A fada que o escreva escrita por Creeper


Capítulo 4
A magia do karma


Notas iniciais do capítulo

Mais uma semana, mais um capítulo! Espero que estejam gostando ♥
Boa leitura!

Capa do capítulo: editada no Canva/personagem feita no Picrew (créditos: kureihii)



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“Algumas pessoas nascem diferentes, Suichiro.”

Essas foram as palavras de Peach Whitlock quando coloquei minha prótese de aço pela primeira vez. Minha mãe.

Lembro-me de ter perguntado a ela o porquê daquilo. Ela não me respondeu, pelo contrário, apenas encolheu os ombros, desviou o olhar e chamou uma mulher de cabelos castanhos e olhos rosas cujo nome era...

— Eu quero uma dessa! – Leona exclamou animada.

Voltei a realidade. Dante havia se encarregado de lavar as tigelas em um balde de água sobre uma cadeira enquanto as garotas se entretinham em analisar minha mão, tocando-a curiosamente e dobrando meus dedos gentilmente.

— É melhor não. – ri e acariciei seus cabelos.

— Dói? – Úrsula perguntou preocupada.

— Nem um pouco. É feita de um material especial, então às vezes eu até esqueço que não é a minha mão de verdade. Só preciso colocar óleo de vez em quando. – contei.

A porta do fundo foi aberta, revelando a feição cansada carregada por Helga. Sua testa brilhava de suor e a tigela em sua mão continuava intacta.

— Meninas, peguem suas coisas. Vamos para a casa da tia Nana. – ela colocou a tigela em cima dos tijolos da lareira. – Esses rapazes cuidarão do papai essa noite.

Leona fez um biquinho e desceu desajeitadamente da cadeira, correndo para pegar uma bolsa de pano pendurada na parede e falhando por sua falta de altura. Úrsula se juntou a ela e pegou a bolsa facilmente, passando-a por seu tronco e abraçando a irmã de lado. As duas dirigiram-se até a porta, esperando pela mãe.

Helga passou algumas indicações para Dante, acenou com a cabeça para mim e saiu com as filhas, deixando uma rajada fria adentrar a casa por alguns segundos. 

— O que vai acontecer amanhã ao pôr-do-sol? – coloquei minhas luvas novamente.

— Algo que você não vai estar aqui para ver. – ele chacoalhou a água de suas mãos e estendeu-as na frente do fogo.

— Por quê? – choraminguei debruçando-me na mesa.

— Trabalho de exorcista é trabalho de exorcista. – Dante alfinetou. 

Arrebitei o nariz e virei o rosto. O cansaço havia me pego de volta, por isso estendi uma camada de palha que havia por ali no chão e deitei-me por cima, cobrindo-me com uma manta. 

Com as pálpebras pesadas, enxerguei Dante montando sua cama improvisada a alguns centímetros de mim e colocando Sybelle para descansar na gola de sua blusa. Encolhi-me um pouco para preservar o calor e adormeci, tendo o fogo da lareira crepitando como minha última visão.

De madrugada, escutei uma batida na porta do fundo e visualizei a maçaneta sendo girada sem parar.

***

As horas de sono foram totalmente revigorantes, dando-me forças para auxiliar nas tarefas da casa de Helga, como cortar lenha, reacender a lareira, ajudar as meninas a costurar e a fazer outro caldo de peixe. Ao final do dia, eu e as irmãs encarávamos a porta do fundo de maneira apreensiva, principalmente após a condição de Dante:

— Apenas uma pessoa pode entrar comigo. As outras devem sair da casa.

— Meninas, levem o Suichiro para conhecer a prima de vocês. – Helga pediu apressada. – Eu ficarei aqui.

As meninas choramingaram, mas pararam assim que a mãe lhes lançou um olhar de repreensão. Elas pegaram suas capas e guiaram-me até a porta totalmente emburradas.

Do lado de fora, o céu tornava-se laranja e o sol caía, desaparecendo atrás de uma camada grossa de neve. Aspirei o ar gelado, me sentindo ansioso por não conseguir desviar o foco da casa.

— Olha só, vagalumes azuis! – Leona apontou.

Ergui a cabeça, enxergando pequenas luzes azuis a dançarem pelo ar. Parei de andar por um instante e estendi a mão para tocá-las.

— Não são vagalumes. – uma delas encostou na ponta de meus dedos. – São fadas do gelo, mais conhecidas como mensageiras do deus do inverno. – voltei a caminhar.

As garotinhas ficaram boquiabertas e ainda mais deslumbradas com a descoberta.

