Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 59
O Rugido do Leão


Notas iniciais do capítulo

Na Casa de Capricórnio, Aioria reencontrará a assassina de seu irmão Aioros, enquanto Ikki finalmente é desperta na Casa de Virgem para enfrentar o Camerlengo.



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A Cavaleira de Virgem, Shaka, a mais próxima dos deuses, tem diante de si o enorme Cavaleiro de Touro, Aldebarã, e também o magnífico Cavaleiro de Ouro Miro de Escorpião, que havia descido de sua casa para evitar que ela e Aioria se matassem. Diante de um terrível impasse, Shaka percebeu que não poderia evitar que Aioria seguisse sua traição adiante e viu como o Cavaleiro de Leão deixou seu templo.

— Juntaram-se três Cavaleiros de Ouro para permitir que um traidor seguisse adiante, será que vocês não compreendem o pecado que acabaram de cometer? — perguntou ela.

— Shaka de Virgem, é você quem precisa compreender que sangue demais já foi derramado nesse Santuário.

A luta havia terminado finalmente, pois nem Aldebarã nem Miro queriam atravessar a Casa de Virgem, apenas estavam ali para manter Shaka ocupada.

— A garota na Casa de Áries está lutando e tem ao seu lado Niké, a Vitória. — falou a voz grave de Aldebarã.

— A mesma garota que vi lutar contra a Discórdia, selando seu poder e salvando as hospedeiras de seu infortúnio. — disse Miro para ela.

— Há quinze anos que os meus irmãos das montanhas são acusados de uma traição que nunca aconteceu. — tornou Aldebarã.

— Estão delirando. — debochou Shaka.

— Por que tem tanta dificuldade em admitir essa possibilidade, Shaka? É tão impossível que esteja errada? Se considera tão melhor do que todos nós?

— Atena está ao lado do Camerlengo Mestre Arles. — tornou ela.

— Esse que senta no trono do Camerlengo não é Arles! — vociferou Aldebarã.

— Como se atreve? — tentou Shaka, olhando para o enorme Touro.

— Há muito tempo que as vozes das montanhas contam sobre estranhos desaparecimentos no Santuário. Se Aioros realmente salvou Atena das mãos de um assassino, esse assassino não poderia ser outro que não o próprio Camerlengo.

— Isso é blasfêmia! — falou Shaka.

— E no entanto Atena agora sofre na Casa de Áries. — falou Aldebarã. — Quem é aquela que marcha ao lado do Camerlengo? Pois se não é Atena, certamente é uma farsa. Acha mesmo que o Camerlengo não notaria? Pense, Shaka! 

— Somente não notaria se a farsa fosse dele próprio. — adicionou Miro.

— Isso é loucura!

— Mas será que é mesmo, Shaka?

— Posso sentir seu coração cheio de dúvidas, Miro de Escorpião.

— Talvez pela primeira vez você esteja certa, Shaka, pois meu peito tem mesmo muitas dúvidas. E a dúvida é tudo que eu preciso nesse momento. Pois se você não tem qualquer dúvida, a errada só pode ser você. Olhe à sua volta!

Entre eles, o corpo moribundo de Ikki arrastava-se no chão tentando avançar atrás de Aioria, que já havia partido.

— Não importa o que façamos contra esses meninos e meninas, eles continuam a lutar.

— Não confunda a imensa tolice desses insetos com coragem, Miro.

— E a imensa tolice de um Cavaleiro de Ouro, como podemos medir? — perguntou ele.

— Eu nunca vi espírito de luta igual ao deles, Irmã Shaka. — adicionou o enorme e gentil Touro de Ouro. — Seus Cosmos são enormes e diferentes de qualquer coisa que jamais senti. E isso acontece porque ela está ao lado deles. Porque eles acreditam que ela é Atena.

— E se ela for realmente a Deusa Atena, Shaka? — perguntou Miro.

E pela primeira vez Shaka se calou.

— Se ela realmente for a Deusa Atena, qual terá sido o seu papel nessa Era? Logo você, que é a mais próxima dos deuses, não consegue reconhecer a Deusa que deve defender debaixo de seu próprio nariz, Shaka de Virgem.

