Somente no final do ano, comecei a perceber a mudança em mim.

Depois daquele dia e daquela conversa, foi como se tivéssemos destrancado uma porta. Sempre conversávamos um pouco mais sobre nossa vida particular.

Acabei sentindo liberdade para contar um pouco sobre mim. Perdi meus pais muito cedo e fui criado pelo meu padrinho. Sempre nos mudávamos por causa do trabalho dele e, apesar de adorar conhecer lugares novos, eu não conseguia firmar amizade com ninguém.  Sempre tinha muitas amizades e nenhuma, ao mesmo tempo.

Infelizmente, ele me deixou pouco antes de eu entrar na faculdade.

Depois disso eu passei a afastar as pessoas sem nem perceber. A amizade inusitada com Sasuke me ajudou muito, diria até que me salvou. Além dele, eu não tinha aproximação com mais ninguém.

Talvez por isso, eu tenha baixado minha guarda com a Hinata. Desenvolver o tipo de afinidade que tínhamos foi uma surpresa que eu considerei boa. Era uma forma de passar o tempo, não tinha nenhuma outra intenção...

Estar com ela passou a ser tão natural que eu mal podia esperar por esses momentos na biblioteca e só percebi que ansiava demais por isso, quando não tivemos mais tempo.

Já estávamos na reta final do ano letivo e tinha as provas, fechamentos das notas, os balanços dos clubes... Além dos preparativos para o baile de final de ano, que estavam a todo o vapor. Então apenas não tinha como nos ver, a não ser nas aulas.

E não era o suficiente pra mim. Eu sentia mais falta do que queria admitir.

— Tudo bem, Naruto? – Sasuke me perguntou e eu percebi que ele me olhava diretamente.

— Sim, por quê?

— Você suspirou umas três vezes ai, sozinho.

— Eu? – O fitei confuso – Eu não percebi... Deve ser cansaço. Não vejo a hora desse baile acontecer, estou louco pelas férias.

— Sei... – Voltou a concentrar-se no seu computador – Também estou precisando, achei esse ano puxado.

— Também senti.

— Você não tem ido à biblioteca esses dias – Ele comentou.

— Não, sem tempo.

— Nunca te vi sem tempo pra ir até lá pegar um livro – Falou desdenhoso.

— Mas eu vou ler quando? Sem contar que a Hyuuga também está ocupada...

— Você precisa dela pra ler agora? – Ele voltou a me fitar.

— Não preciso, seu sonso, mas estamos lendo juntos, você sabe. E esse não é o problema, eu ando tão ocupado que não tenho lido nada. Chego em casa ainda com  trabalho pra fazer, depois eu só durmo.

            Sasuke permaneceu me olhando de um jeito que eu não soube decifrar.

— É por isso que você tem que fazer seu trabalho direito, não só o do dia – Ele me provocou.

— Me erra, Sasuke... – Comentei me voltando para o meu computador. Então um pensamento passou pela minha cabeça, me desanimando – Ah, e o pior é que lembrei que ano que vem não vamos conseguir ler nada juntos...

— Monta um clube de leitura, assim vocês não precisam depender um do outro – Sugeriu.

— Quais as chances de encontrarmos alguém que leia por puro prazer os mesmos livros que a gente? – Desafiei, sorrindo, mas ele me ignorou, ainda olhando seu computador – Além do que, eu não posso abrir um clube, tem que ser um aluno... E ela já me adiantou que vai estar sem tempo...

— Hm...

— Cara, não é fácil a vida dela... – Me recostei na cadeira, me distraindo um pouco do trabalho – Ela disse que ano que vem tem uma grade de cursos pra fazer, acredita? O pai dela controla todos os passos que ela dá. Ele decide tudo por ela: o que ela estuda, decidiu no que ela vai se formar... Além de outras coisas... – Eu não sei se podia repetir tudo que ela me disse, então deixei no ar...

— Está sabendo bastante, não é? – Percebi que ele tinha um olhar quase curioso.

Dei de ombros.

— Não conversamos o tempo todo sobre livros...

E esse foi um grande erro. Me permitir saber mais dela.

 Achei que estava sendo um bom professor, deixando que ela se abrisse sobre sua vida, suas aflições, porém apenas muito tarde, eu perceberia os efeitos disso em mim.

O primeiro grande sinal de alerta veio quando o baile finalmente chegou.

No dia em questão, estávamos na correria para que tudo desse certo, por isso eu só parei para aproveitar o evento, depois de um bom tempo que já tinha começado. E ainda precisava ficar de olhos bem abertos nos alunos.

E foi enquanto eu observava o salão que a vi...

Ela estava incrivelmente linda. Seus cabelos, que normalmente estão soltos, dessa vez estavam meio presos. Ela usava um vestido solto até os joelhos, que moldava perfeitamente seu corpo. Estava tão diferente...

Eu simplesmente não consegui deixar de olhá-la.

 Quando caí em mim, desviei o olhar rapidamente, observando os outros alunos espalhados pelo salão.  Mas não importava o quanto eu tentasse, meus olhos voltavam sempre para onde ela estava...

Resolvi sair dali, passei a rever os detalhes da organização, ver se não tinha alunos pelos corredores, rondei a área externa da escola... Eu só queria me distrair, tentando me convencer de que não tinha acontecido nada. Porém, não fiquei mais em paz comigo mesmo.

Esperei um tempo que pareceu maior que o necessário para voltar ao salão.

— Professor?

Inevitavelmente, acabei me encontrando com ela e me surpreendi com o quanto eu ainda estava evitando esse contado.

— Oi... Hyuuga – Limpei a garganta – Tudo bem? Você está muito bonita... Ah, e o baile está excelente! Parabéns, você fez um excelente trabalho... Alias, o comitê arrasou... – Disparei.

— O-obrigada – Corada, a jovem murmurou, mordendo o lábio. Era um hábito que ela tinha e eu já estava acostumado a ver, mas... Hoje ele teve um tom completamente diferente para mim.

Meu estomago revirou e eu senti o corpo entorpecer.

— Professor Uzumaki – Ouvi uma voz muito conhecida me chamar e imediatamente me virei.

— Sim, professor Uchiha – Falei um pouco alto demais.

— Está ocupado?

— Não, não... Não – Respirei fundo, sem acreditar no quanto eu estava nervoso. Me voltei para a jovem ao meu lado – Hyuuga, eu preciso ir, mas aproveita... O baile.

Não esperei que ela me respondesse e caminhei até o Sasuke, que passou a andar ao meu lado.

Eu ainda sentia o coração bater rápido e estava surpreso com a possibilidade de ser porque a morena falou comigo. Mas, se não fosse isso, o que mais seria?

— Você está me ouvindo? – Percebi que Sasuke falou de modo mais rude.

— Ah, me desculpe, o que?

Sasuke me fitou longamente e eu engoli em seco. Ele me conhecia bem demais e isso poderia ser um problema... Nem eu sabia o que está acontecendo, como eu ia explicar? Porém ele não me questionou, só repetiu.

— Alguns alunos espertinhos fugiram para os corredores, perto dos banheiros, você pode ir até lá e dar uma bronca neles?

— Claro, deixa comigo – Falei já saindo de perto dele. Andei rápido até onde ele mencionou, mas minha cabeça não estava no lugar.

A figura da Hyuuga voltou a minha mente e senti o estomago gelar então apenas parei, no meio do corredor vazio e parcialmente iluminado.

Naquele momento, eu admiti pela primeira vez que algo estava muito errado.