Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 57
Rendição ou Morte


Notas iniciais do capítulo

Hyoga volta à vida graças aos esforços de Shun e encontra Seiya e Shiryu em apuros na Casa de Escorpião contra Miro, o Cavaleiro de Ouro que Cisne reconhece como aquele que interferiu na batalha contra Éris.



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Enquanto a chama da Casa de Escorpião se extinguia no Relógio de Fogo, Hyoga abriu os olhos e limpou as lágrimas que lhe escorriam do rosto, mas então percebeu que não chorava. Era seu corpo inteiro sentado à luz do sol que estava molhado, seus cabelos colados ao rosto e uma poça de água ao seu redor. Ao seu lado, estava o corpo desacordado de Shun.

Sua memória então o fez lembrar dos motivos pelos quais tinha o peito tão pesado de tristeza, pois havia sido trancado em um esquife de gelo eterno por seu próprio Mestre amado. Não compreendia o que Shun fazia ao seu lado desacordado, mas ao colocar a mão no amigo para que pudesse melhor ver o seu rosto, sentiu percorrer dentro de si um estalo que lhe trouxe uma forte memória.

O abraço terno de Shun. O Cosmo quente de Andrômeda.

— Hyoga, você está bem? — perguntou Shun, abrindo os olhos com dificuldades.

— O que aconteceu, Shun?

— Conseguimos tirá-lo do esquife de gelo, mas seu corpo estava quase congelado.

— O que você fez? Não me diga que sacrificou seu Cosmo por mim?

— Faria o mesmo por todos os meus amigos.

— Ah, Shun…

Hyoga levantou o amigo e abraçou-o enquanto lágrimas finalmente desciam-lhe de seus olhos.

— Não pude ser forte para enfrentar o meu Mestre e meus sentimentos, atrasei a todos vocês colocando a vida de Atena em risco e ainda dependi do seu Cosmo incandescente para que eu pudesse ter uma segunda chance.

Mas Shun estava outra vez desmaiado e Hyoga percebeu que as lágrimas em seus olhos eram exatamente o motivo pelo qual ele estava fora de combate. Levantou-se e limpou-as com raiva; podia ficar ali lamentando, mas percebeu que a melhor maneira de seguir adiante era marchar pelas escadarias para o próximo templo e se redimir com seus amigos. Tomou o corpo de Shun nos braços e seguiu.

 

—/-

 

Por toda a subida, Hyoga sentiu-se fraco, mas a cada passo decidiu que seria mais forte. Por Shun em seus braços e por seus amigos que já lutavam na Casa de Escorpião, ele tinha certeza, pois era claro que, a cada passo que dava, uma terrível batalha era travada no templo adiante.

Assim que chegou, logo sentiu os Cosmos de Seiya e de Shiryu sofrerem uma drástica interrupção em seus universos, como se atingidos terrivelmente. Ele não perdeu mais tempo e entrou no templo de uma vez para ver uma figura com uma Armadura de Ouro prestes a desferir o que parecia ser o golpe final nos corpos de seus amigos, que estavam conscientes, mas à mercê de seu oponente.

Tanto Seiya como Shiryu viram, pois estavam muito próximos do Cavaleiro de Ouro, que ele hesitou em dar cabo de suas vidas e tornou sua atenção para a entrada do templo. Os dois olharam por sobre os ombros e viram como Hyoga de Cisne caminhava templo adentro com seu Cosmo gélido queimando. O corpo de Shun no colo.

O rosto do garoto era resoluto, ninguém jamais imaginaria a tristeza que queimava em seu peito e as lágrimas que rolaram de seus olhos há poucos degraus abaixo. 

— Hyoga de Cisne? Não é possível, não pode ser! — surpreendeu-se o Cavaleiro de Escorpião. — Camus o derrotou na Casa de Libra. O que está fazendo aqui?

Hyoga continuava marchando em sua direção.

— Como ele pode ter saído do esquife de gelo? — perguntou-se o Cavaleiro de Ouro.