Miro apontou para Ikki que continuava a rastejar no chão, seu Cosmo brilhante como nunca. A Fênix imortal ainda lutando dentro de si para fazer ecoar seu Cosmo de fogo tentando alcançar o Sétimo Sentido. Mesmo a ira nos olhos de Aioria não chegava perto da coragem daqueles jovens que lutavam.

A postura de Shaka alterou-se finalmente e ela fechou os olhos.

— Muito bem, Miro. Não é à toa que você é o Cavaleiro de Ouro mais terrivelmente obstinado que existe. Suas palavras são como a picada do Escorpião, e a dúvida que agora sinto dentro de mim não é outra senão o terrível veneno de suas ideias.

Ela caminhou até uma coluna próxima e tirou um enorme archote de fogo que queimava iluminando o lugar; com ele, Shaka foi até o corpo de Ikki e derramou as cinzas, o fogo e o carvão que queimava em cima de suas costas.

— Shaka! — gritou Miro, mas Aldebarã deteve o Cavaleiro de Escorpião.

A Cavaleira de Virgem colocou a mão no fogo que queimava e tomava o corpo de Ikki e seu Cosmo dourado inflamou-se ao redor.

— Levante-se, Fênix!

O fogo brilhou e aumentou de intensidade violentamente, criando uma pira enorme na Casa de Virgem. E se apagou num instante revelando Ikki de pé, os olhos afiados e a maravilhosa Armadura de Fênix em seu corpo. 

— Eu nunca conheci em toda a minha vida alguém tão embriagado de seu próprio ego, de tal modo que fosse incapaz de enxergar a verdade à sua frente. Você me causa pena, Shaka de Virgem.

Foi a primeira coisa que ela disse.

Shaka, no entanto, usou seu cosmo com a palma de sua mão e derrubou outro archote de fogo, causando um mini-incêndio em sua Casa de Virgem.

— Sabe para onde precisa ir? — perguntou ela para Ikki.

— Para bem longe de sua estupidez.

Deu dois passos para trás e Ikki pisou nas chamas que queimavam; elas também intensificaram e desapareceram de uma só vez. Ikki não estava mais lá.

— Para onde ela foi? — perguntou Miro.

— Ao Camerlengo. — respondeu Shaka. — Se o que dizem é verdade, somente ele poderá dizer.

— E você para onde vai? — perguntou Aldebarã ao vê-la caminhar dali.

— Ver essa garota pessoalmente.

Limitou-se a dizer Shaka, rumando para a Casa de Áries. Aldebarã e Miro entreolharam-se e então partiram para a saída, de modo que pudessem chegar logo até Aioria.

 

—/-

 

A tarde que se punha no horizonte já tingia o céu de cores fortes de um laranja poderoso a um amarelo grosso. Marin escalava os metros finais de um pico gigantesco; por muitas vezes ela caiu em plataformas abaixo carregada pelo terrível vento que soprava naquele lugar. Uma escalada de horas e horas sem descanso, mas em que ela finalmente alcançou o piso de pedra que estava no topo para se erguer e jogar-se deitada diante de um templo muito simples.

Ela nem podia acreditar que tinha conseguido chegar ao topo da Colina das Estrelas, um lugar proibido e inacessível até mesmo para os Cavaleiros de Ouro que, por outro lado, jamais se dispuseram a fazer uma escalada árdua como aquela. Mas ali ela estava.

O piso onde estava era de um bonito mosaico de pedra, um curto corredor largo ladeado por colunas gregas antigas levando para um templo cuja fachada fora esculpida na própria rocha da colina.

Marin colocou-se de pé com dificuldades e avançou pelo corredor, apoiou-se em uma coluna e então saiu da trilha que levava ao Templo, pois encontrou algo que estava ali para procurar. Ainda do lado de fora, à direita da construção, havia uma bonita moldura elíptica e muito alta, de pé sobre a rocha do chão segurada por um pedestal grande e largo.

— O Portal das Estrelas. — balbuciou ela.

Tirou das vestes uma pérola que havia trazido e encontrou uma reentrância na base daquele pedestal onde ela encaixava-se perfeitamente. Era um desenho em alto-relevo de uma bonita coruja; um de seus olhos faltava, pois era exatamente aquele que Marin havia trazido.

Ao colocar a pérola no olho direito daquela coruja esculpida, Marin ouviu o ressoar de um cosmo naquela moldura e então o vórtice de ar moveu-se no seu centro em milhares de cores.

