Isso não é Romeu e Julieta escrita por Lady Black Swan


Capítulo 17
A fragilidade das flores… e das bombas.


Notas iniciais do capítulo

Hoje "Isso não é Romeu e Julieta" está completando seu primeiro aniversário!!! ♥
Então vamos fingir que o tamanho do capítulo é uma comemoração a isso e não mero descontrole da minha parte. O.O'



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Julieta e Aaron ainda ficaram mais algum tempo ali parados observando estarrecidos enquanto Romeu se debulhava em lágrimas.

—Grávida? — Julieta repetiu incrédula — Sua mãe?!

—Mas por que todo esse drama, criatura? — Aaron cruzou os braços — La última vez que vi a alguien tan nervioso por un embarazo fue cuando mi hermana pensó que estaba embarazada.

Julieta não tinha idéia do que ele estava falando, e também nem se importava.

—Como ela pode estar grávida?! — reclamou — Desde quando hemorragia nasal é sintoma de gravidez?!

—Na verdade aqui diz que pode ser um sintoma bem comum no inicio da gravidez. — Aaron comentou pesquisando no celular.

—Como isso é possível?!  — ela reclamou puxando a mão dele para ver o celular também, mas perdeu a paciência e o empurrou de volta — Ah esqueça! Romeu por que você está chorando afinal?!

Ela aproximou-se dele puxando um pacote de guardanapos de papel da pochete e esfregando seu rosto para secar-lhe as lágrimas e obrigá-lo a assuar o nariz.

Aquela coisa não tinha fundo?!

—Porque… — Romeu assuou — Julys, o que vou fazer? Eu não estou preparado para ser um irmão mais velho! O que vou fazer?!

—Como assim não está preparado? — Aaron ajeitou os óculos de sol. — Você vai ser o irmão, não o pai, só vai ter que tomar cuidado para não pisar em cocô quando o moleque arrancar a frauda e sair correndo para o banheiro, mas não conseguir chegar lá há tempo, e também para não estar por perto quando ele tiver quase um ano e derrubar uma prateleira inteiras de sapatos no meio de uma loja no shopping, se não quando chegar em casa vai apanhar em dobro: primeiro por fazer sua mãe passar essa vergonha, e segundo por querer colocar a culpa no bebê.

—Mas afinal por que você tem tantas dessas histórias?! — Julieta perguntou indignada.

—É… — Aaron deu de ombros — Criança.

Que tipo de criança endiabrada ele foi?!

Romeu segurou a mão de Julieta.

—Julieta, já que eu te fiz vir correndo até aqui junto com o Astolfinho, vocês deveriam entrar, pelo menos para beberem um pouco de água. — convidou.

Do ponto de vista de Aaron, ele estava começando a cogitar que Romeu podia ser alguém frágil como uma flor, mas pelo menos parecia que ele havia voltado ao normal.

—Sinceramente Romeu, quem precisa beber um pouco de água é você. — Julieta retrucou.

Como eles já estavam entrando, Aaron já começava a dar meia volta para ir embora, mas então Romeu o chamou também:

—Aaron! Você não está com sede?

A mãe de Romeu cumprimentou Aaron e agradeceu Julieta por ter trazido o filho de volta, ela estava mesmo imaginando aonde ele teria ido quando saiu daquele jeito, e teria ido atrás dele, se não estivesse ocupada o bastante com um marido hiperventilando e tendo um ataque de pânico como se ele fosse um adolescente irresponsável que tivesse acabado de descobrir que engravidou a namorada e não soubesse como contar aos pais, e não um caminhoneiro grande e forte de quase cinqüenta anos de idade, cuja esposa iria ter um bebê. Por fim, ela foi embora avisando para não deixarem Astolfinho tentar brincar com Hades.

A casa de Romeu parecia ter metade do tamanho da casa de Julieta, embora a Aaron tenha lhe parecido igualmente vazia, claro, nem todo mundo podia ou gostava de cultivar sua própria selva particular em seu terreno, mas havia uma semelhança evidente entre ambas as casas: elas estavam cheias de fotos de Romeu e Julieta por todos os lados.

Fotos na praia, com uniformes escolares, fantasiados como coelhos e até uma foto de Romeu vestido de garota e Julieta ao seu lado com camisa quadriculada e bigode falso.

—Nós te dissemos que estamos juntos desde a maternidade. — Julieta comentou do sofá, vendo-o observar cada uma das fotos.

—Mas ainda assim não deixa de ser incrível! — ele assobiou admirado — E pensar que estariam morando tão perto assim um do outro!

—Romeu só mora aqui há uns oito anos. — ela contou-lhe — O pai de Benji é corretor de imóveis e fez um bom negócio para eles.

