Era uma quente tarde de verão em Armestris, uma tarde em que o sol castigava impetuosamente quem ousasse se expor a ele, embora algumas nuvens começavam a encerrar o reinado solar com timidez, indicando que provavelmente choveria ao final do dia, para alegria de todos que já não aguentavam a temperatura escaldante daquela época do ano.

Naquele momento, os famosos irmãos Elric se encontravam na estação ferroviária de New Optain, onde fizeram uma pequena parada para que Ed pudesse almoçar antes de seguirem caminho para East City e agora, esperavam o próximo trem em alguns bancos que ficavam paralelos aos trilhos de ambos os lados.

—Bem que poderiamos ficar por aqui mais um pouco.

—Você não quer voltar, Nii-san?

—Eu não quero é ver a cara do Coronel Mustang! De novo seguimos uma pista falsa! Estou até vendo ele tirando uma com a minha cara outra vez.

—Desta vez não deu certo, mas nós iremos conseguir! Mais cedo, ou mais tarde!

—Espero que seja mais cedo. Não sei se quero conhecer outro maluco como aquele padre em Liore.

Alphonse apenas respondeu com um riso paciente enquanto eles ouviam o estridente apito do trem que indicava que partiriam em breve. Os dois irmãos embarcam e sentaram-se confortávelmente nas poltronas enquanto esperavam que o trem começasse a andar, o que não demorou a acontecer.

A viagem seguia tranquila por vários minutos, a paisagem do lado de fora da janela sempre lhes fora uma ótima companhia na presença de tantos pensamentos que preenchiam sua cabeça. Mesmo tendo falhado mais uma vez, também sabiam que um passo a frente, um milímetro sequer a mais, significava que estavam mais próximos de seus objetivos e isto os davam força para prosseguir. Alguns minutos de reflexão se passam, até eles notem uma movimentação estranha dos comissários de bordo, que estavam conversando com cada um dos passageiros com um tom aflito e desconfiado, não demorando para chegar ao assento dos irmãos.

—Passagens, por favor.

—Nós já mostramos elas quando embarcamos. -Diz Edward enquanto tirava ambas passagens do bolso do casaco e mostrava ao senhor.

—Houve algum problema?

—Sim, parece que alguém embarcou no trem sem pagar. Então nós temos que conferir todos os passageiros de novo. - O senhor devolve as passagens a Ed- Bem, parece que está tudo certo por aqui. Por favor, nos perdoem pelo incômodo.

O homem se retira e os irmãos se entreolham.

—Como alguém entrou assim?

—Isso sempre acontece. Não é tão difícil entrar num trem escondido. -Ed dá de ombros, despreocupadamente. - Eu vou ao banheiro.

Ed se levanta enquanto Al permanece sentado, voltando a observar a paisagem pela janela, vendo o cenário da cidade ser trocado pelos campos verdes da área rural do país. Os comissários finalmente terminam de conferir os passageiros daquele vagão e vão em direção ao próximo. Al não dá muita atenção para esse fato e continua distraído com as árvores e colinas do lado de fora, que o fazia se lembrar muito de sua terra natal, Rizembool.

Passam-se alguns segundos desde o momento em que os comissários deixaram o vagão e em meio a sua distração e nostalgia, Alphonse pôde ouvir uma voz sussurrada vindo logo abaixo de si.

—Eles já foram?

O olhar de Al rapidamente se voltou para debaixo da mesa e para seu espanto, encontra ali uma garota que levantava parcialmente a toalha da mesa com uma das mãos e o encarava claramente tensa.

—Não. Grita.

Mas antes que pudesse processar o que ela havia lhe pedido, Alphonse grita em reflexo ao seu espanto, atraindo o olhar dos outros passageiros. Ao ouvir o grito, um dos comissários retorna ao vagão, fazendo com que a jovem arregalasse os olhos em desespero e voltasse a se esconder rapidamente.

—Algum problema, senhor?

—H-Han… er…

Há aquela altura, Alphonse já tivera tempo suficiente para processar parte do que havia acontecido. Já havia peças o suficiente para que ele soubesse que ela era a passageira clandestina que os comissários tanto procuravam. Talvez o correto fosse dizer a verdade ao comissário, mas aquele olhar de medo que ela lançou a Al quando percebeu que seria descoberta fez com que ele repensasse no assunto.

—É que… U-Um pássaro bateu no vidro e eu me assustei. Sinto muito.

Alphonse bateria na própria testa pela péssima desculpa que havia dado mas por sua sorte, o comissário de alguma forma acreditou nela. Ou então assumiu que Alphonse era louco e deixou para lá. O senhor deixa novamente o vagão e após alguns instantes, quando percebeu que era seguro, a jovem volta a visão de Al, ainda sussurrando.