Com Shun nos braços, Hyoga parou exatamente entre o corpo de Seiya e Shiryu feridos no chão e encarou o Cavaleiro de Escorpião à sua frente. Sua Armadura de Ouro tinha um espinho em cada ombreira, pinças retraídas nos braços e seu elmo alongava-se nas costas como a cauda de um terrível escorpião. Aquele era precisamente o magnânimo Cavaleiro de Ouro que interrompeu sua batalha contra o Fantasma de Éris, agora já há muitos dias nas Ruínas da Discórdia. O dia terrível em que Hyoga perdeu uma parte de seu coração.

O garoto viu como no rosto do Cavaleiro de Ouro desenhou-se um curto sorriso, como se Hyoga já chegasse ali vencido pelas dores que não podia superar em seu peito.

— Hyoga, você está bem? — perguntou Seiya do chão.

— Sim. — respondeu ele, sem tirar os olhos do Escorpião. — E eu tenho a todos vocês para agradecer.

Hyoga respirou fundo e continuou.

— Eu achei que todas as minhas lágrimas já haviam secado, mas Shun conseguiu conduzir o seu Cosmo ardente até o interior do meu corpo que estava congelado. — e lágrimas outra vez escorreram de seu rosto para pingar no rosto jovem de Shun no seu colo. — Não, ele fez mais do que isso. Ele trouxe novamente o meu coração congelado de volta à vida.

— Eu apenas o fiz lembrar da sua enorme vontade de viver. — balbuciou Shun, abrindo os olhos.

O Cavaleiro de Andrômeda acordou no colo de Hyoga e colocou-se em pé com alguma dificuldade. Hyoga tinha um sorriso breve desenhado no rosto para seu amigo, e então olhou severamente para Seiya e Shiryu.

— Levantem-se daí imediatamente. Esse tipo de ferimento nada significa para vocês! — ordenou ele para os amigos. — Temos de chegar até o Camerlengo!

Seiya sorriu para o amigo e, com imensa dificuldade, tanto ele como Shiryu, levantaram-se aos poucos.

— Estão sonhando.

O Cavaleiro de Ouro disse a todos eles.

— Um sonho? — perguntou Hyoga.

— Isso. Chegar ao Camerlengo não passa de um sonho inocente, Hyoga.

Os olhos do Cavaleiro de Ouro abriram-se como se ele houvesse se transformado em um maníaco, de modo que tanto Seiya como Shiryu sentiram seus corpos paralisarem diante daquela presença terrível. Hyoga fechou os olhos e então abriu-os para encarar o Cosmo de Ouro; falou com sua voz decidida.

— Cavaleiro de Ouro, por acaso você está dizendo que um sonho tem o mesmo significado de algo impossível? Somente aqueles que desistiram de viver acham que os sonhos são impossíveis.

Hyoga apontou na direção do Cavaleiro de Ouro e de seu dedo uma energia congelante disparou envolvendo e espalhando uma névoa ao redor do Escorpião. Ao se dissipar, a névoa deixou envolveu Escorpião em alguns anéis brancos de gelo.

— Eu conheço sua técnica, já se esqueceu, Cavaleiro de Ouro? E esse é o Círculo de Gelo. Agora é a sua vez de ficar imóvel.

O número de círculos de gelo ao redor do Cavaleiro de Ouro aumentou, trancando-o ainda mais fortemente. Hyoga virou-se para os amigos.

— Seiya, Shun, Shiryu. Sigam para a Casa seguinte. 

— Mas Hyoga… — começou Seiya, preocupado. — Você talvez não esteja em condições de lutar, já que...

— Deixe comigo que eu vencerei e logo estarei junto de vocês. — bradou ele.

— Hyoga… — tentou Shiryu, também preocupada.

— Vocês fizeram um grande esforço para me salvar da morte e eu sou grato por isso. — falou, sorrindo brevemente para eles. — Não desperdiçarei essa vida.

Seiya e Shun entreolharam-se, decididos.

 

—/-

 

Os três Cavaleiros de Bronze deixaram a Casa de Escorpião e Hyoga de Cisne ficou para trás para encarar o Cavaleiro de Escorpião. O Cavaleiro de Ouro puxou a capa branca que lhe caía das costas e abriu os braços quebrando o círculo de gelo que o paralisava. 

— Você é muito ingênuo, Hyoga. Achou que poderia impedir meus movimentos com tão fraca energia congelante?

— Escorpião, essa não era a minha intenção. Eu só queria que meus amigos saíssem dessa Casa a salvo.

