Isso não é Romeu e Julieta escrita por Lady Black Swan


Capítulo 8
Não temos porco no cardápio!


Notas iniciais do capítulo

Talvez eu devesse tentar divulgar um pouco mais a história...



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Os freios da bicicleta de Julieta finalmente haviam sido concertados e ela podia, em fim, ir pedalando por si mesma para a escola.

—Para mim não era problema algum te levar para a escola. — Romeu reclamou quando Julieta lhe apresentou a novidade.

—Ora Romeu, você devia estar me parabenizando. — Julieta torceu o nariz.

—Sim… é só que… — Romeu olhou ao longo da ladeira — Podemos ao menos só subir nas bicicletas depois que terminarmos de descer a ladeira?

—Por quê? — Julieta perguntou já subindo na própria bicicleta — Quando você me levava no varal da sua bicicleta, sempre íamos desde a porta de casa.

—Sim, mas eu não sou um completo lunático sobre duas…

—Por que está de moletom? — ela o interrompeu de repente — Ontem a noite mesmo você estava reclamando do calor e hoje está ainda mais quente que ontem!

Romeu corou um pouco, ou seria apenas a quentura daquele início de manhã?

—Minha mãe esqueceu-se de lavar meu uniforme. — confessou subindo ainda mais o zíper do moletom e descendo de uma vez a ladeira.

Julieta gargalhou e seguiu-o logo depois.

Talvez ela devesse começar a fazer Romeu praticar mais exercícios físicos, assim como fazia com Astolfinho, afinal quantos quarteirões ele conseguia pedalar antes de começar a ficar ofegante? Antes ela até podia dar um desconto, já que ele estava levando o peso dela junto, mas hoje… ah tá.

—Romeu você deve estar queimando aí nesse moletom. — comentou apoiando os antebraços no guidom enquanto pedalava ao lado do amigo — Nós temos praticamente o mesmo tamanho, por que não trocamos? O seu moletom pela minha camisa.

—Por quê?

Julieta apoiou o rosto sobre a mão.

—Você deve estar queimando aí dentro.

Romeu virou a esquina que daria na escola.

—E se trocarmos você é quem vai ficar queimando.

—Mas você é bem mais calorento do que…

—Eu avisei ao Aaron para estar às 13h na sua casa, tudo bem? — ele mudou de assunto.

Julieta freou tão bruscamente que a força da inércia quase a atirou para frente, mesmo que eles nem estivessem pedalando tão rápido assim.

—O que?!

Alguns metros mais adiante, Romeu também freou e olhou-a por cima do ombro.

—Ontem à noite você disse que ia chamá-lo para almoçar no sábado, lembra? Na sua casa.

Julieta olhou-o boquiaberta.

—Eu nunca disse…! Espera, quando foi que você falou com ele?!

—Hã… ontem à noite?

—Como?!

—Somos amigos de guilda.

Que língua era essa?!

—Amigos de que?!

—E eu tenho o whatsapp dele.

—Desde quando?!

Romeu ergueu a cabeça.

—O sinal da escola, é melhor irmos logo. — mudou de assunto escapando dali o mais rápido que podia.

Aquele pequeno traidor de olhinhos castanhos e covinhas nas bochechas!

O humor de Julieta era com certeza muito volúvel, pois logo cedo pela manhã ela estava bastante feliz com o concerto de sua bicicleta, mas agora por alguma razão estava com certeza irritada, ela era esquentada então sempre se irritava por quase qualquer coisa e nem sempre Romeu conseguia dizer o porquê, mas dessa vez alguma coisa lhe dizia que ela estava brava com ele. 

E não ajudava em nada que Margô também tivesse acordado de mau humor naquele dia e seu estado de ânimo estivesse servindo como gasolina para o humor de Julys.

—“Ou você tem sardas ou é bonita” dá pra acreditar numa asneira dessas?! — Margô estava reclamando.

—Algumas pessoas não muito sem noção mesmo! — Julys girou os olhos, e então lhe lançou um olhar de relance quando ele sentou-se ao lado das duas, de qualquer jeito Romeu sabia que ela não ficaria brava com ele por muito mais tempo, Julys suspirou e virou-se novamente — Margô, o que você vai fazer no sábado?

—Hidratação no cabelo. — ela deu de ombros, mesmo que quase não houvesse restado cabelo algum para ser hidratado… — Por quê?

