Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 17
Suspiros, família e rosas roubadas




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Em que é que eu estava pensando, afinal de contas?

Claro, é fácil ter um encontro! Coloque um vestido! Se arrume! Faça a sobrancelha! Seja você mesma! Ah, e o mais importante: não conte ao cara os seus segredos sórdidos e sentimentais, hm-hm. Querida, fazer isso é pedir para que o cara te dê um fora!

Isso que dá acreditar em revistas adolescentes.

Adolescentes não têm que fazer jogo de cintura.

Ah, por que eu tinha que falar sobre os meus pais? Por que Matthew tinha que perguntar justo sobre isso? Seria errado também não falar, eu sei, mas... Eu poderia ter sido... Sei lá! Uma femme fatale, uma garota ousada, dizer “pois vamos mudar isso” e...

E o que?

Dar uns pegas no carro?

Meu Deus, eu sou patética.

Mas estava tudo bem! Sabem por quê? Porque a partir daquele momento eu iria bancar a femme fatale. “Ah, me desculpe. Eu dei a entender que estava interessada? Ah! Desculpe-me. Não é engraçada a vida? Não ouviu quando eu disse que preferia morrer solteira, querido?”.

Soltei um suspiro longo demais. Sarah estava me fazendo companhia no trabalho, quieta atrás do balcão e de seu dever de casa. Até eu suspirar, porque isso pareceu lhe tirar da bolha de estudos.

— Está tudo bem? — ela perguntou num tom cuidadoso, colocando o lápis de lado. — Você suspirou.

— Foi? Eu nem vi.

— É... Foi um suspiro bom ou ruim?

Dei de ombros. Eu é que não iria falar para uma adolescente que revistas para adolescentes não funcionavam. Iria quebrar o coração dela.

— E... Como foi o encontro com o Matthew?

Ah, ótimo. Agora nem na minha casca eu podia ficar mais.

Tsc, tsc. Cecilia. Largue de ser ranzinza. Sarah é uma boa menina. Seja gentil.

— Foi... Bom! — isso não era mentira. Foi mesmo bom. No geral, foi uma noite divertida. — É, foi bom!

— Mas não foi ótimo — Sarah ergueu uma sobrancelha. — Está triste por isso?

— Talvez.

— Não foi só isso. Você está caidinha por ele.

Pisquei confusa. Chegamos até ali com um suspiro?

— Eu não disse isso!

— Não, não disse. Mas é que tipo... É meio óbvio, do jeito que você olha pra ele. Como se tivesse um filtro cor de rosa e tudo que ele fizesse ou falasse fosse fofo e interessantíssimo.

— Sarah, você só nos viu juntos uma vez e por menos de um minuto...

— Bom, na verdade...

Ergui uma sobrancelha, desconfiada. Sarah soltou um arquejo exasperado e bateu com o lápis no papel. Mas olha só, que safada...!

— Talvez... Só talvez... Eu e as meninas ficamos... Hum... Olhando vocês indo embora... Estava tão fofo...

— Ah, Sarah... — não consegui resistir à vontade de rir. Só saiu. Mal sabia ela que aquilo era falso e eu tinha levado um fora muito bem educado. — Desculpe, é que foi engraçado. Nós somos só amigos. Não foi um encontro romântico, querida. É melhor tirar essa ideia da cabeça.

— Mas, Ceci...! Vocês já se envolveram antes! É só uma questão de tempo... Não desanime...

Eu ri de nervoso, dobrando um pedido para um casamento em San Francisco. Eu já estava ansiosa, não precisava de mais estresse na minha vida, muito obrigada. Quer dizer, como a patética romântica incurável que eu era, é claro que eu amava casamentos. Agora, casamentos em cidades grandes eram especialmente estressantes, porque significaria que eu precisaria de uma equipe. Eu não podia levar a Nona, já que a saúde dela era sensível para viagens e...

Eureka!