—Você me ajudou! - Ela parecia surpresa

—É-É…-Alphonse ainda estava tenso.

—Foi uma péssima desculpa! -Ri levemente.- Mas obrigada!

Se Al pudesse, naquele momento teria ficado vermelho, pois o sorriso dela era radiante! Um dos sorrisos mais bonitos que já havia visto... Mas espera,  não era o momento de ficar encantado com alguém, ela lhe devia várias explicações.

—N-Não foi nada.- Al passa a olhar para a janela, para não levantar suspeitas.- Quem é você e porque está ai embaixo? Como se escondeu ai?

—Eu me chamo Ani Harris. -Ela estica sua mão educadamente e Al ainda num ar de "O que diabos está acontecendo aqui?" estica sua mão por debaixo da mesa e aperta a dela.- Estou tentando ir pra East City por isso me escondi no compartimento de malas que fica embaixo do seu banco!

—Oh. Eu nem sabia que tinha um compartimento embaixo do banco!

—Pois é! Normalmente a maioria dos passageiros colocam suas malas no compartimento de cima! -Aponta para cima, sorrindo mais largo.-E qual o seu nome?

—Eu sou Alphonse Elric!

—Muito prazer, Alphonse-san!

—Igualmente, Ani-san… -Que sorriso bonito.- ...N-Não espera! -Balança a cabeça, acordando de seus devaneios.- É você quem estão procurando, não é? A pessoa que entrou escondida!

—Bem…é. -Sorriu amarelo.

—Por que você simplesmente não pagou sua passagem? Você vai ter problemas se a encontrarem!!

—Eu paguei minha passagem! -Ela franze o cenho, numa expressão ofendida- Eu apenas perdi ela! E não dava pra comprar outra a tempo de pegar esse trem!

—Então por que não pegou o próximo?

—Porque preciso ir para East City agora! Não dá pra ser depois! Ou então vou chegar tarde demais de novo!

Ani parecia muito decidida no que dizia, já que ela precisava tão urgentemente chegar em East City depressa, então provavelmente tinha um bom motivo para entrar escondida no trem. E tecnicamente, ela pagou para estar ali. Alphonse sentia-se menos mal de ter mentido ao comissário.

—Você deve ter algo muito importante para fazer lá.- Al estava curioso

—E como!-suspira- Eu estou procurando alguém. Mas sempre acabamos nos desencontrando. Sempre quando chego onde diziam que ele estava, ele já havia ido embora.

—Quem está procurando?

—Um alquimista!-sorri

Al fica surpreso e ainda mais curioso. Talvez ela estivesse procurando por alguém que eles conhecessem, ou até quem sabe até mesmo buscando por seu irmão. Porém antes que pudesse dizer algo e saber mais sobre ela, Edward retorna, fazendo Ani voltar a seu esconderijo e deixando  o Elric mais novo tenso novamente, o que não passou despercebido por seu irmão.

—O que foi, Al?

—N-Nada, Nii-san.

Edward fica desconfiado. Alphonse era um péssimo mentiroso desde a infância e como seu irmão mais velho, o conhecia muito bem. Mas resolveu deixar quieto por hora. Pressionar Alphonse não o faria dizer o que estava o incomodando e se fosse algo importante, ele o contaria cedo ou tarde.

—Para onde nós vamos depois de reportar ao Coronel, Nii-san? - Tentou puxar conversa para disfarçar.

—Hum… Eu não sei. Talvez o Coronel tenha alguma outra pista para nós.-bufou.

—Ainda de mau-humor?

—Não é mau humor. Eu só não estou a fim de ouvir o Mustang caçoando de mim de novo.

Edward se afunda na poltrona em frustração, respirando profundamente enquanto tentava relaxar um pouco. Mas antes que pudesse pensar em descansar, sentiu todos os músculos de seu corpo se contraírem ao ter duas mãos tocando em seus joelhos e arregalar seus olhos ao ver uma pessoa surgindo por entre suas pernas.

—Você disse Mustang?

—GAAAAAAAH!! QUE QUE É ISSO?!

Com o novo berro, o pobre comissário coloca a cabeça pra dentro do vagão e observa a poltrona onde Edward e Alphonse estavam. Ed ainda estava petrificado em estado de choque, então Alphonse teve que pensar rápido e intervir! Nervosamente, olhou para o comissário, deu um riso constrangido e jogou outra explendida desculpa:

—Hãn… outro pássaro!

O comissário apenas revirou os olhos e retirou-se, enquanto resmungava que não era pago para aquilo. No instante que a poeira baixa novamente, Al volta o olhar para o irmão, que ainda não acreditava no que acontecia.

—Nii-san! Quieto! - O repreende.

—Al, o que é isso? Q-Quem é você?