De novo Julys o olhou pelo canto dos olhos, antes de voltar sua atenção mais uma vez para Margô e responder:

—Eu já marquei o almoço com o seu Adônis para esse sábad…

Margô nem a deixou terminar de falar:

—Garota. Não. Brinca. Comigo! — ela agarrou o braço de Julys esquecendo-se repentinamente de seu mau humor — Isso lá é coisa que se avise assim tão em cima da hora?

—Em cima da hora? Margô, hoje ainda é segunda-feira.

—Exatamente! — Margô a largou — Vou ter que adiantar minha hidratação de cabelo, fazer as unhas, depilar as pernas, tirar as sobrancelhas…

—Os homens não reparam em nada disso. — Julys suspirou.

—Você que pensa queridinha! — Margô balançou o dedo indicador de um lado para o outro — E eu é que não vou aparecer de qualquer jeito na frente do boy quando formos ao… ao… aonde vamos?

—Lugar nenhum. — Julys cruzou os braços — Vai ser na minha casa.

—Na sua casa?

Julys o indicou com um movimento do polegar.

—Ideia do Romeu aqui.

—Julys disse que queria fazer Aaron provar da comida vegana da dieta do tio Carlos. — justificou sorrindo.

Margô fez uma cara enjoada.

—Um almoço vegano? Sério? — suspirou — Tudo bem, eu acho que vale a pena empurrar algumas rúculas para dentro pra poder agarrar de uma vez aquele boy e quem sabe lamber…

—Ai Margô! 

Julys reclamou levantando-se o pegando pelo braço e o levando para longe dali, o que significava que ela já havia esquecido de que estava brava com ele, e mesmo que Romeu não soubesse o porquê para princípio de tudo, ele é que não perguntaria… ou ela acabaria lembrando que estava brava.

—E é você quem vai falar com a mamãe sobre sábado! — ela o avisou.

—Eu por quê?! — perguntou surpreso.

Julieta sentou-se e deu de ombros.

—Porque se eu pedir, ela vai dizer que não, mas se você pedir ela vai dizer que sim.

—Tudo bem. — concordou — E você fala com a minha mãe para eu dormir na sua casa.

“Dormi na sua casa” no caso de Romeu e Julieta significava “passar o final de semana”, o que não era problema algum para tia Vanessa que costumava dizer que Julieta era a única coisa capaz de tirar Romeu de se quarto, e na sexta-feira à noite Romeu chegou com sua bicicleta à casa de Julieta, trazendo consigo uma mochila grande o suficiente para passar até um ano ali.

—Hoje vamos ter frango frito para o jantar, por isso mamãe disse que é melhor comermos antes de o papai chegar. — Julieta avisou-o ajudando-o a tirar a mochila das costas — Você já assistiu o filme novo de Space Jam?

—Não.

—Então vamos começar nossa maratona por ele!

—Antes pode cortar minhas unhas? — pediu suspirando logo depois — Fica um pouco difícil quando parece que todo o mundo foi feito para destros…

—Isso é porque só 10% da população mundial é canhota. — Julieta deu-lhe uma tapa nas costas — Que tal se eu as pinto de verde neon também?

—Só as corte, por favor! 

Romeu protestou fazendo-a gargalhar.

Já Aaron foi recebido no sábado por um porco com uma maçã na boca.

Ele o olhou penosamente, baixando os óculos escuros.

—Ah churrasco, então enfim chegou a sua hora?

Arqueando as sobrancelhas com expressão surpresa, Julieta olhou para o porquinho aos seus calcanhares que a olhou de volta inocentemente e roncou feliz com a maçã na boca, ela ergueu os olhos novamente olhando-o boquiaberta.

—Pare de olhá-lo como se ele fosse o prato principal! — reclamou ultrajada.

—Mas o que você quer que eu pense quando fui convidado para almoçar e ele vem me receber com uma maçã na boca? — Ele sorriu cinicamente recolocando os óculos de sol enquanto Astolfinho, ainda aos calcanhares de Julieta, sentava-se roncando inocente com sua maçã na boca e deu risada quando a garota ajoelhou-se e abraçou o suíno protetoramente, e garantiu: — Fique calma, meu bem, não me leve a sério eu só estou brincando.

—Não me chame de “meu bem”. — ela protestou ainda agarrada à mascote — Meu nome é Julie…! Que roupas são essas?