Existiam quatro deuses que regiam as estações, elementos e direções. As lendas diziam que o deus do inverno era um homem de pele azul, longos cabelos brancos e dono de uma espada de cristal. Já outras lendas diziam que ao invés da pele azul, ele possuía dois pares de olhos, pois sua aparência sempre devia ter algo que o diferenciasse dos humanos.

— O que você veio fazer aqui, já que não é exorcista? – Úrsula usava um graveto para traçar uma risca no chão.

— Vim explorar. – encarei minhas botas. – Aliás, conhecem alguém de karma de água nesse vilarejo?

— Estamos indo para a casa dela agora. – Leona apontou para uma pequena cabana. 

Sentada em um barril próximo a porta, uma moça de cabelos cinzas trançados entalhava alguma coisa em um pedaço de madeira. Sua expressão vaga sumiu ao avistar as garotinhas.

— Sued! – a pequena correu para abraçá-la. – Temos visita em casa, sabia?

Sued levantou a cabeça para me analisar, ergueu as sobrancelhas e perguntou em um tom confidencial:

— Veio exorcizar o tio Yadi?

Pressionei os lábios e balancei a cabeça negativamente.

— Não eu. Meu… – procurei alguma palavra para definir o que Dante era de mim. – Bem, o exorcista está lá na casa. – apontei com o polegar para a direção de onde viemos.

— E você quem é? – ela ficou surpresa.

— Ele é um explorador! Sabia que ele tem uma mão diferente? – Leona contou empolgada.

— E ele está procurando alguém de karma de água. – Úrsula deu um sorriso travesso.

Sued piscou os olhos lilases lentamente, soltou um suspiro ao afastar Leona de seu corpo e colocou as mãos na cintura. Observei-a aproximar-se de mim, pensei em recuar, todavia, a garota segurou meu ombro e sussurrou em meu ouvido:

— Te ajudo se isso deixar essas pequenas entretidas. É melhor elas não pensarem no pai nesse momento.

E afastou-se arrumando os cabelos que cobriam seu rosto. Sem perder tempo, ajoelhei-me na neve para abrir minha maleta e pegar um caderno de couro preto. Inspirei o ar gelado e comecei a falar coberto de êxtase.

— Eu não entendi uma palavra do que você disse. – Sued assentiu lentamente.

— Nem a gente! – as garotinhas ergueram os braços e riram.

Se eu tivesse ido para outro país, a insígnia da guilda teria um papel importante para entender outras línguas e ser entendido, já que aquela pequena coisinha alfinetada em nosso peito carregava um mecanismo de tradução criado pelos magos. Mas eu tinha quase certeza de que o problema não foi a tradução, porque eu continuava em Enginóvia e Gaspar bem que dizia que eu vivia falando coisas que ninguém entendia.

— Certo, vou explicar de uma maneira mais simples… – cruzei os braços e suspirei. – É possível que os karmas de água tenham uma intensidade maior em ambientes frios. Quando está quente, costumamos mandar nosso karma para fora e quando está frio, tentamos mantê-lo para dentro.

Sued olhou para o céu parecendo pensar por um instante. 

— O que é karma? – Úrsula inclinou a cabeça para o lado.

— Karma é uma coisa especial que sentimos no peito. Ele pesa e aquece nosso coração. É o que nos possibilita de usar a magia. – sorri. – Qualquer um nasce com o dom de usar, alguns mais do que outros, esses geralmente se tornam magos.

— Uauuuu! Então você também usa magia?! – Leona arregalou os olhos.

Ruborizei, desviei o olhar e cocei a nuca.

— Eu meio que reprovei nessa matéria. 

A garota de cabelos cinzas riu, afastou-se alguns passos e uniu as mãos como se fosse prestar uma oração. As meninas e eu prendemos a respiração ao vê-la fechar os olhos e abaixar a cabeça por um instante enquanto seus braços lentamente traçavam círculos em volta da cabeça e em frente a cintura.

Algo surgiu atrás dela. Não era palpável. Brilhava intensamente na cor azul, capaz de iluminar a noite que havia acabado de cair sobre nós. Ali, flutuando diante de suas costas, estavam duas carpas que nadavam em um ciclo no ar. 

Escutei os sons de admiração das irmãs e de soslaio captei seus queixos caídos e íris faiscantes. Eu não estava diferente, também gostava de ver a magia acontecendo.

