Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 31
O dia mais estranho


Notas iniciais do capítulo

Yo! Tenham uma boa leitura ♥



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Imagine o gostinho de implantar o caos na academia através de uma única mensagem. O Informante devia estar muito satisfeito. 

A discussão pós pontuação foi momentânea, ou melhor, foi o que pensamos. Uma semana se passou e na hora do café da manhã de certo dia tivemos uma surpresa: o refeitório havia se dividido em quatro, um lado para cada grupo. Ninguém mais se misturava como antigamente e conversavam sobre assuntos banais pouco importando-se a qual grupo pertenciam, tudo foi subitamente transformado em água e óleo. 

Observei as outras mesas, realmente curioso quanto aquele comportamento. Eu não tinha amigos em outros grupos, mas outros alunos sim, em casos mais extremos até existiam namorados que estavam separados por causa disso, tipo a garota dos insetos do Deslocados e o garoto das bebidas de suor (dessaturação, se formos ser sinceros) do Nova Era. Ambos se olhavam a mesas de distância com um semblante de cachorrinho que caiu da mudança. Então era isso que chamavam de Romeu e Julieta em uma visão moderna?

— Por que eles simplesmente não se juntam ao mesmo grupo? – Yara falou ao colocar sua bandeja na mesa, percebendo para onde eu olhava. 

— Eles se gostam, mas vai ver que não gostam da causa um do outro. Tipo as garotas com quem o Eduardo flerta. – mordi minha maçã. – Você mudaria de grupo pelo garoto que gosta?

— Vejamos. – ela furou a caixinha do achocolatado com o canudo. – Não. – respondeu contrariada.

— Ora, ora, ora. – provoquei.

— Só que eu não ia ficar com essa cara de besta que eles estão. – Yara tentou argumentar.

— Quando se apaixonar, com certeza vai ficar. – assenti convicto.

— E como você sabe? – ela prendeu o canudinho entre os dentes.

Dei de ombros, agarrei minha mochila e levantei-me.

— A gente se vê. – girei nos calcanhares e andei em direção a saída.

Pareci completamente desapegado ao eu que disse, porém, a verdade é que minhas pernas estavam tremendo feito vara verde e o coração só faltava sair pela boca. Limpei o suor das mãos na calça e depois bati em minhas bochechas, preparando-me mentalmente para as aulas do dia.

 

>>> 

 

Tive a última aula com Milena e acabamos formando dupla para fazer a atividade. Mesmo na sala de aula, membros de grupos diferentes não se misturavam. Eu havia aprendido a identificá-los pela aparência, por exemplo, os membros do Deslocados estavam sempre com o uniforme amassado e bocejavam o tempo inteiro; os do Nova Era mantinham posturas perfeitas e materiais tão impecáveis que chegavam a brilhar; os do Super Gatinhas tinham em sua maioria cabelos coloridos/platinados e nunca deixavam de usar gloss labial; já os da União Rebelde eram tão poucos que era fácil de decorar.

— Argh. – Milena afundou a cabeça no livro.

— O que foi?

— É muito difícil! – ela resmungou. – Era para eu estar no sétimo ano, não no segundo colegial. – debruçou-se na carteira, derrotada. – E estou com dor de cabeça.

Confesso que aquilo me deu uma pontada de pena. 

— Dessa vez, eu faço a atividade e você passa a limpo, mas só porque está com dor de cabeça. – bati o lápis em sua nuca. – Da próxima vez, pode tirar as dúvidas comigo.

— Você é bonzinho, mas nem sabe quem eu sou. – Milena murmurou.

— O quê? – concentrei-me em escrever as respostas em meu caderno.

— Nada. – ela suspirou pesadamente. – Professor, posso ir ao banheiro? – levantou a mão.

O professor deu permissão e observei a garota andar vagarosamente porta a fora com os ombros caídos e a cabeça baixa. Torci a boca, pensando em um jeito de ajudá-la.

Tive um estalo na cabeça que me obrigou a virar a página do caderno e trocar o lápis por uma caneta azul. Escrevi um bilhete com minha melhor letra cursiva e usando minhas melhores palavras, arranquei a folha e entreguei-a para o professor a tempo de voltar para minha carteira quando Milena retornou do banheiro.

Assim que a aula terminou, o professor pediu para que eu permanecesse na sala. Milena me fitou curiosa, todavia, somente dei de ombros e disse para ela ir na frente.

— Irei passar sua mensagem ao diretor. – o homem balançou a folha que eu havia lhe dado.

Resisti a vontade de revirar os olhos, contentando-me em apenas cerrar os punhos e respirar fundo. Teria sido melhor se ele dissesse que não daria um jeito.

