Os Retalhadores de Taurus escrita por Haru


Capítulo 7
— A hora da guerra




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— A hora da guerra

Tudo o que sabia sobre estratégia militar e planejamento de combate em guerra, Arashi aprendeu com Yume, Hayate e Hanzuki — quando contou isso a Hirihito, ele o encarregou de comandar e instruir os líderes de todos os polos da Resistência de Sirius. Seu primeiro gesto foi duvidar de si mesmo, pensar se seria capaz. Sentiu medo e, se lhe perguntassem, não saberia dizer o motivo. Não era a primeira vez que faria algo assim. Caminhando pelo pátio de terra da floresta na qual, a seu pedido, Hirihito reuniu-os, contava mentalmente os guerreiros alinhados que receberiam ordens suas. Exatamente dez. Tinham a seu dispor um exército de cerca de quinhentos retalhadores.

Ao fim da contagem, meteu as mãos nos bolsos da jaqueta preta de couro e respirou fundo. Acabava de descobrir a razão de estar tão apreensivo: o destino do mundo estava em suas mãos. Nunca teve tamanha responsabilidade. Ao menos não tão diretamente. Sim, era o primeiro ministro do Reino de Órion, a mais poderosa nação da Terra de Áries, considerada o centro daquele mundo, mas tinha pouca experiência com o cargo, dividia-o com sua namorada e, por causa da pouca idade, nem ele e nem ela eram muito respeitados pelos conselheiros. Em silêncio, olhou cada um dos dez nos olhos.

Por último, mirou Hirihito. Este o observava calado, encostado numa árvore a poucos metros de distância. Não sei se foi uma boa ideia, pensou o ariano, mas vou fazer o meu melhor.

— Reúnam-se aqui, por favor. — Pediu, acenando com a mão. Eles o obedeceram, imediatamente formaram um círculo a sua volta. O respeitavam mais do que os seus próprios conterrâneos. — Shiino, conseguiu o mapa da arena que queremos? — Perguntou. O rapaz prontamente lhe deu, Arashi o abriu aos olhos de todos e foi adiante: — Excelente. Como falei, é para cá que vamos atraí-los. Nossos espiões nos informaram que o rei está se preparando para a guerra, já sabe que não pode nos subestimar, então virá com força total. Ele vem atrás de nós, por isso nós escolheremos o campo das batalhas. Começaremos com somente um terço do nosso exército total, não se preocupem, Noriko, Toyotomi e Naruhito estarão com essa pequena parte das nossas tropas e dão conta da maioria dos soldados dele, nosso verdadeiro problema é ele. Ele e a guarda pessoal dele, mas eles não devem entrar em campo logo de cara. O restante do nosso exército se esconderá mais atrás e, ao meu sinal, avançará em peso para forçá-los a entrar em cena, é aí que entramos Shiino, Daichi, Lila, Aname e eu. — Olhou para Shiino. — Vou enfrentá-lo, se estiver tudo bem por você. Pelo menos no início. Depois de vencer os aliados dele, poderão se juntar a mim.

Shiino concordou. Difícil mesmo seria convencer Lila e Aname disso.

Após essas instruções mais gerais, o retalhador de Órion passou a abordar as situações previstas, a dar direcionamentos sobre as lutas propriamente ditas, ensinando-lhes táticas e formações de combate das quais nem Hirihito ouviu falar. Sua argúcia deixava a todos de queixo caído, ele falava como se fosse um velho veterano de guerra. Seus ouvintes ganhavam confiança. Escutaram histórias sobre Arashi de Áries, quando viram que ele era um garoto de apenas dezesseis anos de idade, porém, começaram a duvidar delas. Agora pensavam se o que sabiam dele antes de conhecê-lo era pouco comparado ao que ele realmente podia.

Os dias posteriores a Resistência usou para treinar e praticar entre si os ensinamentos de Arashi. Graças às miragens de Shiino, todos os polos da organização ficavam ocultos, já o paradeiro da sede do governo era de conhecimento público, o que facilitava a ida de homens que iam até lá como espiões para voltar trazendo informações sobre os passos do tirano. Uma vantagem imensa para os taurinos que lutavam pela liberdade. As nações dessa Terra sempre foram politicamente instáveis, viviam em guerra, novos conflitos bélicos surgiam uma vez por ano. O desejo de destronar aquele homem as uniu. Trouxe certa paz. Por dez anos se esconderam, viveram de matar os soldados da casta mais baixa daquela ditadura, de recuperar territórios que o rei nem sabia que existiam. Chegava a hora de mostrar a cara.

