Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 22
Fofocas, esquemas e novas amizades




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O timing não fora um dos melhores – mas, afinal, quando é que eu tinha um bom timing? –, porém já não me restava nenhuma dúvida quanto à conclusão.

Eu estava pateticamente apaixonado por Cecilia Lewis.

Irremediavelmente.

Quem diria.

Eu mesmo não sei dizer em que momento eu me dei conta disso. Tinha, sim, uma lista de possibilidades. Teria sido quando Cecilia dissera com todas as letras que eu não a incomodava? Que confiava em mim o suficiente para dividir comigo uma parte crítica de sua vida? E permitido que eu fizesse o mesmo? Ou teria sido a parte em que ela havia dito que sua atração e seu sentimento caminhavam lado a lado? Teria sido por isso que havia sido uma ocasião especial?

Talvez tenham sido duas ou três ocasiões especiais...

De qualquer modo, fazia sentido. Na minha concepção, eu poderia tê-la persuadido a ir para a cama comigo apenas para sanar nossos desejos. Repetir ocasionalmente até a hora de partir. Incluí-la na lista de mulheres com quem tinha zero envolvimento íntimo.

Mas Cecilia?

Eu jamais poderia fazer aquilo com ela.

Cecilia era gentil. Divertida. Prestativa. Leal e verdadeira. Sempre via o lado positivo de todas as coisas. Ela merecia ser tratada à altura. E, ainda que eu continuasse pensando que eu não era a pessoa que faria isso da maneira certa, todas as suas atitudes para comigo me faziam pensar que eu poderia ao menos tentar sem me sentir um troglodita.

Porque era assim que eu me sentia na maior parte do tempo.

Um troglodita.

Mas Cecilia não me fazia sentir assim. No máximo um urso grande e desajeitado.

Ah, que maravilha. Eu estava me tornando um romântico incorrigível. Certeza que havia alguma coisa naquele achocolatado.

Respirei fundo, beijando o monte de cabelos bagunçados que ela havia se tornado. A franja que ela tanto se esforçava para deixar no lugar agora era puro suor em sua testa. Ainda assim, ela estava linda.

— Vou ter que lavar o cabelo — Cecilia resmungou, suspirando junto a mim. Se ela estivesse de olhos abertos teria visto meu sorriso bobo estampado no rosto. — Você agora estragou meus planos.

— Não vou pedir desculpas por isso. Você quem pediu, Ceci.

— Mais de uma vez — ela riu com maldade, enviando uma onda de desejo pelo meu corpo. — Não se esqueça desse detalhe. É um muito importante.

— Hoje você está muito ousada. O que acontece?

Ela ergueu o olhar para mim, abrindo um sorriso pueril. Eu podia olhá-la por horas.

— Fui seduzida. Mais de uma vez. Acontece, não?

— E você sequer tentou resistir à minha sedução, Cecilia?

— Ah, não. Era inevitável. Fui arrebatada pelo fogo. Hoje eu simplesmente precisava ser uma bela safada.

Gargalhei de seu comentário, apesar de não saber com que força eu fiz isso. Eu estava arrebentado. Cecilia, por sua vez, voltou seu corpo em minha direção, me fitando com os olhos castanhos reluzentes.

Olhos castanhos reluzentes.

Como eu disse, irremediavelmente apaixonado. Acho que a gente sempre corria o risco de parecer bobo com relação às declarações. Internas e externas. Afinal, eu não abriria a boca para falar nada. Sabemos o que acontecia quando eu falava demais, certo?

— Nunca mais eu digo isso em voz alta — ela atalhou apenas um instante depois. — Desculpe. Acho que estou emocionada. Nunca fui uma pessoa atlética, mas acredito que exercícios desse tipo possam ser bastante agradáveis de praticar.

— Ah, Ceci — ri um tanto soprado, me recuperando da crise de riso. — Você é maravilhosa, sabia?

Suas bochechas coloriram-se de vermelho. A Cecilia doce e sensível ainda morava nela. E podia transitar em suas nuances com maestria, aparentemente. Nisso, eu a invejava.

— Que gentil — ela abriu um sorriso adorável, se ajeitando na cama outra vez. — São os seus olhos.