... Isso também significava que eu teria de falar com Matthew o mais rápido para resolvermos o impasse Nona-Victor. Ou seria “impasse Bell-Mendez”? É, esse ficou mais chique. Enfim. Com isso, eu não poderia evitá-lo para sempre.

Mas, como eu disse, a partir dali eu seria uma gostosona fria e indiferente.

Eu... Eu tentaria, pelo menos.

Foco. Foco em Sarah Palmer. Isso. Uma coisa de cada vez.

— Não tem tempo, meu amor — sorri triste ao constatar que aquilo era verdade. Matthew estava a poucas pinceladas de partir. Eu é que não iria ficar chorando por uma carinha bonita que caiu bem na minha porta... Imagine... — É mais fácil aceitar que ele veio visitar a senhorita Georgette e eu fui só uma lembrança saudosa que ele esbarrou no processo.

Sarah franziu a testa.

— Não sei o que é saudoso, mas... Sério, você não pode entregar os pontos assim. É o amor da sua vida! Lute por ele!

Ri sozinha, separando a paleta de cores para o pedido. Pelo menos isso eu tinha tempo e disposição de organizar.

— Não devia se concentrar no dever, senhorita Palmer? — apliquei meu melhor tom de professora que me lembrava. Fazia anos que eu não pisava numa instituição de ensino, ficava um pouco difícil. — Olhe que eu sei onde você mora, hein?

— Eu vou me concentrar, se você me disser que vai tentar de novo. Uma última vez. Por favor, Ceci...

— Em primeiro lugar... Isso é chantagem. Em segundo: por que é que está tão determinada em juntar a gente, Operação Cupido?

Sarah pareceu particularmente ofendida com a minha dúvida. Com muita dignidade, ela esclareceu:

— É a minha missão de vida! Tipo... Fui eu quem cutucou a ferida e fez o Matthew voltar para os seus pensamentos e te deixou triste por achar que o seu tempo já passou.

— Eu não...

— Além disso, você já me ajudou bastante, eu gostaria de retribuir no que consigo... — E, baixando o tom da voz, Sarah acrescentou: — A Angie e a May são legais, mas você é tipo uma irmã mais velha...

Maravilha. Eu já estava sensível, agora lá vinha ela piorar a minha situação. Era só evocar uma figura familiar que eu já virava o Dominic Toretto usando isso como justificativa para qualquer decisão.

— Tudo bem — cedi, deixando meus ombros caírem. — Eu tento de novo. Agora se concentre no dever de casa, mocinha.

Sarah apoiou os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos. Sua expressão era de puro de tédio.

— É que Química é tão chato...!

Inspirei o ar com pesar. Ainda bem que ela tinha me instituído como figura materna; isso me dava algumas regalias.

— É, eu sei... Mas ainda faz parte da grade curricular obrigatória, querida. É só entrar na média que você passa.

Parecia ser exatamente o que ela desejava ouvir. Com um sorriso mais tranquilo, Sarah voltou a preencher a floricultura com o som do grafite em atrito com o papel.

Eu estava criando um monstrinho.

Que sensação maravilhosa.

 

Era terça-feira, 19h17, e Matthew me ligou. Três dias depois do nosso encontro esquisito. Demorei até um tempo para atender – todas as minhas emoções tinham caído no chão e eu simplesmente não sabia qual queria pegar primeiro. Pior: minha coordenação motora me impedia de pegar tudo ao mesmo tempo, igualmente.

Telefone, Cecilia. Digo, celular. Só gente de Healdsburg se comunica usando o telefone.

— Oi.

Oi — ele imitou meu tom de voz e eu senti uma vontade desgraçada de dar risada. Por sorte consegui me controlar. — Tudo bem aí? 

— Tudo! E você?

Tudo! Está ocupada?

Franzi a testa. Que coisa mais esquisita.

— É… Não. Tô fazendo o jantar. Quer dizer, sim. Quer dizer… Ah, você entendeu!

Sei… A Nona está aí?

— A… Nona? Hã… Não.

Equilibrei o celular no ombro, parando o corte da minha manteiga. Os filmes adolescentes nunca me prepararam para este momento.