Aaron suspirou puxando de maneira desconfortável o colarinho, ele estava vestido como se tivesse vindo para uma entrevista de emprego: camisa de botões, calça jeans sem lavagem e sapatênis escuros. Tudo porque a encrenqueira da Adila havia tirado de lugar nenhum que ele estava indo conhecer os pais de alguma namorada e a surtada da sua mãe comprara a ideia.

—Eu moro com duas malucas. — deu de ombros, oh bem, podia se considerar com sorte de ter conseguido sair de lá sem precisar de uma gravata. — E o rango?

—Já está quase pronto. — ela trancou o portão e fechou a porta às suas costas, antes de apontar seus pés — Tire os sapatos e venha comigo.

 A sala era um cômodo longo que parecia ser usado tanto como sala de estar quanto sala de jantar, mas era estranhamente quieta e vazia… ou talvez ele é que estivesse habituado demais a morar em uma verdadeira selva, ao fundo, passando um pouco de uma mesa de jantar com lugares para oito pessoas, havia duas portas dispostas uma de frente para a outra, Julieta saiu pela porta da direita, fotos em molduras estavam dispostas para todos os lados, mas Aaron não prestou atenção a qualquer uma delas enquanto puxava o colarinho da camisa desconfortavelmente e desabotoava um botão, ele com certeza estaria se sentindo muito mais confortável se pudesse ter vindo usando camisa e bermuda como uma pessoal nor… Romeu estava usando avental.

—Aaron eu não te ouvi chegando, ainda está um pouco cedo, então a comida não está pronta, viu? — o outro o cumprimentou com uma jovialidade desconcertante.

—Cara. — Aaron piscou retirando os óculos escuros e deixando-os pendurados no bolso — Que isso que você está vestindo?

—Hã… um avental? — ele olhou para Julieta como se em busca de confirmação.

Mas era Aaron quem estava mais desconcertado ali.

—Tá, mas por quê?!

—Porque hoje ele é meu assistente de cozinha, porque minha filha não é confiável para essa função, já que bastaria eu virar as costas para ela surrupiar os tomates e as cenouras. 

—Temos queijo na geladeira, então a senhora não devia ficar tão relaxada assim. — Julieta cruzou os braços — Mãe, esse aqui é o Aaron. Aaron, minha mãe Maria Alice.

Gesticulou os apresentando.

—Desculpe o incômodo. — falou sem saber muito o que fazer.

Devia voltar a abotoar aquele botão?

—Ah não, eu já estou sabendo da história toda e lamento muito pelo ocorrido. — D. Alice suspirou longamente parando a sua frente com os braços cruzados e balançando a cabeça, ela tinha praticamente a mesma altura da filha, mas era um pouco mais corpulenta, e sua pele era também alguns tons mais escuros. — Mas Julieta sempre foi tão temperamental… sinceramente não sei a quem puxou. — Apesar de não terem dito nada, nesse momento Romeu e Julieta lançaram olhares descrentes à mulher mais velha que deixaram Aaron levemente desconfiado. — Mesmo que essa seja a primeira vez que Julieta traz alguém aqui além do meu querido genro…

—Mãe! — Julieta protestou.

D. Alice prosseguiu imperturbável:

—Só de pensar no motivo… — ela balançou a cabeça criticamente.

—Também chamei Margô, e ela já deve estar chegando! — Julieta acrescentou.

—Ah sim, Romeu também já me falou dela, você a derrubou no ano passado, não é? Demorou bastante para fazer sua oferenda de paz…

—Romeu!

Romeu sorriu culpado encolhendo os ombros e erguendo as mãos com as palmas voltadas para cima.

—Então do meu ponto de vista se você decidiu começar a se desculpar pelas suas confusões e hoje estamos oferecendo um almoço de desculpas aos que você nocauteou com uma bola, haverá também um para aqueles de quem você tirou sangue do nariz e para aqueles a quem você fez comer t…? Onde Astolfinho conseguiu aquela maçã?

O porco que estava alegremente deitado no chão terminando seu lanche ergueu a cabeça quando ouviu seu nome ser citado, e a Aaron pareceu por um momento que ele arregalou os olhos antes de guinchar e sair correndo, fugindo por uma porta entreaberta.

Julieta fechou as mãos em torno de um dos braços de Aaron e o puxou em direção à mesma porta.

—Eu vou mostrar o quintal para o Aaron, prestem atenção se a Margô chegar, por favor!

