Confissão da meia-noite escrita por Mermaid Queen


Capítulo 1
Pecado original


Notas iniciais do capítulo

experimentando pela primeira vez uma história de romance sem elemento fantástico kkkkk espero que dê certo



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Meu nome é Raquel e eu pequei.

Perdoe-me padre? Perdoe-me pai? Como alguém faz isso?

E é só contar seus piores segredos para um estranho, rezar e você está livre? Acho que os padres deviam te mandar fazer uma boa ação em vez de rezar. Claro, rezar também, mas talvez plantar uma árvore, sabe? Ou doar dinheiro para uma ONG de animais. Eu mesma só ia te perdoar se você jurasse que viraria vegetariano.

Fiquei sabendo que as mulheres não podem ser padres. Longe de mim querer começar a criticar o patriarcalismo da igreja em pleno século 21, mas não tem como você achar justo. Já viu uma irmã ou uma monja fodona na ficção? É, eu imaginei que não. Mas todo mundo adora um padre casca grossa que sabe atirar, lutar e ainda combate o mal em nome de Deus.

Eu também adoro, não me leve a mal.

Não fui criada em família religiosa, longe disso. Comecei a pensar nessas coisas quando meu amigo Gabriel virou zelador de uma igreja enorme. E às vezes ele trabalhava de sábado à noite, por causa da missa do domingo de manhã, e eu ia junto porque realmente não tenho mais nada para fazer.

É pecado beber dentro da igreja? Nem se for vinho?

O Gabriel me falava várias coisas legais sobre a igreja. Curiosidades sobre os vitrais, as coisas que as pessoas escondiam embaixo dos bancos, quem eram as estátuas. E sobre como você podia ir e vir porque a igreja ficava aberta 24 horas.

A primeira vez que eu fui até lá, eu estava só de passagem. Saindo do trabalho, só isso. Mas eu olhei para a Abadia do Santo Redentor, e ela olhou para mim, e achei que só uma visitinha não ia fazer mal. A minha alma precisava mesmo de uma enxugadinha.

Fui direto para o confessionário, sentei lá e fiquei esperando.

— Oi? – perguntei, meio baixo

Não houve resposta.

— Eu pequei – falei de novo.

Ninguém respondeu.

Suspirei, cruzei os braços e encostei as costas na cadeira. Era uma cadeira legal aquela, pelo menos, já que o padre ia me fazer esperar.

Meu Deus, por que eu ficaria esperando pelo padre? Isso nem faz sentido. Nem tinha nada para confessar. Juntei minhas coisas e comecei a me levantar, quando ouvi um barulho do outro lado da grade.

— Perdoe-me, pai, pois eu pequei – disse uma voz trêmula de mulher.

Arregalei os olhos. Pensei em interrompê-la, mandar ela parar de falar, que eu não era pai de ninguém não, mas o diabinho no meu ombro me silenciou. Fiquei olhando através da grade de madeira, sem conseguir ver nada devido a uma camada de pano translúcido escuro.

Prendi a respiração quando a mulher suspirou e começou a falar.

— Sei que não costumo vir à noite, mas hoje não aguentei esperar até de manhã. Não suporto meus filhos, não suporto as crianças, não suporto mais fazer comida para elas, não suporto colocá-las para dormir, eu odeio. Sei que não devemos odiar, eu sei. Mas cada vez que eu olho para o Miguel, tenho vontade de gritar. E o João me faz querer bater nele. E eu realmente bati. O Marcos trabalha o dia todo, chega em casa à noite e vai assistir televisão, não ajuda em nada. Odeio meus filhos, padre.

Eu queria mesmo falar que não era padre coisa nenhuma, mas isso não ia ajudar a mulher. Eu conseguia ouvi-la chorando baixinho. Mas eu ia falar o quê? Mandar ela fazer terapia? Pedir o divórcio do Marcos?

Gente, que história cabeluda.

Não sabia o que dizer pra alguém que odiava os próprios filhos. Mas pelo menos ela admitia. Admitia para mim. Não tem como isso ser certo. Mas eu precisava dizer alguma coisa, coitada. Será que eu conseguia engrossar a voz?

Pigarreei.

— Fiel, você precisa rezar ave marias e pai nossos – comecei. Eu não sabia mesmo o que eu estava fazendo. Mas só isso? Só rezar? Ela ainda ia odiar os filhos. – E também conversar mais com o João e o Miguel, sem bater. Perguntar da escola, e… levar eles para passear. Só isso. Paz de Cristo.

Minha voz ficou aguda no final, porque eu perdi o controle do que eu estava falando. Soou mais como uma pergunta. Achei que ela ia me descobrir. Fiquei suando frio enquanto o silêncio se arrastava, e quase conseguia ouvir os grãos de poeira caindo do tecido escuro. Pelo amor de Deus, mulher, fala alguma coisa.

— Obrigada, padre – ela falou finalmente, soando tão confusa quanto eu. – Paz de Cristo. Quantas orações?

Que curiosa! Como eu vou saber?

— Quando a senhora achar que o senhor a perdoou, pode parar – murmurei. Parecia uma boa hora de parar. – Ele vai estar escutando.

A mulher soluçou e de repente ouvi a porta do lado se abrir.

Consegui ver a silhueta dela se afastando de onde eu estava, e indo se ajoelhar na frente da estátua enorme de Jesus crucificado para rezar. A igreja estava escura e eu queria mesmo sair correndo dali, mas tive que esperar até ela se levantar.

E ela não demorou tanto assim, viu? Ela achou o perdão bem rápido.

Quando ela desapareceu, eu abri a porta e saí andando pela igreja. Quando passei na frente do altar, senti os olhos daquele Jesus de 5 metros de altura me fuzilando.

— Não tem padre no confessionário depois das oito, moça – disse um homem, e eu quase gritei.

Fiquei olhando em volta, pela igreja escura e sinistra, procurando por ele, até que o encontrei entre as sombras.

— Ah, eu gosto de me confessar aqui mesmo sem padre – gaguejei e apontei para o Jesusão. – Acho que Ele me escuta melhor daqui.

O homem deu de ombros, sem ligar de verdade para o que eu estava falando, e voltou a esfregar o chão. Andei na direção da porta em passos rápidos, olhando para trás na direção da estátua uma única vez só para ver novamente aqueles olhos julgadores.

Eu sabia que era errado. Mas imagina só se aquela mulher chegasse lá e não encontrasse nenhum padre para ouvir a angústia dela? Ela mesma disse que não aguentou esperar até de manhã. E eu nem ia contar para ninguém, então era igualzinho um padre. Até mandei ela rezar depois, e ela se sentiu perdoada.

Não havia sido tão ruim assim.

E quando pisei na rua, percebi que queria voltar no dia seguinte. Eu havia entrado no mundo das drogas do bem, estava completamente obcecada com aquele pedacinho de vida que uma estranha tinha me presenteado. Eu me sentia a super heroína dos fiéis afligidos depois das oito.

Talvez o Jesusão não estivesse me julgando, talvez ele estivesse na verdade aprovando a minha boa ação. Quem sabe aquela mulher não passava a gostar dos filhos depois de ver o Miguel contando da nota dez em matemática, e o João dando uma risada angelical depois de descer o escorregador?

Eu podia ser a padre da meia-noite.

Ou eu podia arrumar uns amigos de verdade e arrumar o que fazer. Eu ainda ia descobrir.


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Notas finais do capítulo

!!!!



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