Aaron seguiu observando algumas outras fotos, entre elas estavam duas fotos em uma moldura dupla, onde, à esquerda viam-se pequenos Romeu e Julieta — ainda sem suas características manchas de vitiligo — em uma piscina de plástico sorrindo para a câmera, e à direita viam-se os Romeu e Julieta atuais, apertados em uma piscina infantil semelhante, e estava justamente olhando para a maior das fotos emoldurados, onde uma Julieta usando um vestido longo vermelho com luvas compridas de mesma cor parecia dançar valsa com um engravatado Romeu, tentando descobrir o que estava faltando ali — ah! Nenhuma de suas manchas de vitiligo era visível! Nem mesmo aquela que lhe cobria parte da face! Quão recente elas eram…? — quando captou um vulto negro com sua visão periférica: um gato preto e magro entrou pela janela trazendo na boca um sutiã rosa pink.

Julieta. — chamou com um sotaque acentuado — Mira.

Julieta ergueu os olhos do celular e viu o gato atravessar a sala sem prestar a menor atenção nos dois ali presentes, ela apontou a câmera ao felino quando o viu saltar em uma poltrona onde havia uma mochila de estampa camuflada e enfiou o sutiã ali.

—Aaron, você gosta de suco de abacaxi ou prefere água?  Ah…! Hades, cuidado!

Romeu perguntou retornando a sala segurando uma bandeja com três copos altos, e se atrapalhando quando o gato passou correndo por entre suas pernas.

—Romeu venha aqui. — Julieta o chamou — Isso pode ser um bom álibi para o tio Samuel se a tia Vanessa pedir o divórcio.

—Que? — ele piscou.

Mas mesmo que fosse um alivio que tia Vanessa não estivesse doente — muito menos com câncer! — ainda era surpreendente que ela estivesse grávida.

—Grávida? —Margot repetiu intrigada no dia seguinte na escola — Ah, acho que isso faz um pouco de sentido, a gravidez faz umas mudanças bizarras nos corpos das mulheres afinal. Uma vez quando a namorada do meu primo ficou grávida, ela ficou com muita coceira, e achou que estava com algum tipo de alergia na pele, mas aí as gengivas começaram a sangrar…

—E mesmo sabendo disso, você preferiu sugerir que tia Vanessa estava com câncer?! — Julieta se revoltou.

Margot riu sem graça, limpando os óculos na camisa.

—Bom… é que isso já faz mais de dez anos…

Sem nem parecer ouvi-las, Romeu seguia bagunçando os cachos com uma expressão aflita, dizendo:

—E agora eles estão falando de chamar o bebê de “Romeu Júnior”!

—Por quê? — Margot recolocou os óculos. — Não é seu filho.

—Foi o que eu disse! — Romeu balançou a cabeça e suspirou — Eu não sei como ser um irmão mais velho!

—Mas com o que é que você está tão preocupado? — Margot coçou a cabeça — Eu tenho dois irmãos mais novos e te garanto que não é nada…

Sua voz foi abafada pelo som alto e agudo do apito do professor de Ed. Física, que fez Julieta ranger os dentes e tampar os ouvidos.

—Todos reunidos aqui! — chamou-os. — Antes de começarmos a aula, creio que todos já estão cientes da festa junina que teremos antes das provas de recuperação e férias.

—Com certeza! — Margot respondeu de prontidão. — Dezoito de junho!

—Apenas mais vinte e um dias antes das férias! — Romeu concordou animado.

Claro que quando se tratava de festas e férias eles estavam bem atentos ao calendário escolar, Julieta girou os olhos.

—Isso. — o professor concordou, aparentemente, também seguindo a mesma linha de raciocínio de Julieta — Então esse ano nós finalmente teremos a quadrilha, diferente dos anos anteriores por causa da pandemia, e para aqueles que estiverem interessados… — ninguém estava — Saibam que sua participação irá substituir sua nota de Ed. Física na prova de recuperação ou na terceira avaliação… — agora sim várias orelhas haviam ficado em pé, talvez principalmente Margot e Romeu. — Apenas um máximo de cinco casais podem se inscrever por turma, e as inscrições devem ser feitas comigo a partir de hoje até a próxima quarta-feira.

—Se a Julieta quiser se inscrever na quadrilha ela nem vai precisar das roupas quadriculadas: ela própria já parece que é toda feita de remendos.

Alan afirmou gargalhando e fazendo mais alguns outros da turma rir juntos.

Julieta cerrou os punhos torcendo para que a aula daquele dia fosse queimada, ou vôlei, ou basquete, ou futebol, ou qualquer outra coisa que colocasse uma bola e um alvo ao seu alcance.

Como sempre, o professor ignorou o comentário.