Na verdade não havia nada demais para se ver no quintal, sim ele era realmente espaçoso, tinha uma parte coberta, o que era bom porque enquanto ficasse na sombra Aaron podia aguentar melhor sem os óculos escuros, mas sua maior parte estava a céu aberto, o lugar era praticamente do tamanho da casa — ou talvez até maior —, os varais estavam vazios e havia o que parecia ser uma pequena casa de cachorro, ou melhor, de porco, ao fundos, porém se sua mãe visse aquele lugar ela teria um infarto, pois ele era completamente vazio, não havia nem terra nem grama, apenas um chão de concreto, e a única “presença verde” era uma única e solitária árvore de tronco inclinado sob a qual estava…

—Seu porco tem uma piscina de bolinhas no quintal?! — ele surpreendeu-se.

Sorrindo Julieta uniu as mãos nas costas e brincou:

—Oras, e você não?

Era uma piscina plástica pequenina, dessas de criança, mas o porquinho parecia absolutamente feliz brincando entre as bolinhas plásticas coloridas e vez por outra saindo para perseguir alguma desgarrada que saia saltando da piscina, e pelo visto havia também guloseimas entre os brinquedos… afinal o quão mimado um bichinho de estimação podia ser? Ele riu.

Aaron tinha olhos castanhos, mas eram curiosamente claros, apesar de não chegarem ao lindo tom de cor de mel que tia Valerie e Benji possuíam, e havia uma pinta do lado esquerdo de seu rosto na altura da mandíbula, Julieta estava justamente olhando-a quando foi surpreendida por Aaron que a pegou em fragrante.

—O que? — ele arqueou uma sobrancelha bem delineada.

Ele por acaso fazia as sobrancelhas?

—De alguma forma a minha família sempre acaba falando do meu hã… histórico, mas…! Mas não leve tudo o que minha mãe disse tão a sério!

—Então você não fez ninguém comer terra? — Aaron sorriu de lado, tentando não rir.

Julieta fez uma careta.

—Ah não, eu realmente fiz isso, mas ele estava mais do que merecendo. — sem poder mais se conter Aaron gargalhou — E também, em minha defesa, eu só tinha onze anos! — Aaron gargalhou ainda mais, Julieta o empurrou, mas ele continuou rindo — Ora, que bom que está se divertindo tanto! E eu aqui achando que pensaria que sou uma louca e te espantaria!

—Com certeza te acho louca, mas que criança nunca fez alguém comer terra, ou deu um curto circuito nas luzes de natal e pôs fogo na árvore? — ele perguntou finalmente recuperando um pouco do fôlego, secando as lágrimas dos cantos dos olhos.

Você colocou fogo numa árvore de Natal?!

Aaron manteve os olhos fixos na piscina de bolinhas.

—É. Criança. — deu de ombros. — E depois daquele golpe que importância tem para você se agora me espanta ou não? 

—Oras, por que! — Julieta olhou-o com os olhos arregalados — Porque se te espanto, Margô me cortaria a cabeça!

Endireitando-se, Aaron pôs as mãos nos bolsos e respirou fundo recuperando o fôlego.

—Olhe, desde que não me sirvam terra para comer hoje, eu diria que Margarida puede quedarse tranquila.

Julieta olhou-o estranhamente.

—Na verdade há algumas coisinhas que eu queria te dizer antes de comermos. — disse um momento mais tarde, abaixando-se para pegar uma das bolas de Astolfinho que rolou até seus pés — Nada demais é claro, apenas… algumas regrinhas de sobrevivência.

—Regrinhas de sobrevivência? — repetiu arqueando a sobrancelha.

Ela jogou a bolinha de volta para junto da piscina do porquinho. 

—Apenas o básico. — garantiu pondo a mão no bolso e tirando dali o celular quando ouviu uma mensagem chegar — Acontece que mamãe tem muito orgulho de seus pratos então…

Aaron inclinou a cabeça de lado, esperando que Julieta continuasse.

—E? — incentivou.

—É Margô, está me perguntando se você já chegou. — Julieta respondeu enquanto digitava a resposta, e acrescentou com tom estranho: — Está me dizendo que não vem mais porque “teve uma emergência no dentista”…?

As “regras de sobrevivência” da casa dos Cappellette na verdade eram bem simples: D. Maria Alice amava cozinhar e tinha muito orgulho de sua culinária, então era de suma importância limpar o prato depois que ela o servisse, e se fosse abrir a boca para dizer alguma coisa, que seja para elogiar ou pedir por mais, do contrário só fique quieto e continue comendo, porque ela era “um pouco sensível”.

