Zugzwang escrita por Fanfictioner


Capítulo 1
Black is in Zugzwang


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente queria dizer que não me preparei emocionalmente como gostaria para postar essa fic, o que acredito que foi melhor :)
Um pouco de história merece ser contada sobre de onde surgiu a ideia dessa Wolfstar, mas o que precisam saber é que ela foi escrita há um ano (quase exato), e não tinha qualquer intenção de vir a público. A história de Wolfstar aqui é um pouquinho minha, o que torna o angst bem pessoal e especial.

Espero que gostem, e descubram um pouco mais desse esporte lindo que é o xadrez. ❤



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zug • zwang

xadrez. desvantagem material ou posicional por movimento obrigatório.

Ex.: brancas usam zugzwang para forçar trocas e recuar negras.

 

Sirius Black conheceu Remus Lupin quase três anos antes de começar a se interessar por ele de outras formas.

Ele o conhecera em uma viagem. Dentro de um trem, para ser exato, e o Lupin não poderia ter soado mais igual a todos os garotos da sua idade do que qualquer outro. Havia uma empolgação pairando no ar sobre o objetivo da viagem, mas a reação do menino era trivial. Talvez ele simplesmente conseguisse controlar bem suas expectativas sobre ir a Hogwarts pela primeira vez.

Remus Lupin entrara na cabine que Sirius dividia com o recém conhecido James Potter já depois de algum tempo de viagem, e demorou para participar da conversa, ficando a maior parte do tempo calado e com um olhar de quem estava perdido na própria consciência.

“Você joga xadrez, Sirius?” perguntara James em algum momento, despertando a atenção de Remus.

“Vocês gostam de xadrez?” havia alguma expectativa no olhar dele, Sirius notou.

“Sei jogar, mas não sou tão fã... é bom para passar o tempo.”

“Suponho que sim. Você joga?” e Sirius dissera que sim, embora assumindo ser um fiasco, o que pôde ser comprovado quando Remus tirou um tabuleiro de viagem de dentro da mochila e o convidou para jogar durante o trajeto.

Sirius perdera de lavada, mas também porque James ficava opinando o tempo todo e era difícil se concentrar assim.

“A próxima você ganha, certeza.” disse Remus com um sorriso amigável, guardando as peças e ficando quieto o resto do caminho.

Ao contrário de James, que era falante e tinha riso fácil, Remus era introspectivo, embora muito amigável e de fala mansa. Sirius achava que ele o lembrava um adulto enfiado no corpo de uma criança, e isso o dava vontade de rir, mas, no geral, o menino parecia alguém razoavelmente aceitável para se aproximar, virar amigo.

Essa fora a palavra que usara na carta que escreveu aos pais no dia seguinte, depois de ter sido selecionado para a Grifinória. “Acho que fiz dois amigos no trem. Potter e Lupin. Eles parecem legais e são da Grifinória também.”, mencionara, mesmo sabendo que os pais ficariam ainda mais incomodados ao saberem que, não só ele havia quebrado a tradição familiar de ser da sonserina, como já estava enturmado com os colegas de Casa.

Isso era um problema para outra hora.

Pelos três anos que se passaram, Sirius Black e James Potter viraram inseparáveis, como duas metades da mesma pessoa, humor muito parecido e aquela arrogância sutil de quem era inteligente e hábil sem muito esforço. O Lupin era uma pessoa que existia e, de certa maneira, orbitava os dois, assim como Peter Pettigrew, que eles conheceram ainda na primeira semana de aula e acabaram “adotando”.

Remus era calmo, até demais, e não costumava opinar muito sobre as brincadeiras e pegadinhas que James e Sirius gostavam de fazer com os outros alunos, porém estava sempre ali, junto. Ele era alguém previsível, na concepção de Sirius. O Lupin, metodicamente, mantinha os deveres em dia e não se incomodava em emprestá-los para serem copiados, gostava de assistir aos jogos de quadribol e estava sempre com a cara enfiada em algum livro, dando sorrisos e risadas interativas nas conversas sempre que necessário ou requisitado.

Ah, e claro. Ele sempre estava disposto a uma partida de xadrez.