Hirihito conversou com Arashi e contou a ele a história de Mitsu e a dos amigos dele. Disse ao ariano que percebia como ele ficava desconfortável perto de Aname e Lila, que via que ele se sentia culpado pelo que aconteceu com Mitsu, por não ter chegado em tempo de salvá-lo. Quis ir em seu lugar contar a Aname que o plano era ele lutar contra o rei, mas Arashi insistiu que não. Achava que era seu dever falar com ela. Ainda mais depois do que soube. A garota merecia que o autor do plano fosse em pessoa falar-lhe dele, estava disposto a ouvir quieto quaisquer reclamações e até xingamentos que viessem dela. A entendia. Quando seu amigo se sacrificou para salvar o Reino de Órion do Kikuchi, Arashi quis vingança e, se alguém tentasse tirar isso dele, iria querer olhar essa pessoa nos olhos e ouvi-la negar.

Era em Mitsu que Aname pensava quando o jovem primeiro ministro de Órion foi até ela. Sentada numa rocha em frente a uma lagoa, lembrava-se do dia que o conheceu. Todo mundo a olhava torto porque seus pais eram servos daquele tirano, soldados de escalão médio na hierarquia do maldito reinado que as oprimia. Eles tentaram levá-la também, mas apesar de ser muito nova, exibiu uma força de caráter que em poucos se via: recusou-se a segui-los e fugiu. Preferiu viver como órfã e mendigar a trabalhar para aqueles assassinos. Foi discriminada, apesar disso. Todos sabiam de quem ela era filha. Lila e Mitsu foram os primeiros a lhe ceder a mão. Em especial Mitsu. Enquanto Lila se mantinha a certa distância, um tanto desconfiada, Mitsu sorriu e lhe disse uma frase da qual ela nunca se esqueceu. "Aposto que nenhum desses imbecis que te olha feio faria o que você fez! Você é uma de nós! Uma heroína!".

Ouviu passos esmagando as folhas no chão atrás de si. Sabia que era Arashi.

— Deixa eu adivinhar. — Disse, sem desviar os olhos do céu azul claro sobre o sol no horizonte. — Você veio me dizer que vai lutar contra o rei, não veio? Lila e eu já previmos. Sabemos que não podemos vencê-lo e que o Hirihito não nos deixaria enfrentá-lo.

Arashi parou de caminhar.

— Não conhecemos a verdadeira extensão do poder dele, não sabemos o tipo de habilidade que ele tem, então não está nos meus planos fazer tudo sozinho contra ele. — Relevou, buscando confortá-la. — Vou estudá-lo e pra isso contarei com todos vocês.

Aname abaixou a cabeça.

— Você não é nada como eu imaginava, "guerreiro glacial". — Falou, lembrando rapidamente dos contos que ouviu sobre ele. — "Frio como o gelo". Quando dei ao Hirihito a ideia de pedir a ajuda dos arianos, não sabia que era você quem eles mandariam, mas quando contaram isso... enfim. Está tudo bem. Obrigada por vir me contar. — Agradeceu, pôs-se de pé, virou-se e, de onde estava, o olhou. — E me desculpa pelas coisas que eu disse aquele dia na nave, não foi justo e também não era verdade.

— Não precisa se desculpar, eu entendo. — Redarguiu o ariano. — E sinto muito. De verdade. Queria ter chegado antes.

Uma lágrima escapuliu dos olhos da garota. Ela sorriu com o pensamento que lhe perpassou a mente.

— Ele foi o primeiro que viu... sinceridade em mim. Que me viu como eu sou. — Desabafou. — Ah, ele não iria com a sua cara. Provavelmente desafiaria você pra uma luta.

Os dois riram.

— Pelo que me disseram, ele me lembra muito alguém que eu conheci. Que também não ia com a minha cara. — Compartilhou, entre risadas. — Mas acabamos amigos. Ele faz muita falta lá no meu reino.

Um silêncio melancólico tomou a vez. Os dois sorriam orgulhosos passando na cabeça um filme com as memórias envolvendo aqueles de quem falavam. Foi ao ver um sinal vermelho no céu que despertaram.