— Eu entendi. Quer lutar sem que ninguém nos perturbe. Está bem, eu lutarei como você quiser.

— Vejo que já me conhece, Cavaleiro de Ouro. — comentou Hyoga, pois de fato havia uma familiaridade no tom de voz daquele homem. 

— Você é Hyoga, o discípulo de Camus de Aquário. Seu Mestre me pediu permissão para atravessar essa Casa de Escorpião para lhe dar um enterro digno.

Hyoga lembrou-se de seu Mestre na Casa de Libra e de sua terrível lição, bem como de sua falta de força que o enterrou naquele esquife de gelo inquebrantável, ao qual precisou da ajuda de todos seus amigos para ter aquela nova chance. Uma nova chance para lutar. Lutar por Atena, que precisava dele.

— Eu também me lembro de você, Cavaleiro de Ouro. Você é aquele que apareceu para combater Éris nas Ruínas da Discórdia.

— Sou Miro de Escorpião. — apresentou-se ele, enfim.

— E o que faz colocando-se em nosso caminho, Miro de Escorpião? Não presenciou a presença da Deusa Atena naquela ocasião?

— Então você também acredita no delírio de seus amigos que aquela garota caída na Casa de Áries é a Deusa Atena? Você, mais do que ninguém, deveria saber que a Deusa Atena foi capaz de derrotar a maléfica Éris ao mesmo tempo que resgatou e mudou o destino terrível daquelas garotas. Aquela menina ferida na Casa de Áries sequer foi capaz de se defender de uma simples seta.

— Não é uma simples seta. — vociferou Hyoga. — É uma Flecha de Ouro.

— E que diferença faria para uma Deusa como Atena? Para aquela Deusa Atena capaz não só de vencer a Discórdia, mas também de mudar o destino das pessoas?

— Mu e Aioria estão ao nosso lado.

— Pois esses nunca estiveram do lado do Santuário de qualquer forma. O que há aqui são invasores que por qualquer milagre venceram uma Cavaleira de Ouro como Máscara da Morte e por esse motivo serão considerados inimigos. Você deveria ter ficado naquele esquife de gelo que seu Mestre criou para você, Hyoga.

— Eu não tenho interesse nenhum em morrer, Miro de Escorpião!

— Pois é exatamente o que vai acontecer se quiser lutar comigo e você sabe muito bem disso. Seu próprio Mestre lhe disse isso.

— Do que está falando?

— Não é capaz de vencer os Cavaleiros de Ouro enquanto for fraco por tantos sentimentos que lhe prendem, Hyoga.

O Cavaleiro de Cisne calou-se por um momento, pois aquele Escorpião parecia saber mais dele do que julgaria possível; mas havia também uma breve ironia que Hyoga lembrou-se muito bem.

— E quanto à chance que deu à Shoko e sua irmã? — perguntou finalmente Hyoga, lembrando-se dela.

— Do que está falando?

— Eu me lembro de cada palavra que foi dita naquele dia, Miro de Escorpião. Shoko pediu que desse uma chance para ela e para sua irmã, e você respondeu que já havia lhes dado uma chance antes.

O Cavaleiro de Ouro amainou os olhos, procurou em suas memórias aqueles eventos e deixou escapar um sorriso no rosto.

— Você a ama, não é verdade, Hyoga? — perguntou ele de olhos fechados, como quem fala a uma criança.

— E você deu a elas uma chance. Como pode me julgar então, Miro de Escorpião?

Miro, no entanto, não respondeu e ardeu seu cosmo dourado; quando viu seus olhos novamente, Hyoga percebeu que a técnica paralisante manifestava-se com ainda mais força. Seus olhos ganhavam certa profundidade carmesim e os contornos de sua Armadura de Ouro tornavam-se mais pontiagudos e davam uma certa ilusão de que pequenos espinhos proliferavam-se pelo metal dourado, assemelhando à carapaça de um escorpião. Era efetivamente como olhar para um escorpião peçonhento no chão. Um medo paralisante.

— Já devia ter se dado conta de que sua paralisação não funciona comigo, Miro.

Hyoga tinha o corpo esbranquiçado, que o Cavaleiro de Ouro logo percebeu ser o motivo pelo qual sua restrição não atingia o Cavaleiro de Cisne, pois ele cobria-se com sua energia congelante impedindo seu golpe de funcionar.