E era sempre óbvio o resultado, Remus ganharia quase todas as vezes. Exceto, talvez, contra Fabian Prewett, que era quatro anos mais velho e exímio jogador, quando havia empates e ocasionais derrotas.

A única coisa que fazia Remus parecer mais interessante aos olhos de Sirius eram aqueles sumiços.

Religiosamente, durante uma semana do mês, Remus ficava doente. No começo, James e Sirius acreditaram ser apenas a baixa imunidade do menino, porque, por Merlin, Remus era muito pálido. Havia todas aquelas cicatrizes espalhadas nos braços e pelo rosto e pescoço de Remus, mas, toda vez que o assunto surgia, logo era desviado.

“Foi um acidente quando criança. Não gosto muito de falar sobre, já disse.” repetiria ele incontáveis vezes naqueles anos.

No entanto, quando chegaram ao terceiro ano em Hogwarts, ficou mais que óbvio para James e Sirius (e para Peter também, mas ele era meio lento e precisara que os dois falassem primeiro para se tocar disso) que Remus escondia coisas. Pessoas tão metódicas quando ele criavam padrões de comportamento e, bem, os padrões de Remus eram muito associados à lua cheia.

Não levou uma semana depois da aula sobre lobisomens, depois do recesso de Natal, para que os três se reunissem no dormitório da Grifinória, à espera de Remus, para uma conversa.

“Nós sabemos.” dissera Sirius assim que Remus entrara, vindo da biblioteca, olhando os amigos com uma expressão confusa.

“Sabem? Sabem do quê?”

“Do seu... probleminha peludo” explicara James, fazendo Sirius rir do trocadilho.

Remus não achara a menor graça e, na verdade, ficara muito consternado. Ele até chorara, pedira desculpas e jurara que não tinha tido a intenção de mentir para os amigos. Não era necessário explicações, porque estavam mais do que óbvios os motivos de Remus para proteger seu segredo. Agora, segredo de todos os quatro.

Depois daquilo, a amizade de James, Sirius, Peter e Remus atingira outro patamar, porque há coisas que você não pode passar junto com outras pessoas sem criar laços muito profundos de amizade e, confessar sua licantropia, certamente, era uma dessas coisas. Não tinha mudado nada entre os quatro, exceto que Remus ganhara o apelido de Aluado, e ninguém além deles entendia a grande graça em todas aquelas piadas sobre a lua e o suposto coelho de estimação malcomportado do Lupin.

Foi nessa época que os sentimentos de Sirius por Remus começaram a mudar.

Vieram, a princípio, como uma curiosidade excessiva, Remus parecia uma experiência de laboratório a ser observada, e havia uma série de perguntas esdrúxulas e até desnecessárias, que Sirius tinha a necessidade de fazer a Remus diariamente. A licantropia era uma condição de saúde interessantíssima, e Sirius queria conhecê-la a fundo.

Então a curiosidade deu lugar à preocupação. Até o momento, Sirius nunca se considerara uma pessoa muito empática. Talvez porque sua família fosse completamente fria e avessa à muitas demonstrações de cuidado e afeto, ou porque, simplesmente, ele sempre estivera muito ocupado com James, matando aulas e fazendo pegadinhas. O fato era que essa preocupação com o outro nunca fora muito uma coisa para Sirius.

Até que veio o primeiro verão após a descoberta da licantropia, e tudo que Sirius conseguia pensar, durante as semanas de lua cheia, era sobre como estaria Remus sem a segurança da Casa dos Gritos para abrigá-lo nas transformações. Naqueles dias, Remus ficava incomunicável, e era justamente a época em que Sirius mais tinha vontade de escrever para ele, saber notícias dele, saber se estava tudo minimamente bem.

Foi por isso que, assim que as aulas recomeçaram, Sirius empenhou-se, e puxou os amigos nessa com ele, em entender tudo que podia sobre a licantropia. Passava horas e horas de seu tempo livre procurando livros sobre o assunto na biblioteca de Hogwarts, enfiando-se na sessão reservada com James, ocultos sobre a capa da invisibilidade do Potter durante a madrugada.

“Animagia” dissera James de súbito, com os olhos brilhando, em uma das noites de final de semana em que ficavam lendo e lendo por horas a fio.

“Como é?”

“Animagia. Lobisomens não atacam animais, apenas humanos. Com animagia, poderíamos ficar com você durante a lua cheia, Moony!”