Mas ainda assim Aaron precisava perguntar:

—Tudo bem, qual é a da comida vegana?

—“Qual é a da comida vegana?” — D. Alice olhou-o desolada com a colher de arroz com lentilha pairando sobre seu prato — Você não gosta?

Do outro lado da mesa Romeu e Julieta estavam ambos olhando-o com olhos arregalados, embora com expressões bem diferentes: Romeu parecia estar quase gritando “cara o que você está fazendo?!”, já Julieta, sentada bem diante de si parecia que queria lhe enfiar aquele risoto vegano pelo nariz.

—Não, nada disso, eu só estava curioso a respeito. — reformulou rapidamente estendendo o prato com salada. — Durante a pandemia quase viramos veganos lá em casa, mamãe queria evitar sair tanto quanto possível, então restringiu o máximo possível o nosso consumo a coisas produzidas em casa, ela teria começado a criar galinhas, mas elas teriam arruinado suas plantações e também as acha fedidas… houve um ponto em que achei que minha irmã recorreria ao canibalismo para conseguir um pouco de carne. 

Estranhamente, apesar da menção ao canibalismo, o rosto da mulher mais velha relaxou com um sorriso.

—Ah sim, entendo. — ela depositou duas generosas colheradas de arroz junto à salada — Meu marido é veterinário, sabe? Ele diz que seria hipocrisia cuidar de seus pacientes no consultório e servi-los e explorá-los à mesa em casa.

Explicou-lhe agora servindo-o com risoto.

—O que não faz o menor sentido. — Romeu afirmou girando a faca entre os dedos — Eu até entenderia se o tio André cortasse a carne de porco, mas não é como se fôssemos servir cachorros e gatos à mesa.

—Papai também cuida de coelhos, hamsters e porquinhos da índia, e tem uma galinha chamada Jerusa como paciente. — Julieta comentou implicante.

—De qualquer forma, Carlos André nunca obrigou Julieta e eu a seguir a sua dieta, mas ainda assim os produtos de origem animal são drasticamente reduzidos aqui.

D. Alice explicou-lhe enquanto terminava de servir a filha.

—Ontem jantamos macarrão com queijo e frango frito. — Romeu declarou entusiasmado.

—Você jantou aqui ontem?

—Ele dormiu aqui ontem.

Julieta afirmou pegando uma garfada de risoto para comer, mas recebendo da mãe uma tapa na mão como repreenda, para que esperasse até que ela terminasse de servir.

Aaron semicerrou os olhos.

—Espera, foi por isso que você não apareceu ontem à…

—Muito bem rapaziada, podem atacar! — D. Alice declarou jovial erguendo-se e pondo as mãos nos quadris enquanto admirava seu trabalho orgulhosamente.

—Mãe, a senhora não vai comer conosco? — Julieta perguntou ao vê-la já pegando o prato para ir embora.

A mãe olhou-a criticamente.

—Não sou eu que preciso me desculpar por quase quebrar a cabeça do coleguinha, sou?

—Mãe!

—Ah, e por falar nisso, tente não enfiar um garfo em ninguém dessa vez, está bem?

—Dessa vez? — Aaron repetiu surpreso.

—Mãe! — Julieta reclamou mais uma vez, mas quando sua mãe pegou seu prato e foi embora sem o menor sinal de culpa, Julieta se viu sem mais nenhuma alternativa a não ser virar-se para Aaron novamente e tentar explicar-lhe apressadamente: — Eu tinha só seis anos e foi apenas um garfo de plástico! E eu avisei ao Eugênio Santos que se ele tocasse no meu bolo iria sofrer as consequências! Até o Heleno sabia o que ia acontecer!

Ela estava mesmo empenhada em não espantá-lo para longe em prol de Margarida, não é mesmo? Aaron só conseguiu rir da situação.

—Tá, mas o Heleno sempre sabe o que vai acontecer. — Romeu comentou. — Ele é um bruxo!

—Ele não é um bruxo, Romeu. — Julieta deu de ombros. 

Aaron estava prestes a perguntar de quem eles estavam falando, quando Romeu inclinou-se sobre a mesa para contar-lhe com tom conspiratório:

—Foi só um garfo de plástico, mas machucou pra valer. Você normalmente não imagina que uma coisinha daquelas poderia se fincar tão firmemente. 

