava essa felicidade, era que O Dia ainda estava à espreita.

Depois do casamento, minha mãe havia me ligado para confirmar se eu iria mesmo (se eu não tinha me acovardado, visto o histórico) e eu, sensível do modo que sempre ficava com casamentos (não que eu já tivesse ido a algum, mas casamentos em novelas são dramáticos, sem margem para discussão), atendi com um fungar de choro. E então minha mãe quis me consolar via telefone e eu fui obrigada a cortar o papo antes de me comprometer. As meninas tiraram uma com a minha cara por eu ter chorado no casamento de desconhecidos, mas me mantive firme.

Um dos benefícios da amizade com adolescentes era que elas não conheciam as partes da minha vida que eu ainda aprendia a lidar. A ignorância, como as pessoas diziam, às vezes é mesmo uma bênção. Elas seriam minhas amigas se eu tivesse sido sincera em tudo?

E então, após fazer mil recomendações à May Geller – e obter um “deixa comigo, Ceci” como resposta – eu e Matt fomos almoçar com o Gil. Tudo melhorou com o tempo. Gil era divertido e agora presencialmente era nítido que ele fazia muito bem ao Matt. Eu ficaria feliz de deixá-lo em boas mãos.

O apartamento de Matthew era o que poderia ser categorizado como “cubículo”. Apesar disso, era extremamente confortável e, eu não sei dizer sem fugir do clichê, era a cara dele. As paredes e os móveis eram cinza-chumbo e creme, com um quadro aqui ou ali – paisagens com tons de verde marcante, como num ambiente tropical, e alguns estudos de retratos. Gil estava entre eles, bem como a senhorita Georgette. O contraste do cinza da parede e da explosão de cores era muito bonito, apesar de não convencional. A cozinha e a sala eram praticamente a mesma coisa, um cômodo conjunto, e após um pequeno corredor encontrava-se um quarto de solteiro e um banheirinho. Uma pessoa movia-se com facilidade, mas duas já corriam o risco de se trombarem de vez em quando.

— Sei que não é muita coisa, mas... — Matt parecia constrangido, abraçando o corpo como que para se proteger. De quê? De uma crítica? — Mas é limpo e fresco no verão. E o aluguel não é tão caro... Quer dizer, San Francisco não é New York, mas é bem mais viável fazer arte em New York do que em San Francisco...

— Matt, está ótimo, não precisa ficar se justificando... — sorri, segurando seu braço com carinho. — Eu achei bem confortável.

— Ah...! Certo, certo. Está com fome?

— Não... Acabei de comer um hambúrguer enorme e várias batatas-fritas, não quero ver comida pelas próximas horas... É perigoso, sabe?

Matthew gargalhou, dando-se por vencido. Em seguida, ele deixou sua mala e minha mochila no quarto, voltou para a sala-cozinha com ares distraídos. Ele checou a geladeira, franziu a testa e voltou-se para mim:

— Eu poderia propor um brinde por hoje, mas... Aparentemente só tem suco e eu abri antes de ir para Healdsburg, então... Hum... Ele está suspeito.

Sentei-me no sofá, me sentindo numa extensão da minha casa. Isso pareceu tê-lo relaxado um pouco.

— Matt... Relaxe. Sente-se aqui comigo. Que tal?

Ele assentiu com a cabeça, vindo avizinhar-se ao meu lado no sofá. Num gesto que me surpreendeu, Matt estendeu as pernas no braço do sofá e deitou a cabeça no meu colo. Após meu primeiro segundo de surpresa, relaxei os músculos e passei a acariciar seus cabelos com a ponta dos dedos. Matt fechou os olhos, exibindo cílios longos descansando tranquilamente em suas bochechas. Sem que eu percebesse, ele segurou minha mão livre e levou-a à altura de seu coração. Este, batia forte contra o peito – ou talvez tenha sido só impressão. Real ou não, suspeito que o meu tenha feito igual. Por um momento, eu não soube o que falar ou como agir.

Foi só naquele momento que percebi que nunca tinha feito carinho em ninguém. Não na minha fase adulta, pelo menos. Não como quem dá colo. Qual era o jeito certo de reagir a isso? Existia um jeito certo?

Não sei se por exaustão ou pela paz de espírito, mas eu cochilei no sofá daquele cubículo confortável, com um grande urso carinhoso descansando em meu colo.

 

Quando acordei, conseguia escutar os estalos de fritura ao longe e sentir o cheiro de algo que identifiquei como sendo “muito gostoso”. Eu não estava mais sentada, mas inclinada no sofá, fazendo com que eu me perguntasse qual teria sido a cronologia dos acontecimentos. Bocejei e procurei identificar o que fosse possível.

Não demorou muito para que eu visse que Matthew estava postado em frente ao fogão, trajado de roupas folgadas e um avental de cozinha. Seus pés estavam descalços, e ele parecia mais confortável do que nunca. Nunca me senti tão atraída. E, o mais surpreendente: cantarolava baixinho Superstar. Matt Carpenter cantando Carpenters. Levantei-me com o mínimo de barulho possível, e parti para o lado dele no balcão da cozinha.