— Está aberto. — disse ela, sabendo que havia concluído sua missão.

Deu as costas para aquele Portal e finalmente caminhou para a entrada do Templo da Colina das Estrelas.

Parado diante da entrada, no entanto, havia alguém.

Um Cavaleiro de Ouro.

O Cavaleiro de Gêmeos.

 

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No altar de Atena, sentado no trono de ouro guardado pelo mármore e pelas cortinas vermelhas, o Camerlengo meditava com seu magnânimo Cosmo de Ouro. O altar, iluminado pelo sol através de uma abóbada, mas também por muitos archotes e piras de fogo espalhadas pela bonita construção.

O fogo tornou-se violento nos archotes mais próximos e o Camerlengo precisou levantar-se de seu trono, pois sabia que algo terrível estava acontecendo ali. Sua meditação interrompida.

— Quem está aí?

De tal forma eram violentas as chamas que queimavam ali que os archotes caíram no chão e, da pira de fogo que se formou, finalmente Ikki de Fênix apareceu.

— Então você é o causador de toda essa guerra. — falou ela. — O Camerlengo Mestre Arles não é outro senão aquele que incorpora o próprio mal dentro do Santuário.

— Fênix? — perguntou o Camerlengo. — Achei que tivesse sido morta por Shaka, o que significa isso?

— Isso significa que o seus dias estão contados, maldito.

Uma risada maléfica ecoou pelo altar.

— Como se atrevem um traidor e um inseto a invadirem os aposentos de um servo de Atena como eu para proferir essas mentiras.

— Eu quero que você vá pro inferno, pois a mim você não engana mais, Camerlengo.

— É admirável sua capacidade de viajar pela vontade do fogo, Fênix, mas sua postura vai lhe garantir uma punição justa que também será aplicada a todos aqueles invasores. A morte.

— A morte me odeia, demônio. — falou Ikki. — Estou aqui para salvar Atena e exijo que me conte como isso pode ser feito.

— Atena está em seus aposentos. — falou o santo padre.

— Não me faça rir, deixe de teatro, pois aqui não está um de seus bajuladores cegos.

Uma garota, no entanto, atravessou a cortina vermelha atrás do altar; o Camerlengo desceu de seu trono e imediatamente ajoelhou-se diante dela. Ikki, no entanto, apontou seu dedo na direção da garota e disparou sua cosmo-energia, que atravessou a figura e a fez desaparecer.

— Eu já disse que esse truque ridículo está acabado, maldito.

Ainda ajoelhado, Ikki viu como o Camerlengo lentamente pareceu tremer aos poucos em uma risada que finalmente explodiu de seu peito, ecoando pelo altar de mármore.

— Muito bem, me parece que não há sentido em manter essa mentira. Mas pode se arrepender, Fênix, pois a verdade custou a vida de muitos e muitas que se atreveram a olhar para o que era real.

— Eu não tenho medo de você!

— Aquela garotinha morrerá dentro de algumas horas e não há como mudar isso.

— Não se preocupe, pois eu arrancarei o segredo de seu cérebro antes de te matar!

— Ora, Fênix, eu preferia mais quando lutávamos do mesmo lado.

— Vai se arrepender de ter mandado aquele inútil usar o feitiço contra mim.

— E você também desejará nunca ter interrompido minha meditação distante de onde estava. 

O Cosmo do Camerlengo era dourado e terrível, seus cabelos grisalhos vibravam com a força de sua energia.

— E agora outra vez me interrompe, pois saiba que não terá uma nova chance, Fênix. Mandarei você para um lugar em que nem mesmo as suas Asas poderão lhe salvar. De fogo nenhum você poderá brotar novamente.

Ikki queimou seu Cosmo de fogo e saltou para atingir o cérebro do Camerlengo com sua técnica devastadora, mas o enorme padre deteve o golpe de Ikki com apenas uma mão à frente. Uma risada demoníaca lentamente se espalhou pelo templo.

— Eu adoraria te matar lentamente, mas eu estou com pressa, criança.

— O que é isso?

A Cavaleira de Fênix viu como seus pés perderam o chão e ela começou a cair eternamente para um infinito que se abriu. O universo. As estrelas e galáxias colidindo. Planetas distantes e desconhecidos.