“Você está ficando completamente desajustado das ideias, James. Animagia é, tipo... uma das transfigurações mais difíceis que existem! Tem bruxos formados que não conseguem!” resmungara Remus, tentando dissuadi-los da maluquice em que pensavam.

“Para sua sorte, eu adoro um desafio, Moony.” retrucara ele. “A gente tem que ir na sessão reservada, Sirius. Pesquisar sobre animagos.”

A ideia era excitante e perturbadora na mesma medida e, quanto mais estudavam sobre, mais complexo tudo parecia. O processo todo envolvia sete etapas, uma mais perigosa e esquisita do que a outra, além de exigir uma disciplina mental que parecia quase inatingível.

Sirius percebera, enquanto se submetia a tantos estudos e esforços para se tornar um animago (ilegal, diga-se de passagem), que estaria disposto a fazer o que fosse preciso para que Remus tivesse uma vida mais fácil com toda sua condição de saúde. Estaria disposto a coisas realmente complexas para que Remus não estivesse sozinho.

Essa foi outra gradativa mudança de sentimento em relação a ele.

Levou outro ano e meio inteiro de estudos e dedicação, de folhas de mandrágora na boca por um mês, e empenhos ferrenhos em recomeçar tudo do zero quando algo falhava, até que, três meses antes dos NOMs, Sirius conseguisse se transfigurar em um cachorro pela primeira vez. James e Peter também tinham tido sucesso e, finalmente, os três poderiam acompanhar Remus em uma noite de lua cheia.

A primeira vez em que viu a transformação de Remus em lobisomem foi algo bizarro e excruciante. Diferente deles, animagos, Remus perdia completamente a consciência e sofria dores extenuantes, tanto físicas quanto emocionais. Era nítido no olhar dele o desespero e a angústia de, outra vez, estar passando pela mesma dolorosa trajetória. O pedido, mudo e suplicante, de que aquilo acabasse era como torcer o coração de James, Sirius e Peter na mão. Era injusto alguém tão novo, tão igual a eles, passar por uma dor tão absurda.

“Xadrez?” perguntaria Sirius, tímido pela primeira vez, quando reencontrara Remus após a semana de lua cheia.

O rosto do Lupin, pálido e cheio de novas cicatrizes, parecera ganhar algum brilho sadio ao receber o convite. O tabuleiro estendido sobre a mesa numa forma silenciosa de oferecer companhia e mostrar que nada mudara, mesmo depois de Sirius enxergar a maior crise de Remus diante de seus olhos.

O Lupin rira e jogara uma partida, obviamente ganhando, mas Sirius nem mesmo ligava mais para o fato de Remus ser inevitavelmente superior naquilo. Tornara-se uma espécie de código entre eles. Quando as coisas apertavam e, apesar da angústia ou do sofrimento, eles não conseguiam conversar, alguém conjuraria um tabuleiro de xadrez e eles jogariam por horas a fio, ignorando o que quer que houvesse além daquilo.

“Você conhece esse tema?” Lupin arrumou algumas poucas peças no tabuleiro, em uma espécie de exercício.

“Tema?”

“Tema tático. É assim que os jogadores treinam. Ataque duplo, ou garfo.” Ele demonstrou, usando um peão para ameaçar duas peças distintas ao mesmo tempo. “Ataque descoberto.” Ilustrou novamente, ao tirar uma peça do caminho da outra e, assim, deixando o rei adversário em xeque indiretamente.

“Que legal! Onde aprendeu isso?”

“Um livro que peguei na biblioteca.” Mostrou a Sirius o volume que pegara emprestado, cuja capa era preta e simples. James se juntou a eles pouco depois, e o tema tático que iniciara a conversa não foi introduzido a Sirius, com seu mínimo conhecimento enxadrístico.

Sirius Black era um flertador nato. Fosse pelo sorriso cativante, fosse o ar de superioridade rebelde e atraente, fosse mesmo pelo cabelo que ele deixava crescer, a questão era que Sirius era inquestionavelmente admirado.

Entrar no time de quadribol contribuíra consideravelmente na popularidade dele e de James, que com rapidez tinham se tornado grandes heróis de quadribol da grifinória, e os louros nunca se resumiam à taça de vitória do campeonato ou ao deleite de ser exaltado pelos colegas de casa.