— Ah, desculpe, acordei você? — ele interrompeu a cantoria para me encarar com uma espátula na mão. — Acho que a música grudou na cabeça...

— Não, não — falei com a voz rouca, sendo obrigada a pigarrear para limpar a garganta. Meu Deus, será que eu estava com bafo? — À vontade, pode continuar... Não incomodou nada.

— Eu continuaria, se não fosse o fato de que eu só sei o refrão e já cantei umas seis vezes seguidas...

Foi impossível não rir de sua colocação. Era bem verdade que aquele refrão era completamente chiclete. Enfim, de qualquer forma, me aventurei a ir até ele e abraçar sua cintura por trás, tomando cuidado para ficar longe da panela e do fogão.

— Dormi muito? Eu me perdi nas horas...

— São sete e pouco da noite — Matt esclareceu, acariciando minha mão com um polegar. — Chegamos lá para o meio-dia... Acha isso muito?

— Hm-hm... Tava tão gostoso...

— Por falar nisso... Eu não quis te tirar do sofá, não queria que acordasse assustada ou me entendesse mal... E na verdade eu também estava muito confortável e quando fui lembrar que era um sofá, aí foi tempo. Espero que a sua coluna não esteja dolorida...

Neguei com a cabeça, dando-lhe um beijo nas costas. Como resposta, Matt as arqueou. Sorri sozinha.

— Um gesto muito nobre, Matt. Não precisava se preocupar tanto assim comigo... Se eu dormisse sentada iria dar um jeito de ficar confortável. Obrigada.

— Ok — ele sorriu, pelo que pude deduzir de seu tom de voz. Derreti-me toda. — Estou fritando bolinho de chuva. Se ficar encharcado já peço desculpas de antemão.

Soltei o abraço um pouco para poder olhá-lo... Ou, no caso, voltar a visão periférica para a panela.

— “Bolinho de chuva”? Que específico.

— Tá bom, eu confesso — ele ergueu as mãos em defensiva, ainda que eu não tivesse feito acusação nenhuma. — Eu confesso que pesquisei “receitas brasileiras fáceis” na internet e essa foi a única opção que achei que não iria acarretar numa grande desgraça justo quando estou tentando te impressionar.

Gargalhei de seu comentário, mais por compaixão do que pelo provável desastre. Era muito fofo. Se a dispensa estava vazia, aquilo queria dizer que ele tinha se dado ao trabalho de pesquisar, sair e comprar tudo... Era extremamente atencioso.

— Ah, Matt... Você me impressiona sempre. Posso ajudar com alguma coisa?

— Pode. Ajudar comendo. Pode se sentar ali, Cecilia.

Atendi sua sugestão/ordem com um sorriso no rosto. Aguardei até que ele terminasse de fritar os bolinhos, viesse para o meu lado e trouxesse dois potes para a mesa. Observei tudo com a curiosidade aguçada.

— Açúcar e canela — ele explicou, como se fosse um grande chef de cuisine. — Você pega um bolinho, joga nessa mistura e come.

— Que mistura?

Ele olhou para os dois potes, repousou o do açúcar na mesa e despejou a canela em pó nele sem qualquer cerimônia. Com o dedo, ele mesmo remexeu os dois confeitos e lambeu o dedo para provar. E é claro que eu não tive outra opção além de rir.

— Essa aí. Agora coma que eu quero saber se está bom.

— Sim, senhor — sorri, puxando para mim o pote com os bolinhos e o segundo com a mistura. Fiz conforme o sugerido e me deleitei com o gosto. Crocante por fora e macio por dentro. — Maravilhoso. Está uma delícia.

Matt ficou visivelmente aliviado. Ele sorriu para mim e começou a comer em paz.

Sempre querendo agradar, acima de suas próprias vontades. Sempre se desculpando por coisas desnecessárias. Quando ele enfim iria se dar conta de que aquilo podia arrastá-lo para um poço sem fundo?

— Quais são os nossos próximos planos? — ele indagou com a boca toda suja de açúcar. — Temos planos?

— Bem. Eu tenho alguns. Para hoje, meu principal plano é comemorar o seu sucesso com uma generosa taça de água. Você tem taças, não tem?

Ele franziu a testa. E mais um bolinho.

— Acho que a tia Georgie me deu um jogo de presente de chá de cozinha.

— Ótimo. Esses são meus planos. E tomar um banho, se possível. Preciso muito lavar o cabelo. Ele ficou o dia inteiro preso, se eu soltá-lo agora vai ficar todo amassado. Imagine que horror.

Matt riu de meu drama, como eu esperava que fizesse. E estendeu a mão que estava limpa para segurar a minha do outro lado da mesa.

— Banho permitido, madame. Gostaria de sua taça de água antes ou depois dele?