— Isso é a Outra Dimensão!

Que se fechou e Ikki simplesmente desapareceu do altar.

 

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Os quatro Cavaleiros de Bronze invadiram o Décimo templo, a Casa de Capricórnio, juntos como há tempos não haviam estado. O espírito renovado por terem visto em primeira mão o esforço de Aioros para salvar Atena e seus Cosmos pareciam ter se renovado com aquela injeção de ânimo.

Saltaram para dentro do templo com Aioria de Leão atrás.

Ele deteve-se um momento olhando para aquela fachada e seguiu os quatro jovens que iam adiante.

— Não há ninguém aqui. — comentou Shiryu, que nada podia sentir.

— Vejam aquilo! — anunciou Seiya.

À frente deles todos ,o corredor principal, mais escuro, desembocava em um salão muito lindamente iluminado onde uma imensa estátua de uma mulher perfeitamente esculpida com um elmo na cabeça entregava uma bonita espada para uma forma humanóide; sem exatidão se era um homem ou uma mulher. Apenas a forma de alguém ajoelhado. Se de um lado a mulher com seu elmo e vestido eram perfeitamente detalhada na escultura, a figura ajoelhada recebendo aquela dádiva era absolutamente disforme.

— Essa é Atena. — falou Hyoga.

— O que significa essa estátua? — perguntou-se Shun.

— É a Dádiva de Excalibur. — falou Aioria, chegando até eles.

— Excalibur? — perguntou Shiryu. — A lendária espada das Terras Altas?

— Sim. Dizem que um grande guerreiro da antiguidade lutou ao lado dos Cavaleiros de Atena nos tempos mitológicos e, a ele, a Deusa Atena concebeu a lendária espada, pois ele era o mais fiel entre aqueles que a seguiam.

— O mais fiel. — refletiu Seiya.

— Bem, não vamos perder mais tempo aqui. — adiantou-se Hyoga. — Vamos embora.

O Cavaleiro de Cisne tinha razão, portanto deixaram aquela bonita estátua para trás e seguiram para a saída da Casa de Capricórnio. Aioria deteve-se alguns instantes olhando aquela maravilhosa estátua e como a figura ajoelhada havia sido retalhada de mil maneiras até tornar-se disforme. Ele também seguiu para a saída.

Saíram da Casa de Capricórnio sem serem incomodados. Do lado de fora, a tarde ia morrendo alaranjada.

— Que ótimo, essa Casa não tinha nenhum guardião. — mencionou Shun.

— Ótimo. Agora faltam somente duas Casas. — falou Seiya. — Vamos em frente! Ei, Aioria! Assim vai nos atrasar.

O Cavaleiro de Leão estava no pé da pequena escada que descia pela saída do templo, enquanto eles já esperavam onde as largas escadarias recomeçavam mais adiante para a próxima casa.

— Sigam em frente, Cavaleiros de Bronze. — falou ele, gravemente.

— Do que está falando, Aioria, não virá conosco?

— Façam o que estou mandando ou morrerão aqui.

— Olha só, Seiya! — anunciou Hyoga.

De dentro da saída da Casa de Capricórnio finalmente surgiu uma figura forte, alta, cuja Armadura de Ouro tinha um bonito elmo com dois chifres longos para cima. Era a Cavaleira de Capricórnio, uma mulher de porte extremamente forte e os cabelos escuros e curtos.

— Por Atena, essa é… Essa é a jovem garota que matou Aioros.

Ficaram todos boquiabertos, pois na verdade aquela figura distinta não poderia ser confundida jamais, pois era justamente a Cavaleira de Ouro que havia dado cabo da vida de Aioros, embora ali às costas de Aioria ela estivesse certamente muito maior de quando era jovem, há quinze anos.

A Cavaleira de Capricórnio no alto do Templo e o Cavaleiro de Leão no pé da escada.

Aquelas duas figuras contrapostas trouxeram um imenso calafrio para os Cavaleiros de Bronze.

— Aioria… — lamentou Shiryu.

— O irmão de Aioros frente a frente com a mulher que o matou. — apontou Shun.

— Que história terrível.

Seiya tinha o coração pesado, mas Hyoga chamou atenção deles todos.

— Vamos embora daqui. — falou ele. — Por Atena, o que vai acontecer aqui está além de nossa compreensão. Temos de chegar até o Camerlengo.