Esses louros também vinham em forma de garotas interessadas neles, em convites para sair e em piscadinhas e bilhetinhos provocativos quando passavam pelos corredores. Sirius não sabia que precisava daquilo até ter e, como qualquer adolescente com hormônios explodindo, ele adorava aquilo.

Adorava quase tanto quanto James, embora com James tivesse muito mais a ver com a necessidade de ser querido do que, necessariamente, a onipresença de pretendentes múltiplas. Principalmente porque fazia um tempo que ele estava interessado em Lily Evans e, embora ela não desse a mínima impressão de corresponder o sentimento, ele continuava sempre empenhado em ganhar a atenção dela.

O que Sirius de fato adorava era ser venerado, ser desejado, e dar uns amassos no armário de vassouras. Remus sempre fazia comentários ácidos sobre como ele acabaria desenvolvendo alguma doença sexualmente transmissível, e levou algum tempo até que Sirius entendesse que se incomodava em ouvir aquilo porque a opinião de Remus lhe era muito cara.

Era curioso.

Remus continuara invariavelmente quieto e introspectivo com o passar dos anos, embora Sirius acreditasse que, pela convivência com ele e James, o Lupin tivesse adquirido algum gosto pelas interações sociais. Ele conversava mais, e arranjara algumas namoradas temporárias, afinal ainda era um adolescente como qualquer outro, porém a essência de introvertido permanecia ali, e isso inquietava alguma coisa dentro de Sirius.

Pouco a pouco Sirius observava em si alguns interesses peculiares sobre Remus Lupin. Ele desejava arrumar o cabelo cor de areia de Remus quando este cobria o olho do garoto enquanto estudava, e se pegava constantemente desejando saber a opinião de Remus sobre qualquer assunto que estivesse em pauta. Desejava, inconscientemente, a aprovação de Remus e, no meio do sexto ano, percebeu que desejava os lábios de Remus também.

Exatamente cinco anos após conhecer Remus, Sirius percebia que estava apaixonado por ele sem nunca sequer ter trocado um beijo.

Essa demanda foi resolvida cerca de dois meses depois que as aulas do sexto ano recomeçaram, precisamente no aniversário de dezessete anos de Sirius, numa confraternização regada a uísque de fogo e música trouxa tocada em um radinho de pilhas, que alguém conseguira comprar em Hogsmeade.

Começara com uma conversa no fim da festa, com o álcool atuando no sangue e o sono vindo, embalado pela madrugada fria do outono virando inverno. Uma conversa trivial, sobre tudo que já tinham falado bilhões de vezes, com a diferença de uma palpável tensão no ar. Sirius olhava dos olhos para a boca de Remus, tentando concentrar-se nas palavras que o amigo engrolava, com a língua pesada pelo efeito da bebida.

“Moony?” interrompera Sirius. “O que você acha de garotos que beijam garotos?”

Sirius nunca fora um exemplo de sutileza, nem mesmo tivera, algum dia, qualquer ponderação de etiqueta sobre o que podia ou não ser dito em determinado momento. Sirius era meio incontrolável, inconsequente, e falava o que lhe desse na telha, e não seria sob efeito do álcool que isso teria sido abrandado.

“Acho legal. Maneiro.” Remus não parecia ali, mas, ao mesmo tempo, não parecia inconsciente do que dizia. “Quer dizer, é legal beijar quem você quer. Não acho que faz diferença se é garoto ou garota. Eu só beijei garotas, não sei como seria beijar garotos.”

“Moony.”

“O quê?”

“Posso beijar você?”

Remus o encarara por alguns segundos, e não precisara responder, porque sua boca logo grudou-se na de Sirius. Era sutil, e havia uma queimação esquisita no estômago dos dois. Uma ânsia paradoxal à timidez em que seus lábios se encostavam, provando-se com delicadeza.

Sirius não podia imaginar que, como ele, Remus pensava há tempos em qual seria a textura da boca do outro, que gosto teria. Como qualquer primeiro beijo (porque aquele era o primeiro beijo que qualquer um dos dois dava em outro garoto), fora estranho. A boca de Remus, a princípio, parecera grande demais, e Sirius babara além da conta. Não podia ser ruim assim algo que tinham desejado por tanto tempo, podia?