— Reconheço que você seja mesmo um grande discípulo de Camus de Aquário, conhecido como o Mago do Gelo. — observou o Cavaleiro de Ouro. — Nesse caso não tentarei paralisá-lo e vou perfurá-lo com a minha Agulha Escarlate!

Miro queimou seu Cosmo intensamente e Hyoga viu em sua mão formar-se uma esfera escarlate; ele então decidiu equiparar seu Cosmo, ascendendo as asas de sua Constelação de Cisne trazendo à Casa de Escorpião uma névoa fria e congelante. Os dois cosmos se desafiaram e suas vozes ecoaram contra as colunas do templo.

— Agulha Escarlate! Pó de Diamante!

A energia congelante de Hyoga atravessou o templo e chocou-se contra o veneno carmesim de Miro; as duas forças interpolaram-se no centro e os dois viram-se tragados pelo vórtice de energia. Hyoga teve certeza de que desviou do golpe de Miro quando passou por ele e viu atrás de si como o Cavaleiro de Ouro lentamente foi coberto por uma camada de gelo dos pés à cabeça.

— Consegui. — pensou ele.

Mas não demorou muito para que o gelo começasse a rachar, revelando, ainda por dentro, uma aura dourada.

— Eu disse que não poderia parar os meus movimentos com um ar frio tão fraco. — falou Miro, de costas para ele. — Agora preocupe-se com você, Hyoga.

Cisne tentou aproveitar-se para atacá-lo novamente, mas sentiu uma dor terrível no peito. Uma pontada aguda que irradiou pelo braço direito. Olhou para sua proteção de bronze e encontrou um buraco quase imperceptível; era como se, de fato, uma agulha o houvesse perfurado a Armadura e o peito. A dor era terrível e irradiava para o braço e o resto do corpo.

— É o veneno da Agulha Escarlate. — falou Miro, virando-se para ele. — Você foi ferido pela picada do Escorpião de Ouro. 

Ele estendeu novamente seu braço na direção de Hyoga e o garoto viu, pela primeira vez, que Miro tinha uma única unha vermelha, comprida e afiada no indicador direito. O Cavaleiro de Ouro apontou-o na direção de Hyoga e disparou outra vez alguns fios carmesins imperceptíveis em sua direção.

Outras três picadas do Escorpião atingiram Hyoga. Ele urrou de dor, pois a cada picada invadia seu corpo um veneno agudo.

— A Agulha Escarlate ataca o sistema nervoso central e paralisa todo o seu corpo, causando uma dor muito intensa. — explicou Miro.

Hyoga levantou-se com dificuldades e viu que havia outras pequenas perfurações por seu corpo onde havia sido atingido.

— Mas a Agulha Escarlate não vai acabar com você de uma só vez. Você tem a opção de escolher entre se render ou morrer. E eu vou lhe dar tempo para pensar sobre isso. Você tem quinze picadas para pensar bem na sua vida, Hyoga. Essas quinze picadas representam as quinze estrelas da Constelação de Escorpião. Renda-se ou morrerá muito antes de receber todas as picadas do Escorpião.

O Cavaleiro de Ouro novamente ascendeu seu Cosmo e sua unha carmesim brilhou outra vez, ameaçando atingir Hyoga outras vezes.

— E então, Hyoga? Vai se render ou vai morrer?

A unha carmesim brilhou e outra picada mordeu Hyoga no estômago. Era já a quinta estrela da Constelação.

— Nunca existiu alguém que tenha recebido as quinze picadas da Agulha Escarlate, Hyoga. Ninguém suporta passar da sétima picada e então aqueles que me enfrentam começam a clamar por piedade.

— Você deveria saber que eu não sou igual a nenhum deles, Miro! Eu vou lutar até o fim, entendeu?! Prepare-se!

Hyoga levantou-se com dificuldades e ascendeu seu Cosmo de gelo lembrando-se da imensidão que sentiu quando Shun o salvou na Casa de Libra. O tamanho que tinha o universo e de como ele poderia tocar todas as estrelas se ardesse sua vida em seu Cosmo.

— Enquanto eu tiver essas asas, eu lutarei até o fim!