—Romeu!

Julieta reclamou alarmada sacudindo-lhe o ombro, despertando ainda mais risadas da parte de Aaron.

—Não se preocupe Juju, quem é que nunca enfiou um garfo no coleguinha, ou deu um bolo nos amigos e os deixou serem trucidados por uma horda de orcs?

Romeu ficou sério no mesmo instante.

—Ei, isso não é justo! — protestou.

—Cara, você é o nosso curandeiro! O Zac tá uma fera contigo!

—Mas isso não é justo! — voltou a protestar — Quando Zac me chamou para a missão eu avisei que já tinha marcado um compromisso com a Julys!

—Espera. — Julieta ergueu uma mão pedindo tempo enquanto mastigava, e engoliu antes de continuar: — Quem é Zac?

—É o líder da nossa guilda. — Aaron explicou.

Julieta olhou-o surpresa.

—Então o Zac existe mesmo? — perguntou abismada — Eu achei que fosse um amigo imaginário que Romeu inventou durante a quarentena por causa do estresse!

—É o que ele diz de você! — apontou-a rindo.

E continuaram rindo ali por quase um minuto inteiro até Romeu, já com as orelhas vermelhas, reclamar e pedir para mudarem de assunto.

—Tudo bem. Então como vai a tia Vanessa? — Julieta perguntou calmamente, mexendo a comida distraidamente no prato.

—Na verdade não muito bem. — ele suspirou desanimado — O chefe a pegou dormindo no trabalho e deu uma baita bronca, e agora ela está bem chateada…

—Tá, mas a sua mãe é bibliotecária. — Julieta olhou-o de forma estranha — Dormir não devia ser tipo… rotina?

—Espera! — Aaron olhou-os assustado — Ainda existem bibliotecas?!

—Vocês! — Romeu olhou-os indignado com tamanha ignorância — Como conseguiram se formar no ensino fundamental, afinal?!

Julieta deu de ombros.

—Eu devo tudo ao Google. — afirmou.

—Mamãe obriga Adila a me ajudar. — Aaron sorriu pegando uma colherada de risoto com arroz que quase não lhe cabia na boca.

Romeu suspirou desesperado e afundou o rosto entre as mãos, antes de praticamente implorar para eles mudarem de assunto outra vez.

Dessa vez Aaron tomou à dianteira:

—Muito bem, então falando sério, por que “Romeu” e “Julieta”?

—Como assim “por que”? São os nossos nomes. — Julieta respondeu.

—Tá, mas por quê? — ele insistiu.

—Você está tentando nos zoar? — ela começou a perder a paciência.

—De jeito nenhum. — gesticulou em círculos com as mãos enquanto explicava seu ponto de vista: — é só que a minha mãe, por exemplo, para escolher tanto o nome da minha irmã quanto o meu ela usou dois critérios: N° 1; precisava começar com a letra A, para ela ser logo a primeira a ser chamada nas reuniões de pais e entregas de boletins e não ter que perder muito tempo. N° 2; ela gritou o nome com toda a fúria e todo o ódio que conseguiu juntar no coração, se ainda assim o nome saísse bonito, é porque era esse o nome!

Romeu piscou surpreso.

—Isso é verdade mesmo?

—Claro, o nome da minha irmã ficou entre Adelaide e Adila, mas Adelaide não passou no “teste do grito” então ficou Adila, e vocês não imaginam o ódio da minha mãe quando durante a maior parte do ensino fundamental a Adila caiu na mesma turma que uma garota chamada “Abigail” e uma chamada “Ada”. Por isso que ela me chamou logo de Aaron, com duas letras “A” para garantir… mas eu juro que se alguma vez eu tivesse caído na mesma sala de alguém chamado “Aabraão” a mamãe seria capaz de cometer um crime de ódio. 

Romeu e Julieta se entreolharam incrédulos antes de se voltarem novamente para Aaron e exclamarem:

—Você só pode estar brincando!

—Não, não, é sério, ela tem até hoje a gravação dela berrando o meu nome, se vocês ouvirem vão até pensar que eu explodi a televisão de novo!

Romeu e Julieta o olharam em silêncio por alguns segundos.

De novo? — salientaram.

Aaron deu de ombros.

—É. Criança..

—Ah… a minha mãe é bibliotecária, ela gosta de histórias clássicas, então… Romeu. — Romeu coçou a bochecha um pouco sem jeito.