“Molhado.” Gemera Sirius em desaprovação quando se separaram, e Remus gargalhara, constrangido.

“Talvez precise de prática.”

E precisava.

Prática levava à perfeição, e Sirius e Remus consideraram esse fator muito a sério, tendo se enroscado em inúmeros outros beijos noite adentro. Com a repetição, ficara fácil suas bocas se encaixarem, seus lábios se provarem e suas línguas dançarem da maneira certa. A priori, tudo era tímido e levemente constrangedor, como se soasse errado o encontro dos lábios.

Havia uma certa fome à medida que se familiarizavam com a sensação de se beijarem, e a introspecção de Remus gritava o nervosismo dele em achar uma sala para ficar a sós com Sirius e beijá-lo durante algum tempo.

James obviamente percebera, nos dias que se seguiram, porque havia uma tensão sexual onipresente no ar, e Sirius, vez ou outra, encarava Remus demoradamente, com um brilho de desejo no fundo dos olhos escuros. James era quase irmão de Sirius, notava tudo fácil demais, rápido demais, mas então tivera o bom senso de não tecer qualquer comentário sobre.

Ao contrário, James limitava-se a sorrisinhos maldosos e compreensivos quando Remus e Sirius passaram a inventar, noite sim, noite não, pegadinhas para serem feitas pelo castelo, sumindo por algum tempo com a capa da invisibilidade e o Mapa do Maroto, ferramenta recém-desenvolvida, fruto das inúmeras aventuras pelos arredores do castelo quando transfigurados durante a lua cheia.

Sirius achava graça de como Remus podia ser tão cabalmente seu oposto e como, mesmo assim, eles pareciam se encaixar tão bem. Todos achavam isso. Que o Lupin parecia o pedaço de sanidade e responsabilidade que faltava em Black, ainda que o Potter fosse a outra metade do rapaz que devia ter sido da Sonserina. Até Dumbledore tinha achado que o Lupin, sendo monitor, teria dado um jeito no irreparável comportamento de Sirius.

Mas a verdade era que tudo no começo daquele relacionamento já prenunciava o fim, e Remus sentia a periculosidade gritante do que estava acontecendo. Tudo sobre Sirius Black alertava, em letras garrafais, que um envolvimento romântico não seria ideal, recomendado ou mesmo saudável, e Remus queria ser mais resistente, queria gostar menos de Sirius, queria admirá-lo menos, desejá-lo menos. Entretanto, não era simples assim.

As coisas eram muito mais explosivas. Eram inevitáveis.

O tempo e os beijos passavam e um se afogava cada vez mais no outro. Esse deveria ter sido o sinal de alerta da ruína que viria meses mais tarde. Ninguém devia sufocar-se de amor por outro, e a ideia de um sentimento tão irrefreável devia assustá-los, não os fazer cavar cada vez mais fundo um no outro.

“Zugzwang.”

“O quê?” perguntou Sirius, que partilhava outra madrugada acordado com Remus, desfrutando do silêncio atraente que era estar com Moony na sala comunal, sozinhos.

Como se o mundo fosse só deles.

“O tema.” Ele apontou para a posição no tabuleiro em que jogavam. “O tema tático que eu falei, está aqui. Suas peças estão espalhas, seu rei está preso nesse corredor.”

Remus indicou o corredor pós-roque em que o Rei de Sirius estava, preso pela torre e uma barreira de peões.

“E se eu fizer esse lance” mexeu um cavalo, ameaçando uma peça. “Então você é obrigad-“

“A tirar o bispo, sim.” Fez conforme Remus sugerira, parecendo óbvio.

“Percebe a sequência de lances que ganhei? Em G, depois em E, depois lá na sexta casa? São inevitáveis, esses lances. Mate em quatro, forçado. Você não tem como defender.”

Remus deixou alguns segundos para que Sirius pensasse e lesse o tabuleiro. Ele não parecia entender bem, mas estava genuinamente impressionado.

“Zugzwang. Movimento compulsório, em alemão. Não tem nada que você possa fazer para evitar.”

“Devia ter um negócio desses para o quadribol. É brilhante!”