Bailou comandando o gelo ao seu redor.

— Você vai se arrepender quando perder essas asas, Hyoga. — debochou Miro. 

— Pó de Diamante! — exclamou o garoto.

— Seu ar frio mal pode congelar a minha pele, por que não desiste?

Hyoga não desistiria, mas foi atingido outras quatro vezes pelas picadas da Agulha Escarlate em seu corpo. Agora suas duas pernas haviam sido atingidas duas vezes cada em pontos diferentes.

— Esta foi a nona picada. Se receber mais uma, será como um cadáver vivo, caso sobreviva. — falou Miro. — Agora escolha: vai se render ou vai morrer?

O Cavaleiro de Cisne estava letárgico e seu ouvido zunia, tamanha dor que lhe irradiava pelo corpo inteiro. Colocar a mão no chão e forçá-la para que pudesse se levantar lhe causava uma dor lancinante; o garoto rangia os dentes e buscava o apoio de suas pernas, que também formigavam de dor.

— Não perca seu tempo. — falou outra vez Hyoga. — Eu não vou escolher nenhuma delas. 

Miro tinha os olhos confusos com aquela resolução toda e viu Hyoga outra vez colocar-se de pé, um tanto trôpego e cambaleante.

— A minha resposta é a mesma! — falou Hyoga com a fala prejudicada entre os dentes. — Lutarei até o fim, Miro!

— Parece que não vai mesmo mudar de ideia. — observou Miro ao ver o garoto balançar de um lado ao outro tentando equilibrar-se. — Deve estar já totalmente paralisado de dor, mas em respeito ao seu inabalável espírito de luta vou lhe aplicar outra picada da Agulha Escarlate;  dessa forma, você se tornará o primeiro oponente que terá a honra de chegar à décima.

— Acha mesmo… — começou a balbuciar Hyoga, para assombro de Miro. — Acha mesmo que vai conseguir me atacar desse jeito, Miro?

Hyoga equilibrou-se finalmente e Miro não podia acreditar naquilo, mas ao tentar se mover, o Cavaleiro de Escorpião percebeu que seus pés estavam congelados e pregados ao chão do templo.

— Como pode ser possível isso?! — perguntou-se Miro, sem conseguir se desvencilhar do gelo que lhe prendia os pés.

— Não posso congelar seu corpo por inteiro, mas concentrei meu Cosmo para que você não pudesse escapar da minha técnica mais forte. Está preparado, Miro de Escorpião?

O Cavaleiro de Cisne ascendeu seu Cosmo fazendo com que seus cabelos vibrassem com sua enorme energia; quanto mais letárgico as Agulhas Escarlates o tornavam, mais seu Cosmo parecia capaz de alcançar o universo.

— Trovão Aurora!

Hyoga adiantou-se com fúria e atingiu Miro com um gancho poderoso que manifestou um tufão de gelo cristalizado que ergueu o Cavaleiro de Ouro na Casa de Escorpião e arremessou seu elmo de ouro para longe. O Cavaleiro de Cisne foi invadido de uma sensação reconfortante de quem havia conseguido dar cabo de sua tarefa hercúlea, mas o corpo de Miro não espatifou-se diante dele como esperava, mas pousou graciosamente sorrindo para ele.

— Hyoga, eu sinto muito, mas o ataque do seu Trovão Aurora não me fez nada. Você está com o corpo todo paralisado por causa da Agulha Escarlate, a força do seu punho está muito longe do que você acredita ser. — então sorriu para Hyoga e apontou para os buracos de seu corpo. — Por outro lado, veja bem como você está.

O Cavaleiro de Cisne olhou para baixo e notou que seu corpo inteiro vertia sangue por todas as picadas terríveis que abriram pequenos furos em sua Armadura. Ele tremia, pois perdia muito sangue por seus ferimentos. 

— Os buracos causados pela Agulha Escarlate dilataram-se fazendo todo o seu sangue jorrar.

Hyoga finalmente caiu de joelhos sem saber o que estava acontecendo com seu corpo, pois ele lentamente tornava-se dormente. Miro caminhou no rastro de sangue que escorria do corpo de Hyoga, a sua vista já começava a se tornar levemente turva. Ele também percebeu que não podia escutar tão claramente, de modo que seus sentidos iam se apagando um a um conforme o sangue lhe deixava o corpo. Ele tentou chacoalhar a cabeça como se para reiniciar seu cérebro, mas era inútil.