—Farei a chamada depois da aula, por agora quero que todos se dividam em duplas, seguindo a ordem da chamada.

Tudo bem. Pensou Julieta flexionando as mãos e olhando para o sorriso estúpido de Alan rindo com seus amiguinhos, sem nem reparar no olhar preocupado de Romeu. Na próxima.

—Eu preferia que ele tivesse nos mandado jogar queimada. — Romeu grunhiu mal conseguindo levantar a cabeça sete centímetros do chão.

Margot, sua dupla, o olhou descrente.

Era de certa forma, impressionante a maneira como mais da metade da turma gostava de matar a aula de Ed. Física apesar da ameaça de reprovar por faltas, mas ambos preferiam a oportunidade de “serem liberados sem maiores punições”.

—Você só queria que ele nos desse uma bola e liberasse quem não estivesse a fim de brincar. — afirmou — Eu sei que você odeia Ed. Física.

Romeu puxou a respiração de forma acelerada algumas vezes.

—É verdade. — admitiu parecendo fazer um esforço sobre humano para tentar içar o corpo para cima novamente, mas ele mal se ergueu a sete centímetros de altura e caiu de volta no chão — Mas não era por isso.

Puxou a respiração mais três vezes, e então começou a se esforçar novamente, Margot tinha até impressão de que estava vendo uma veia saltando em sua testa, e essa era apenas o terceiro abdominal, quantos seriam necessários para começar a ver o coração dele batendo através da camisa?

—Então por quê?

Romeu bufou e grunhiu, começando assim a quarta abdominal.

—I-isso é bem difícil, não é? — ele sorriu sem jeito. — Eu preferia que fosse queimada, por que assim Julys poderia tentar dar algumas boladas no Alan…

Margot arqueou as sobrancelhas, e sorriu de lado.

—Ora, então até o nosso doce e sensível Romeuzinho tem seu lado sádico e vingativo? — provocou.

—Não me chame de Romeuzinho! — ele reclamou, pouco antes de começar sua árdua batalha pela quinta abdominal — E não é isso. — caiu pesadamente no chão — Acontece que Alan já está passando dos limites nas provocações… ele até passou a semana inteira de provas fazendo aquela piada sem graça, sobre ela ter ficado desbotada por esforço… e se continuar assim seria melhor levar algumas boladas logo… antes que as coisas fiquem realmente… feias.

Ela o olhou de forma desconfiada.

—“Feias” o quanto?

Romeu fez uma cara tão séria, que Margot já estava esperando que ele fosse dizer algo como, por exemplo, “na verdade ela é procurada por homicídio em três estados diferentes”, mas então ele resumiu tudo a:

—Um garoto comeu terra.

E talvez ela tenha deixado transparecer um pouquinho de sua decepção em sua expressão antes de falar:

—Ah… isso não parece assim tão pior do que levar uma bolada daquela doida. — mas Romeu a olhou tão seriamente que ela começou a ter sérias dúvidas de seu julgamento, ou talvez ele só estivesse tendo um aneurisma por causa do excesso de esforço em continuar as abdominais. — hã… certo?

Mas para aumentar o suspense e atiçar ainda mais a curiosidade de Margot, Romeu permaneceu em um silêncio e assustador — exceto pelo som de sua respiração alterada e seus grunhidos —… ou talvez ele só estivesse concentrando todo o seu esforço para terminar as abdominais sem desmaiar.

—Dez. — ele concluiu aliviado. — Que bom, minha barriga já estava começando a doer.

—Esqueça sua barriga Romeu, me conte essa história de comer terra e porque seria melhor Alan levar logo uma bolada! — ela reclamou se deitando e colocando as mãos atrás da cabeça.

—Hum… bem… — Romeu se posicionou para segurar os pés dela — As primeiras manchas da Julys apareceram quando nós tínhamos nove anos, sabe? E várias outras crianças começaram a provocá-la desde aquela época, e é claro que às vezes havia umas pequenas brigas por causa disso, alguns puxões de cabelo e mordidas…

—É claro. — Margot concordou solene, começando a fazer suas próprias abdominais.

Estavam falando de Julieta afinal.

—Então, bem lá no comecinho do quinto ano, uma “lista”, apareceu, ela era grudada semana sim, semana não, na porta da última cabine do banheiro masculino, com as “dez garotas m-mais g-gostosas e as dez garotas mais b-barangas”… — a voz de Romeu falhou nessa última parte, e suas orelhas se avermelharam — …listadas nela.

—Ai merda. — Margot resmungou parando as abdominais, já adivinhando o que vinha a seguir.

Romeu mexeu-se desconfortável, e parecia relutante em continuar a falar, mas por fim o fez:

—Julys ficou em primeiro lugar na lista das “mais barangas” por três vezes seguidas.