“Que horror!” riu, juntando as peças. “É tão inevitável, infalível... eu teria medo se fosse algo além de um tema de xadrez.”

Entretanto, era mais do que um mero tático de xadrez.

Por um tempo, Sirius fora a vivacidade e o ânimo que faltava a Remus, enquanto este fora a calmaria e a racionalidade de que Sirius carecia. Era como se fossem encaixes exatos de duas peças de quebra-cabeça, combinação necessária. A sensação de seus corpos juntos era deleitosa, e Sirius inebriava-se com a intensidade com que a língua de Remus passeava por sua boca durante os amassos que trocavam, nas noites em que adormeciam juntos na Sala Precisa, enroscados um no calor do outro. Riam, estudavam, divertiam-se, e tudo parecia bom demais, como se não houvesse coisa melhor ou mais certa no mundo.

Houve momentos em, levado pela felicidade que sentiam na companhia um do outro, que Sirius tivera certeza de que podia apagar a depressão auto piedosa de Remus. Momentos em que o Lupin jurara ser capaz de conter a ansiedade explosiva de Sirius. Como se houvesse cura para a saúde mental, e como se ela estivesse dentro deles para ser ofertada ao outro.

Ledo engano, descobririam.

O que acontecia era justamente o oposto. Com o tempo, Sirius inspirava em Remus uma necessidade de explodir, uma impaciência que, pouco a pouco, mutava-o mais, e toda a intensidade adolescente dele deixavam Remus em um vórtice ansioso constante. Repulsivo.

Em contrapartida, Sirius tornava-se pragmático e autopunitivo; o mundo explodia em guerra fora de Hogwarts, e era como se diariamente Sirius precisasse se recordar de não afundar na depressão e autopiedade que recebia ao se envolver com Remus, realista a ponto de ser quase pessimista. Sufocante.

Era uma bizarra ajuda ao contrário.

Havia cuidado e cautela, havia preocupação e interesse em ajudar, mas cada um tinha experiências pessoais demais para deixar de lado e voltar a ser uma tela em branco, pintável em conjunto. Não.

Sirius era uma pintura expressionista caótica, explosiva e multi-interpretável, com tons variados de cores quentes, e pinceladas agressivas. Cada traço, um reflexo da vida doentia que vivera desde pequeno. Os valores em que não se adequava, as expectativas a que não atendia, o amor que não conhecera, a família de sangue que tivera e a qual nunca pertenceu. Sirius queria se desprender, queria ir além. Queria ser amado, lembrado, visto como herói. Sirius era orgulhoso, vaidoso, ambicioso e, por isso, não podia conceber a ideia de que não se encaixava em uma relação com Remus.

Já o Lupin era uma aquarela abstracionista indecifrável, misturada e pálida, com tons aquosos que lembravam um hematoma em cicatrização eterna, e pinceladas sutis e diluídas. Cada traço, um reflexo da vida doentia que vivera desde pequeno. A vida lupina imposta, o preconceito insuperável que vivia, os remorsos que sentia por nunca ser o suficiente. Remus queria viver sem medo, queria ter uma chance. Queria ser bem-sucedido, deixar um legado de ajuda. Remus era teimoso, temeroso, duvidoso de si e, por isso, não conseguia conceber a ideia de que não funcionaria numa relação com Sirius.

Mas não funcionariam, não se encaixavam. Era doloroso admitir, Sirius e Remus podiam se amar o quanto quisessem, porém jamais funcionariam como um casal.

Eram como duas peças, que podiam ser forçadas uma contra a outra, machucando-se, mas nunca encaixariam plenamente. Sirius tinha uma natureza eufórica e agitada, e jamais poderia atender às expectativas de calmaria que Remus almejava com a compreensão. Ao mesmo tempo, Remus não podia dobrar a si mesmo em ânsia e ostensividade para acompanhar Sirius em sua ambição de mudar o mundo.

Nenhum deles tinha culpa, simplesmente não podiam cortar partes de si para moldarem-se às necessidades do outro.

Era dilacerante tentarem serem quem não eram, por mais que desejassem conquistar plenitude e equilíbrio juntos, por mais que esperassem resolver os problemas um do outro. Quando se amavam, deixavam de amar a si mesmos. Uma lógica reversa: gastavam mais de si mesmos para terem e serem cada vez menos.