— É isso mesmo, Hyoga. Você está perdendo os seus Cinco Sentidos por causa da minha Agulha Escarlate. Em cada gota de sangue que deixa seu corpo você perde mais e mais de sua vida. 

Com um esforço monumental, o Cavaleiro de Cisne outra vez colocou-se bambo, mas de pé, e tentou acertar um soco ingênuo, fraco e lento em Miro, que esquivou-se facilmente e o atingiu no rosto, derrubando Hyoga e seu bonito elmo alado outra vez no chão.

— Já está na hora de desistir, Hyoga. Será que não consegue entender os sentimentos de Camus? — perguntou Miro.

— Os sentimentos de Camus? De meu Mestre Camus?

Miro o olhava sério no chão tentando colocar-se outra vez de pé, sem sucesso.

— Pois bem. Vou lhe contar enquanto ainda tem alguma capacidade para me entender. Vou te contar porque Camus percorreu todo o caminho de Aquário até Libra para tentar enterrá-lo para sempre. 

Hyoga aprumou-se o melhor que podia para que sua audição já combalida pudesse ouvir com clareza.

— Antes de mais nada, Camus queria saber o quanto você era determinado e qual capacidade você tinha como Cavaleiro. Por esse motivo, Camus não deu cabo de sua vida de uma só vez.

O Cavaleiro de Cisne lembrou-se de como seu Mestre Camus havia lutado.

— Camus usou seu último recurso ao ver que você se recusava a lutar contra ele, preso aos seus sentimentos.

O barco de sua mãe, lembrou-se Hyoga. Seus sentimentos represados e algemados àquelas figuras que tanto amava e que ele perdia uma a uma.

— Contou ao meu Mestre sobre ela, não foi? — adivinhou Hyoga de joelhos, mas Miro não respondeu.

— Você tinha que alcançar a Essência do Cosmo para lutar contra os Cavaleiros de Ouro. E Camus o testou para ver se você poderia despertar o Sétimo Sentido. — Miro então olhou nos olhos de Hyoga. — Mas você falhou. Você não pode.

Hyoga lembrou-se claramente de que Miro parecia repetir as palavras de seu Mestre Camus, como se entre eles houvesse realmente qualquer tipo de relação ao ponto do Cavaleiro de Escorpião ter pleno conhecimento do que havia se passado.

— Camus teve medo de que dissesse aquilo, Hyoga. — falou Miro seriamente, pois de fato sabia o que Hyoga havia confessado. — Mas era a sua verdade e então o Camus…

Miro hesitou, mas Hyoga lembrou-se da sensação eterna que foi ficar naquele gelo criado por seu Mestre.

— Camus preferiu sepultar você com as próprias mãos no esquife de gelo ao invés de deixá-lo em uma luta desesperada contra os Cavaleiros de Ouro, pois morreria sem dúvida alguma. Fez isso na esperança de que algum dia, depois de quantos anos fossem necessários para que o Mundo estivesse novamente em paz, você pudesse voltar à vida. 

O Cavaleiro de Cisne sentia uma dor em seu peito que não era provinda das Agulhas Escarlates.

— Foi com essa ideia que ele tentou poupar você desta batalha cruel. — falou Miro, sério, e adicionou: — Desta e de muitas outras.

— Mestre Camus… — balbuciou Hyoga.

Miro então afastou-se do corpo que sangrava do Cavaleiro de Cisne.

— Hyoga, eu pouparei a sua vida em respeito aos sentimentos de Camus. Terá os seus sentidos outra vez em alguns dias. Use essa segunda chance e vá embora do Santuário.

Os passos do Cavaleiro de Ouro afastando-se ecoavam em sua Casa de Escorpião; Hyoga procurava respirar, mas tinha dificuldades, queria se levantar, mas as pernas não lhe respondiam. Queria viver, mas insistiam que ele era fraco. Seu peito trêmulo ardeu lembrando-se dela e ele arrancou forças de onde podia para novamente colocar-se de pé. Seus urros de dor chamaram a atenção de Miro.