Talvez Margot tenha dito um palavrão? Talvez, mas pelo menos o professor não escutou. E também mais ninguém parecia estar prestando atenção na conversa deles.

—E então? — inquiriu.

—As coisas já estavam bem ruins na escola, mas ficaram ainda piores, Julys não tinha um minuto de paz, os outros a apontavam, riam, faziam piadas, compartilhavam fotos da lista e fotos da Julys… e não tinha como ela socar todo mundo.

—Bando de cornos. — Margot proferiu por entre os dentes.

—As garotas eram especialmente cruéis, mas o pior de todos era um garoto do sétimo ano chamado Gean, ele nunca deixava a Julys em paz, e aí… ela parou de ir para escola.

—Que?! — Margot sentou-se no mesmo instante.

Isso não combinava em nada com a Julieta que conhecia, ela podia jurar que seria bem agora a parte da história em que Romeu diria: “então Julys o fez comer terra, colocando-o sete palmos abaixo dela”.

Romeu ajeitou os óculos de Margot que haviam escorregado até a ponta do nariz e então, com dois dedos em sua testa, empurrou-a para se deitar de novo.

—Ainda faltam sete abdominais.

Margot o encarou.

—Tenho certeza que faltam quatro.

—Jura? — ele sorriu inocente. — Por três semanas Julys não queria nem sair do quarto, ela ficava escondida no quarto escuro, e Julys odeia escuro, debaixo da cama, até que tio André finalmente concordou em deixá-la ver um psicólogo. — retomou — Mas levaram outras duas semanas até ela retornar à escola, e no mesmo dia Gean veio importuná-la de novo.

—Que… imbecil. — as abdominais estavam começando a cobrar o preço do esforço de Margot, mas pelo menos já estava na oitava. — O que… aconteceu com… ele?

Romeu pensou um pouco.

—Levou quatro pontos no supercílio e comeu um bocado de terra, depois que Julys pulou nele e arrastou sua cara no chão.

—O que? — riu incrédula, apoiando-se sobre os cotovelos — Está me dizendo que uma Julieta de dez anos…

—Nove, estávamos em maio ainda. — Romeu a corrigiu.

—De nove anos, conseguiu derrubar e dar pontos a um cara mais velho do sétimo ano?!

—Hum… ela também mordeu o braço dele quando ele puxou o cabelo dela. — Romeu inclinou a cabeça pensativamente. — E hã… chutou a professora que tentou tirá-la de cima dele.

Essa sim com certeza combinava com a Julieta que conhecia.

—Suponho que não tenha acabado muito bem.

—Bom… ela foi parar na diretoria e levou três dias de suspensão.  — Romeu contou — E já que foi Gean quem provocou tudo, ele ia levar uma semana, mas acabaram descobrindo que também era ele o responsável pelas listas no banheiro dos garotos, o caso acabou repercutindo, vários pais de alunas reclamaram, e no fim ele foi expulso… mas depois disso deixaram a Julys em paz na escola pelo resto do ano, então eu diria que foi um final feliz.

—Sim, um lindo final feliz. — ironizou.

—Não estou dizendo que é certo ela sair batendo em todo mundo! — Romeu corou. — Depois disso o psicólogo sugeriu também que talvez ela pudesse direcionar e descarregar suas raivas e frustrações em esportes e atividades físicas.

De algum jeito parecia que Julieta havia levado essa sugestão um pouquinho a sério demais.

—Qual era mesmo o nome do psicólogo que ela visitou? — Margot arqueou as sobrancelhas.

O rosto de Romeu tornou-se ainda mais vermelho.

—Você tem que admitir que levar algumas boladas seria bem melhor do que encarar uma Julys Berserck! — defendeu-se.

Nisso Margot foi obrigada a concordar, afinal se uma Julieta de pouco menos de dez anos foi capaz de mandar um garoto dois anos mais velho direto para receber pontos na emergência com a boca cheia de terra, o que uma Julieta com quase o dobro da idade e metade da paciência seria capaz de fazer? Margot olhou para Alan que se exercitava e ria despreocupado a algumas duplas de distancia, sem ter idéia do tipo de campo minado onde estava pisando.

Então, para resumir, Julieta era delicada como uma bomba.

E Margot precisava começar a procurar um abrigo anti-bomba antes que ela explodisse.

Um apito soou próximo a eles, fazendo-os pularem de susto.

—As madames gostariam que eu passasse um cafezinho para continuarem fofocando? Quem sabe um frango com farofa? — o professor ironizou, e então voltou a apitar, dessa vez ainda mais alto para que a turma inteira escutasse — Tudo bem, todos de pé agora e faremos trinta polichinelos.

E assim a conversa estava encerrada por ali.