E por que é que eu estava agindo daquele jeito?

— Ela está no bingo com a senhora Sharpe, estou tomando conta do Walt… Mas na prática é ele quem está tomando conta de mim, então… — parei no minuto em que vi que estava falando demais de coisas desnecessárias. — Por quê?

Ah! A tia Georgie também está no bingo. Eu pensei que a gente pudesse jantar juntos, algo do tipo. O que você está preparando?

Ai, meu Deus! Senti meu estômago revirar. Será que aquilo era normal? Eu não me lembrava de ter comido nada diferente…

Só se você quiser, é claro — Matthew acrescentou num tom doce. Matthew falando num tom doce? Era mesmo um sinal do apocalipse. — Se não, a gente deixa pra depois.

— Não, tudo bem! Tá tudo bem. Eu estou fazendo quiche. De alho-poró. Você pode trazer a sobremesa, que tal?

Por mim tudo bem. Vou comprar algo daquele café do sábado. 20h?

— 20h. Perfeito. Te vejo depois.

Sem tagarelice. Sem desespero. Veja bem, a femme fatale já estava mostrando as garrinhas. Simon & Garfunkel ficariam comovidos com tamanha homenagem.

Com exceção de que eu não deveria estar coberta de farinha, mas cada femme fatale pode ter seu diferencial, não é?

Mandei ver na minha quiche. Eu não estava tentando ganhar um homem pelo estômago, mas o que viesse era lucro.

Depois disso, penteei o cabelo e passei um pouco de perfume. Quer dizer, eu também não precisava receber uma visita toda desleixada, certo? Sarah ficaria orgulhosa.

Quando Matthew bateu à porta, eu estava vestindo minha melhor calça de moletom, uma elegante camisa cropped com alguma frase em francês que eu esperava que fosse chique e minhas meias longas. Um visual adulto. E Matthew…

Trazia flores, uma tortinha e uma camisa xadrez de flanela por cima de uma calça jeans suja de tinta. Não era qualquer tipo de flores. Eram rosas bem vermelhas, extremamente cheirosas.

— Sei que já é terça-feira, mas… Acho que ainda é válida a surpresa, né?

Não teve jeito. Eu fiquei completamente embasbacada.

— Desculpe?

— Você disse que as pessoas deveriam dar mais flores às segundas-feiras, porque na sexta-feira todos já estão felizes… Peguei essas daqui da roseira da tia Georgie, elas estavam com o caule quebrado… Espero que não se importe…

E, sem jeito, ele entregou-as a mim. Segurei como se fosse ajudar em alguma coisa, mas… Eu havia mesmo dito aquilo!

— Se lembrou disso…? — murmurei, não conseguindo segurar a minha voz trêmula.

— Uhum. Eu tenho uma ótima memória. Que cheiro gostoso!

Seria uma boa ideia deixar o cara entrar, não acha, Cecilia? Com o melhor sorriso débil, girei nos calcanhares e fui socorrer as três rosinhas. Enquanto isso, Matthew trouxe a tortinha e a si mesmo para dentro, fazendo uma pausa para acariciar o gato no sofá. Não consegui escutar se Walt ronronou ou não, mas se fosse comigo eu estaria em puro êxtase.

— Obrigada, Matt... Elas são uma graça...

— Sei que não é um buquê de lis... Lisan... Lias...

— Lisiantos? — sugeri, segurando a risada.

— Isso aí. Mas dá para o gasto. Né?

Assenti com a cabeça, agradecendo-o novamente com um sorriso. Senti um frio estranho na barriga, mas procurei desviar o olhar para as flores, agora realocadas num copo de água. Elas precisavam sobreviver mais um pouquinho, eram tão meigas...

— Obrigada, eu... Prefiro três rosas roubadas agora a um buquê de lisiantos...

Ainda bem que eu não estava virada para ver sua reação. Senão, eu morreria antes das flores.