— Provavelmente ele vai colocar isso no final das prioridades. – desviei o olhar.

— Eu entendo sua frustração, entretanto, precisamos acreditar no Heitor como diretor. – ele juntou as mãos sobre a mesa.

Um nó de raiva formou-se em minha garganta. Yara tinha razão desde o começo. Ninguém se importava de verdade.

— Queria que nos vissem mais como alunos do que como “simples” adolescentes com poderes. – resmunguei. – Tipo, isso aqui é para ser uma escola também, não é? E se ela não está aprendendo… O que ela está fazendo aqui? 

O professor pigarreou envergonhado e releu o bilhete que eu fiz.

— Acho que posso conversar com os outros professores e ver o que faremos em nossas aulas. Talvez passar atividades correspondentes com a idade dela e pedir para algum inspetor auxiliá-la. – ele anotou algo em sua caderneta.

— Obrigado. – apertei a alça de minha mochila e balancei a cabeça em um breve aceno.

Pronto para sair da sala, o professor retomou minha atenção, fazendo-me olhá-lo por cima do ombro.

— Gostei de ver sua atitude, Henrique. Foi muito gentil da sua parte. – ele deu um sorriso fechado.

Retribui o sorriso apenas por educação e enfim deixei o local, tendo a forte impressão de que havia alguém naquele corredor segundos antes, pois juro que ouvi alguns passos apressados. Olhei para todas as direções possíveis, mas não encontrei ninguém.

Caro professor, 

Talvez o senhor não tenha percebido, todavia, a aluna Milena Lopes está com dificuldades em sua aula assim como em qualquer outra por causa de sua idade. Gostaria de saber se há alguma possibilidade de adequá-la melhor aos estudos para que ela tenha um bom rendimento e possa sentir-se mais à vontade. Por favor.

 

>>> 

 

Achei que fosse o último a chegar no esconderijo, contudo, vi que ainda faltavam os gêmeos. Milena estava encostada em uma das paredes com o caderno entre as pernas e Yara e Érica estavam conversando com ela, ora ou outra gesticulando para as linhas das folhas.

Ienaga e Eduardo sentaram-se em outro canto, de costas para a entrada, sussurrando um com o outro. Antes que eu decidisse me juntar às garotas, duas vozes altas e alteradas invadiram o local.

— Se vai dizer, diz logo! Não fica enrolando! – Victor berrou ao pisar na sala.

Quase achei que ele tivesse alguma briga mal-acabada com Eduardo e tivesse optado por já chegar gritando, porém, pela expressão raivosa de Amanda, a discussão era entre os dois. 

— Eu vou dizer no momento certo! – Amanda replicou com as mãos cerradas tremendo ao lado do corpo.

— O que está acontecendo? – Ienaga levantou-se subitamente, pronta para intervir se fosse preciso.

— Ela quer sair do grupo. – Victor revelou.

Primeiro, veio o choque: o silêncio reinou no local, pois nossas expressões de incredulidade falavam por si só. Não, aquilo não era do feitio da Amanda, não podia ser verdade. Depois, vieram as inúmeras e afobadas perguntas para confirmar o que havia sido dito.

— Eu não queria falar desse jeito. – ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e baixou o olhar. – Não agora com essa coisa dos pontos. É só que... A culpa não é de vocês. É minha, totalmente minha.

— Amanda, se você está com algum problema, pode nos contar. – Ienaga aproximou-se de maneira nervosa, sem saber que cara fazer ou onde deixar as mãos.

Eu vi a União Rebelde crescer, ajudei aqueles membros a entrarem. Presenciar a saída de um era doloroso, quase como um soco no estômago. Estivemos juntos, passamos por tanta coisa e mesmo assim, ainda existia a possibilidade da saída. Eu havia me esquecido daquilo, porque para mim, éramos um grupo de amigos.

— Desculpa, eu realmente… – a gêmea encolheu os ombros. – Eu não quero continuar assim. – moveu a cabeça de um lado para o outro negativamente. 

A garota engoliu em seco, segurou firmemente as alças de sua mochila e correu para fora da sala, batendo a porta secamente. Fomos deixados ali, com sua última fala pairando no ar e a vibração da porta nos lembrando do modo como ela saiu.

— Ela parecia realmente mal. – Ienaga mordiscou a unha do indicador. – Droga, eu devia ter feito mais por ela como líder. Agora perdemos dois membros e…

— Dois? 

Victor ainda estava lá, de braços cruzados e cenho franzido.