Sued respirou fundo e jogou seus braços para a esquerda, dobrando um dos joelhos e esticando uma das pernas. Os peixes seguiram a direção que lhes foi ordenada, alcançando a alguns metros dali uma fenda irregular no gelo, onde adentraram na água escura.

A garota continuou a movimentar seus braços em uma mistura de precisão e delicadeza. Fascinado, olhei ao redor e graças às luzes que saíam das casas consegui enxergar outra fenda no gelo, ainda mais distante que a primeira. Como o esperado, as carpas surgiram de lá, voltando para a dona de seu karma.

— Elas estão carregando alguma coisa! – Leona apontou admirada.

Entre as duas carpas havia uma esfera de água que guardava um pequeno peixe azulado a se debater. Sued soltou um suspiro trêmulo e acelerou seus movimentos, ordenando as carpas que soltassem o peixe em um balde no parapeito da janela de sua casa.

E então, unindo as mãos novamente, a forma luminosa dissipou-se e a garota afastou os cabelos para trás, cansada.

— Eu sabia que os karmas de peixes costumavam usar a magia como forma de transportar alguma coisa, mas nunca vi ninguém fazer assim. – comentei animado.

— É mais eficiente do que pescá-los, mas cansa duas vezes mais. – Sued deu um sorriso franco para as menininhas que a aplaudiram.

— Porque você não treinou seu karma ainda. – fiz algumas anotações no caderno. – Se for para a Guilda de Hibisc, vai ser uma grande maga. – afirmei convicto.

Passei as páginas e circulei algumas coisas que escrevi. As pessoas que testei em Youpi, onde o clima era caloroso, não conseguiam transportar duas coisas diferentes de uma vez, podiam pegar vários peixes ou uma grande quantidade de água, mas não os dois juntos. 

Voltei minha atenção para as irmãs que cochichavam entre si e apontavam para o pé de uma montanha não muito longe. Elas arregalaram os olhos e ficaram eretas assim que me perceberam.

— O que foi? – dei uma risada abafada e guardei o caderno.

— É que… – Úrsula balbuciou tímida. – Como você está aqui, achamos que talvez pudesse ir explorar a caverna com a gente.

— Caverna? – arqueei uma sobrancelha e avistei uma abertura no pé da montanha.

— Ah, elas estão apaixonadas por uma lenda que o vilarejo anda contando. Dizem que tem dois vampiros albinos morando na caverna. – a garota de tranças balançou a cabeça negativamente. – Nós vamos quase todas as noites para brincar de caça aos vampiros.

— Não é brincadeira. – Leona inflou as bochechas. 

Sued riu sem jeito, espreguiçou-se e anunciou:

— Tudo bem, então vamos lá mais uma vez.

Quase fui absorvido pelo clima de comemoração das meninas, entretanto, mordi o lábio inferior e visualizei a casa de Helga. Uma luz amarelada saía pela janela e alguns vizinhos rodeavam a porta.

— Suichiro, vamos! – a baixinha puxou minha mão.

Forcei um pequeno sorriso com o pensamento de que o exorcismo daria certo. Seguimos caminhando pela neve e cantarolando algumas canções que o vilarejo compartilhava. Homens e mulheres acenaram educadamente para nós e alertaram-nos para termos cuidado. 

Chegando ao pé da montanha, pedi um momento para descansar e apoiei as mãos nos joelhos, ofegante. As três se entreteram em pegar gravetos e fingir que eram lanças. Leona foi mais ousada e atirou uma pedra na parede da caverna, produzindo um eco.

— Hoje o legado dos vampiros acaba! – ela pegou outra pedra e divertiu-se ao jogá-la.

Úrsula saltitava perto da entrada da caverna, cutucando suas irregularidades com o graveto e ora ou outra colocando a cabeça lá dentro e voltando-se para nós com um sorriso travesso. 

Leona arremessou a terceira pedra na caverna, fazendo Úrsula franzir as sobrancelhas e reclamar de que aquela quase a havia acertado. Eu e Sued nos preocupamos em alertar a garota para não jogar mais nada, pois poderia machucar a irmã ou quem quer que estivesse morando ali, contudo, nosso sermão foi completamente interrompido.

— Fujam! – uma voz masculina gritou desesperada de dentro da escuridão.


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Notas finais do capítulo

Hoje conhecemos a magia desse mundo, o que vocês acharam? Será que o exorcismo vai dar certo? E quem foi que mandou eles fugirem?

Novamente, desejo boa sorte a todos que farão o ENEM, vocês conseguiram no primeiro dia e vão conseguir no segundo ♥

Até semana que vem, beijos.
—Creeper.