Beijei-a de leve nos lábios, reprimindo um suspiro. Acariciei sua bochecha com o polegar, e pude sentir seu sorriso se alargando. Eu gostava de fazê-la sorrir; pior, eu gostava de saber que era eu quem estava fazendo-a sorrir.

— Eu estou bem curioso com uma coisa, na verdade.

— Nunca vem coisa boa depois disso... — ela riu abafada. — O que foi?

— Como é que você tinha tantas camisinhas na gaveta, cara?

E então, Cecilia gargalhou. Foi uma risada generosa, que sacudiu todo seu corpo. Ri junto a ela, mas eu estava mesmo curioso. Aliviado? Sim, mas era minimamente questionável.

— Olhe só, você tem que entender que agora eu sou amiga de três adolescentes, que estão com as emoções à flor da pele. Se elas não aceitarem conselhos, ao menos a proteção vai, né? —sua risada se abrandou um pouco. — Acho que ainda existe aquele estigma errado de que sempre é o cara que tem de se preocupar com isso, mas a verdade é que alguns não estão nem aí. Só pensam no próprio prazer e a garota que se vire sozinha. Ou o outro cara, tanto faz.

— De fato, isso é uma babaquice. Como se não fosse uma ação conjunta.

Exatamente! É proteção, não é nada vergonhoso. As meninas tem que ter apoio ao menos nisso... Ah, mas eu já disse isso, estou sendo repetitiva. Na minha época ninguém falava disso abertamente.

Abri um sorriso e me espreguicei. Por mim eu teria continuado ali, mas cogitava que a Noelle não iria gostar de me encontrar por ali no estado em que nos encontrávamos.

— Pode falar o quanto quiser, C.S. Lewis.

— Ah, meu Deus — ela gargalhou, ficando subitamente constrangida em níveis astronômicos. — Bem, não posso fugir das minhas iniciais, posso?

Esse sim deveria ser o seu podre, não eu!

Ela se recompôs, resgatando sua camisa de algum ponto do chão. Concentrei-me até demais naquele par de seios sendo injustamente presos de volta ao sutiã. Não eram fartos e nem pequenos demais – tudo em Cecilia parecia perfeitamente equilibrado, até mesmo seu corpo. Diferente de mim, que tudo era em excesso. Engoli em seco, reprimindo meu próprio corpo de se engraçar fora do horário. Para o bem ou para o mal.

— É Sadie — ela esclareceu, passando a camisa pela cabeça. — Cecilia Sadie Lewis. Não contentes em me dar um nome de música, eles deram dois. Eu realmente não sei o que fiz para merecer isso.

Franzi a testa.

— Sadie é uma mulher de música?

— Pois é. Sexy Sadie. Dos Beatles.

— Puxa, é um grande nome para uma criança... — ri para dentro, tentando ser respeitoso. — Duas grandes mulheres.

Ela negou com a cabeça, rindo inconformada.

Making love in the afternoon... — cantarolei. Ela gemeu, massageando as têmporas como se estivesse com dor de cabeça. Permiti-me alterar a letra: — With Cecilia, up in her bedroom...

— Ai, não! Matt! Por favor!

Gargalhei, inclinando-me para lhe dar um beijo caprichado. Cecilia suspirou, permitindo que eu distribuísse mais alguns por seu pescoço. Sorri quando ela estremeceu com o gesto.

— Vou me trocar e te deixar em paz, Ceci. Não quero a boa velhinha me acertando com uma bengala.

— Decisão sábia. Vamos nessa.

Nós nos trocamos numa mistura de preguiça e medo de sermos pegos, apesar de só ter se passado meia hora e Noelle só fosse sair da floricultura às 18h30. Para não deixar o assunto morrer, perguntei enquanto colocava os sapatos:

— E então, quando é o casamento?

— Dia 11 de junho. Ou 11 ou 18. Está lá anotado na minha agenda. Pensei em marcar a visita para o domingo ou o sábado à noite. O que você acha melhor?

E lá estávamos nós trocando opiniões sobre assuntos importantes. Eu precisava colocar os pés no chão de uma vez.

— Eu? Bom... Domingo geralmente é o dia da preguiça. Ninguém marca nada no domingo. Digo, com os amigos e tal. Acho que é uma melhor opção.

— Certo. Eu vou ligar pra... Pra ela, depois.

Assenti com a cabeça, amarrando o cadarço do tênis. Meu corpo ainda estava voltando para o lugar quando Cecilia se pronunciou:

— Obrigada, Matt... Isso significa muito para mim.