— Bem, você vai para o grupo que sua irmã for, não foi sempre assim? – a líder encolheu os ombros, frustrada.

— Não. Esquece. – Victor bufou. – Nascemos juntos, mas não vamos ficar assim a vida inteira. Não depois da decisão dela.

— Que decisão? – perguntei instintivamente, pois senti que ele não estava se referindo apenas a saída do grupo.

— Nossos pais se lembraram que existimos. – ele disse duramente, bufando. – Se ofereceram para pagar a multa da API e nos levar para morar com eles na Espanha.

Tive um estalo na cabeça, recordando-me do que Amanda havia me contado sobre seus pais naquela noite no acampamento. 

— E a Amanda quer aceitar. – o maxilar do gêmeo ficou rígido e seu olhar prendeu-se em uma teia de aranha. – Como ela pode? Eles nos ignoraram por quinze, quase dezesseis anos e agora querem bancar a família feliz?! 

— Não, a Amanda não pode sair da academia. – Ienaga arregalou os olhos. – Ninguém pode, principalmente para ir ao exterior. É perigoso demais por causa dos poderes. – exclamou preocupada.

Eduardo tocou o ombro da líder para acalmá-la e lançou um olhar atento para o gêmeo.

— É por isso que ela saiu do grupo. Porque eu e… – Victor abaixou o tom de voz, constrangido. – Vocês. – adicionou em um pigarro. – Lembramos isso a ela. Depois de todas as malditas reuniões e teorias, ela sabe que não pode sair daqui. – rangeu os dentes.

— É só por um tempo, não é? – Érica juntou as sobrancelhas. – Vocês não vão ficar brigados pelo resto do ano… – franziu os lábios. Ao seu lado, Milena havia abraçado seu caderno e se encolhido um pouco.

— É. Um tempo. É melhor para não continuarmos brigando. – o gêmeo falou vagamente, parecia não ter certeza. – Até ela perceber qual é a decisão correta. – sussurrou.

E caímos novamente no silêncio. Dessa vez, completamente incômodo, do tipo que te faz pensar loucamente em uma desculpa para deixar o lugar ou se lembrar do assunto mais banal possível.

Victor apertou a alça de sua mochila e fez menção de abrir a porta. Ao tocar na maçaneta, reparei em como sua mão tremia e sua cabeça estava baixa.

— Victor. – Eduardo chamou. – Você vai ficar bem? – deu um passo à frente.

— Vou. – o garoto encolheu-se. – Só não tô com saco para a reunião de hoje. – resmungou e saiu da sala fechando a porta lentamente para não fazer barulho.

O vice-líder suspirou frustrado, cruzou os braços e inclinou o rosto para cima. 

— Eu falo com ele mais tarde. Deixa a cabeça esfriar. – falou mais para si mesmo do que para nós. 

Ienaga deixou seu corpo cair sentado em uma caixa fechada, afundou o rosto nas mãos e ficou um tempo congelada nessa posição. Eu podia imaginar o que se passava na mente dela. Não era brincadeira perder um membro depois da dificuldade de consegui-lo e depois de todas as coisas que ele ouviu.

Mas eu confiava na Amanda. Ela não contaria para ninguém sobre os assuntos da União Rebelde. Saquei meu celular e apesar de hesitante, enviei-lhe uma mensagem, perguntando se ela estava bem. O único visto cinza indicava que a mensagem não havia chegado.

— O que eu queria falar hoje… Era sobre um jeito de perdermos os poderes. – Ienaga disse roucamente com a cabeça apoiada em uma das mãos. Ela estava visivelmente abalada. – Não vou me alongar muito, é só… Um pensamento que eu tive. – encolheu os ombros.

A única coisa que eu e as garotas podíamos fazer era nos sentarmos e escutar. Sabíamos que não prestaríamos o máximo de atenção possível depois da cena entre os gêmeos, entretanto, precisávamos fazer um esforço por Ienaga.

— Já que foi injetado em nós, talvez tivesse mais a ver com isso do que pensamos. – a líder olhou para seu antebraço, analisando as veias que saltavam na pele pálida. – Até agora, ninguém no nosso grupo fez dezesseis anos que é a idade para doar sangue. Então eu pensei… O que aconteceria se fôssemos doadores? A pessoa que recebesse nosso sangue poderia manifestar algum poder? E nós, perderíamos esse poder? 

Arregalei os olhos diante de sua linha de pensamento, contudo, Yara a cortou.

— Fizeram exames de sangue quando fomos ao médico por causa dos poderes. E ao longo de toda nossa vida também. – a garota argumentou séria.