Concordaram e olharam uma última vez para aquelas duas figuras ainda paradas no entardecer. E então partiram. Aioria viu como os Cavaleiros de Bronze sumiram nas escadarias e então virou-se para encarar um fantasma terrível.

 

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Ela tinha uma Armadura de Ouro de tom mais claro do que as demais, um porte altivo e definido, o passo pesado, a coluna ereta, uma postura magnânima e os olhos duros e de pouca expressão. Seus cabelos negros arrepiados pela noite apareciam debaixo de seu elmo chifrado. Uma capa branca esvoaçava atrás dela conforme os humores do vento daquele anoitecer.

Seus olhos escuros e duros não deixaram de encarar Aioria por um instante sequer enquanto descia as escadas para estar ao mesmo nível do Cavaleiro de Ouro. E assim que esteve, encararam-se por muito tempo, minutos, horas, talvez anos ou uma década.

Aquela mulher era a Cavaleira de Capricórnio, cantada por todo o Santuário como a mulher mais fiel à Atena, a salvadora da Deusa e a justa lâmina que deu fim à vida do traidor do Santuário. O irmão de Aioria, Aioros.

Por quinze anos, Aioria foi assombrado por esse passado, os estigmas dos pecados de seu irmão o atormentaram e o levaram ao ostracismo dentro da Ordem dos Cavaleiros, pois então já era um Cavaleiro de Ouro, muito jovem, mas já muito respeitado. Respeito esse que perdeu do dia para a noite. Uma Triste Noite.

Todos duvidavam de sua lealdade e, jovem como era, teve de calar a tristeza que sentia pela morte de seu irmão para que não o levassem como um seguidor de seus pecados. A saudade que lhe batia pelas noites frias da Grécia, ele escondia. O desprezo que fingia pelo irmão ao lado dos guerreiros também se acumulava dentro dele feito uma mágoa gigante.

E, por quinze anos, viveu ao lado de alguém que era venerada e adorada por ter matado seu irmão. Que era um exemplo de Cavaleiro. Tinha de ser como ela. Ela era o modelo a ser seguido, a lealdade por Atena acima de tudo, capaz de matar seu próprio Mestre por sua missão. Matar seu irmão amado.

— Veio para se vingar, Aioria?

O Cavaleiro de Leão cerrou os punhos.

Ele era já um homem, que por outras vezes lutou ao lado daquela mulher em Guerras no passado, fingindo sempre dentro de si que, maduro como estava, havia superado as dores daquele terrível passado. Ora, ela apenas cumpria sua missão. Uma terrível missão.

Mas a verdade é que Aioria ainda tinha dentro de si quinze anos renegando seu próprio irmão, escondendo seus sentimentos e, em certos dias, efetivamente odiando ter nascido da mesma mãe. E a dor que isso lhe causava retornaram com imensa força ao ver aquela figura de ouro. A responsável por ele nunca ter tido uma chance de falar ao seu irmão uma última vez, como tantas noites insones ensaiou.

— Vai lutar comigo ou vai me deixar passar? — perguntou ela.

Aioria não respondeu imediatamente, pois nunca soube ao certo quais eram as palavras certas a dizer para aquela mulher. Mas então a Cavaleira de Capricórnia, diante da falta de resposta, colocou-se a caminhar adiante.

— Onde pensa que vai, Shura de Capricórnio? — bradou Aioria, finalmente.

Shura parou e olhou-o longamente nos olhos.

Justamente por esse terrível passado, aqueles dois Cavaleiros de Ouro raramente encontravam-se depois da Triste Noite. Mas nem sempre fora assim, uma vez que ambos foram treinados pelo mesmo mestre; o companheirismo de quando eram jovens não resistiu ao tempo e às dores.

— Vou matar os traidores antes que cheguem à Casa de Aquário.

— Eu não deixarei! — vociferou Aioria.

Dentro de si, Aioria não deixaria que Shura matasse mais nenhum outro traidor. Por muitos anos escondeu como queria ser forte para evitar que ela tivesse matado o maior traidor de todos. Seu irmão amado.

— Vejo que ainda nutre um profundo ódio por mim, Aioria.

— Não é sobre isso! — vociferou ele de volta. — Aqueles jovens Cavaleiros de Bronze lutam pela vida de Atena.