Julieta pressionou a garrafinha de água com gelo na nuca de Romeu que estremeceu.

—Do jeito que está, parece que você correu uma maratona. — afirmou cética.

—Acho que não consigo voltar pedalando para casa hoje, minhas coxas doem.

Ele respondeu fraco, pegando a garrafinha de água, mas ao invés de bebê-la, pressionou-a contra a testa.

—Eu posso te levar na minha garupa. — Julieta sugeriu vendo seu estado lamentável — Mas então o que faríamos com a sua bicicleta, nós não podemos deixá-la aqui…

—Será que o Aaron já foi para casa? — Romeu bebeu um gole de água. — Ele podia levar a bicicleta, já que moramos quase na mesma direção…

Ele realmente não estava disposto a voltar para casa com as próprias forças hoje.

—E aí ele poderia levá-la para casa, desmontá-la e vender as peças. — Margot, que aparentemente ainda não confiava tanto assim em Aaron, comentou se sentando ao lado deles, com seu próprio copinho de água — Mas mais importante que isso, o quão difícil pode ser arranjar um par para dançar quadrilha e ganhar alguns pontos?! — reclamou — já foram três rapazes que me disseram não ou que já tinham par! — três? Ela era realmente rápida — Um deles me disse que vai dançar com a Brenda! A BRENDA! Ela nem sequer aparece na aula desde que jogou queimada contra você! — ela suspirou dramaticamente, deitando sua cabeça no ombro de Julieta — Ai Juju, por que seu tio gatinho não estuda aqui também?

—Heleno não gosta de se expor, ele é tímido. — Julieta tentou empurrá-la, fazendo careta, enquanto se perguntava onde estava com a cabeça quando a apresentou ao tio — E não me chame de Juju!

—Eu só queria um par para dançar! — Margot lamentou-se, agarrando-se a Julieta.

—Você ainda tem alguns dias para encontrar! — Julieta garantiu, sem conseguir se livrar dela.

—Eu vou dançar com a Julys! — Romeu afirmou com um sorriso exultante.

Esquecendo-se da grudenta Margot — era para ela estar tão suada assim? Talvez devesse ter esperado até tomar um banho para correr atrás dos rapazes, ou então… ela estava suada justamente de ficar correndo atrás dos rapazes. — e virou-se para Romeu.

—Desculpe o que?

Romeu a olhou com cara de desamparado.

—Julys, você não vai me abandonar sozinho, vai?

Julieta desvencilhou-se de ambos, levantando-se e os fazendo baterem com a cabeça um no outro.

—Tenho uma idéia melhor. — colocando uma mão no quadril, ela apontou de um para o outro — Dancem os dois juntos.

Romeu e Margot se encararam como se essa idéia nunca lhes tivesse ocorrido, e então Margot estendeu a mão e pegou um dos braços magricelos de Romeu.

—Sem ofensas Romeuzinho, mas acho que consigo coisa melhor.

Romeu puxou o braço de volta, claramente ofendido… apenas para Julieta agarrá-lo pelo outro braço e puxá-lo, fazendo-o levantar.

—Está bem Romeu, você já descansou e eu estou tão faminta que se demorarmos mais, o canibalismo vai começar a parecer uma opção perfeitamente aceitável, então ande logo, vocês terão muito tempo para arranjar seus pares.

—Não Julys, por favor, eu estou cansado! — Romeu se lamentou apoiando a testa no ombro dela.

—Exatamente por isso tem que ir para casa! — Julieta tentou colocá-lo ereto, mas Romeu seguiu fazendo corpo mole — Você não pode estar seriamente querendo que eu o carregue Romeu!

Romeu gemeu e lamentou-se, jogando os braços em volta de Julieta, de tal forma que ela começou a realmente considerar se seria capaz de carregá-lo… ele com certeza era bem magricelo… e Julieta sempre carregava o garrafão de água para a mãe…

Julieta deu tapinhas no ombro de Romeu.

—Pare de fazer manha…

—Aí está você sardenta.

Quando viu Alan se aproximando, a expressão de Julieta se fechou automaticamente, e agora o que ele queria?

Mas o imbecil passou por eles, ignorando completamente sua presença e parou diante de Margot… pelo menos isso dava menos vontade em Julieta de fazê-lo engolir os dentes do que o normal.

Margot olhou-o, girando o copo de água na mão.

—Isso foi comigo? — perguntou impassível — Por que eu tenho nome.

—Me falaram que você estava correndo pela escola, procurando par para a quadrilha.

Margot o olhou com expressão entediada.

—E…?

—Eu danço com você. — ele soava como se estivesse fazendo um grande favor a ela.

Julieta bufou, e até Romeu ergueu a cabeça para olhar, como se estivesse tentando entender à situação.