— Eu não posso. — falou Hyoga com a voz falha, seu corpo bambeando de um lado para o outro. — Nem você, ou mesmo meu Mestre Camus, tem o direito de decidir o que eu vou fazer. Vai me escutar agora, Miro!

Manteve-se de pé para encarar Miro, que o encarou de volta surpreso por vê-lo novamente resoluto.

— Eu tenho amigos para quem eu jurei dar a minha vida e eles continuam lutando desesperadamente, eu não quero que me deixem dormir apenas para sobreviver! Qual seria o sentido de sair daquele esquife quando a paz estivesse restabelecida? Minha vida vale porque estou aqui agora e é uma felicidade poder andar no mesmo caminho que os meus amigos.

Seu Cosmo ascendeu outra vez ao seu redor.

— Não importa o quão difícil isso possa ser. Houve um tempo em que eu amaldiçoava o meu infeliz nascimento, mas agora eu agradeço por ter tido a chance de viver no mesmo tempo que todos eles. 

Ele tentou atacar Miro, mas o Cavaleiro de Ouro esquivou duas vezes e o acertou com uma voadora, de forma que o corpo de Hyoga voou pelo fundo da Casa de Escorpião e saiu para o lado de fora do templo, onde ainda brilhava o sol.

O Cavaleiro de Ouro se aproximou do corpo moribundo vertendo sangue de Hyoga olhando admirado a força com que Hyoga fazia para colocar-se novamente de pé. Não deixou de apreciar o Cavaleiro de Bronze e então olhou adiante naquela enorme montanha e falou alto.

— Ouviu isso, Camus? — falou ele, sua voz ecoando nas montanhas. — Camus de Aquário, você ouviu o que ele disse? Estaremos insultando-o se nós formos misericordiosos. Tirar a vida dele será o meu reconhecimento de que ele é um valoroso guerreiro e um verdadeiro Cavaleiro. E assim o farei.

Miro olhou novamente para Hyoga que sangrava debaixo de um sol que já se encaminhava para se pôr.

— Levante-se, Cavaleiro de Cisne. — ordenou Miro, mas Hyoga tinha imensa dificuldade de se colocar de pé. — Anda, Hyoga. Levante-se! Não era isso que você queria?

A dor que Hyoga sentia pelo corpo era imensa, mas ele ouviu aquela voz de Miro muito de longe e outra vez colocou-se de pé, iluminando aquela tarde com seu cosmo gélido que parecia vacilar ao seu redor. Podia sentir, longe dos seus sentidos, a presença de Saori. Sentia claramente dentro de seu peito o Cosmo da Deusa Atena ressoando com o seu; e, impossível como fosse, seus olhos embaçados e escurecidos pareciam delirar, mas não só o rosto de Saori lhe aparecia entre as piscadas de seus olhos, mas também a garota de rabo de cavalo que ele adorava.

— Embora eu esteja perdendo todos os meus sentidos. — balbuciou ele. — O rosto da Deusa Atena está impresso na minha mente junto a todos os sentimentos que querem que eu abandone. E eles nunca me deixarão. E o mais importante é que tenho amigos queridos que me salvaram quando eu escolhi morrer. Eles empregaram todas as forças por mim. A minha vida já não pertence mais a mim. Ela é de todos. E eu preciso lutar pela nossa vitória!

Seu Cosmo estalava o gelo ao redor das escadarias com força.

— É por isso que eu voltei à vida. Eu não tenho mais nenhuma dúvida sobre isso. 

— Estamos ao seu lado, Hyoga. — ouviu ele a voz de Saori ecoar em seus ouvidos abalados.

— Agora Miro, talvez esse será o meu último golpe! Mas eu colocarei o meu Cosmo ao máximo e se eu cair vencido por você, os meus amigos tornarão realidade nosso sonho de vitória.

— Muito bem, Hyoga. Eu vou acabar com você como eu prometi.

— Adeus, amigos!

Hyoga exclamou, levantando as duas mãos unidas acima de sua cabeça; seu Cosmo ergueu-se com força e sua voz soou pela última vez forte como era clamando pelo Trovão Aurora que daria cabo do Cavaleiro de Escorpião. Não teve qualquer efeito, pois o resultado foi como todas as outras vezes: Hyoga foi picado outras cinco vezes pelas Agulhas Escarlates de Miro.