E então um lampejo cortou o chão debaixo de Aioria, que precisou saltar para evitar ser cortado ao meio; no seu lugar, ele percebeu que uma gigantesca fenda simplesmente separou o piso do lugar, criando um abismo. A força do punho de Shura era gigantesca.

—  Não se atreva a falar o nome de Atena. — pediu Shura. — Não na minha frente.

Ao pousar do outro lado daquele abismo entre os dois, Aioria cerrou os punhos gerando eletricidade ao seu redor.

— A Atena que você protege é uma farsa, Shura.

Como era de se esperar, outro facho de luz rasgou o chão abrindo outra fenda, dessa vez menor. Aioria observava aqueles fachos de luz cortantes, que pareciam seccionar o próprio ar e, embora já os tivesse visto antes em batalhas anteriores, desde que havia experimentado a Triste Noite pela memória da Armadura de Sagitário, o Cavaleiro de Leão sentiu um enorme calafrio de sentir na pele o que rasgou o peito de seu irmão.

— Eu vi a noite que acertou meu irmão com esse golpe.

Shura olhou para Aioria um tanto confusa.

— A memória de Aioros reside na Armadura de Sagitário e ela me mostrou tudo que aconteceu há quinze anos atrás. — falou Aioria. — O quanto sofreu naquela noite também.

— Aquela noite está há quinze anos atrás. Existe uma invasão em curso no Santuário, Aioria de Leão.

— Será que você não compreende que tudo o que está acontecendo aqui agora é resultado daquela noite?

— Naquela noite um traidor foi condenado à morte. Nesta noite, os invasores serão punidos. Eu lamento que você esteja ao lado deles.

— Meu irmão tentou lhe falar a verdade!

— O seu irmão está morto! — bradou Shura partindo o peito de Aioria. — Saia da minha frente e deixe-me cumprir o meu papel.

— Droga. — ralhou Aioria. — Se não foi capaz de ouvir a verdade de seu próprio mestre, eu suponho que nada adianta eu tentar lhe convencer.

Shura tinha olhos cerrados de modo que aquelas palavras não a moviam de forma alguma.

— Prepare-se, Shura!

— Então finalmente lutaremos. — disse ela.

— Por Atena. — disseram os dois.

 

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Aioria de Leão de um lado, Shura de Capricórnio do outro. Um abismo entre os dois.

Saltaram cada um de seu lado e chocaram-se no meio; seus corpos arremessados cada um para o outro lado do abismo novamente; Aioria então saltou finalmente aquela distância para engajar com Shura mais proximamente.

O braço direito de Shura, no entanto, era fatal, e fatiou um pedaço do braço desprotegido de Aioria assim que ficou ao lado da Cavaleira de Capricórnio.

— Se não vai lutar a sério, então saia do meu caminho, Aioria.

Aioria lançou sua energia cósmica, da qual Shura precisou esquivar-se na velocidade da luz, lançando-a de volta fatiada no ar; seu Cosmo não cortava apenas o piso em que o Leão se apoiava, mas parecia mesmo capaz de obliterar os átomos ao redor, criando pequenas explosões por onde aquele cosmo de ouro passava.

O Cavaleiro de Leão foi atingido e seu elmo rolou para perto do abismo. 

Diante dele surgiu a imensa figura daquela mulher austera.

— Levante-se, Leão. — pediu ela, séria.

— Por que não ouviu meu irmão, Shura? Por que não escutou o seu mestre?

— Já são quinze anos, Aioria. Cresça!

— As marcas naquela estátua ainda são recentes. — ralhou ele, levantando-se com dificuldades. — Não finja para mim que se esqueceu!

Mas Shura o deixou falando sozinho e saltou o abismo às costas de Aioria para seguir os Cavaleiros de Bronze.

— Shura! — bradou o Leão e seu Cosmo elevou-se feito um trovão. — Não dê as costas para mim!

— Eu não tenho tempo para isso, Aioria. O Santuário está sendo invadido e não posso ficar aqui parada escutando suas lágrimas.

Aioria virou-se para ela e então toda a mágoa de quinze anos, pareceu manifestar-se em seu enorme Cosmo de Ouro.