Apenas Margot se manteve impassível: ela girou o copo mais uma vez e bebeu um gole de água.

—Não obrigada, eu arrumo coisa melhor. — respondeu calmamente.

—Como é?! — Alan se estressou. — O que você quer dizer sua sardenta estúpida?!

Ele achou mesmo que chegar chamando a mulher de “sardenta” era a melhor maneira de chamar alguém para dançar? Julieta não conteve o curto riso de escárnio.

—Fui muito sutil? — Margot cruzou as pernas, apoiando o rosto sobre uma mão e o cotovelo no joelho. — Então que tal assim: Eu preferiria correr trinta voltas na quadra com asfalto quente do sol de meio dia e descalça. — Ela levantou-se colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Juju, Romeuzinho, eu já vou para casa, e vocês?

—Por mim tudo bem. — Julieta agarrou Romeu pela gola da camisa, pronta para começar a arrastá-lo se precisasse.

—Está se achando melhor que eu sua perua sardenta e rodada?! — Alan reclamou indignado.

Os três pararam.

Julieta virou-se.

—Repita o que acabou de dizer, se for homem. — ordenou calmamente, levando as mãos às orelhas e começando a retirar os brincos lentamente.

—Ficou surda ô vaca malhada? — Alan esganiçou um sorriso atrevido — Sua amiga é a maior vadia e todo mundo sabe disso!

—Ahã… — Um a um, Julieta foi entregando seus pares de brincos a Romeu, que ia os recebendo sem entender o que ela estava fazendo — Foi o que pensei que tinha dito mesmo.

Ela avançou.

—Não, Julieta não! — Margot a deteve agarrando seu braço — Não vale à pena!

Ela até conseguiu afastar Julieta por uns dois passos… mas Alan estava implorando muito para apanhar:

—Depois de ter ficado correndo pelo colégio todo feito uma cadela no cio atrás de par, e ter sido rejeitada por todo mundo que não queria dar as mãos com uma perua, acha que pode ficar escolhendo?!

Julieta exclamou indignada e olhou furiosa para Margot, que fez uma careta e a soltou erguendo as mãos e se isentando de qualquer culpa, logo antes do exato instante em que Julieta girou com o punho erguido e acertou a garganta de Alan, fazendo-o engasgar-se e asfixiar, mas antes que pudesse agarrar a própria garganta com um reflexo de surpresa, Julieta o derrubou no chão com um soco no ouvido.

—Vou te fazer engolir todos os dentes sua imundice…!

—Julieta pelo amor de Deus! — Romeu gritou em pânico.

—Ô Romeu, chega um pouco mais para o lado que está atrapalhando aqui! — Margot o empurrou animadamente para o lado, enquanto filmava tudo com o celular.

Já era difícil arranjar um bom ângulo com todos se amontoando rapidamente, gritando enlouquecidos em volta deles, enquanto Alan se encolhia no chão e Julieta o chutava repetidas vezes.

—¡¿Pero qué se pasa?! — Aaron abriu caminho aos empurrões, e puxou Julieta de lado por um dos braços logo antes de ela dar seu quarto ou quinto chute — ¡Julieta! ¿Qué te pasa? — mas sem nem parecer escutá-lo, Julieta tentou puxar o braço de volta e continuar chutando Alan, mas Aaron a deteve passando o braço em volta de sua cintura e puxando-a ainda mais para trás, erguendo-a do chão quando ela começou a escoicear o ar, ainda tentando acertar o garoto, que agora se sentava no chão e afastava-se deles apoiado nos pés e nas mãos — ¡Detenga-te mujer loca! ¡No más! ¡No más!

Aaron gritou recusando-se a soltá-la inclusive quando teve uma canela chutada e os óculos escuros saíram voando como resultado de uma cotovelada na cara de uma descontrolada Julieta.

—Não! Julieta má! — Romeu a repreendeu jogando água em seu rosto — Muito má!

Pingando e piscando surpresa, Julieta finalmente parou de se debater e grunhir como um animal selvagem.

—Romeu! — ela voltou-se para o amigo com uma careta — Você acabou de me jogar água?!

—Hã… — Romeu escondeu lentamente a garrafinha d’água atrás das costas.

Mas não parecia mais que ela iria atacar ninguém, então Aaron achou que seria seguro ir soltando-a lentamente.

E, ao que parece, o resto das pessoas também chegou à mesma conclusão, pois a pequena multidão começou a se dispersar lentamente enquanto Margot guardava o celular.

Aaron passou as mãos pelos cabelos desalinhados e recolheu os óculos do chão, já sentindo as primeiras pontadas de uma futura enxaqueca.