— Bom, vamos indo? Hirihito não vai brigar com você por se atrasar, mas comigo com certeza vai. — Chamou-o Aname.

Ninguém sabia como os arianos fariam para pôr a baixo aquela poderosa máquina tirânica e tão terríveis inimigos, todavia, não duvidavam deles. Estavam preparados para se impressionar. Sabiam que veriam, ouviriam e testemunhariam feitos inéditos na história daquele mundo, que a Terra de Taurus seria palco de um evento lendário. Esperar feitos pequenos dos retalhadores da Terra que deu um sumiço em Kaira e Santsuki era algo que nem o tirano, se soubesse que eles estavam ali, faria. Havia mais do que a liberdade a caminho.

A história de Daichi não diferia muito da de seus amigos ou da de dezenas de outros jovens retalhadores que moravam em Sirius. Teve consigo seu irmão mais velho e seu pai, os únicos familiares que conheceu, por muito mais tempo do que Lila, Mitsu, Aname e Shiino, mas os viu morrer durante uma operação em prol da Resistência. Bom, não exatamente os viu morrer, estava dormindo quando tudo aconteceu e, a partir desse dia, formou inconscientemente em si a ideia de que adormecer o salvou dessa visão traumatizante. Por isso caía no sono nos momentos de maiores perigos. Nunca foi intencional.

Se nunca se explicou para ninguém, foi porque não conhecia esse fato sobre si mesmo, não por indiferença. Respeitava muito a liderança de Hirihito. Seu irmão o admirava. Apesar de ser humano, de não ter poderes como os de um retalhador, em matéria de coragem o fundador da Resistência superava muitos. Duvidou dele uma vez e seu pai lhe mostrou porque não deveria fazer isso. As pessoas precisavam de um homem comum a frente daquela ordem para verem que a força, muito embora fosse importante, não era apenas o que importava. Sua sagacidade e sua nobreza eram inspiradoras. 

Sentado atrás de uma mesa, Daichi pensava nisso tudo ouvindo-o falar. Fecharam-se em uma pequena sala que só tinha uma cadeira, que mais parecia-se com um consultório médico. Lá estavam também Shiino, Noriko, Naruhito e Toyotomi, escutando sobre a arena na qual atuariam e discutindo as armadilhas postas lá. Todos muito sérios.

— Contanto que eu conheça o lugar onde vamos lutar, a superioridade numérica deles não significa nada. — Noriko, com seu habitual jeito confiante, garantiu. — Mas nossos aliados vão ter que fazer o reconhecimento do local antes, para não caírem nas armadilhas. 

— Nisso eu posso ajudar. — Naruhito se pronunciou. — Nem precisaremos ir lá antes. 

— Excelente. Hoje mesmo comunicarei às nossas tropas. — Disse Hirihito. Ver Shiino e Daichi tão calados o fez pensar algo, então pediu aos arianos: — Me deixem a sós com os dois, por favor. Descansem, eu vou cuidar do resto por hoje. 

O trio consentiu e se foi, Shiino abriu a porta para eles, fechou-a e encostou nela. Uma quietude desconcertante dominou a salinha por vários segundos após. 

— Shiino. — Chamou pelo rapaz, que cruzou os braços e o olhou. — Daichi. Eu quero me desculpar por... por ter abandonado vocês aquele dia. Eu errei. Não se deixa um dos seus para morrer, ninguém aqui é uma ferramenta. Lutamos pelos nossos até não ter mais forças. 

Shiino sorriu. 

— Não esquenta, eu aprendi a mesma lição quando o Mitsu me resgatou. Até eu já tinha desistido de mim mesmo. — Contou. — Ele não salvou só a minha vida, me ensinou o jeito certo de olhar o mundo. É... eu só lamento não ter confessado isso pra ele.

— Que teria adorado ouvir, pode crer! — Falou Daichi, provocando gargalhadas. Risadas que mesclavam a dor da saudade e a da alegria de terem tido como amigo alguém tão especial, com muito mais dose de saudade. — Ele só não gostaria de ver essa nossa cara de enterro, nem mesmo por ele. 

— Está certo. — Shiino concordou, determinado. — Vamos em frente.

 O fracasso não era uma opção. A Resistência nunca esteve tão próxima da vitória, deviam-na a todos os retalhadores que um dia deram suas vidas pelo triunfo daquela organização. 


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