 

O garoto tropeçou na direção do Cavaleiro de Escorpião e finalmente caiu no chão em direção das escadas que subiam adiante. Parecia vencido afinal.

Miro recolheu seu Cosmo e olhou ao redor como quem havia visto uma assombração.

— O que foi isso que senti?

Ele respirou fundo e seus olhos pararam no Relógio de Fogo que marcava o arrefecer da chama do próximo templo. Sua expressão tornou-se tensa. Ele olhou novamente para Hyoga, que ainda tremia antes de morrer e então outra vez para o relógio. Deixou escapar o ar do corpo resignado antes de caminhar de volta para dentro da Casa de Escorpião com a mente confusa, pois tinha certeza de ter ouvido uma voz e sentido um Cosmo familiar em Hyoga.

Parou a marcha quando ouviu que o Cavaleiro de Cisne movia-se rastejando sobre sua própria poça de sangue até as escadarias que subiam. Seu cosmo ardendo outra vez no chão.

— Ainda está vivo, mas não vai durar muito tempo. — observou Miro. — Aonde está tentando ir, Hyoga? Quer encontrar seus amigos? Seu Mestre? Não tem mais forças para isso. 

Mas ele prosseguia e, com muito esforço, chegou aos primeiros degraus, subindo enquanto rastejava com o corpo, deixando um rastro de sangue para trás. Miro virou novamente as costas para o cadáver moribundo, mas um calafrio lhe assombrou a mente e ele lembrou-se das juras de Pégaso e Dragão logo que chegaram na Casa de Escorpião. E então aquele Cosmo que havia brilhado em Hyoga.

— Não pode ser… — ponderou ele. — Será que aquela menina é mesmo a Deusa Atena?

A pergunta que ali brotou em sua mente ao ver o esforço de Hyoga em seguir adiante já nasceu com uma resposta, pois tudo que ele precisava era a dúvida. Ou que não precisava. 

Pois se havia qualquer dúvida, qualquer chance, por menor que fosse, que aqueles meninos estivessem certos e que, afinal, a força que os levava adiante até a Oitava Casa, a Casa de Escorpião, era mesmo a Deusa Atena que sofria no pé da montanha, então sua existência como Cavaleiro de Ouro seria para sempre maculada por ter se colocado contra aquelas crianças que não desistiam de lutar contra tudo e contra todos para salvar Atena. Como Hyoga, que ainda tentava, quase morto, escalar as escadarias.

Aquela dúvida já era o veneno suficiente para que ele sentisse o calafrio que o fez correr de volta até Hyoga, aflito e decidido a acreditar.

— Hyoga. — chamou ele.

Seus olhos estavam se apagando enquanto seu corpo tremia de frio. Miro ascendeu seu cosmo dourado e acertou Hyoga com sua unha carmesim no meio do peito, afundando na pele; o cosmo de ouro parecia evaporar o veneno que percorria o corpo de Hyoga, separando-o do sangue. Os olhos de Hyoga abriram-se com mais clareza, quase como se livre de um feitiço, tamanho poder aquele Cosmo de Ouro tinha.

— Está melhor, Hyoga? Eu atingi um ponto que vai deter a hemorragia e assim seus sentidos voltarão ao normal. 

— Mas… por que, Miro?

— Se aquela garota for mesmo a Deusa Atena que eu vi lutar contra Éris, então eu estou terrivelmente enganado.

— Miro… — sorriu Hyoga. — Lutará ao nosso lado?

— Por ora. — respondeu o Cavaleiro de Ouro. — Mas você deve seguir até o próximo templo o mais rápido possível. Levante-se e vá de uma vez.

— Nós precisamos chegar até o Camerlengo. — tentou Hyoga ao pedir. — Venha conosco!

— Eu irei, Hyoga. Mas antes eu preciso evitar que dois idiotas se matem.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Pouca mudança também, apenas usei o fato de Miro ter visto Saori/Atena na batalha contra Éris dentro da trama, sem esquecer do que havia se passado.

PRÓXIMO CAPÍTUO: A TRISTE NOITE

Há 15 anos atrás uma noite triste assolou para sempre o Santuário. O dia em que o traidor Aioros atentou contra a vida da pequena Atena e deu início àquele tempo de desgraça.



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