E amar devia ser justamente o oposto disso.

Amar devia ser calmo e coerente, e não parecer que estavam prestes a pular de um precipício. Todos os dias.

As expectativas eram insuperáveis, as cobranças eram inevitáveis. Não havia como se sustentarem em meio a tantas crises.

“Talvez eu funcione melhor sozinho, Pads.” dissera Remus em uma oportunidade, com a cabeça deitada no colo de Sirius, após o exame final de feitiços, na penúltima semana de aula. “Tenho me perguntado sobre se isso ainda está dando certo.”

Não estava. Era a verdade nua, crua e escancarada.

Não estava funcionando, e não funcionaria daquele jeito. Sirius e Remus simplesmente não tinham sido feitos para darem certo, era inevitável. Os beijos e amassos eram fenomenais, e os dois realmente amavam-se, mas a inexorável verdade era que, por detrás de todos os esforços que empreendiam em juntarem os pedaços de seus afetos, abandonavam os pedaços de si mesmos.

Sirius não podia curar as cicatrizes de Remus, ou seus pensamentos deprimidos e quase suicidas, recheados de autodesprezo e comiseração. Não podia impedir que Remus se transfigurasse em um monstro toda a lua cheia, nem conter o preconceito sobre pessoas com a condição dele, entranhado no âmago da sociedade bruxa. Sirius não podia fazer essas coisas porque estavam além de suas capacidades e, também, porque precisava lidar com as suas próprias questões.

Remus, a seu turno, não podia preencher as mágoas e as feridas que a família eugenista de Sirius tinha provocado durante tantos anos de abuso psicológico. Não podia conter os questionamentos sobre ser ou não uma boa pessoa que assolavam o coração de Sirius, tampouco podia diminuir a vontade latente dele de praticar justiça com as próprias mãos sobre quem atacava nascidos trouxas. Remus não podia fazer nada dessas coisas porque estavam além de seu alcance, e porque já tinha questões pessoais demais.

Queriam mais tempo, queriam mais chances, mais tentativas e menos feridas. Queriam ser mais velhos, mais otimistas, queriam que o momento não fosse volátil.

Sirius Black queria que fosse possível resolver tudo com um feitiço. Queria que a relação dele com Remus não fosse tão destrutiva e fadada a explodir. Estarem juntos estava virando acionar uma bomba relógio de problemas não resolvidos, e todos os dias um deles tinha de se preocupar com quão próxima ela estava de estourar, prestes a arremessar sobre eles um arsenal de culpas e mágoas, cobranças e exigências, que não poderiam ser cumpridas.

Estavam ao léu, no limite, temendo desarmar o explosivo em inevitável contagem regressiva.

Seria admitir que não funcionavam mais, que talvez nunca tivessem funcionado, e que amor e atração não tinham sido suficientes. Não eram suficientes, e aquilo doía. Nenhum dos dois queria assumir a culpa pelo caminho errado que tinham tomado, ou a responsabilidade de voltar atrás.

Mas, ambos sabiam que era o necessário e o único jeito de saírem inteiros. Machucados, mas inteiros.

“Precisamos conversar, Moony.” chamara Sirius após a entrega da taças das casas à Grifinória, enquanto terminavam de arrumar os malões para irem embora em duas horas. “Temos que decidir o que vamos fazer.”

“Eu tenho medo de me machucar, mas tenho mais medo de ferir você, Sirius.” dissera Remus, em um tom baixo. “Mas quanto mais eu penso sobre, mais me vejo inclinado a acabar com isso.”

“Então faça.”

“Não é fácil assim. Tem muitas coisas para pensar sobre, Sirius. E eu não quero machucar você.”

“Já está machucando. A nós dois. E já está machucando há um tempo.” confessara Sirius, cansado, trocando o uniforme por uma roupa qualquer e mais fresca. O dia estava quente, sufocante.

Tudo estava sufocante.

“Você também quer isso, não quer?”

“Eu queria que tivesse outro jeito, Remus. Que pudéssemos continuar. Mas não desse jeito, não se você se vê sozinho.”

“O quer então?” perguntara Remus em seguida.

“Que você me diga. Que diga aquilo que já decidiu e só tem medo de falar. Que quer terminar comigo.”