— Pode colocar a torta na mesa, a quiche está quase pronta. Os gatos saem e os ratos fazem a festa, hein?

Matthew gargalhou, fazendo conforme o pedido. Walt até levantou a cabeça, mas quando viu que não era nada para ele voltou a deitar com a cabeça escondida por entre o corpo. Tão fofinho, coisa linda...

— Nem fala. A tia Georgie fica outra pessoa nos dias do bingo. Acho que é porque ela não sai muito, aí quando sai...

— Pois é. A Nona também. Aliás! Eu tenho uma ideia para o impasse Bell-Mendez.

— Você deu esse nome? — Matthew ergueu uma sobrancelha. — Gostei!

— Bom... É! Achei chique... E dá pra entender do que estamos falando. Valeu; Então, você... Vai embora ao fim do mês, não vai?

Ele assentiu com a cabeça, recostando-se no balcão com elegância. Matthew todo era gracioso apesar de ser enorme, e eu confesso que senti uma pontada de inveja de sua compostura.

— Daqui duas semanas, é.

— Então. Eu vou ter um casamento para cobrir no mês que vem e quando é em outra cidade eu não a levo. E aí vai ser a oportunidade perfeita para bolar um encontro entre os dois, porque não vou estar aqui para atrapalhar e nem para a Nona me usar de desculpa para fugir do inevitável.

— Do inevitável... — Matthew riu para dentro. Consegui escutar seu grunhido de quem estava tentando ser discreto. — Desculpe. Pode continuar.

Omiti propositalmente o local da cerimônia. Era bem capaz que eu dissesse San Francisco em voz alta eu já emendasse com um nada casual “é lá que você mora, não é? Puxa, que coincidência, que tal se nós...”.

Continue, Cecilia, não me passe esse vexame.

— Então. Se conversar isso com ele e der a ideia, eu posso agir à surdina e deixar minha casa despretensiosamente pronta uma reconciliação!

— E nesse meio tempo continuar tentando descobrir o que aconteceu do lado dela? — Matthew completou, trocando o peso dos pés.

— Precisamente.

— Tem chances de ela descobrir? Ou desconfiar? Porque é meio suspeito você puxar de novo o assunto do nada, não acha?

Confirmei com a cabeça, calçando as luvas térmicas. Não seria nada atraente uma queimadura num falso encontro.

— Acho. E já pensei nisso. É por isso que você vai ser o meu álibi.

Ele piscou confuso. Tentei arquitetar minha melhor expressão despreocupada. Ele veria só a Cecilia matadora tinha tudo sob controle.

— Eu? Seu álibi?

— Uhum! Vou dizer que você partiu o meu coração e ela vai acreditar porque acha que eu sou uma menininha que acha que tudo são flores... E aí, pra me consolar, vai usar o próprio exemplo. Como eu vou estar muito triste, eu vou coagi-la a me contar.

Matthew gargalhou, vindo se avizinhar ao meu lado na mesa. Retirei minhas luvas com cuidado, atenta aos seus mínimos movimentos. Mais um pouquinho e eu jurava que me tremeria toda nas bases.

— Caramba, quanta frieza, a minha! Por que é que eu faria isso?

Dei de ombros.

— Você vai embora e eu estou perdidamente apaixonada por você. Isso é um ótimo álibi.

— Um álibi — ecoou ele, com uma expressão facial que não consegui definir com exatidão. — Bom... É!

Ergui uma sobrancelha, me forçando a parecer indiferente. Eu estava mesmo ficando boa na arte da mentira!

— O que foi? Achou que eu estava falando sério sobre cair de amores por você, Carpenter?

Suas bochechas ultrapassaram o tom vermelho-cardinal, e ele permaneceu em silêncio.

— Ah, meu Deus! Você achava!

As palavras saíram da minha boca antes mesmo que eu percebesse. Logo, estávamos eu, ele e a quiche como se fôssemos Peter, Paul e Mary.

Que desastre...


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Notas finais do capítulo

Colocou um cropped e reagiu, amores.
Até semana que vem ♥



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