Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 19
Divagações, beijos e atitudes drásticas


Notas iniciais do capítulo

Já sei que estou devendo muito, mas peço desculpas DE NOVO pelo meu atraso nas leituras e nas respostas nos comentários. Recentemente saí do meu emprego e ando tendo problemas para me acostumar com os horários. Prometo que pego o jeito logo logo. Para compensar a falta do capítulo da semana passada, hoje tem dois ♥



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Em minha defesa, eu fui imensamente provocada. Incessantemente provocada. Eu não lido bem com as coisas quando me pressionam. Vejam só como é que eu reagi quando me perguntaram sobre um namorado. Eu nem tinha nada para esconder. Mas aquela era uma situação completamente diferente.

Acredito que eu tenha dito algo do gênero antes, porém... Matthew tinha o dom da lábia. Comigo, pelo menos. A diferença, entretanto, era que eu sabia tirar uma lasquinha.

“Ela é uma bobinha apaixonada”, pensou ele. Pois bem, lá estava a prova de que eu não era. Ele que me provocasse à vontade! Eu sabia flertar de volta!

Como vocês devem ter suspeitado, esse era o meu esquadrão de argumentos para se caso eu precisasse me justificar no futuro. O que, é claro, eu não precisaria, porque eu não contaria absolutamente nada para ninguém. Nem para a Nona. Por mais que a perspectiva de excluí-la dessa área da minha vida fosse um tanto aterrorizante, era algo necessário. Do contrário, eu sairia tagarelando e ela certamente diria algo como “você deveria ter mais cuidado com os seus sentimentos, menina... Eu te avisei...”.

E ela estava certa.

Eu tinha mesmo que tomar cuidado com os meus sentimentos. Era preciso uma camada de proteção. Não dele. De mim. Afinal, ele tinha deixado bem claro: nada de relacionamentos sérios. Então, eu teria de dar o braço a torcer e me contentar com aquilo, se eu o quisesse. E, ah céus, eu o queria tanto que eu o pedi um beijo. Mas eu estava mesmo apaixonada.

Apesar de ser uma experiência nova – e provavelmente traumática –, eu tinha que manter ao menos um pé no chão. Isso me dava o direito de pedir um beijo bom e honesto, não dava? Eu não queria que ele sentisse pena de mim. Eu só queria um beijo de cinema – quem sabe dois... Ou mais... – e que ele continuasse sendo o mesmo cara que todos nessa cidade colocam num pedestal (com razão). Tudo bem se ele era um planeta todo, eu só estava pedindo para orbitar ao seu redor por um pouco de tempo. Tudo bem também se eu fosse desintegrar numa combustão logo em seguida.

Aquele beijo tinha mesmo me desestabilizado. Parecia que o meu corpo tinha acabado de sair do forno, e não a quiche.

Talvez, quando eu tivesse a idade de Nona e contemplasse todas as minhas ações passadas sentada numa cadeira de balanço. Sobre como eu menti. Sobre todas as coincidências. Sobre como Matthew veio e se foi, e a velha Cecilia Lewis nunca se tornou Cecilia Carpenter.

Cacetada... “Cecilia Carpenter” ficaria mesmo muito bom de assinar...

Divagações à parte, eu tinha de encarar os fatos. Eu tinha ganhado um belo beijo do cara pelo qual eu estava apaixonada. Se havia algo que eu tinha entendido com Taylor Swift durante todos esses anos é que nem todos os amores são eternos, e nem por isso deixam de ser memoráveis em seu tempo.

De garfada em garfada, debatemos nossos trabalhos individuais e em conjunto. Ele, para ser simpático; eu, para distrair minha cabeça daquela tentação ambulante. Lidamos muito bem com nosso acordo silencioso. Então, Nona chegou bem na hora do petisco de Walt. Seu brinde do bingo roubou nossa atenção, embalado com um grande laço vermelho.

— Eu estou atrapalhando alguma coisa?

— Ah, não, estamos só jantando — abri um sorriso e liberei o lugar para que ela se sentasse à mesa. — Quer quiche?

Por favor. Olá, Matthew, como vai?

E Matthew, que morria de medo de Nona, armou seu pior sorriso inocente – que mais parecia um cachorro arreganhando os dentes – e assentiu efusivamente com a cabeça.

— Sim. E você, senhorita Mendez?

— Ah, querido, eu estou maravilhosa — aproveitei para me surrupiar para fora da mesa e lhe servir a quiche. — Eu ganhei um processador no bingo... Obrigada, querida... Nunca mais eu vou cortar uma cebola na minha vida! Sabe quanto tempo da vida a gente perde cortando cebola, meu filho?

— B-bastante?

Nona concordou com uma expressão de sabedoria milenar culinária. Sorri sozinha, indo buscar o petisco de Walt no armário. O gordo veio correndo, já sabendo o que o aguardava. Não consegui resistir à vontade de pegá-lo no colo e enchê-lo de beijos. Seu único protesto foi colocar uma patinha em meu nariz, como se dissesse “olhe, eu geralmente aprecio ser mimado, mas pode deixar isso para depois do jantar?”. Foi gratificante vê-lo atacar o sachê de ração úmida.

— Georgie também estava lá — Nora continuou, sorrindo para Matthew. — Acho que ela levou um conjunto de xícaras.

— Ah, é... Ela ficou feliz com o convite.

— Ela é bem fechada, não é? Convidamos mais vezes, vai ser bom para ela. Quer dizer... As velhinhas se comportam diferente quanto as filhas e as netas não estão por perto.

Ergui uma sobrancelha. Acho que eu podia me considerar parte dessa categoria.

— Se vocês brigam com as bengalas, eu faço questão de envelhecer 40 anos em uma semana!