— Esse é o ponto. – Ienaga colocou os cotovelos nos joelhos e uniu as mãos em frente ao rosto. – E se nessas amostras coletadas não estão a utilidade dos nossos poderes?

Já bastava de momentos de silêncio, foi a hora do momento dos berros incrédulos que perguntavam “o quê?”. Meu coração saltou uma batida e as imagens do exame de sangue piscaram em minha mente, nubladas como se fizessem parte de um período distante de minha vida, sendo que não fazia nem um ano.

— O que quero dizer é que… E se com mais algumas amostras, talvez do tamanho de uma bolsa de doação, não consigamos retirar os poderes por completo? – a voz da líder vacilou brevemente. – Provavelmente eles não servem em outras pessoas, por exemplo, o poder do Victor. Ele só existe porque o poder da Amanda existe, já que de qualquer forma nunca teremos a parte útil de volta.

— Não! – uma voz aguda gritou.

Entre Yara e Érica, Milena havia se levantado. As pernas tremiam e as sobrancelhas estavam unidas em uma expressão dolorosa. Ao perceber que o grito vinha de sua boca, ela engoliu em seco e cobriu os lábios, envergonhada.

— Não? – Ienaga moveu a cabeça para o lado, curiosa.

— Isso é besteira! – Milena ruborizou e seus olhos brilharam marejados. – Você está errada!

Ienaga e Eduardo se entreolharam até que o vice-líder se voltasse para a pequena e perguntasse:

— Sabe de alguma coisa que nós não sabemos?

— N-Não. – ela balbuciou nervosa.

— E isso não tem nada a ver com o seu poder, tem? – Eduardo perguntou com cautela.

— Já disse, é besteira! – a garota ergueu o tom de voz. – É total besteira! 

— Milena, sei que é difícil entender, mas… – Ienaga falou de modo sereno.

— Idiota! – Milena pressionou a cabeça entre as mãos e correu para fora da sala.

Nós, meros espectadores, fitamos a porta que rangeu timidamente ao ser deixada aberta.

— E-Ela não estava falando de você. – Eduardo falou pausadamente, ainda registrando a cena.

— Eu sei, parecia que ela estava tendo algum conflito interno. – Ienaga segurou seu queixo, intrigada. – Bom, tendo em vista que três dos nossos membros já saíram hoje por essa porta da pior maneira possível, a reunião está encerrada.

Todos nos levantamos, um evitando contato visual com o outro. Aquele havia sido o dia mais estranho da União. Com o canto dos olhos, notei uma mochila vermelha jogada no chão. Respirei fundo e a peguei, decidido a devolvê-la para Milena.

Deixei o esconderijo junto de Érica e Yara, me despedi das duas e comecei a procurar pela garota de cabelos rosas. Seguindo meus instintos, não subi para o andar dos dormitórios, pelo contrário, fiz uma busca no andar das salas, verificando cada canto do corredor. 

Estava prestes a desistir daquele lugar e realmente procurar pelo dormitório de Milena, até que escutei um choro baixinho. Virei a cabeça por cima do ombro, encontrando uma pequena figura atrás do bebedouro, abraçando suas pernas e afundando o rosto nos joelhos.

— Você esqueceu isso. – aproximei-me estendendo-lhe a mochila.

— Por que tem que ser desse jeito? – seus ombros se encolheram e sua voz saiu embargada.

— Que jeito? – ponderei um pouco antes de me sentar ao seu lado.

Ela fungou e passou o antebraço pelo nariz, enfim erguendo a cabeça e revelando seus olhos inchados e vermelhos. Tive uma pontada de dó e procurei formar uma frase de apoio.

— Aperte. – ela estendeu-me sua mão. 

Se aquilo a faria se sentir melhor, não pensei duas vezes antes de dar-lhe um aperto de mão.

Repentinamente, tudo ficou branco. O barulho do refrigerador do bebedouro deixou de roncar e sequer os sons que vagavam pelos corredores existiam mais. Pisquei os olhos diversas vezes, focando-me nas diversas portas que se estendiam sem fim e nas coisas que flutuavam acima de nossas cabeças,

Por um instante, imaginei estar tendo um dejavú. Onde foi que eu havia visto aquilo antes? 

— No meu sonho. – balbuciei impressionado. – Eu sonhei com isso. – olhei ao redor, percebendo cada detalhe.

Assustado, conferi o rosto de Milena. Nenhuma tarja preta, somente seus olhos inchados. Nossas mãos continuavam conectadas pelo aperto e eu tive a sensação de que não deveria soltá-la.

— Que lugar é esse e por que eu já o vi? – questionei devagar, tentando manter a calma.