— Estou aqui para isso, Ceci — sorri de lado, sentindo as minhas bochechas pegando fogo. — Para o que quiser, na verdade.

Ela sorriu o tipo de sorriso que iluminou o quarto mais do que a luz do sol quando ela abriu as cortinas. Cecilia tinha essa habilidade admirável de sempre fazer com que eu me sentisse bem-vindo. Era simplesmente amável.

A minha doce e amável, Cecilia.

Um passo de cada vez. Não é?

 

Finalmente! Achei que você iria embora e chorar as suas pitangas sobre a falta da sua Cecilia?

Esse foi o segundo passo. A fofoca.

Evitei os termos sexuais. Até para a fofoca há limites.

— Ah, para, Gil — ri constrangido. — Não é nada permanente. Só estamos... Ficando sério. Eu acho. Sem rótulos. E tá tudo bem.

E vai trazer ela para San Francisco?

— Sim, mas não é por mim. É por ela. Eu vou ser só a companhia.

Pegue esse fato e o aumente para algo mais importante, meu querido.

Ri junto com ele, organizando os pincéis para guardá-los na maletinha. Meu corpo ainda estava bastante dolorido, mas tentava não tropeçar a cada passo. Seria bastante patético.

— Eu estou tentando, Gil. Eu juro.

Rumo a um relacionamento saudável.

— Ah, sim. É minha última tentativa.

Não digo isso que eu ainda estou solteiro, Matt. Eu me disponibilizo a lhe dar um relacionamento saudável se a Cecilia não fizer isso.

Gargalhei me jogando na cama, apesar de me arrepender no minuto seguinte. A cama do quarto de hóspedes da tia Georgie era um pouco mais firme, então foi um baque dolorido. Grunhi com o impacto.

Vai dar certo, Matt. Tente não pensar muito sobre isso, tá? Consegue fazer isso?

— Uhum... Claro, vamos falar sobre outro assunto. O que achou do seu quadro?

Escutei-o rir do outro lado da linha. E provavelmente um bonde passando pela rua. Healdsburg era silenciosa demais, às vezes um bonde passando pela rua provocava saudade. É engraçado como quando estamos num lugar diferente sentimos falta das coisas mais imprevisíveis. Dizem que nenhum lugar é como seu lar, mas San Francisco era mesmo o meu lar? Ou era apenas o lugar que eu estava acostumado a ficar? O que compunha um lar? As pessoas? As experiências?

Toda aquela problemática com a mãe de Cecilia tinha me deixado pensativo, afinal de contas.

Ah, a vaquinha! Confesso que eu ri, mas ficou muito legal. Valeu, cara. Já tá pendurado aqui. Depois eu mando a foto. Minha mãe achou uma fofura só, ficou lá na sala de estar. Aliás, minha mãe te mandou um beijo. E perguntou quando é que você vem ver ela de novo.

Minha cabeça ficou até zonza. É um pouco difícil ter um amigo extrovertido.

— Obrigado. Vou já. Digo, eu vou logo — ri da minha confusão. — Que fofa.

Matthew Carpenter, o terror das senhorinhas.

— Ah, meu Deus — gargalhei repetindo umas das expressões favoritas de Cecilia. Estiquei os pés. — Nem me fale disso. Ainda tenho uma reunião com o Clube de Costura essa semana. Gil, parece que eu caí num universo alternativo. Eles têm um Clube de Costura. Um Clube de Pesca.

Já estou indo aí. Eu quero pescar. Seduzir uma velha rica. Velho não dá porque cidade pequena é muito tradicionalista. Que tal essa?

Quase engasguei de tanto rir. O pior é que eu imaginava a cara com perfeição. Gil era o puro charme, podia convencer até uma velha casada a se tornar sua amante. E talvez ainda mantivesse um caso com as filhas... Ou as netas. Sabe aquele amigo que diz “você bate na porta e eu falo”? Esse era o Gil.

— Ótima ideia. Vou ficar esperando. Venha nas férias. Vou ver quais os planos para o verão.

Que fofo, já está fazendo planos! Mas preciso ir. A gente se fala depois?

— Sim. Obrigado, Gil.

Ele hesitou do outro lado da linha.

Pelo que, oras?