— Eu também! — Matthew gargalhou. — O KO deve ser limitado a “quem travar as costas primeiro, perde”.

Até mesmo Nona caiu na risada com essa. Para rir assim, ela já havia abandonado sua desconfiança inicial com relação a ele. Eu não sabia mais se aquilo era motivo de comemoração ou lamento. E olhe que eu estava sendo bastante otimista...

— Graças a Deus eu só tenho problema nos joelhos! Seria terrível não poder dar uns tabefes necessários...

E foi então que Matt empalideceu de novo. Ó, pobre coitado e medroso...

— Estou falando da bunda do gato, meu filho. Relaxe. Querida, coloque uma bolsa d’água para esquentar, por favor?

Confirmei com a cabeça, sentindo o olhar de Matthew me acompanhar por onde eu andava. Ergui uma sobrancelha para ele, aproveitando que Nona estava distraída em dar atenção ao Walt. Ele devolveu o gesto, tirando uma com a minha cara.

— A gente precisa marcar uma fisioterapia pra você um dia desses — comentei em tom de divagação, colocando a bolsa térmica no microondas. Pequenas rotinas. — Ou pelo menos um raio X... Desgaste nos ossos é perigoso, sabia?

— Sim, mamãe. Eu vou ser uma boa menina.

Ri sem ânimo. Não me lembro de algum dia ter falado com a minha mãe desse jeito. Mas, também? Eu já era uma boa menina, caramba. Ninguém nunca me ouviu reclamar de coisa alguma na vida!

— Está bem, meu bem. Nós vemos isso, não se preocupe. Só acho que você se preocupa demais... Isso não me incomoda mais do que o inevitável.

Assenti e resgatei a bolsa no microondas. Entreguei-a, recolhendo o prato para colocar na pia.

— Prevenção nunca é demais — sorri de lado, tentando disfarçar minha frustração. — Aí, Matt, quer carona?

— Tô dentro. A tia Georgie dorme cedo, eu morro de medo de ela me trancar pra fora sem querer. Até outra hora, senhorita Mendez.

— Tchau, querido! Bom trabalho!

Esperei até que ele viesse ao meu lado, pegasse suas coisas e partisse comigo pela porta. A provocação veio instantaneamente.

— Esqueceu-se da sua torta, Ceci.

— Esqueceu-se do meu pote, Matt.

Ele riu, o desgraçado.

Agora era torcer para que a Petúnia não morresse no meio do caminho.

 

Bom, o único beijo do dia virou um beijo de boa noite muito afobado – afinal, eu tinha que colocar meus conhecimentos em prática e Matt tinha que... Sei lá, apagar o fogo no rabo – e... É, desalinhou os cabelos e as roupas de ambos, mas eu estava muito bem com a situação. Lidando como uma femme fatale, agora sim.

Pulei alguns minutos da minha novela revivendo todas as emoções da noite – e resmungando ocasionalmente devorando torta. Quando o sono me venceu, me desabei na cama. Meus ossos pareciam ter derretido, mas meu cérebro continuava a todo o vapor. Cada vislumbre de sonho com beijos e afins era uma nova luta para forçar o meu subconsciente a deixar aquela história de lado por um instante.

É claro que não deu certo. No outro dia eu trabalhei presente apenas de espírito. Nona até me falou para ir descansar porque dava conta do recado, e foi o que fiz. Eu simplesmente não me conformava com o meu corpo se negando a reagir a comandos básicos.

Pra piorar, eu estava para entrar na pausa do anticoncepcional, o que significava que eu viraria o mau humor ambulante em plena primavera.

Que desastre. Que desastre.

Eu tinha algumas poucas opções a seguir a partir dali. Não eram opções exatamente brilhantes, mas eu estava tentando valorizar um pouco mais a minha pessoa. Matthew havia me chamado de atraente e interessante, Sarah vivia me elogiando, e Nona estar ao meu lado por todo esse tempo já significava que eu não era um completo desastre. Então...

1) Eu poderia continuar mentindo e dizendo que estou bem com isso. Matt vai embora e eu volto a ser a velha eu de sempre. Com a exceção de que agora eu tinha a senhorita Georgette e Sarah a mais para interagir em Healdsburg. É claro que eu não iria deixá-la de lado só porque Matt iria embora. Ela era um doce de mulher, afinal de contas.

2) Eu poderia abrir o jogo. Dizer: “Matt, eu menti de novo. Você tinha razão, eu estou apaixonada por você. Agora é contigo. Ou você me beija até eu desidratar ou não olha na minha cara até o final da sua estadia. Porque se olhar muito para mim eu choro ou derreto”.

3) Matthew se descobrir magicamente apaixonado por mim. Resolveria vários problemas.

Nah. Além de improvável, é meio patético.

Vamos ficar com a primeira opção. Além de ser o mais confortável para mim, era cômodo também para ele. Matthew tinha vindo até ali para conseguir sair do bloqueio criativo, e não para se enrolar com alguém. Quer dizer, ele já não tinha problemas o suficiente?

Com um suspiro, rolei para fora da cama. Estava na hora de encarar a minha nêmesis em nome do bem maior.

Talvez eu tenha omitido um ou dois detalhes sobre algumas pessoas.

Resgatei na minha gaveta um número de telefone e disquei no celular. Senti o ar ficando pesado, mas tentei deixar isso não me dominar. Era só uma ligação, não um prelúdio no apocalipse. Certo?

Após três toques, fui atendida.

— Alô?

Boa tarde! Quem fala?

Sua voz me causou arrepios. Fechei os olhos.

— Cecilia. Precisamos conversar.

O silêncio que se seguiu foi suficiente para eu me arrepender. No entanto, já estava feito.


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