Uma foto polaroid passou flutuando ao lado da minha orelha e perdeu-se na imensidão branca.

— Porque você já esteve aqui. – Milena suspirou. – Eu te trouxe no dia do acampamento, só que você esqueceu.

— Como eu posso ter esquecido algo assim? – comentei incrédulo, observando cada pedaço daquele vasto lugar. – I-Isso é seu poder?

— É, eu chamo de corredor. É chato ter de dizer isso de novo. – ela desviou o olhar. – Olha, eu só te trouxe aqui de novo porque eu precisava desabafar. Sobre o que aconteceu no esconderijo.

Me esforcei para deixar de reparar nos arredores e foquei-me em Milena, as informações percorrendo a mil por hora em minha cabeça. Aquele lugar era maravilhoso de se ver.

— A Ienaga está errada. A utilidade dos poderes não está nas amostras de sangue! – Milena rangeu os dentes. – A utilidade dos poderes está aqui! A outra metade!

Ela gritava tanto que isso de algum modo me fez absorver suas palavras mais rápido. O jeito como ela segurava o choro e berrava me fazia entender o quão sincera estava sendo e como aquilo parecia doer ao ser dito. 

Respirei fundo, procurando deixar a cabeça no lugar. Meus olhos vagaram pelo local mais uma vez e o fato de já ter sonhado com aquilo me deixou um pouco aliviado. Retornei a atenção para Milena, pedindo para se acalmar e me dar mais detalhes.

A garota me explicou algo sobre aquelas portas guardarem a outra metade de nossos poderes e por isso cada uma era diferente da outra. Cada uma delas tinha duas iniciais e uma data que ela julgava ser a identificação para cada aluno.

— Se é isso que você diz. – engoli em seco, perplexo. – Devia contar para a Ienaga, não?

— Não. – Milena negou com a cabeça. – Ainda não é hora. Eu sei que sou a mais diferente da academia, é horrível como algumas pessoas me olham, suspeitando se eu tenho um poder ou não. – sua voz saiu feito um fio.

Senti um aperto no peito ao vê-la daquele jeito e imaginar outros alunos falando dela pelas costas. Milena dividia muitas opiniões naquela academia, se de um lado era tratada como boneca por outras garotas (antes da rixa entre os grupos, claro), do outro havia pessoas que cochichavam e lhe lançavam olhares de soslaio.

— Minha mãe me disse que eu não deveria mostrar o meu poder para ninguém além do R.C.E. – Milena falou baixinho. – Algo sobre eu ainda não estar pronta.

Havia algo estranho em sua fala.

— Você disse que já me trouxe aqui. – confirmei. – Por que fez isso de novo? 

— Bom, você vai esquecer de qualquer jeito. – ela deu de ombros e fungou. – Vamos embora, já chega. 

Meu estômago revirou-se e eu mordi o lábio inferior, temendo pelo que aconteceria depois.

— Quer dizer que eu esqueço tudo quando formos embora? – arregalei os olhos e instintivamente apertei sua mão mais forte.

Milena somente assentiu, o olhar voltado para baixo e a boca transformada em uma linha reta. O ar escapou de meus lábios e minha voz vacilou de desespero, apesar de eu tentar parecer calmo:

— E você vai me trazer aqui de novo?

— Sim. Afinal, você é meu irmão.

E puxou sua mão de volta para si lentamente, desfazendo nosso aperto. 

Escutei alguns passos a se aproximarem do bebedouro. Seu dono nos fitou de soslaio, provavelmente estranhando o fato de Milena estar encolhida e chorando. Dei um sorriso amarelo e acenei brevemente a fim de dizer que estava tudo bem. Não estava.

— Está se sentindo estranha? – encarei minha mão brilhando de suor.

— Não. – Milena ficou de pé.

— É que parece que falta alguma coisa. – esfreguei minha testa, confuso. – Um pedaço da nossa conversa. 

A garota deu um sorriso fraco, moveu a cabeça em negação e pegou sua mochila de volta.

— Obrigada, Norte. Por me ouvir. – e seguiu seu caminho pelo corredor.


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Notas finais do capítulo

Quando Milena vai contar do seu poder para os outros? E por que a Amanda saiu do grupo?

Capítulos a parte, desejo boa sorte a quem vai fazer o ENEM nesse domingo. Pode parecer que vocês não estudaram muito, mas tenho certeza de que estudaram o suficiente, relaxem, levem comidinhas leve e tenham fé que vocês vão passar!

Nos vemos no próximo capítulo.
Beijos.
—Creeper.



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