— Aquela Atena em seu colo era uma ilusão, Shura! — acusou Aioria fazendo com que ela parasse a sua marcha finalmente. — Uma ilusão do Cavaleiro de Gêmeos. Eu vi com meus próprios olhos como ele a entregou para você e a enviou de volta ao Santuário.

— Como você… — perguntou-se Shura, pois não havia como Aioria saber daquele seu mais íntimo segredo.

— Talvez você tenha retornado ao Templo, deixado aquela criança em seu berço e velado até o retorno do Camerlengo. Foi isso que aconteceu, não foi?

— Eu não tirei os olhos daquela criança um segundo sequer.

— Pois era uma farsa. — falou Aioria. — A verdadeira criança ainda estava lá. Aioros a salvou novamente e agora ela sofre na Casa de Áries tentando convencer à todos nós que ela é aquela que todos nós negamos à ela ser: a Deusa Atena.

Shura finalmente virou-se enfurecida.

— Você mente!

Ela levantou seu braço direito e sua voz exclamou no anoitecer:

— Excalibur!

O feixe era ainda mais violento e Aioria precisou saltar na velocidade da luz para fugir àquele punho cortante, mas mesmo que o fizesse, sentiu seu braço esquerdo ser fatiado nos espaços da Armadura de Ouro. Ainda no ar, sentiu que Shura havia trancado-o em uma chave de pernas e usado o momento ao seu favor para lançá-lo de volta à Casa de Capricórnio, onde o Cavaleiro de Leão espatifou-se contra uma pilastra da saída e caiu deixando seu elmo rolar.

Com dificuldades, Aioria lentamente levantou-se novamente. Era assustador o poder de Shura e ainda mais poderoso o sentimento que ele tinha no peito de experimentar a mesma morte que havia levado seu irmão.

— Já não posso ignorar seus pecados, Aioria.

— Acorde, Shura. — pediu o Cavaleiro de Leão. — Sabe que eu não poderia inventar tudo que estou falando.

E então foi acertado outra vez por Shura com um chute incrível que o jogou para o lado esquerdo do templo. A Cavaleira de Capricórnio, no entanto, pareceu dar por si e de seu breve descontrole que havia nublado sua mente para sua real missão naquela noite. E sem dizer qualquer palavra, deu outra vez as costas para Aioria, pois ela precisava mesmo era impedir aqueles Cavaleiros de Bronze de chegar em Aquário.

— Não! — gritou Aioria às suas costas. — Lute comigo, Shura! Não vou deixar que vá.

— Não há ninguém aqui capaz de me deter. — falou Shura para Aioria. — Eu luto por Atena, mesmom aqueles garotos acreditam lutar por Atena. Você aqui luta apenas por si próprio e sua mágoa.

— Luto por meu irmão.

O nome caiu feito uma bomba no semblante de Shura e a voz de Aioria tornou-se grave e retumbante como seu cosmo.

— Vai ter de enfrentar o rugido do leão!

A Cavaleira de Capricórnio finalmente viu-se diante de um oponente decidido.

— Já era hora. — provocou a Cavaleira de Ouro.

Shura ardeu também seu Cosmo magnânimo e esticou seu braço direito de forma ereta ao lado de seu corpo. Seu Cosmo dourado era tão poderoso que Aioria podia ver com clareza como aquele braço direito de Shura parecia distorcido, pois o cosmo cortante de Capricórnio era capaz de seccionar até mesmo a luz ao seu redor.

Por mais impressionante que ela fosse, ele sabia que eram dois Cavaleiros de Ouro e seus Cosmos se equiparavam no limite de suas forças; de modo que aquela batalha se estenderia por dias e dias a fio. O seu real intento era de que ao menos mantivesse Shura ocupada na esperança de que Seiya e os demais Cavaleiros de Bronze conseguissem salvar Atena.

Por outro lado, no entanto, seus olhos também ardiam, pois há quinze anos reprimiu uma terrível vontade de acertar as contas com aquela mulher pelo que havia feito ao seu irmão. Parecia ser a chance perfeita. E seu Cosmo estalava o ar ao redor. Estava decidido. Sua voz rugiu feito um leão.

— Enfrente os meus Relâmpagos de Plasma!