—Bien… — ele massageou o centro da testa com a ponta de três dedos — ¿y ahora alguien me podría explicar que…? — fez uma careta — Alguém pode me dizer o que estava acontecendo?

—Essa louca pulou em cima de mim do nada! — Alan gritou do chão, agarrando as costelas.

—Como assim do nada, sua fuinha?! — Margot eriçou-se — Foi você quem…!

—Ah cale a boca você também sua vadia! — Alan retorquiu se levantando mancando — Você e essa perua louca desbotada tinham mais é que se f…!

E então ele voltou para o chão com um soco de Aaron.

— ¡No voy a llevar injuria para la casa de este muchacho! — Aaron resmungou partindo para cima.

—Aaron pelo amor de Deus!

Romeu gritou ao mesmo tempo em que Margot puxava o celular de novo, e Julieta dava dois passos para trás, tomando espaço e flexionando o braço para pular e aplicar uma queda de cotovelo.

Obviamente a platéia de antes retornou com força total, ainda maior do que antes, para atiçar a briga… e claro que também não foi uma surpresa para ninguém quando, vinte minutos depois, todos os principais envolvidos com exceção de Romeu, estavam na diretoria.

Encarando seriamente os quatro adolescentes sentado em seu sofá, um dos quais gemia pressionando papel toalha contra a testa, Dona Nazaré mostrava o vídeo de celular onde entre gritarias e empurrões um par de loucos macetavam na porrada um garoto encolhido no chão.

—Francamente eu preferia quando o par era “Romeu e Julieta” e não “Pólvora e Fogo”, será possível que sempre que vocês dois estiverem a menos de cinco metros um do outro alguém vai acabar precisando de primeiros socorros?! — repreendeu.

Julieta acertou uma cotovelada em Margot ao seu lado.

—Dá próxima vez suma com as provas. — disse entre os dentes.

Disfarçadamente massageando o local acertado, Margot pediu à diretora:

—Dona Nazaré, será que dá para devolver meu celular agora?

—Eu já transferi o vídeo para o meu próprio aparelho, então você já pode ir Margarida. — quando a mulher lhe estendeu o celular, Margot levantou-se ansiosamente para pegá-lo de volta, porém obviamente que não poderia ir embora sem antes receber uma advertência: — E tente se manter longe de confusão você também, ao invés de correr como uma paparazzi atrás dela.

—Claro senhora, isso foi só um evento isolado!

Margot garantiu feliz por poder ir embora dali o quanto antes.

Mas de forma alguma as coisas seriam assim tão simples para os outros três especialmente os dois pugilistas de rua ali.

—Antes de qualquer coisa senhora, eu posso tomar um pouco de água? — Aaron solicitou, vendo pela expressão da diretora que um longo sermão vinha pela frente.

Toda aquela agitação fizera aquelas leves pontadas que prenunciavam uma enxaqueca se transformarem agora em um irritante latejar, e ele queria tomar logo seu remédio antes que a situação ficasse realmente feia.

—É claro que todos os três têm plena consciência de que esse tipo de comportamento violento não é de nenhuma maneira, apoiado e tampouco admitido dentro das dependências da escola, por isso todos receberão sanções adequadas.

E é por isso. Pensou Aaron engolindo a última aspirina de sua cartela e segurando a língua. Que você marca essas coisas para depois da escola.

—Espere um pouco aí! — Alan protestou baixando o papel toalha, nem havia tanto sangue assim, ele só estava fazendo drama. — Por que eu estou sendo repreendido aqui também? Eu fui a vitima!

—A vítima?! — Julieta silvou por entre os dentes.

—Sí, ¿cómo no? ¡El santo Alan! — Aaron ironizou recostando-se ao sofá.

—A senhora viu o vídeo! Eu fui covardemente atacado por esses dois loucos mesmo já estando caído no chão!

Alan prosseguiu como se realmente acreditasse em toda aquela lorota, tanto que a cara nem tremia, ao que parece ele tinha batido a cabeça… ou então não havia apanhado o suficiente.

—Não foram assim que as coisas aconteceram e você sabe disso seu verme estúpido! — Julieta protestou olhando do dissimulado para a diretora. — Ele esteve me atormentando por dias, semanas, e hoje com certeza estava passando dos limites, se a senhora ouvisse as coisas que disse a Margot…! Por isso eu…!

—Resolveu passar dos limites também? — a diretora completou tamborilando na mesa com impaciência.

—Sim…! Não! — Julieta engasgou-se — Quer dizer, ele com certeza mereceu os dois primeiros socos e um ou dois chutes depois disso… hum… mas acho que eu podia ter parado aí, e talvez eu tenha exagerado um pouco.

Afirmou a contra gosto, não parecendo nenhum pouco que realmente pensava aquilo.