—O “Alice” é porque minha mãe também é uma Alice, e minha avó, e minhas tias, e algumas primas, e… na verdade, acho que seis a cada dez mulheres do lado materno da minha família são “Alices”, mas não sei de onde veio o “Julieta”. — Julieta respondeu como se nunca tivesse pensado naquilo antes. — Mas pensando nisso os pais da Margô provavelmente estavam tentando criar algum tipo de jardim.

—Por quê? E posso pegar mais arroz?

—Fique à vontade. — Julieta deu de ombros — É que Margô tem quatro irmãs e um irmão.

—Todos com nomes de flores! — Romeu acrescentou pegando mais salada.

Julieta começou a contar nos dedos:

—Dália, Azaléia, Violeta, Gardênia e Narciso.

As sobrancelhas de Aaron se arquearam.

—Isso é o que eu chamo de ter raízes familiares!

A piada foi tão sem graça que Julieta começou a rir.

Talvez ele não fosse alguém tão ruim assim, afinal.

Tudo bem, Aaron era um grande imbecil sem sombra de dúvida, mas Julieta já havia conhecido muito piores, ele ao menos não havia feito qualquer comentário “engraçadinho” sobre sua pele, nem… feito perguntas, ou mesmo ficado encarando-a em momento algum.

E, tudo bem, isso com certeza era o mínimo a se esperar de alguém, mas para Julieta era uma grande coisa, então ela nem se incomodou tanto assim quando ele a encontrou na praça na manhã seguinte e acompanhou ela e Astolfinho em sua corrida matinal… se ao menos ele parasse com aquelas piadas irritantes sobre Atolfinho e uma boa refeição, estaria tudo ótimo, assim como ela admitiu para Margô mais tarde naquela noite.

 

Julieta: E q “emergência no dentista” vc teve? Seu aparelho se enroscou no aparelho de alguém de novo? XD

Escreveu logo depois.

A resposta de Margô veio acompanhada de um emoji com cara de zangado:

Margô: Nunca devia ter te falado do meu primeiro beijo.

Julieta: KKKKKKKKK

Julieta: Mas falando sério oq foi q aconteceu?

Margô está digitando…

Margô está digitando…

Margô está digitando…

Julieta: Pode tentar mandar um áudio sabia?

Julieta: A menos q ele tenha mais de 1h de duração, aí vc pode dividir em parte 1 e 2.

Margô está digitando…

Julieta: Margô? Tá td bem? Já tem quase dez minutos q vc ta só escrevendo.

Margô: A gente se fala na escola tá Juju?

Julieta sentou-se na cama com um salto.

Julieta: OQ? Ah não! Vc ficou todo esse tempo digitando e agora ñ vai falar nada?! Anda logo Margô!

Margô: Na escola.

E não respondeu mais nada desde então.

 

O que significa que ela precisou esperar outras dezoito horas para ter sua resposta.

—Julys, a sua bicicleta tem freios, sabia? — Romeu reclamou na manhã seguinte enquanto eles guardavam as bicicletas — Sabe como usá-los?

—Hum… acho que esqueci. — Julieta riu — Para Romeu, você precisa se exercitar um pouco mais, sabia?

—Tudo bem, mas nós não estamos treinando para o tour de La France.

Julieta fez alguns alongamentos.

—Acha que teríamos alguma chan…?

—Aqui estão vocês! — Margô estava parada ali perto, com as mãos postas nos quadris e uma cara séria. — Venham comigo. Agora.

Romeu e Julieta se entreolharam.

—Está tudo bem? — Romeu ajeitou a alça da mochila sobre o ombro.

—Não. — Margô virou-se e começou a se afastar.

Os dois precisaram correr para alcançá-la.

—Espera! — chamou Julieta segurando-lhe pelo ombro. — Isso tem alguma coisa a ver com o que você não quis me falar ontem à noite? A sua “emergência no dentista”?

—Hã… pois é. — Margô olhou-a. — Na verdade eu não tive emergência alguma, e é sobre o Aaron.

—O que tem o Aaron? — Romeu perguntou confuso.

Margô parou, e olhou-os por alguns instantes, respirou fundo, e então os alertou:

—Aquele cara é chave de cadeia.


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Notas finais do capítulo

Fora incendiar uma árvore de natal e explodir uma televisão, o que será que o Aaron andou aprontando para ser chamado de "chave de cadeia"? Sabem como é... Crianças XD



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