Mas Remus não dissera nada por algum tempo, absorto em colocar seus últimos livros dentro do malão, evitando olhar para Sirius.

“Não quero perdê-lo.”

Os olhos de Sirius estavam com um brilho úmido, porém Remus desconfiava de que ele fosse chorar. Sirius era sempre muito reservado sobre seus sentimentos, ele não era do tipo que chorava.

“Não vai perder, idiota. Vou continuar enchendo você todo dia.”

Remus rira sem qualquer humor.

“Sirius.”

“Uhm?”

“Eu realmente amei você. Amo.”

“Eu também, Moony. Mas eu preciso de espaço, agora.”

Eles teriam se abraçado, mas James e Frank tinham entrado no dormitório fazendo barulho demais, e o momento afetivo restrito tinha acabado.

Durante o decorrer das férias, Sirius percebera que a falta de Aluado doía como uma ferida aberta. Sentia falta dos beijos, dos afetos, dos amassos, é claro, mas sentia mais falta das trivialidades. Sirius percebeu que se acostumara à onipresença de Remus, às risadas dele depois de piadas ruins, às conversas noturnas durante a madrugada depois que um dos dois perdesse o sono.

Sirius sentia falta de contar fofocas maldosas sobre Snape, e de azarar alunos zombeteiros sob o olhar de repreensão de Remus, ocultando uma revirada impaciente de olhos. Sirius sentia falta do amigo muito mais do que sentia do amante, embora a dor do término ainda estivesse ali, como um hematoma esverdeado, do tipo que machuca quando tocado.

Naquele verão, ficou óbvio tanto para Sirius quanto para Remus, que jamais teria havido outra opção. Ao enxergarem de fora ficara nítido: o término seria inevitável, e vinha em direção a eles como um trem desgovernado em alta velocidade. A única solução era separarem-se.

Amavam-se e desejavam-se, intensamente, mas, naquele mundo, naquela realidade, com as vivências que tinham e o momento que passavam, insistirem em seu relacionamento seria como tentar mirar, a esmo, um tiro no escuro. A chance de machucar era muito maior do que a de acertar.

Persistir teria levado a um desgaste maior, provavelmente irreparável, que culminaria no rompimento absoluto da amizade que tinham. Essa dor, sim, teria sido excruciante e terrível. Não ter Remus como amante doía, mas não chegava a um terço da dor que seria não o ter como amigo, Sirius concluiria.

“Pads? Xadrez?” perguntaria Remus dentro do trem de volta a Hogwarts, em primeiro de setembro, depois de comparecer à reunião de monitores e surgir na cabine que Sirius dividia com Peter, à espera do retorno de James.

Havia uma tensão palpável, Sirius não sabia como tratar o amigo, como olhá-lo ou o que dizer. Parecia estranho voltarem a se falar depois de tanto tempo distantes, e seu coração estava acelerado diante do fato de que Remus estava ali, interagindo com ele.

Peter oportunamente saiu para ir ao banheiro quando Remus adentrou a cabine, começando a montar o tabuleiro, ainda que Sirius não tivesse emitido qualquer resposta.

“Eu senti sua falta.” comentou ele, apertando a mão de Sirius para dar início ao jogo. “Pode jogar de claras.”

“E4.” o peão do rei avançou e Sirius encarou Remus. Havia o mesmo sorriso tímido e amigável que conhecera na mesma viagem de trem, seis anos atrás. “Eu também senti a sua, Moony”

A expressão tranquila no rosto de Remus ao fazer seu lance deixava claro: eram um Zugzwang.

Um movimento forçado, inevitável e inquestionável, que precisava acontecer. Precisavam não ficarem juntos. Sirius amava Remus o suficiente para querer unicamente que ele estivesse bem e feliz, e a recíproca valia. Nunca dariam certo de outra forma, não cabiam um no outro e nem deviam diminuírem-se para caber.

A última viagem a Hogwarts aconteceu entre amigos. Inevitavelmente teria que bastar.


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Notas finais do capítulo

Eu tentei mirar na Thaís, mas não acho que tenha chegado nem perto... hahahaha. Alguns finais são inevitáveis, e está tudo bem :)
Vejo vocês nos comentários? ❤❤❤



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