—“Talvez tenha exagerado um pouco”? — repetiu Dona Nazaré com uma expressão que dizia que agora era ela quem estava ficando com dor de cabeça — Devo repassar o vídeo quando você simplesmente surgiu com uma queda de cotovelo, Julieta?

—Ah não, eu me lembro dessa parte, e ele também mereceu isso.

Julieta afirmou fazendo Aaron se engasgar violentamente e ter um ataque de tosse quando tentou conter a risada, fazendo-a pular de susto e começar a dar tapas em suas costas.

—Meu Deus do céu. — Dona Nazaré resmungou em meio àquele ataque. — Alan pare de tentar me convencer que estava simplesmente andando quando esses dois pularam sobre você e o atacaram sem motivos, porque essa não é sua primeira ocorrência aqui e eu não nasci ontem, e Julieta, em primeiro lugar, já que diz que Alan estava a provocando há tempo, você deveria ter recorrido a algum professor ou mesmo ao inspetor, ao invés de querer resolver tudo com as próprias mãos.

—E pés e cotovelos. — Aaron, que definitivamente não sabia controlar a língua, acrescentou com voz esganiçada pelo recente engasgo.

Como se D. Nazaré ainda precisasse de algum lembrete para se concentrar nele.

—E quando a você Aaron. — ela apoiou o rosto de lado sobre a mão com um gesto impaciente — Foi louvável que tenha tentado separar a briga, mas tornou-se rapidamente condenável quando a recomeçou!

Lo siento, pero… — Aaron pigarreou — Se minha mamá soubesse que eu presenciei uma moça sendo destratada na minha frente e voltei para casa sem fazer nada, ela ia me sentar o pau.

Nazaré arqueou a sobrancelha, antes de parecer ter decidido ignorar o comentário.

—Muito bem Alan, como você já está bem ciente, essa não é sua primeira ocorrência aqui, você já tem inúmeras queixas registradas por matar aula, desrespeitar os professores, e causar distúrbios, mas, como aparentemente você foi à vítima dessa vez…

—Vítima…?!

Julieta exclamou indignada fazendo menção de colocar-se de pé, mas Aaron a puxou de volta na mesma hora.

A diretora continuou:

—Como aparentemente você foi a “vítima” dessa vez, apesar de ter sido o pivô inicial, eu o deixarei passar sem uma suspensão, contudo quero que leve um comunicado informando o ocorrido para ser assinado por um de seus responsáveis e o traga segunda-feira para ser anexado ao seu histórico escolar…

—Como eu sou espancado e ainda levo advertência…?!

Alan tentou reclamar, mas a diretora não lhe deu atenção:

—… e se por acaso o comunicado for de alguma forma extraviado novamente, então levará suspensão de três dias. Estamos entendidos? — finalizou imprimindo a folha e a estendendo severamente para o rapaz — Então aguarde que eu irei lhe fazer um curativo antes de mandá-lo para casa.

Pelo visto a diretora ali tinha uma forma de pensamento bem diferente de sua mãe, quanto à educação dos mais jovens, pensou Aaron, para D. Mariangel, quando seus filhos brigavam, independente de quem havia começado a briga, os dois levariam uma pisa depois, porque “nenhum dos dois era santo”.

—Agora você Julieta, levando em conta que todas as suas outras ocorrências nas quais algum colega apresentou-se, ou foi carregado, até aqui por algum dano causado por você não foram mais do que “meros acidentes”. — ela lançou um olhar de canto a Aaron que lhe sorriu brilhantemente — vou classificar essa como de fato a sua primeira ocorrência violenta, geralmente isso acarretaria com um aviso, que deve ser assinado por um de seus responsáveis, e uma suspensão de cinco dias, porém, como você e testemunhas afirmam que já estava sendo provada desde antes, além de que estava, supostamente, defendendo uma colega, deixarei passar só com o aviso dessa vez.

Poderia ter sido bem pior, então fechando os punhos, Julieta disse entre os dentes enquanto lançava um olhar mortífero a Alan:

—Sim, muito obrigada senhora.

—Por último vamos falar de você Aaron, levando em conta que, assim como Julieta, essa é sua primeira ocorrência violenta na escola e só estava tentando defender a uma colega, o deixarei passar apenas com uma advertência também, e agora lembrando sobre o que acaba de me dizer de sua mãe, ela certamente ficará muito orgulhosa quando você levar para ela assinar, o comunicado informando sobre seus atos heroicos. — respondeu irônica.

Aaron afundou a cabeça entre as mãos.

—¡No! ¡Esa mujer me vá a matar! — lamentou-se.


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Notas finais do capítulo

Será que Julieta ainda está com fome? Porque ela jantou o Alan na porrada kkkkk



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