A Cavaleira de Capricórnio ergueu seu braço direito que distorceu-se ainda mais no ar, mas no momento exato de usar sua lendária espada, ela nada fez. Seu corpo foi retalhado pelos relâmpagos de plasma com violência, jogando-a contra as escadarias que levavam à Casa de Aquário, atingida sem qualquer defesa.

Os olhos de Aioria imediatamente quase saltaram de suas órbitas ao ver o que havia acontecido.

— O que aconteceu, Shura?!

Do outro lado do abismo, a Cavaleira de Capricórnio estava deitada em uma cratera formada por sua queda nas escadarias. Sem se levantar. Sem condições de se levantar.

Aioria foi até ela.

— Por que não me atacou com a Excalibur? — perguntou ele.

Shura balbuciava e gaguejava, arrasada pela técnica do Leão; deitada, tremia de dor e um filete de sangue desceu-lhe pela boca enquanto ela procurava o ar em seu peito. E foi com muita dificuldade que finalmente sua voz foi ouvida por Aioria.

— Eu não suportaria a morte de outro amigo em minhas mãos. — falou ela com os olhos cansados e deixando-se descansar na pedra.

— Shura… — lamentou Aioria indo até ela. — Não, por favor, não diga que me obrigou a te atacar. Por favor, resista!

E a Cavaleira de Capricórnio juntou todas as forças que tinha para falar mais uma vez.

— Aioria, você perguntou porque não escutei o meu mestre, seu irmão, Aioros. — começou ela com lágrimas que lhe apareceram nos olhos. — O que vi naquela noite foi um rastro de destruição e morte. Jovem como era, eu acreditei naquilo que meus olhos podiam ver, sem dar atenção às palavras que meus ouvidos podiam escutar.

— Shura…

— Não ouvi suas palavras naquela triste noite. Mas nunca mais as esqueci e não teve uma noite desde então que eu não tenha pensado nelas.

— Fomos enganados, Shura. Todos nós. — lamentou Aioria.

— Quantas vezes eu tentei te encarar, Aioria... mas encará-lo era lembrar de nosso mestre. Lembrar de Aioros. E eu tentei por milhares de vezes falar com Atena, pedir sua ajuda, pedindo que falasse ao meu Cosmo se eu havia feito certo.

— Ela nunca esteve aqui, Shura.

— Por quinze anos achei que não fosse digna de seu amor; eu, a quem chamavam de a mais fiel à ela.

— Pois agora ela está entre nós, Shura. Resista e lute ao nosso lado.

— Já é tarde demais para mim, Aioria. — ela suspirou em dor. — Não suportaria viver um dia mais com essa culpa.

— Droga, Shura…

A Cavaleira de Capricórnio repousou na pedra e seu rosto caiu para o lado, sua respiração pela última vez abandonou seu corpo. Aioria tinha nos seus braços o corpo daquela que tirou a vida de seu irmão, o peito cheio de tristeza por tantas mortes, mas os olhos cheios de violência e ira.

— O tanto de desgraça causada por esse homem. — falou ele sozinho. — Quem será o homem por trás daquela máscara? Quem será essa pessoa capaz de causar tanta destruição?

Ele levantou-se jurando e amaldiçoando o templo no alto da montanha que dali já assomava na distância.

— Aioria.

Ele virou-se e viu que Aldebarã e Miro se aproximavam.

— Shura. — agachou-se o gigante Touro ao lado da mulher, muito triste. — Oh, Shura.

— Sabemos quem pode estar por trás disso, Aioria. — falou Miro.

— O que querem dizer? — perguntou o Leão.

Mas os três foram invadidos por uma sensação terrível: uma explosão de Cosmos próxima dali. Uma explosão fatal que tirou o fôlego do Cavaleiro de Escorpião ao ponto dele cambalear para o lado. Seus olhos imediatamente buscaram a próxima Casa e antes que qualquer um ali pudesse detê-lo, ele partiu.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: É poético e importante que a Casa Zodiacal imediatamente depois de Sagitário seja de Capricórnio, a casa de Shura que matou Aioros. E acho que também faz todo sentido que Aioria e Shura acertem algumas contas, como fizeram em Soul of Gold. Um pouco da angústia de Shura eu tirei do Episódio G.

PRÓXIMO CAPÍTULO: O ZERO ABSOLUTO

A Casa de Aquário é palco de um reencontro e uma batalha dramática entre mestre e pupilo: Hyoga x Camus.



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