—Você disse Mustang? - Ela não parecia muito abalada com a situação.

—Quê?

—Eu perguntei se você citou Mustang! Coronel Roy Mustang!

—H-Han… Sim?

—Whoaah!!- os olhos dela imediatamente brilham- Então você conhece ele?

—Eu trabalho para ele. -A respondeu num tom indignado e agora o choque tendo passado um pouco, conseguia voltar a raciocinar.- Agora me diga quem diabos é você e porque está ai!

—Eh? Então você é alquimista federal?

Antes que pudesse responder, Ed teve seus bolsos invadidos pelas mãos de Ani que tomaram para si seu relógio de bolso, o encarando em suas mãos com surpresa e admiração. Edward teria a jogado pela janela se ela não fosse uma garota e se não estivesse novamente chocado demais para ter alguma reação.

—Sim, você é! Ei, será que voc-

Desta vez Ani é quem fora interrompida com a mão de Ed sendo pressionada em seu rosto e a empurrando levemente para trás.

—Eu já respondi perguntas demais! É a sua vez de responder as minhas!- Ed parecia irritado- Primeiramente, saia daí.

—Eu não posso.

—Por que não? - Cruza seus braços, impaciente.

—Porque ela é a pessoa que entrou aqui escondida, Nii-san.

—O quê?-Ed olha para o irmão.- Você sabia disso?

—S-Sim. Ela estava escondida embaixo da poltrona. A descobri há alguns minutos, pouco antes de você voltar.

—E então você decidiu ajudar ela a se esconder? - Arqueia a sobrancelha.

—E-Ela parecia precisar mesmo estar nesse trem! Não seja tão mal, Nii-san!

Edward revira os olhos e levanta-se calmamente do assento, caminhando até a porta que separava os vagões. Os outros dois permanecem encarando a porta por onde Ed se foi, sem compreender o que ele estava pensando. Poucos minutos depois, o loiro retornou de lá na companhia de um dos comissários, fazendo o coração de Ani parar.

—Senhor, essa garota é a pessoa que vocês estavam procurando. -Apontou para ela com o polegar.

—Oh! Então é você, mocinha. -ele tinha um olhar severo- Venha comigo agora mesmo!

O senhor abaixou-se para tirar-la debaixo da mesa. Ani já estava preparada pra armar o maior escândalo possível para permanecer dentro daquele trem, mas o inicio de seu esperneio foi interrompido pelo toque da mão de Ed no ombro do homem.

—Deixe ela.-Edward calmamente retira sua carteira do bolso, entregando certa quantia de dinheiro para o senhor- Eu pago a passagem dela.

O comissário a principio fica meio incerto com aquele acordo, mas por fim, concorda com ele e pega o dinheiro das mãos de Edward, deixando o local logo em seguida para informar aos outros que poderiam parar com suas buscas.

Edward olha para Ani que ainda estava embaixo da mesa, o encarando atônina. Ao ver a expressão dela, Ed revira os olhos novamente, bufando de forma impaciente.

—Anda, sai daí. Não precisa mais se esconder.

Ainda meio sem reação, ela sai debaixo da mesa e opta por se sentar ao lado de Alphonse, já que sentia-se intimidada por Ed naquele momento. Ele não parecia ser exatamente alguém assustador, afinal, não parecia ter uma idade tão diferente da sua, mas a postura calma e até mesmo um tanto sábia que ele emanava a fazia respeita-lo instantaneamente.

—O-Obrigada.

—Não foi nada. Agora me diga, por que estava tentando viajar sem pagar?

—Eu não estava tentando viajar sem pagar!-bate nas próprias pernas demonstrando sua irritação- Eu perdi a minha passagem!  E como eu precisava embarcar pra East City agora, eu entrei mesmo assim! Eu não sou o tipo de pessoa que entra sem pagar!

—Mas é o tipo de pessoa que se esconde embaixo de bancos? –Ed ganha um tom divertido em sua voz.

—Han… Bem... -Gargalha.- A necessidade me obrigou a isso!

—Certo, certo… E qual seu nome?

—Eu sou Ani Harris!-estende a mão- Prazer em conhece-lo!

—Edward Elric.- aperta sua mão- Esse é meu irmão Alphonse.

—Oh, eu já o conheci!- Olha para Al, sorrindo.

—Bem, vamos voltar a suas perguntas. - Ed cruza seus braços.

—Você é um alquimista federal, certo?

—Sim, eu sou.

—Isso é tão legal! –Seus olhos brilham novamente.

—É, talvez. Por que quer tanto ir para East City a ponto de fazer tudo isso?

—Eu estou procurando alguém! E pelo que soube, ele está lá!

—Hum…Um namorado?