— Depois... Nunca se sabe o que pode acontecer no intervalo entre uma taça de água e um banho...

— Como quiser. Eu te arranjo uma toalha.

Agradeci a oferta com um sorriso. Lembrei que ainda não tinha terminado de falar o que ele tinha me perguntado, então me muni de mais bolinho e continuei:

— Para amanhã, as atividades incluídas na minha agenda mental são “café da manhã com o namorado”, “provável segundo banho”, “surtos ao almoço” e “ainda a ser estabelecido”, uma vez que não sei se vou sobreviver aos surtos. Estou sendo realista!

— Uhum. Bons planos. Fico feliz de fazer parte deles.

Acariciei sua mão, recebendo um sorriso tímido como resposta.

— A casa é sua, Ceci. Sinta-se à vontade.

❁❀❁

Foi um dia cheio de primeiras experiências. Primeira vez dando colo para alguém que não fosse o Walt. Primeiro banho conjunto. Primeira vez dormindo ao lado de alguém que não fosse a Nona. Primeira vez acordando ao lado de alguém – que não fosse o Walt ou a Nona. Meu coração parecia ter encontrado um lar. Lar confiável para repousar, ou para se agitar quando bem entendesse. Matthew era meu lar. Isso era claro e radiante como uma manhã na Califórnia.

Mas eu não conseguia sorrir como uma manhã radiante na Califórnia. Ao invés disso, meu rosto estava contraído e tenso, como se eu tivesse levado vários tapas no rosto. Olhei para o lado, desconfiada em meu íntimo.

— O que foi? — ele me olhou de volta, trocando a camisa do dia anterior por uma nova, limpa. Eu não tinha o convencido novamente a tirá-la por completo, mas não seria justo da minha parte ficar chateada por isso, uma vez que não era nada muito concreto. — A camisa é feia? Posso trocá-la, se quiser.

— Não — ri baixinho. — Está ótima. Eu estou contemplando o vazio existencial, foi mal.

— Certo... Então estamos prontos para ir?

— Claro que não! Estou toda desalinhada! Vou colocar o meu vestido amarelo. O que você acha dele?

Matt voltou-se para trás, ajeitando a camiseta com muita classe. Cor verde oliva. Foi inevitável sorrir com o gesto. Era tão simples e tão próprio dele... Deixava-me balançada o fato de eu ter me acostumado aos seus gestos e ainda assim me encantar.

— Amo ele. É uma boa escolha.

— Ok — sorri. — Ele e o meu tênis amarelo. Que tal?

— E a jaqueta jeans?

— Combina! Ótima ideia. Obrigada, meu bem.

Suas bochechas coraram, e eu fiquei me perguntando se tinha dito algo errado. De qualquer maneira, eu me levantei da cama bagunçada e lhe dei um beijo curto, mas caprichado. Senti seu sorriso em meus lábios.

— De nada, querida. Sem comentários adicionais maldosos.

— Que pena. Pergunta: você poderia pegar café para nós enquanto eu me troco?

— Você quem manda, Ceci. Um cappuccino?

Assenti com um sorriso, surpresa com ele antecipar o que eu iria pedir. Com um beijo roubado, Matt saiu e me deixou a sós com meus pensamentos conflitantes.

Eu não sabia o que esperar. Minha mãe não tinha me informado nada sobre sua vida sem ser o endereço – não que eu tivesse perguntado –, mas em contraposição ela sabia muito sobre mim. Isso me deixava vulnerável. Exposta. E eu admito ser um pensamento bastante imaturo, mas... Eu queria guardar Matthew para mim. Seu apoio era fundamental, porém... Expô-lo também significava expor uma parte importantíssima da minha vida. E como eu poderia protegê-lo do perigo do desconhecido? Protegê-lo de mim?

Quando Matt voltou, nós fomos de Uber até a casa da minha mãe. Ele segurou minha mão no caminho, e jamais me senti tão segura com um gesto tanto quanto aquele. Matthew era meu lar, não precisava ser protegido. Não é?

— Eu bato e você fala — ele sorriu, adiantando-se para fazer isso antes que eu sequer tivesse a oportunidade de negar. — De nada.

— Mas que... Peste...!

Antes que ele pudesse rir da minha cara e antes que eu pudesse registrar o ambiente externo, ficar ainda mais nervosa e possivelmente voltar para o Uber, a porta da casa se abriu. E sem ninguém atrás da porta. Mas, de algum lugar mais embaixo, uma voz fininha se pronunciou:

— Você deve ser a Cecilia! Que bom que é pontual. Os britânicos iriam amar! Gostaria de me dar a sua jaqueta?


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Notas finais do capítulo

Cecilia olhando o quadro de Libertalia, um refúgio de piratas anarquistas, e pensando "ora, mas que belo cenário tropical" xD muito inocente, a bichinha.

Postei essa bomba e saí correndo. Até o próximo ♥



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