— Por ser um bom amigo. Isso é... Bom, significa para mim — da série “repetindo frases impactantes e bonitas”.

Ah, Matty, você sabe que eu sou um cara sensível. Tô aqui pra você, amigão. Mantenha-me atualizado das coisas, tá legal?

— Sim, senhor. Até mais.

Amigão.

Se aquilo era a sensação de ter um irmão, até que eu estava disposto a ser um pouco sensível. Faria bem para Cecilia que eu me esforçasse para ser um casinho romântico, não é?

E, bem... Se não desse certo, Gil tinha me dado uma boa ideia. Velhinhas ricas, por que não?

Não, não. Sem possibilidade de trocar Cecilia por alguma velhinha rica. Como eu disse, irremediavelmente apaixonado. Repetitivo, mas real.

Eu ainda precisava aprender a lidar com aquilo, mas até que acontecesse...

De qualquer maneira, após sair correndo da casa de Cecilia e falar com Gil no telefone, fui trabalhar na quinta-feira com o senhor Bell. Ao final do dia eu já tinha quase soltado meu plano todo para ele, mas me mantive firme e não falei nada.

Depois de May Geller, a próxima a visitar a tia Georgie para a revisão de conteúdo foi Sarah Palmer. Eu simpatizava com ela, era uma adolescente legal. É até difícil categorizar um adolescente como “legal”, mas Sarah era essa exceção. Então, fiz questão de dar as caras no seu estudo.

— Boa noite, senhoritas — cumprimentei as duas com um beijo na bochecha. Sarah deu um risinho tímido, salientando que eu estava fazendo um bom trabalho. — Como vão vocês?

— Bem, querido — tia Georgie sorriu em seu tom de censura. — Bem, e você?

— Com sede. Vim só pegar um copo d’água, não vou incomodar vocês. Dar um oi e tudo mais.

Sarah abriu um sorriso feliz da vida.

— Oi! Tudo bem?

— E aí, Sarah? — sorri. — Problemas com História?

Ela assentiu com a cabeça, mas piscou os olhos diversas vezes. Achei o gesto engraçado.

— Você lembra quem eu sou...?

— Claro! A Cecilia me falta de vocês — sorri. — Ela gosta bastante de você, e a gente já se viu antes.

— Ah, eu também gosto bastante dela... Ela não ri de mim... Ai, aquele dia passei uma vergonha...

Ri um pouco, me servindo de um copo d’água na cozinha. Não fazia sentido eu dizer que estava ali para água e não tomar pelo menos um gole.

— Nem me lembro desse dia. Que dia?

Ela abriu um sorriso adorável. Minha sobre ela estava correta. Quer dizer, se Cecilia gostava dela, algum motivo tinha.

Lembrei-me das camisinhas e quase ri de nervoso.

— Você é legal, Matthew... Espero que a gente se conheça mais nesse tempo que você estiver por aqui...

— Eu também, Sarah — sorri. — Vou deixar você estudar agora, tudo bem? Não fique muito nervoso, por mais que seja difícil é só lembrar que História é só uma grande fofoca.

Sarah gargalhou, o que colocou um sorriso no meu rosto. Apesar das palhaçadas, eu tinha a má reputação de ser carrancudo, então dá para entender o impacto de um sorriso de uma pessoa ainda pouco conhecida.

— Matthew Carpenter, se estiver deturpando meu trabalho, eu não faço mais nenhum bolo — tia Georgie avisou lá da sala, fazendo com que eu e Sarah trocássemos um olhar cúmplice. — E você, Sarah Palmer, pare de conversinhas e venha aqui estudar. Estamos atrasadas!

Sarah riu baixinho, resgatando seu material da mesa. Apesar do constrangimento, ela era o retrato da animação. Eu tinha ficado encucado com uma de suas falas, mas deixaria para Cecilia averiguar aquilo em outro momento.

— Sim, senhorita Georgette. Até mais, Matt.

Acenei para ela e voltei para o quarto.

Aquilo parecia um lar.

Por algum motivo, a ideia me deixou assustado.


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Notas finais do capítulo

a música citada, que grudou na minha cabeça e deu o nome da Cecilia, é essa: https://youtu.be/e5uei2AFEaQ
Quem também fez uma versão dela usando só o refrão como sampley foi o The Vamps: https://youtu.be/COwkCW38J54



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