—Não! -Fecha a cara, corando um pouco.- É um alquimista federal! Ah! Alias, como você é um alquimista federal também, talvez  o conheça, não é? 

—Talvez sim, de quem está falando?

—Eu estou procurando Fullmetal Alchemist!

Alphonse e Edward se entreolham. Era obvio que Ani não sabia como Fullmetal Alchemist era fisicamente, portanto, talvez fosse melhor saber o porquê daquela busca antes de quem sabe, revelar sua própria identidade, embora ela nem de longe parecesse ser perigosa, talvez só com uns parafusos a menos. Ed tinha muitos motivos para não ser uma pessoa muito... querida por algumas pessoas.

—Hm. -Resmunga parecendo desinteressado. -  Por que está procurando ele?

—Bem... eu tenho minhas razões…-sorri levemente- Você o conhece?

—O que você sabe sobre ele?

—Eh?-Arqueia uma sobrancelha- Bem… Eu sei que ele é a pessoa mais jovem a conseguir o título de alquimista federal, um dos poucos alquimistas que conseguem transmutar sem o círculo de transmutação e também que acabou de sair de Liore! Eu estava por lá, mas acabei chegando tarde demais outra vez. Eu ouvi que tem um quartel-general em East City, e que o Fullmetal havia ido para lá! -sorri com pesar no olhar. - Eu ouvi coisas incríveis sobre ele em Liore! Eu preciso encontra-lo!

—Só isso?

—Hum… Ah! - Aumenta seu sorriso. - Eu também sei que ele tem membros feitos de aço! E por isso tem essa alcunha! Alias, falando nisso, qual é a sua alcunha, Edward-san? Eu adoro os alquimistas federais! Já li sobre todos eles e sobre os feitos incríveis que fazem pelo país! Gostaria muito de saber qual deles é você! 

Edward apoia seu queixo na palma de sua mão, analisando todas as informações que havia conseguido coletar naquele pequeno espaço de tempo sobre que tipo de pessoa aquela garota era. Não sentia absolutamente nada de ameaçador naquele olhar animado e que esbanjava um brilho ingênuo. Ed sorri levemente.

—Eu sou Fullmetal Alchemist.

—Oh, que lega….-silencio

(mais silencio)

(um pouco mais)

O que houve a seguir aconteceu de um forma tão rápida que nem um dos irmãos teve tempo de entender a cena por completo, mas em um segundo Ani estava absorvendo o que lhe fora dito e no segundo seguinte estava sobre a mesa, derrubando tudo o que estava acima dela enquanto agarrava Edward pelo seu casaco vermelho, gritando:

—GAAAAAAAAAH!!! É VOCÊ!!! NINGUÉM SAI! ELE É MEU!

—AAAH!! ME SOLTA!

Foram precisos alguns minutos e muito esforço para que Ani se acalmasse e soltasse finalmente soltasse Edward. E mais alguns segundos para convencer os funcionários e os outros passageiros que não eram completamente malucos e acabarem sendo expulsos do trem.

Naquele momento, após o término do escândalo de Ani, ela se encontrava ofegante tossindo levemente por ter gritado tanto. Ainda mantinha o olhar empolgado enquanto fitava Ed com o olhar repleto de admiração. Já o próprio esboçava um olhar indignado e também estava ofegante, bastante irritado com aquele ataque repentino. Por um momento, havia se sentido como uma pobre lebre diante da raposa mais escandalosa já existente.

—Você certamente tem… Muita energia.

—Eu…eu... NÃO ACREDITO! -levantou-se bruscamente, assustando Ed pela terceira vez naquele dia- Finalmente eu te encontrei! -Riso emocionado.- Eu encontrei Fullmetal Alchemist! Eu finalmente conseg…

E vrau. Ani estava caída sobre a mesa. Tudo o que Edward conseguia pensar era “O que está acontecendo aqui?”, pela decima vez na ultima meia hora. Alphonse cutuca a bochecha de Ani levemente e recebe um suspiro sonolento em resposta.

—Nii-san… Ela dormiu.

—Quê?- Ed a olha mais de perto- Como alguém consegue dormir assim do nada?

—Talvez estivesse cansada. Pelo que pude entender ela está atrás de você já faz um bom tempo.

Ed nada responde, apenas suspira e volta a jogar o corpo sobre a poltrona enquanto se perguntava o que havia feito para merecer todo aquele estresse. Alphonse retira Ani de cima da mesa e a deita ao seu lado, colocando suas pernas sobre seu colo para tentar deixa-la o mais confortável possível, afinal, agora que podia observa-la melhor, sua feição parecia realmente desgastada.

—Ela acabou apagando antes de dizer o que queria com você, Nii-san.

—Nós teremos tempo para perguntar depois.-Edward apoia a cabeça numa das mãos- Só espero não ser atacado de novo!