Corre, mulher escrita por Liz Setório


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Ao me olhar no espelho constato o já sabido: sou uma mulher. Biológica e psiquicamente, porém, algumas vezes queria ser um homem. Eles me parecem tão livres…

Lembro de no ensino médio ter ouvido a famosa frase de Simone de Beauvoir: ninguém nasce mulher, torna-se. Quando me tornei mulher? Ao pensar sobre essa frase, vem facilmente à minha mente três memórias.

A primeira, eu tinha cerca de doze anos, havia ido no mercadinho comprar absorventes, estava cheia de vergonha, porém fui mesmo assim. Durante todo caminho desejei que o dono do mercadinho não estivesse lá, preferia fazer a compra com a esposa dele. Todavia, ao entrar no local, dei de cara com o homem, recuei, quis voltar para casa, entretanto quando fiz menção de ir embora, ele mostrou-se muito solícito.

— Está sem dinheiro?! Pode botar na conta da sua mãe.

Fui até ele e um pouco constrangida, disse o que queria.

— É pra você?

Assenti com a cabeça.

— Olha só, já está uma mocinha… Já sabe beijar?

Novamente respondi com a cabeça, dessa vez negando.

— Posso te ensinar… Vem cá.

Naquele momento senti uma desesperada vontade de correr e assim o fiz, corri o mais rápido possível, até chegar em casa.

— Por que você está correndo assim, menina?

— Não é nada, mãe.

Quando a segunda experiência aconteceu eu já devia ter uns quinze anos. Estava indo para a escola, caminhava tranquilamente quando um carro parou perto de mim, o motorista abaixou o vidro e me deu bom dia, respondi. Pensei que ele queria alguma informação, porém nada mais ele disse.

— Moço?! O senhor quer uma informação?

— Minha rola!

Abaixei um pouco o olhar que antes estava fixo no rosto do homem e pude ver seu pênis ereto. No mesmo instante atravessei a rua correndo, mas ainda consegui ouvir o homem questionar aos brados:

— Você não gosta não?

O terceiro e último acontecimento foi um presente de aniversário, aconteceu dois dias depois de eu completar vinte e cinco anos. 

Eu havia ido para a casa de um homem, recém conhecido numa balada. Ele era extremamente bonito e toda essa beleza me deixava nervosa. Eu me perguntava incessantemente o porquê dele querer ficar comigo.

Chegando lá, assistimos a um filme sentados lado a lado, entretanto ele parecia estar completamente centrado em si, mal havia olhado para mim. Deve ter se arrependido de ter me chamado, pensei. Todavia, não demorou muito para que ele segurasse a minha mão. Na hora achei fofo, porém não demorou muito e ele passou minha mão pelo falo dele. Aquilo me deixou um pouco confusa. Eu desejava aquele homem, mas o meu desejo parecia estar sendo substituído por outra coisa.

Olhei para o rosto dele e percebi um sorriso de satisfação, num gesto rápido consegui soltar a minha mão da dele, levantei e fui embora correndo. Ele chegou a correr atrás de mim por algum tempo e ainda gritou:

— Volta aqui, eu não ia fazer nada com você… Eu sou do bem!

Depois acabei achando o perfil dele numa rede social, era simplesmente outro homem, ninguém acreditaria se contasse o que ele tinha feito comigo.

Ao pensar sobre essas situações agradeço por ter tido forças para correr. No entanto, temo que um dia isso não seja possível. 


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Notas finais do capítulo

Feliz dia da mulher pra quem? Para mim, tal data só será digna de ser comemorada quando homens e mulheres (cis e trans) tiverem igualdade de direitos.

Espero que tenham gostado da história. Fique a vontade para deixar a sua opinião. Críticas construtivas sempre serão aceitas.

Obrigada por ler :)



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